23 dezembro 2022

ETERNOS: CARMINE INFANTINO (1925-2013)


  Artista fundamental da Idade de Prata, delineou os contornos dessa nova era de esplendor dos super-heróis revividos pelo seu lápis. Ao leme da DC conjugou grandes talentos e tomou medidas controversas que lhe deslustraram o legado.

Lançada em outubro de 1956, Showcase #4 apresentou a reconfiguração moderna do Flash e assinalou o início da chamada Idade de Prata dos comics. A capa dessa edição histórica mostrava o Velocista Escarlate a sair, em passo de corrida, de uma tira de filme a preto e branco. O simbolismo da imagem era óbvio: anunciava-se o advento de uma nova geração de super-heróis. Mais dinâmica, otimista e de olhos postos no futuro.
Tanto a icónica capa como o belíssimo uniforme do novo Flash foram concebidos por Carmine Infantino, artista idiossincrático cujo traço suave e design inteligente ajudaram a definir o estilo visual de toda uma época.
A despeito de ter (re)criado personagens extremamente populares e de ser figura incontornável na história da 9ª Arte, o nome de Carmine Infantino pouco diz aos fãs atuais de super-heróis catequizados pelas megaproduções dos Estúdios Marvel ou pelas séries da CW. Foi, contudo, do lápis de Infantino que saiu a arquitetura da Idade de Prata, existindo um enlace entre o seu extraordinário percurso profissional e a história da DC. Ao serviço da qual viveu os seus momentos de maior glória mas, também, de maior controvérsia. O que só comprova que por detrás de cada lenda existe sempre um ser humano imperfeito que importa conhecer melhor.

Em 1956, Flash foi o arauto de uma nova era.

Carmine Michael Infantino nasceu a 24 de maio de 1925, no modesto apartamento que os seus pais, um casal de ascendência italiana, ocupavam no bairro nova-iorquino do Brooklyn. O seu pai, Pasquale "Patrick" Infantino, era violinista profissional antes de a Grande Depressão o obrigar a reinventar-se como canalizador. Apenas um dos muitos sacrifícios que fez para garantir o sustento da família. Carmine cresceu, por isso, a admirar o homem que lhe deu vida e o impediu de tomar decisões imprudentes.
Como tantas outras crianças daquela época de provações, o pequeno Carmine começou a trabalhar demasiado cedo. Aos 6 anos de idade já engraxava sapatos na rua com o avô materno; aos 10 levantava-se ainda de madrugada para fazer entregas com o tio, dono de uma mercearia. Biscates que reforçavam o magro orçamento familiar e que, de quando em vez, lhe permitiam comprar uma revista de banda desenhada.
Nos pouco tempos livres, Carmine gostava de ler a tira de Dick Tracy. Foi com ela que tomou o gosto pelo desenho e, sempre que podia, rabiscava figuras e edifícios. Sonhava ser arquiteto e foi animado por esse desejo que, na entrada para a puberdade, se matriculou na School of Industrial Arts (posteriormente renomeada High School of Art and Design), em Manhattan. Fizesse chuva ou fizesse sol, Carmine atravessava  a cidade a pé para assistir às aulas. Acompanhava-o nessa romaria diária Frank Giacoia, seu amigo de infância e  seu primeiro parceiro criativo.
Entre a escola e os biscates, Carmine passava o resto do tempo a tentar encontrar pessoas que trabalhassem nas histórias aos quadradinhos que tanto o fascinavam. Aos 15 anos, fez amizade com Charles Flanders, artista da tira Lone Ranger. Por sugestão de Flanders, Carmine tentou a sua sorte no estúdio de Harry "A" Chesler, um dos muitos que, desde a viragem da década de 30, providenciavam material às editoras que se aventuravam no emergente mercado dos comics.
Apesar da sua fama de velhaco, Harry Chesler revelou-se deveras atencioso com Carmine. Em vez de simplesmente despachar o jovem diletante, prontificou-se a pagar-lhe um dólar por dia para que ele aprendesse a desenhar com os profissionais do seu estúdio. Ao longo de todo o verão, Carmine aproveitou aquela espécie de estágio remunerado para aprender diferentes técnicas de ilustração e composição.
Demasiado jovens para cumprirem o serviço militar, Carmine Infantino e Frank Giacoia conseguiram o seu primeiro trabalho nos quadradinhos em 1942. Nesse ano, o primeiro passou a tinta os esboços do segundo para uma história de Jack Frost publicada em USA Comics #3, um dos títulos com maior tiragem da Timely. Joe Simon, o editor-chefe, ficou impressionado com o resultado final e ofereceu emprego aos dois amigos. Mas apenas um pôde agarrar aquela grande oportunidade.

Carmine Infantino teve o seu primeiro trabalho profissional
 publicado em USA Comics #3 (1942)

Enquanto Frank deixou a escola para começar a trabalhar na Timely, Carmine, então com 16 anos, foi impedido pelo pai de seguir as pisadas do amigo. Apesar das dificuldades económicas, agravadas pelo nascimento de um segundo filho, Patrick Infantino manteve-se irredutível na sua decisão. Para ele, a educação vinha em primeiro lugar. Carmine ficou naturalmente desapontado, mas o tempo encarregou-se de dar razão ao pai.
Nos anos imediatos, Carmine Infantino e Frank Giacoia continuaram a trabalhar em conjunto, mas já com os papéis invertidos. Era agora o primeiro quem trabalhava com o lápis, cabendo ao segundo arte-finalizar os seus esboços. Além da Timely, onde desenhavam as histórias do Tocha Humana e do Anjo, os dois amigos eram artistas freelancers na Hillman, na Holyoke e no estúdio de Jack Binder (fornecedor de material à Fawcett Comics).
1947 marcou o início da longa associação de Carmine Infantino com a DC. Em agosto desse ano saiu do prelo Flash Comics #86, que incluía o seu primeiro trabalho para a Editora das Lendas. A história, protagonizada por Johnny Trovoada, marcou a estreia da Canário Negro, cujo ousado visual concebido por Infantino se mantém praticamente inalterado até hoje. Apesar de ter sido criada como coadjuvante, a nova heroína depressa ascendeu a protagonista.
Antes de dobrar a esquina da década de 1940, Carmine Infantino era já o artista favorito do editor Julius Schwartz, que lhe confiou, entre outras, as histórias do Lanterna Verde (Alan Scott) e da Sociedade da Justiça da América.

Canário Negro foi a primeira criação de Carmine Infantino para a DC.

Com o declínio dos super-heróis trazido pelo pós-guerra, Carmine Infantino passou a desenhar histórias de faroeste, suspense e ficção científica. Admirador do trabalho de Milton Caniff, os seus protagonistas masculinos invocavam amiúde os da tira Terry e os Piratas. Independentemente do género, o trabalho de Infantino sobressaía sempre pela sua elevada qualidade. Era já apontado com um dos melhores artistas da sua geração.
Quando, em 1956, Julius Schwartz decidiu apostar no revivalismo dos super-heróis, Carmine Infantino e o escritor Robert Kanigher foram os escolhidos para criar uma nova versão do Flash. Muito diferente do seu antecessor da Idade de Ouro, Barry Allen fez a sua primeira aparição em outubro desse ano, no quarto número de Showcase. E não poderia ter causado melhor impressão junto dos leitores.
Parecendo saído de um filme de ficção científica, o novo Velocista Escarlate era um expoente de elegância retrofuturista. Funcional e de linhas simples, o seu uniforme, considerado um dos mais bonitos de sempre, transmitia uma sensação de agilidade mesmo quando o herói não estava em movimento. O seu emblema peitoral com um relâmpago estilizado depressa se tornou tão reconhecível como o S do Super-Homem ou o morcego do Batman. Nascia um novo ícone da cultura pop com assinatura de Carmine Infantino.
Estribado no dinamismo visual de Infantino e nas tramas invulgarmente maduras de Kanigher, o sucesso do novo Flash abriu caminho deslizante para a revitalização do Lanterna Verde e de outros heróis clássicos. Foi o dealbar de uma nova era de esplendor, que os historiadores adequadamente designariam como Idade de Prata. 

Sob o lápis de Infantino, as histórias do Flash eram sempre de alta rotação.

Em 1958, Infantino foi distinguido com o seu primeiro Alley Award (colecionaria 13 ao longo da carreira) pelo seu trabalho nas histórias do Velocista Escarlate. Sentiu, ainda assim, necessidade de sublimar alguns aspetos da sua arte. Nesse sentido, saudando os ensinamentos paternos, resolveu regressar à escola. Na Art Students League foi apresentado à obra impressionista de Edgar Degas e descobriu todo um novo horizonte de possibilidades. Durante essa fase de aprimoramento, o traço angular - e, por vezes, duro - de Infantino evoluiu gradualmente para um design de linhas finas influenciado pelas ilustrações de Lou Fine, Edd Cartier e outros artistas pulp.
Infantino continuou a refinar o seu estilo nos anos seguintes até se afirmar definitivamente como um dos melhores artistas da sua geração. Foi já com esse estatuto que, em setembro de 1961, desenhou outro marco importantíssimo na história da DC. Publicada em Flash #123, a história Flash of Two Worlds reintroduziu Jay Garrick e lançou as bases do Multiverso da Editora das Lendas. Curiosamente, a capa - uma das mais reproduzidas na história da 9ª Arte - foi esboçada por Infantino antes de Gardner Fox ter escrito a história. Método que se tornaria recorrente entre ambos, com as capas de Infantino a servirem de mote a ser glosado pelo escriba.
Alarmado com as fracas vendas da emblemática Detective Comics - sobre a qual impendia a ameaça de cancelamento -, em 1964 Julius Schwartz encarregou John Broome e Carmine Infantino de revitalizarem o Batman. A receita passou pela eliminação dos elementos pueris das histórias e pela modernização do visual do herói. À semelhança do Flash, sob o traço de Infantino o Cavaleiro das Trevas ganhou uma aparência ágil e elegante. De tão identificável que era o seu estilo, Infantino tornou-se o primeiro artista do Batman a não assinar o seu trabalho como Bob Kane - por quem, aliás, nunca escondeu a sua antipatia pessoal.
A alteração mais notável introduzida por Infantino no traje do Batman consistiu simplesmente na adição de uma elipse amarela ao redor do morcego estampado no peito, que se tornou parte integrante da personagem por mais de quatro décadas. 
No ar a partir de 1966, a série televisiva do Homem-Morcego com Adam West foi a primeira a adotar o novo figurino do herói, contribuindo decisivamente para o seu arreigamento no imaginário coletivo. No ano seguinte, quando os produtores exigiram uma coprotagonista feminina para a terceira temporada, Carmine Infantino criou, a meias com Gardner Fox, a versão definitiva da Batgirl. Por esta altura o artista já tinha ajudado a conceber outras personagens emblemáticas da DC, como Desafiador, Hera Venenosa e Homem-Elástico.

O novo visual do Batman tornou-se icónico.

Combinando publicidade comercial com Arte Pop, as capas desenhadas por Carmine Infantino possuíam uma jovialidade atraente que se tornou pedra de toque dos títulos da DC na Idade de Prata. Em vez de simplesmente colocarem em evidência uma determinada personagem ou situação, as capas de Infantino contavam pequenas histórias. Algumas quebravam igualmente a chamada quarta parede, com as personagens a interpelarem o público. De entre estas, a mais famosa é, provavelmente, a capa de Flash #163, na qual o Velocista Escarlate implora ao leitor: "Pare! Não deixe passar esta edição! A minha vida depende disso!". 
Em reconhecimento dos méritos de Infantino no campo do design e da composição, em 1967 a DC confiou-lhe a missão de desenhar todas as capas das suas revistas. Em concomitância, a arte interior de Infantino continuava a redefinir a linguagem visual das histórias de super-heróis. Mais notavelmente, a sua técnica de representação do frenético movimento do Flash - uma série de figuras numa enxurrada de linhas de velocidade - ainda hoje serve de modelo para desenhar o herói em ação.

As capas de Carmine Infantino eram um espetáculo à parte.

Quem também ficou rendido ao talento de Carmine Infantino foi Stan Lee. O então editor-chefe da Marvel aliciou-o a mudar-se para a Casa das Ideais a troco de 22 mil dólares. O que só não aconteceu porque Infantino preferiu aceitar - não sem alguma hesitação, dada a desvantagem salarial - o cargo de diretor de arte da DC. Mal teve, no entanto, tempo para aquecer o lugar.
Quando, em julho de 1967, a DC foi adquirida pela Kinney National Company (antecessora da Warner Bros.), Carmine Infantino foi surpreendentemente promovido a diretor editorial. No exercício dessas funções chancelou importantes mudanças com vista a reforçar a competitividade da Editora das Lendas num mercado onde a Marvel vinha ditando as regras.
Ao mesmo tempo que promovia artistas veteranos, como Joe Kubert e Mike Sekowski, a cargos editoriais, Infantino assegurou a contratação de um naipe de novos talentos. Neal Adams, Dennis O'Neill e Dick Giordano foram algumas das estrelas em ascensão trazidas para a DC pela mão do seu novo diretor editorial. Cujo mandato ficou igualmente marcado pelo lançamento de novos títulos e pela reformulação de praticamente todas as figuras de proa da DC. Outra aposta ganha foram as personagens licenciadas: Tarzan e Sombra tiveram o condão de atrair leitores da velha guarda.
Em 1970, tirando proveito das crescentes fricções entre Stan Lee e Jack Kirby, Carmine Infantino convenceu o Rei a trocar a Marvel pela DC. Nos cinco anos seguintes, Kirby, a quem foi concedida ampla liberdade criativa e outras regalias astrais, desenvolveu diferentes projetos, com destaque para a saga do Quarto Mundo protagonizada pelos Novos Deuses.
Apetrechada com grandes talentos e guiada pela visão de Infantino, a DC conseguia aos poucos equilibrar o jogo com a Marvel. Respirava-se confiança na Editora das Lendas, mas os ânimos não tardariam a ficar nublados.
A meteórica ascensão de Carmine Infantino na hierarquia da DC parecia imparável. Em 1971, assumiu as funções de publisher - espécie de diretor executivo -, dando início a um consulado tempestuoso em que, segundo os seus detratores, terá atingido o seu princípio de Peter.

Carmine Infantino fotografado no seu gabinete em 1973.

O período de Infantino como publisher correspondeu, com efeito, a uma retração das vendas mercê de más decisões de mercado e da competição acirrada - e, por vezes, desleal - da Marvel. O que não impediu as duas editoras de brindarem os leitores com o seu primeiro crossover
Apesar de ter escolhido pessoalmente Ross Andru para desenhar o histórico encontro entre o Super-Homem e o Homem-Aranha, Infantino, ao contrário do seu homólogo Stan Lee, não foi um entusiasta dessa iniciativa conjunta. Pouco tempo antes, a DC, por decisão de Infantino, aumentara o preço das suas revistas de 15 para 25 centavos. Subida inicialmente acompanhada pela Marvel, que entretanto baixara para os 20 centavos. 
Em virtude disso, Carmine Infantino ficou para sempre associado à chamada Implosão da DC, o cancelamento massivo de títulos lançados em barda para competir com o abundante material inédito que, desde o início da década de 1970, vinha sendo publicado pela Marvel. Somada ao aumento dos preços em contexto de crise económica, a proliferação de novas séries periódicas - quase sempre estreladas por personagens secundárias - revelou-se um erro estratégico que comprometeu o próprio futuro da Editora das Lendas.

Carmine Infantino apadrinhou, a contragosto, o primeiro crossover Marvel/DC.

Entre as medidas mais controversas tomadas por Carmine Infantino ao leme da DC esteve a demissão de artistas que reivindicavam royalties e outros direitos laborais, substituídos por mão-de-obra filipina muito mais barata. Ironicamente, em 2004 o próprio Infantino processou judicialmente a DC alegando ter sido espoliado dos direitos sobre várias das suas criações para a editora, incluindo o Flash. O processo seria no entanto arquivado quando as suas alegações foram consideradas improcedentes pelo tribunal.
Durante a pré-produção de Superman e Superman II, Carmine Infantino foi consultor de Mario Puzo na produção dos respetivos enredos. Apesar de o seu contributo ter sido determinante para o sucesso dos filmes, Infantino não foi sequer creditado. Isto depois de ter feito tudo ao seu alcance para boicotar a campanha pelo reconhecimento dos direitos de Jerry Siegel e Joe Shuster que antecedeu a chegada do Homem de Aço aos cinemas.
À beira da falência devido à má administração, em julho de 1976 a DC demitiu Carmine Infantino. Embora os contornos desta decisão permaneçam até hoje pouco nítidos, sabe-se que não se tratou de um processo amigável. Fazendo jus à sua forte costela italiana, Infantino terá reagido intempestivamente, jurando que nunca mais voltaria a trabalhar para a empresa.
Após a sua saída da Editora das Lendas, Infantino procurou, em vão, novo cargo executivo. Decidiu então regressar às origens, tornando-se artista freelancer da Warren Publishing e da Marvel. O ponto alto da sua passagem pela Casa das Ideias aconteceu quando desenhou Star Wars, título que ajudou a transformar no maior campeão de vendas do mercado. 

Na Marvel, Infantino fez de Star Wars um best-seller

Contra todas as expectativas, Carmine Infantino regressou à DC em 1981. Reassumindo, nesse mesmo ano, a série mensal do Flash, à qual continuou a emprestar o seu traço até ao cancelamento nas vésperas da Crise nas Infinitas Terras. The Daring New Adventures of Supergirl e V (título mensal vinculado à série televisiva homónima) foram outros dos projetos em que deixou a sua impressão digital durante essa segunda passagem pela Editora das Lendas. 
Antes de se aposentar, a meio da década de 1990, Carmine Infantino rendeu Marshall Rogers na tira diária do Batman e lecionou na prestigiada School of Visual Arts. Alçado ao patamar de lenda viva dos quadradinhos, continuou a atrair os holofotes mediáticos por via das suas aparições regulares em convenções de fãs, onde participava em conferências e vendia exemplares autografados da sua autobiografia intitulada The Amazing World of Carmine Infantino
O dia 4 de abril de 2013 foi o último que Carmine Infantino viu nascer. A poucas semanas de cumprir o seu 88º aniversário, o artista faleceu, de causas naturais, no seu apartamento em Manhattan. O homem que um dia sonhou ser arquiteto levou consigo a memória descritiva da Idade de Prata. Criou personagens que ainda hoje são amadas e elaborou o estilo visual da narrativa gráfica para as gerações vindouras. Apesar das controvérsias, o seu prestígio na comunidade artística saiu incólume. Desde 2000 que o nome de Carmine Infantino figura no Jack Kirby Hall of Fame que imortaliza outros grandes vultos da 9ª Arte. Homenagem merecida a quem teve na genialidade a fonte e o esteio da sua exuberante obra.

Lançada em 2001, a autobiografia de Carmine Infantino é o testemunho de diferentes épocas.


*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Artigos sobre Gardner Fox, Neal Adams, Dennis O'Neill, Timely Comics, Super-Homem contra Homem-Aranha e Batgirl disponíveis para leitura complementar.







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31 outubro 2022

HERÓIS EM AÇÃO: WOLVERINE


  De todos os animais selvagens, o mais perigoso é o homem sem passado. O de Logan foi-lhe roubado por aqueles que o transformaram numa arma viva e difícil de matar. Fera acuada com alma de samurai, ele é o melhor no que faz. Mas o que ele faz não é bonito de se ver.

Denominação original: Wolverine
Editora: Marvel Comics
Criadores: Roy Thomas (nome e conceito), Len Wein (história) e John Romita Sr. (arte conceptual)
Estreia: The Incredible Hulk #180 (outubro de 1974)
Identidade civil: James Howlett (vulgo Logan)
Espécie: Mutante
Local de nascimento: Cold Lake, na província canadiana de Alberta.
Parentes conhecidos: Thomas Logan (pai, falecido); Elizabeth Howlett (mãe, falecida); John Howlett (padrasto, falecido); Dog Logan (meio-irmão paterno); John Howlett Jr. (meio-irmão materno, presumivelmente falecido); Laura Kinney / X-23 (filha por doação genética); Itsu (esposa, falecida); Akihiro/Daken (filho)
Ocupação: Homem dos mil ofícios, Logan já foi mineiro, samurai, soldado, mercenário, espião, barman e até instrutor na Escola Xavier para Jovens Sobredotados.
Base de operações: Tradicionalmente, a Mansão X, quartel-general dos X-Men localizado em Salem Center, na periferia de Nova Iorque. Quando age à margem da equipa, o seu espírito errante pode levá-lo a qualquer parte do globo.
Afiliações: Apesar da sua reputação de lobo solitário, Wolverine gosta de andar em alcateia. Antes de se associar aos X-Men, com os quais mantém a sua ligação mais conhecida e duradoura, fez parte do Clã Yashida, do Programa Arma X e do Departamento H.
Némesis: Dentes-de-Sabre
Poderes e parafernália: Wolverine é um mutante com múltiplos aprimoramentos naturais e artificiais na sua fisiologia. Consistindo num processo natural de cicatrização acelerada, o seu poder principal é commumente designado fator de cura. Graças a ele, os ossos e tecidos moles do seu corpo, quando danificados, regeneram-se a uma velocidade muito superior ao normal. 
Adicionalmente, o fator de cura de Wolverine confere-lhe uma elevadíssima eficiência metabólica que aumenta a sua resistência a drogas e venenos. Ele pode, ainda assim, sentir os efeitos imediatos de tais substâncias, se administradas em grandes quantidades. Certa vez, a SHIELD conseguiu mantê-lo sedado durante vários dias bombeando ininterruptamente doses cavalares de um potente anestésico na sua corrente sanguínea.
Sem o seu milagroso fator de cura, Wolverine não teria sobrevivido ao procedimento cirúrgico experimental que infundiu, a nível molecular, o seu esqueleto com adamantium, tornando-o virtualmente indestrutível. 
Ao induzir um constante rejuvenescimento celular, o fator de cura de Wolverine retarda também, de forma drástica, o seu processo de envelhecimento. Apesar de ter vindo ao mundo no último quartel do século XIX, Logan conserva a aparência e a vitalidade de um homem de meia-idade no seu auge físico.
O fator de cura de Wolverine não suprime no entanto o sofrimento físico resultante dos ferimentos e traumas que lhe são infligidos. Mesmo após a cicatrização dos mesmos, ele afirma sentir dores fantasmas ao longo de semanas ou até meses.
A velocidade a que Wolverine consegue curar-se varia, aparentemente, consoante a extensão e gravidade das respetivas lesões. Quanto maior for o perigo de vida, mais rápido é o processo de regeneração. Mas nem sempre foi assim.
Originalmente, o fator de cura só era eficaz em pequenas lesões e requeria sempre a mesma quantidade de tempo para atuar. Com o passar dos anos, porém, a sua ação foi sendo maximizada, ao ponto de Wolverine poder agora regenerar, em questão de minutos, órgãos danificados e membros amputados. No limite, ele pode reconstituir-se depois de ter sido esquartejado e/ou incinerado. Matá-lo tornou-se missão quase impossível.

O fator de cura mutante de Wolverine
 permite-lhe sobreviver a ferimentos potencialmente fatais.
Devido à sinergia do seu fator de cura com os escudos psiónicos de alto nível implantados pelo Professor Xavier, a mente de Wolverine é quase inexpugnável a sondagens e agressões telepáticas. Derrubar essas defesas constitui tarefa árdua, mesmo para os telepatas mais poderosos.
O fator de cura de Wolverine afeta igualmente vários dos seus atributos físicos, aumentando-os para níveis sobre-humanos. Dotado de sentidos hiperaguçados, ele consegue ver com clareza a grandes distâncias, identificar alvos pelo cheiro e até ouvir batimentos cardíacos. Habilidades que fazem de Wolverine um dos melhores rastreadores do mundo. De tão apurado, o seu olfato permite-lhe, ademais, reconhecer transmorfos, mesmo quando estes assumem a aparência de outrem.
Contrariamente ao inicialmente sugerido, as garras retráteis de Wolverine (3 em cada mão, medindo cada uma exatos 30 cm) não são implantes biónicos aplicados pelo Programa Arma X. Antes de Logan ter tido o seu esqueleto reforçado com adamantium, as suas garras eram excrescências ósseas extremamente densas, que lhe permitiam cortar e perfurar facilmente a carne dos seus adversários. Dada a ausência de orifícios naturais para o efeito, desembainhá-las implica sempre rasgar a pele das mãos. Processo doloroso mitigado pelo fator de cura e pelos picos de adrenalina.
Atualmente revestidas com adamantium, as garras de Wolverine, inquebráveis como cada osso no seu corpo, podem cortar qualquer material sólido, incluindo metais, madeira e algumas variedades de pedra. As únicas exceções conhecidas são o próprio adamantium e a liga de vibranium e protoadamantium de que é feito o escudo do Capitão América. No entanto, a capacidade de Wolverine para cortar completamente uma substância depende tanto da espessura da mesma como da força que ele consegue exercer. Levando em conta que Logan consegue levantar aproximadamente meia tonelada, poucos são os materiais capazes de resistir às suas violentas arremetidas.
Ainda que Wolverine prefira, quase sempre, usá-las para fins ofensivos, as suas garras possuem diferentes utilidades: bloquear ataques, desviar projéteis ou escalar estruturas são algumas delas. Não raro, Logan usa-as também para intimidar inimigos ou como instrumentos de persuasão em interrogatórios.

De osso ou metal, as garras 
 causam sempre dor ao próprio Wolverine.
Durante a sua longa estada no país do Sol Nascente, Logan tornou-se proficiente em múltiplas artes marciais e no manejo de espadas e outras armas brancas. Lutador exímio, possui ainda amplo conhecimento do corpo humano e dos pontos de pressão suscetíveis de incapacitarem os seus adversários. Sem nunca dar uma luta por perdida, o seu lema é "antes quebrar que torcer".
Quando em combate, Wolverine é por vezes tomado por uma fúria assassina que traz à tona o seu lado animalesco. Nesse estado irracional, ele ataca ainda com maior ferocidade, estraçalhando os seus alvos das maneiras mais horríveis. Apesar da sua aparente facilidade em tirar vidas, Logan odeia ceder aos seus instintos homicidas, os quais procura reprimir aderindo ao draconiano código de honra dos antigos samurais.
Em contraste com esta sua natureza brutal, Wolverine demonstra uma enorme empatia pelos animais, com os quais consegue mesmo comunicar a um nível básico. Fruto das muitas viagens que fez pelo mundo, é também um profundo conhecedor de culturas estrangeiras, mormente da japonesa, sendo fluente em dezenas de idiomas e dialetos indígenas.
Devido ao treino recebido durante a sua colaboração com o Departamento H e outras agências governamentais, Wolverine é também um assassino altamente eficiente e um especialista em operações furtivas. Por tudo isto, ele é o melhor no que faz. Mas o que ele faz não é bonito de se ver.

O escudo do Capitão América é uma das raras coisas
que as garras afiadas de Wolverine não conseguem cortar.

Fraquezas: Nos chamados Protocolos Xavier, planos de contingência elaborados pelo Professor X para neutralizar os mutantes mais poderosos caso eles se tornem ameaças, teoriza-se que a decapitação poderá ser a forma mais eficaz de matar Wolverine.
Separar a cabeça do corpo impediria o cérebro de Logan de enviar sinais para os tecidos destruídos, inibindo assim a ação do seu fator de cura. Devido ao seu esqueleto inquebrável, tal só seria no entanto possível se o golpe fosse desferido pela lâmina mística da espada Muramasa.
Forjada, quase um século atrás, por um lendário ferreiro japonês do mesmo nome, a espada Muramasa é capaz de cortar qualquer coisa - inclusive adamantium - ao nível molecular. Por também lhe anular o fator de cura, o próprio Wolverine já admitiu ser ela a única arma capaz de matá-lo.
Não obstante ser um excelente nadador, Wolverine tem a sua flutuabilidade reduzida pelo peso extra (aproximadamente 45 kg) que o adamantium acrescenta ao seu corpo. Em razão disso, o afogamento constitui uma alternativa mais simples do que a decapitação.
Com efeito, mesmo conseguindo suster a respiração debaixo de água por largos minutos, a privação de oxigénio no cérebro de Wolverine acabaria por induzir a morte celular. Nesse cenário, o seu fator de cura serviria apenas para prolongar-lhe a agonia.
A presença de metal no organismo de Wolverine, torna-o também extremamente vulnerável a ataques magnéticos. Ninguém soube explorar melhor essa sua fraqueza do que Magneto quando lhe arrancou o esqueleto de adamantium, quase matando-o no processo.
O próprio adamantium pode, de resto, virar-se contra Wolverine. Se o seu fator de cura falhar ou for desabilitado por tempo suficiente, o envenenamento causado pelo metal poderá custar-lhe a vida. É, pois, caso para dizer que aquilo que o mata também o torna mais forte.

Afogamento é um dos métodos mais simples de matar Wolverine.


Animal feroz

No início dos anos 1970, os super-heróis estavam novamente em alta no Canadá, cuja indústria dos comics colapsara no pós-guerra. Ansioso por explorar o gigantesco mercado do Grande Vizinho do Norte, Roy Thomas, editor-chefe da Marvel, incumbiu Len Wein, argumentista do Hulk, de criar um coadjuvante canadiano para uma história do Golias Esmeralda.
Thomas tinha em mente uma personagem cuja baixa estatura seria inversamente proporcional à sua ferocidade. Características correspondentes a dois dos mamíferos mais comuns na fauna canadiana: o texugo (badger) e o glutão (wolverine). Devido à proximidade fonética com wolf (lobo), a escolha de Thomas incidiu sobre o segundo. Curiosamente, menos de uma década depois Mike Baron criaria, para a defunta Capital Comics, um pastiche de Wolverine chamado Badger.

Pequeno e feroz, o glutão é também conhecido como carcaju.

Chamado a conceber o visual de Wolverine, John Romita, diretor artístico da Marvel, apetrechou-o com garras retráteis, originalmente acopladas às luvas do seu uniforme. Embora tenha feito a sua primeira aparição no último painel de The Incredible Hulk #180, foi só no número seguinte que os leitores viram Wolverine em ação. À primeira vista, tratava-se apenas de outra personagem genérica sem história de fundo. Ninguém - nem os próprios autores - poderia, pois, imaginar o fulgurante destino que lhe estava reservado.
Ao longo da história em questão, Wolverine gabava-se constantemente da letalidade das suas garras de adamantium, que quase ninguém sabia o que era (ver Miscelânea). Ademais, a palavra "mutante" era ainda estranha ao vocabulário de muitos leitores, pelo que esta sua primeira aparição foi insuficiente para classificá-lo como herói ou vilão. Essa ambiguidade moral seria, aliás, uma das chaves para o vindouro sucesso de Wolverine.

Alguns dos esboços iniciais de John Romita para o visual de Wolverine.

Perante a reação positiva dos fãs, Roy Thomas acelerou o relançamento dos X-Men, que vinha preparando já há algum tempo. A hipotética inclusão de Wolverine na nova formação internacional da equipa era agora ponto assente.
Wolverine só voltaria, assim, a dar um ar da sua graça em Giant Size X-Men #1, edição histórica que, em maio de 1975, apresentou ao mundo a iteração moderna dos Filhos do Átomo. Apesar de a arte interior ter ficado a cargo de Dave Cockrum, foi o veterano Gil Kane quem desenhou a respetiva capa. Descontente com a máscara que Romita criara para Wolverine, Kane tomou a liberdade de modificá-la, ampliando-lhe as hastes laterais. Visual distinto que, tal como o penteado diabólico de Logan, se tornaria uma das imagens de marca da personagem.
Apesar da estreia auspiciosa na revista do Hulk, Wolverine foi inicialmente ofuscado pelos outros X-Men. Arrogante e truculento, gerava tensões no grupo e estava longe de ser benquisto pelos leitores. O próprio escriba de Uncanny X-Men, Chris Claremont, antipatizava com Logan e chegou mesmo a ponderar eliminá-lo.

O regresso de Wolverine em Giant Size X-Men #1 (1975).

Tudo mudaria, porém, com a chegada de John Byrne. Também ele nascido na Terra do Xarope de Ácer, Byrne bateu-se pela continuidade do seu compatriota, modelando a sua versão de Wolverine no ator Paul D'Amato no filme Slap Shot (1977). Isto apesar de ter sido Dave Cockrum o primeiro a desenhar Logan desmascarado, apresentando-o como um homem de meia-idade hirsuto e de olhar penetrante.
Sob o virtuoso lápis de Byrne (que era, também, coargumentista), Wolverine passou de mal-amado a coqueluche. A sua crescente importância nos X-Men exigia que fosse levantado o véu que ainda cobria a sua origem. Se a proposta de Claremont tivesse vingado, Wolverine seria um filhote de glutão transformado em humano por meio da bioengenharia do Alto Evolucionário. Uma bizarria que mereceu a rejeição epidérmica do próprio Stan Lee.
Antes de trocar a Marvel pela DC, a meio da década de 80, Byrne criou um novo uniforme para Wolverine, em tons de castanho e laranja, e apresentou a sua própria origem da personagem. Nesta versão (nunca publicada), Wolverine era o filho de Dentes-de-Sabre e o seu esqueleto fora revestido com adamantium porque o fator de cura mutante não funcionava nos seus ossos.

Paul D'Amato serviu de modelo ao Wolverine de John Byrne.

Em 1988, já depois de ter protagonizado duas aclamadas minisséries ambientadas no Japão, Wolverine tornou-se o primeiro mutante a ter a sua própria revista mensal. A reboque da sua popularidade, na década seguinte multiplicar-se-iam os títulos estrelados pelos X-Men e seus derivados. Um autêntico boom de mutantes que teve o seu culminar mediático com a chegada dos X-Men ao cinema em 2000.
Wolverine teve, por fim, o seu passado revelado em Origin, minissérie lançada em 2001 que revisitava os verdes anos do mais famoso dos X-Men, trazendo à luz factos surpreendentes.(ver texto seguinte).
Se é verdade que Wolverine deve boa parte do seu sucesso aos X-Men, a recíproca não é menos verdadeira. Chris Claremont sempre definiu Wolverine como uma personagem universal e atemporal, a encarnação moderna do aventureiro arquetípico que existiu em todas as épocas e lugares. Ao enlaçar a história de Logan com a do Japão feudal, Claremont transformou-o num samurai fracassado para quem a honra é tudo, ao mesmo tempo que deseja secretamente uma morte graciosa. Tantas vezes marcado para morrer, Wolverine é no entanto difícil de matar e promete andar por cá ainda por muitos e bons anos.

Wolverine foi o primeiro mutante a ter revista própria, em 1988.


Memórias mutiladas

Marcado por tragédias, traições e manipulações, o passado de Wolverine é ainda um quebra-cabeças incompleto onde ele tenta, a custo, encaixar as suas memórias mutiladas. Sem registo conhecido da sua data de nascimento e com a longevidade expandida pelo seu fator de cura mutante, ninguém sabe ao certo há quanto tempo caminha ele pelo mundo. Apenas que os seus passos deixam sempre um rasto de sangue e morte.
Durante muito tempo conhecido apenas como Logan, sabe-se agora que James Howlett é o nome batismal de Wolverine. Cuja misteriosa vida terá principiado algures na penúltima década do século XIX em Cold Lake, na província canadiana de Alberta.
Apesar de ter sido perfilhado em bebé por John Howlett, um abastado proprietário agrícola, James é na verdade o filho ilegítimo da sua esposa Elizabeth com Thomas Logan, o caseiro da herdade familiar. Frágil e com várias alergias, o pequeno James passou os primeiros anos de vida trancafiado em casa. À saúde precária somava-se a indiferença da mãe, ainda emocionalmente devastada pela morte súbita do primogénito.
Certo dia, uma menina irlandesa chamada Rose foi trazida para ser amiga e cuidadora de James. Os dois logo se tornaram inseparáveis, oferecendo também a sua amizade ao outro filho de Thomas Logan, conhecido simplesmente como Cão (presumivelmente, o futuro Dentes-de-Sabre).

Dias felizes do pequeno James Howlett.

As três crianças cresceram juntas até ao dia em que o Cão, ressentido pelos abusos do seu pai alcoólico, tentou violar Rose. Na esteira desse incidente, Thomas Logan e o filho foram expulsos da herdade. Antes de partir, Logan, tentou, porém, forçar Elizabeth a acompanhá-lo. Da violenta refrega que se seguiu resultou a morte de John Howlett, baleado à queima-roupa por Logan.
O choque de testemunhar o assassínio do pai desencadeou a primeira manifestação dos poderes mutantes de James. Com a fúria a revirar-lhe as entranhas, o rapaz, qual fera selvagem, usou as garras que lhe afloraram das mãos para estraçalhar Logan e desfigurar o rosto do Cão.
Profundamente transtornada, Elizabeth usou a arma do ex-amante para tirar a própria vida e acrescentar mais uma conta ao rosário de desgraças que seria a vida de James.
Depois de uma fuga alucinada que os levou até à Colúmbia Britânica, James e Rose instalaram-se numa pedreira, na esperança de lá poderem viver em paz. Sabendo que a polícia andava no encalço de James, Rose rebatizou-o de Logan. Já os colegas de James, divertidos com a obstinação com que ele escavava, alcunharam-no de Wolverine.
Anos mais tarde, quando o Cão reapareceu para ajustar contas, Logan enfrentou-o, acabando por ferir mortalmente Rose com as suas garras. Com o remorso aninhado na alma, Logan abandonou o acampamento e passou uma longa temporada no deserto a viver entre os lobos.
A partir daqui, tudo se torna nubloso. Logan possui várias memórias do período que se seguiu ao seu regresso à civilização - entre elas, a vida como samurai ao serviço do Clã Yashida, no Japão - , ignorando, todavia, se as mesmas são reais ou se lhe foram implantadas durante a sua participação forçada no Programa Arma X.
Logo após a II Guerra Mundial - em que terá combatido pelos Aliados - , Logan foi usado como cobaia nesse projeto militar ultrassecreto do Governo canadiano, que tinha como propósito a criação do assassino perfeito. Submetido a um complexo recondicionamento mental, Logan recebeu memórias falsas e teve o seu esqueleto recoberto com adamantium.

O Programa Arma X transformou Wolverine no assassino perfeito.

Quando, por fim, logrou evadir-se do seu cativeiro, Logan foi recrutado pelo Departamento H, agência federal responsável pela monitorização das atividades meta-humanas em solo canadiano. Na sua primeira missão oficial, Wolverine foi mobilizado para travar a destruição causada pelo Hulk.
Apesar de Logan quase não ter sobrevivido ao confronto com o Gigante Verde, as suas capacidades impressionaram o Professor Charles Xavier. Recrutado para os X-Men - exilados, como ele, da raça humana - Wolverine, ultrapassadas as desconfianças mútuas, encontrou neles a sua nova família. Pela qual já tantas vezes provou estar disposto a matar e a morrer.

Miscelânea

*Devido à sua pequena estatura (mede apenas 1,60m), Wolverine é habitualmente alvo de chacota tanto por parte de amigos como de inimigos. Ironicamente, a sua alcunha mais conhecida referencia o Monte Logan. Chris Claremont pensou que seria engraçado batizar o mais baixinho dos X-Men com o nome da montanha mais alta do Canadá. Indiferente à galhofa, Logan continua a provar que, quando se tem um fator de cura e garras afiadas, o tamanho deixa de ser importante;
*350 dólares. Foi essa a irrisória quantia que a criação de Wolverine, um dos mais valiosos ativos da Casa das Ideias, rendeu a Len Wein. Isto porque a Marvel detém automaticamente os direitos de todas as personagens e conceitos publicados sob a sua chancela. No início dos anos 1990, essa cláusula contratual motivou a debandada de  muitos dos talentos da editora, alguns dos quais fundariam depois a Image Comics;
*Adamantium, o metal fictício virtualmente inquebrável que reforça o esqueleto de Wolverine, é uma liga de aço artificial cuja composição química exata é um dos mais bem guardados segredos do Governo americano. Sabe-se apenas que as suas propriedades únicas não o qualificam para nenhum espaço conhecido na Tabela Periódica de Elementos, e que o seu processo de fabrico, mesmo em quantidades reduzidas, é extremamente dispendioso. Conceito desenvolvido por Roy Thomas e Barry Windsor-Smith, o adamantium foi referenciado pela primeira vez em maio de 1969, no 66º número de Avengers;

Ultron foi o primeiro usuário do adamantium. 

*Chris Claremont foi missionário da ideia de que Apocalipse seria o responsável pela colocação de adamantium no esqueleto de Wolverine. Quando explorou o passado de Logan no Programa Arma X, Barry Windsor-Smith introduziu, por isso, uma figura misteriosa que atuava nos bastidores e cujas ordens eram obedecidas pelo Professor Truett Hudson. Tratou-se, porém, de um cortesia profissional de Windsor-Smith, a quem o envolvimento de Apocalipse na origem de Wolverine não agradava particularmente;
*De modo a contornar os detetores de metais nos aeroportos e noutras instalações de alta segurança, Logan é portador de um certificado médico informando da sua condição de veterano de guerra com uma placa de platina na cabeça;
*Um estudo realizado em 2013 pela Universidade da Colúmbia Britânica compara o fator de cura mutante de Wolverine à capacidade do axolote regenerar membros perdidos. Os cientistas deram, por isso, o nome de Howlett à nova proteína descoberta em amostras de tecidos desse pequeno anfíbio aparentado com as salamandras;
*Até então inseparável do seu charuto, Wolverine desistiu de fumar quando, em 2001, Joe Quesada foi promovido a editor-chefe da Marvel. Quesada, cujo avô, fumador inveterado, sucumbira a um cancro no pulmão, proibiu os artistas da editora de desenharem cigarros e afins. Na senda desse fundamentalismo antitabágico, algumas capas antigas em que Logan surgia a fumar foram digitalmente retocadas;
*De Badger (First Comics) a Ripclaw (Image), passando por Bloodshot (Valiant), é difícil enumerar todos os pastiches, mais ou menos óbvios, de Wolverine. Também ele foi, no entanto, inspirado numa personagem preexistente: Lobo Cinzento, da Legião dos Super-Heróis. Às inegáveis semelhanças visuais, acresce a circunstância de ambos terem sido infundidos com um metal exótico (zuunium, no caso do seu congénere da DC);

Lobo Cinzento foi criado exatos 10 anos antes de Wolverine.

*No Universo Amálgama, Wolverine foi fundido com Batman, originando o Garra das Trevas (Dark Claw. em inglês). A sua história de fundo combinava igualmente elementos retirados das origens das duas personagens: ainda criança, Logan Wayne testemunhara o assassínio dos seus pais e, em adulto, fora recrutado para o Programa Arma X. Na sua campanha em prol da justiça, Garra das Trevas era adjuvado por uma adolescente chamada Pardal (mescla de Robin e Jubileu) e tinha no sádico Hiena (híbrido Joker / Dentes-de-Sabre) o seu arqui-inimigo;
*Um dos super-heróis mais populares em todo o mundo, em 2008 Wolverine encabeçava a lista das 200 melhores personagens dos comics divulgada pela revista Wizard. Por conta da sua presença maciça nos quadradinhos (12912 aparições registadas até março deste ano), Wolverine é a terceira personagem mais publicada de todos os tempos, atrás  apenas de Batman e Super-Homem. Note-se, no entanto, que o histórico de publicação dos dois primeiros classificados teve início no final da década de 1930;
*Ao lado dos X-Men, Wolverine fez a sua estreia no segmento audiovisual em 1982, num episódio da 2ª temporada de Spider-Man and His Amazing Friends, intitulado "A Fire-Star is Born". Entre 2000 e 2017, foi interpretado no cinema pelo australiano Hugh Jackman, que, a despeito do ceticismo inicial dos fãs, se tornou o ator que durante mais tempo deu vida a um super-herói. 

Hugh Jackman interpretou Wolverine em seis filmes, três dos quais a solo.



*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Artigos sobre Roy Thomas, John Byrne, Dentes-de-Sabre, X-23 e X-Men, o filme  disponíveis para leitura complementar.



16 setembro 2022

RETROSPETIVA: «HOMEM-ARANHA 2»


  Fragilizado por uma crise existencial causada pelas tribulações da sua vida dupla, Peter Parker resolve pendurar as teias para enfrentar os seus dramas pessoais. Mas logo percebe que não tem como escapar ao seu destino, quando os tentáculos de um novo inimigo envolvem Nova Iorque num abraço mortal.

Título original: Spider-Man 2
Ano:  2004
País: Estados Unidos da América
Duração:  127 minutos
Género: Ação / Drama / Super-heróis
Produção: Columbia Pictures, Marvel Enterprises e Laura Ziskin Productions
Realização: Sam Raimi
Argumento: Alvin Sargent, Alfred Gough, Miles Millar e Michael Chabon
Distribuição: Sony Pictures Releasing
Elenco: Tobey Maguire (Peter Parker / Homem-Aranha); Alfred Molina (Otto Octavius / Doutor Octopus); Kirsten Dunst (Mary Jane Watson); James Franco (Harry Osborn); Rosemary Harris (May Parker); J.K. Simmons (J. Jonah Jameson); Donna Murphy (Rosie Octavius)
Orçamento: 200 milhões de dólares
Receitas globais: 798 milhões de dólares

Anatomia de uma sequela sublime

Antes mesmo de Homem-Aranha chegar aos cinemas, Avi Arad, presidente executivo da Marvel Enterprises (antecessora da Marvel Studios), renovou contrato com Sam Raimi para dirigir uma sequência. Apesar da ausência de um argumento e da indefinição em torno do orçamento da produção, Raimi não pensou duas vezes em aceitar a empreitada.
Em abril de 2002, Michael Gough e Miles Millar, guionistas de Smallville, foram contratados para escrever o argumento. No mês seguinte, depois de Homem-Aranha ter alcançado uma estreia recorde de 115 milhões de dólares, a Sony Pictures alocou 200 milhões de dólares ao projeto. Valor astronómico que, à data, faria de Homem-Aranha 2, ex aequo com Titanic (1997), o filme mais caro da história do cinema.
Reticentes quanto ao enredo proposto pela dupla Gough / Millar - que apresentava um tríptico de antagonistas composto pelo Dr. Octopus, Gata Negra e Lagarto - em setembro de 2002 os produtores contrataram Michael Chabon para escrever um argumento alternativo. Nesse segundo rascunho, Otto Octavius era um jovem e brilhante cientista enamorado por Mary Jane, sendo Peter Parker o outro vértice de um triângulo amoroso. Octavius era, também, o criador da aranha geneticamente modificada responsável pelos poderes de Peter. Sedento de vingança, Harry Osborn oferecia uma recompensa de dez milhões de dólares pela captura do Homem-Aranha. Uma vez transformado no Doutor Octopus, Octavius formava uma aliança com Harry contra o inimigo comum.


Lagarto e Gata Negra foram cogitados para vilões.

Raimi pretendia, ao invés, explorar o conflito entre os dramas pessoais de Peter Parker e as responsabilidades sociais da sua sua persona heroica. Com base nesse pressuposto, a maior parte das ideias de Chabon foram rejeitadas pelo realizador.
A título de favor pessoal à produtora Laura Ziskin, o veterano Alvin Sargent (vencedor de dois Óscares para melhor argumento adaptado), aceitou limar as arestas do enredo, indo ao encontro das pretensões temáticas de Sam Raimi. Por indicação deste, Sargent fez de Spider-Man No More (Homem-Aranha Nunca Mais), história clássica da Idade de Prata, a sua principal fonte de inspiração. Em homenagem à revista mensal homónima, o filme foi provisoriamente titulado The Amazing Spider-Man.
Apesar do seu reconhecido apego ao cânone, Raimi alterou significativamente a história de fundo do Doutor Octopus, acrescentando uma relação pessoal com Peter Parker. A ideia era que essa amizade prévia ajudasse a esconjurar os demónios de Octavius simbolicamente representados pelos seus tentáculos.

A história que inspirou o filme
 foi uma das mais marcantes da Idade de Prata.

Ed Harris, Chris Cooper, Robert De Niro e Christopher Walken foram alguns dos atores cogitados para dar vida a Otto Octavius. Por recomendação da esposa de Sam Raimi, rendida à atuação de Alfred Molina em Frida (2003), o ator britânico foi escalado para o papel. Grande fã do Universo Marvel, Molina fez questão de manter aquela que considerava ser a marca de água do Doutor Octopus: o seu sentido de humor cruel e retorcido.
Apesar de o contrato que assinou prever a sua participação em três filmes, Tobey Maguire esteve em risco de perder o papel principal.  Maguire alegava ter-se ressentido de uma antiga lesão nas costas, que o impedia de voltar a vestir a pele do herói aracnídeo. Os produtores suspeitavam que tudo não passaria de um estratagema do empresário do ator para obter um cachê mais robusto, e encetaram negociações com Jake Gyllenhaal com vista à substituição de Maguire. Este acabaria, contudo, por recuperar o papel graças à intercessão do pai da namorada - ninguém menos que o presidente da Universal Studios.

Jake Gyllenhaal quase substituiu Tobey Maguire.

Ainda sem uma versão finalizada do argumento, a produção arrancou em novembro de 2002, com uma pré-filmagem em Chicago. Raimi queria que a história tivesse como pano de fundo uma Nova Iorque idealizada, incluindo comboios elevados. Dada a inexistência desses veículos na Grande Maçã (o último saíra de circulação em 1940), o icónico Loop de Chicago fez as vezes de Manhattan naquela que seria a sequência mais memorável do filme.
Programadas para começar em janeiro de 2003, as filmagens, envolvendo mais de uma centena de localizações, foram adiadas para abril desse ano, para que Tobey Maguire terminasse a sua participação em Seabiscuit. Nelas foi extensivamente usado um sistema especial de câmaras - a Spydercam - para mostrar melhor o ponto de vista de Peter Parker enquanto se balançava a grande altura entre os arranha-céus de Nova Iorque.
De modo a facilitar os movimentos de Tobey Maguire, o revestimento muscular do traje do Homem-Aranha foi segmentado e ao capacete sob a máscara foi adicionada uma mandíbula postiça. Essas foram, de resto, algumas das muitas mudanças subtis feitas ao figurino do herói, que teve também as suas cores avivadas. 

A Spydercam já havia sido usada na sequência final de Homem-Aranha.

A rodagem de Homem-Aranha 2 ficou concluída em dezembro de 2003 e, ao contrário do que é habitual, a maior parte do material gravado foi incluído na edição final da película. Singularidade que, por si só, revela bem quão meticulosa foi a planificação de uma produção que, à vista desarmada, parecia ter sido feita em cima do joelho.
A 30 de junho de 2004, Homem-Aranha 2 fez a sua estreia oficial nos EUA e precisou apenas de oito dias para arrecadar 200 milhões de dólares, tornando-se assim o filme que mais rapidamente atingiu essa cifra.
Recebido com o clamor habitualmente reservado aos blockbusters, Homem-Aranha 2 foi louvado, em igual medida, pela crítica e pelo público. O Óscar de melhores efeitos visuais (o primeiro conquistado por um filme da Marvel), os cinco Saturn Awards e a inclusão na lista dos cem melhores filmes americanos de todos os tempos do American Film Institute consagraram-no como sequela sublime. 

Enredo

Dois anos após ter ganho os seus poderes aracnídeos, Peter Parker, eterno protagonista da desdita, vive dias difíceis. Cada um deles trazendo uma nova contrariedade e um novo rombo na dignidade daquele que é secretamente o anjo da guarda dos nova-iorquinos.
A enfrentar dificuldades financeiras desde que foi despedido do seu emprego como entregador de pizzas, Peter é pouco assíduo nas aulas e nas vidas dos seus entes queridos. Por conta dessas ausências, está em risco de reprovar nos exames, as suas relações com Mary Jane e Harry Osborn esfriaram e a sua tia May está em vias de ser despejada. Como se tudo isso não bastasse, o Homem-Aranha continua a ser alvo de uma virulenta campanha difamatória por parte do editor do Daily Bugle.

A vida não corre de feição a Peter Parker.

Agora chefe da divisão de pesquisa da Oscorp, Harry Osborn investiu parte considerável da sua fortuna no revolucionário projeto científico de Otto Octavius, físico brilhante idolatrado por Peter. Para assegurar a estabilidade do seu experimento de fusão atómica, Octavius concebeu quatro braços mecânicos dotados de inteligência artificial e controlados telepaticamente pelo seu usuário. Um chip neural inibidor foi adicionado à aparelhagem, de modo a prevenir que os braços se tornem sencientes.
Apresentado a Peter, Octavius fica impressionado com a paixão do jovem pela Ciência e, durante um jantar em sua casa, convida-o a assistir ao seu experimento. Contudo, quando este fracassa Octavius recusa-se a abortá-lo. Os resultados são catastróficos: o chip inibidor de Octavius é destruído e a sua esposa mortalmente ferida.
Enquanto um fortíssimo campo magnético começa a destruir o laboratório, Peter aproveita a confusão para intervir como Homem-Aranha. A custo, consegue desligar a energia, salvando as vidas dos presentes, Mas é demasiado tarde para Octavius. Embora vivo, o seu cérebro foi danificado e os braços mecânicos fundiram-se permanentemente à sua coluna. 
Horas mais tarde, uma equipa de cirurgiões procura remover os apêndices metálicos do corpo de Octavius, mas estes ganham vontade própria e massacram todo o pessoal médico antes de escaparem do hospital levando consigo o cientista.

Surge o Doutor Octopus.

Refugiado num armazém devoluto nas margens do rio Hudson, Octavius tem a sua mente corrompida pelos tentáculos, que o convencem a completar o seu experimento. Já apelidado de Doutor Octopus pelo Daily Bugle, Octavius resolve assaltar um banco para financiar o seu projeto. Coincidentemente, escolhe aquele onde Peter e a tia May tentam renegociar a hipoteca.
Na refrega que se segue, os poderes do Homem-Aranha falham momentaneamente, possibilitando ao Doutor Octopus fazer a tia May refém. Uma vez recuperado, o Escalador de Paredes resgata a idosa, que passa a vê-lo como um herói, ao invés de uma ameaça. Nesse emmeio, o Doutor Octopus consegue escapulir-se levando consigo alguns sacos de dinheiro. 
Ao fazer a cobertura fotográfica de uma festa no Planetário, Peter fica sem chão ao descobrir que Mary Jane está noiva do filho astronauta de J. Jonah Jameson. Quando a noite parecia não poder ficar pior, é injuriado por Harry que, embriagado, o acusa de ser cúmplice na morte do seu pai. Mais tarde nessa mesma noite, o Homem-Aranha volta a perder os seus poderes enquanto se balança nas suas teias, caindo desamparado.
Angustiado pela inconstância dos seus poderes - que intui ser efeito do stresse -, Peter resolve testá-los no dia seguinte. Apenas para constatar a sua incapacidade de tecer teias ou de aderir a superfícies. Também o seu sentido de aranha, apesar de funcional, está diminuído. 

Porque falham os poderes de Peter?

Após ter uma visão do tio Ben, Peter abandona o traje do Homem-Aranha num caixote do lixo e resolve viver uma vida normal. Sem grandes poderes, acabaram-se as grandes responsabilidades.
Durante uma conversa em casa da tia May, Peter confessa-lhe como foi parcialmente responsável pela morte do tio. Embora transtornada com aquela chocante revelação, May reconcilia-se com o sobrinho. Com a criminalidade em alta na cidade, May divaga sobre a esperança que o Homem-Aranha trazia às pessoas.
Ao mesmo tempo que Peter falha em reconquistar o amor de Mary Jane, o Doutor Octopus dá por terminada a reconstrução do seu reator nuclear. Falta-lhe apenas trítio para energizar o dispositivo, mas ele sabe exatamente como obtê-lo. 
Depois de coagir Harry a fornecer-lhe trítio, o Doutor Octopus aceita capturar o Homem-Aranha a troco da maior quantidade possível da substância. Harry aconselha-o a procurar Peter, porque ele consegue sempre as melhores fotografias do Cabeça de Teia.
A meio de um encontro num café com Mary Jane, Peter é surpreendido pelo ataque do Doutor Octopus. Perante a impotência de Peter, o vilão rapta MJ para usá-la como isca para atrair o Homem-Aranha para uma armadilha.
Ao perceber que recuperou plenamente os seus poderes, Peter apressa-se a resgatar o seu uniforme das instalações do Daily Bugle e parte no encalço do Doutor Octopus. Os dois digladiam-se através da cidade, acabando a trocar golpes em cima de um comboio elevado. No calor da contenda, o vilão acelera o veículo até à velocidade máxima, antes de inutilizar o respetivo sistema de travagem.
Graças a um esforço homérico do Homem-Aranha, o comboio desgovernado detém-se pouco antes de despencar de grande altura. Exausto, o herói desfalece mas é amparado pelos passageiros. O Doutor Octopus aproveita então a fraqueza do adversário para capturá-lo e entregá-lo a Harry Osborn.

O Homem-Aranha é levado ao limite das suas forças.

Ao descobrir o rosto do seu melhor amigo sob a máscara do suposto assassino do seu pai, Harry hesita em matá-lo. Peter conta-lhe que o Doutor Octopus sequestrou Mary Jane e como o seu experimento poderá varrer Nova Iorque do mapa. Depois de Harry lhe revelar o paradeiro do vilão, Peter parte para salvar MJ e milhões de outras vidas inocentes.
O Homem-Aranha volta a confrontar o Doutor Octopus, agora no covil do vilão. Perante a iminência de uma reação nuclear em cadeia, Peter retira a máscara e implora a Octavius que interrompa a fusão antes que seja tarde demais. Octavius recupera a sanidade mental, reassume o controlo dos tentáculos e afunda o reator nas águas do rio Hudson, sacrificando a própria vida.
Após resgatar Mary Jane - que agora conhece o seu maior segredo - , Peter diz-lhe que os dois nunca poderão ficar juntos porque ele sempre terá inimigos dispostos a tudo para atingi-lo.
Longe dali, Harry discute com o seu falecido pai num espelho. Norman Osborn exige ao filho que mate Peter Parker para vingar a sua morte. Harry recusa-se e estilhaça o espelho, revelando um compartimento secreto onde repousa a parafernália do Duende Verde.
No dia seguinte, Mary Jane deixa o seu noivo pendurado no altar e corre ao encontro de Peter, dizendo-lhe estar disposta a ficar com ele apesar de todos os riscos. Ato contínuo, soam sirenes na rua e, perante a hesitação de Peter, MJ encoraja-o a ir cumprir os seus deveres heroicos.

Trailer oficial:


Curiosidades

*Criação de Stan Lee e Steve Ditko, o Doutor Octopus fez a sua primeira aparição em Amazing Spider-Man #3 (abril de 1963). Apesar de ter há muito perdido esse estatuto para o Duende Verde, foi ele o primeiro némesis do Homem-Aranha e, também, o primeiro a derrotá-lo em combate. Além dos autores comuns, Otto Octavius é, tal como Peter Parker, um homem da Ciência que ganhou os seus poderes devido a um acidente radioativo;
*Idealizada por Sam Raimi ainda durante a rodagem do primeiro filme, a cena do comboio elevado foi a primeira grande sequência a ser gravada. Foram precisos cem efeitos visuais e várias semanas de trabalho intenso para lhe dar forma. Os dois meninos que, no final, devolvem a máscara ao Homem-Aranha são os meios-irmãos de Tobey Maguire;
*Quase todas as cenas em que o Homem-Aranha se balança nas suas teias pelo horizonte urbano procuram reproduzir os movimentos executados pelo herói no final de cada episódio de Spider-Man (1967), a primeira série animada do Escalador de Paredes. A batalha entre o Homem-Aranha e o Doutor Octopus na fachada de um edifício recria, de resto, aquela que os dois travaram num episódio intitulado "O Terrível Triunfo do Doutor Octopus";

Imagem promocional de Spider-Man (1967).

*A cena em que Peter Parker corre pelo beco enquanto desabotoa a camisa revelando a aranha estilizada do seu uniforme é uma referência a Superman (1978). Já aquela em que ele acelera e salta de um prédio para testar os seus poderes foi inspirada numa sequência idêntica de Matrix (1999);
*O figurino do Doutor Octopus era composto por vários adereços: um espartilho, um suporte dorsal e duas cintas ajustáveis que sustentavam os tentáculos de borracha. No total, a parafernália pesava cerca de 45 kg e foi utilizada nas cenas em que Octopus manobrava os seus tentáculos (o CGI ficou reservado para aquelas em que os tentáculos o carregavam);
*Alfred Molina batizou os seus tentáculos de Larry, Harry, Moe e Flo. Este último recebeu um nome feminino porque era operado por uma mulher, sendo também aquele que executava os movimentos mais delicados, como servir-lhe uma bebida ou colocar-lhe os óculos na face;
*Os efeitos sonoros dos tentáculos do Doutor Octopus foram obtidos com recurso a correntes de mota e cordas de piano. Na cena em que o vilão usa os seus apêndices robóticos para arrombar o cofre de um banco, o som produzido resulta de uma jante de automóvel a ser raspada no chão;
*O edifício semicolapsado que servia de covil ao Doutor Octopus era um retrato pardo do seu antigo laboratório e pretendia ser igualmente uma metáfora para o desmoronamento da sua vida pessoal. A ideia partiu do designer de produção, Neil Spisak, e o cenário, em tamanho real, demorou 15 semanas a ser construído;

Um covil repleto de simbolismo.
*Projetada para ter o dobro do tamanho da do primeiro filme, a cena do incêndio no prédio garantiu à produção controlo total sobre o ambiente. Isto porque, ao contrário da original, foi rodada num estúdio. Pretendia-se dessa forma aumentar o realismo da película e, nesse sentido, foram usadas labaredas reais. Essa foi, aliás, uma das muitas cenas perigosas protagonizadas pelo próprio Tobey Maguire, que dispensou quase sempre o seu duplo;
*Tobey Maguire é vegetariano e, por isso, estava na verdade a comer um cachorro-quente de tofu na cena em que os carros da polícia convergem na sua direção;
*Quando Peter atira o seu uniforme para dentro de um caixote do lixo e se afasta cabisbaixo, é uma recriação exata de um painel de Spider-Man No More, história originalmente publicada em Amazing Spider-Man #50 (julho de 1967). O título em apreço é também explicitamente referenciado por Peter durante a sua conversa imaginária com o Tio Ben;

Homem-Aranha nunca mais!

*Também conhecido como trício, o trítio não é tão raro como o filme sugere, podendo até ser sintetizado. Trata-se de um isótopo radioativo cuja principal aplicação consiste em eliminar a necessidade de baterias em miras térmicas e de visão noturna;
*Não estava previsto qualquer cameo de Willem Dafoe na sequela de Homem-Aranha. Certa noite, ao regressar a casa, o ator apercebeu-se da presença das filmagens na vizinhança, passou por lá para cumprimentar Sam Raimi, e foi assim que acabou convidado a fazer uma pequena participação no filme. Apesar de durar pouco mais de um minuto, a cena em causa serviu de gancho para o capítulo final da trilogia;
*Numa arrojada ação de marketing, bases com o logótipo do filme deveriam ter sido usadas nos jogos da principal liga de basebol americana. Em virtude da reação adversa dos fãs, o plano acabaria no entanto por ser descartado; 
*A banda Dashboard Confessional concordou em compor uma música para os créditos finais do filme, sob a condição de puderem vê-lo antes da respetiva estreia oficial. Satisfeito o pedido, Chris Carrabba, o vocalista, precisou apenas de dez minutos para escrever Vindicated, considerada por muitos a mais famosa canção do grupo.

Veredito: 90%

Foram oito as longas-metragens do Homem-Aranha produzidas na última vintena de anos. Nem todas foram consistentes, mas a maior partes dos filmes de super-heróis não o são. Sempre houve - e, muito provavelmente, sempre haverá - uma ou duas parcelas que se destacam na franquia. Às vezes, esses filmes marcam uma época e, apesar dos avanços tecnológicos, permanecem entre os melhores do género a que pertencem. Homem-Aranha 2 é inegavelmente um deles, continuando a servir de bitola para os seus sucessores.
Homem-Aranha 2 insere-se no restrito naipe de sequelas que, sem os depreciarem, superam os filmes originais em quase todas as vertentes. Sem incorrer no erro comum de simplesmente repetir a história do primeiro filme, substituindo o antagonista e expandindo as cenas de ação, Homem-Aranha 2 dá perfeita continuidade à trama do seu antecessor. Demonstrando, de caminho, o mesmo cuidado em conferir dimensão às suas personagens, através de um forte investimento nos diálogos (sem embargo para a fluidez da trama).
Peter Parker avalia constantemente as suas escolhas e as consequências que elas poderão ter nas pessoas que ama, revelando a insegurança típica de um jovem adulto chamado a assumir grandes responsabilidades. É nesta vulnerabilidade que reside boa parte do apelo emocional do Homem-Aranha junto do público. Um dos maiores méritos do argumento consiste precisamente na forma como aborda o homem por trás do herói.
A admiração de Peter por figuras paternas invariavelmente frustrada pelo eclipse moral dos seus ídolos é, aliás, um tema transversal na trilogia de Sam Raimi. Assim como, no primeiro filme, Norman Osborn começou por projetar em Peter as qualidades em falta no próprio filho, Otto Octavius, ao convidar o jovem para jantar em sua casa, proporciona-lhe um vislumbre da vida familiar que ele poderia ter tido. Apenas mais uma nota emotiva a realçar a humanidade do protagonista.
Tobey Maguire, que alguns consideram um ator limitado e com uma expressão sonolenta, oferece aqui um dos melhores desempenhos da sua carreira. Sendo igualmente eficiente a representar o angustiado Peter Parker e o confiante Homem-Aranha.
Alfred Molina, por seu turno, empresta uma dimensão trágica a Otto Octavius, impedindo-o de ser um cliché ambulante. Não menos ameaçador do que o Duende Verde de Willem Dafoe, o Doutor Octopus revela-se mais interessante do que este, beneficiando do facto de o espectador poder ver as suas expressões faciais.
Irrepreensíveis, as cenas de ação suplantam facilmente as do primeiro filme. O vibrante duelo do Homem-Aranha e do Doutor Octopus em cima de um comboio desgovernado é um daqueles momentos estelares, sempre reconhecíveis, que só grandes cineastas conseguem criar. 
A direção de Sam Raimi é, de resto, a principal responsável pela energia contagiante que emana da película. Ao voltar a beber na fonte das histórias clássicas do Homem-Aranha, o realizador prova o seu amor genuíno à personagem, sem contudo abdicar da sua própria identidade visual.
Contrariamente ao que afirma a sabedoria popular, a pressa nem sempre é inimiga da perfeição. Feito a toque de caixa, Homem-Aranha 2 tem os seus pequenos defeitos, mas continua a ser obra mais candente de Sam Raimi e um melhores filmes de super-heróis de sempre.




*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da língua portuguesa.
*Resenha de Homem-Aranha (2002) disponível para leitura complementar.



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