28 novembro 2019

HEROÍNAS EM AÇÃO: ZATANNA



 Nem Abracadabra nem Hocus Pocus. É com palavras encantadas viradas do avesso que a Princesa da Prestidigitação salpica o mundo com a magia que lhe infunde o ser. Nos palcos ou fora deles, tem sempre novos truques na manga e nunca se sabe o que poderá tirar da cartola.

Denominação original: Zatanna
Licenciadora: Detective Comics (DC)
Criadores: Gardner Fox (história) e Murphy Anderson (conceção visual) 
Estreia: Hawkman Vol.1 nº4 (novembro de 1964)
Identidade civil: Zatanna Zatara 
Espécie: Homo Magi 
Local de nascimento: Desconhecido
Parentes conhecidos: Giovanni "John" Zatara e Sindella (pais, falecidos); Zachary Zatara (primo); Leonardo da Vinci (antepassado paterno, falecido); Nostradamus (antepassado paterno, falecido); Alessandro Cagliostro (antepassado paterno, falecido); Arion (antepassado materno, falecido)
Ocupação: Mágica, ilusionista, ocultista e aventureira
Base operacional: Berço das Sombras, nas cercanias de Gotham City.
Afiliações: Ex-parceira de John Constantine, é também ex-membro da Liga da Justiça da América, da Liga da Justiça Sombria, das Sentinelas da Magia e dos Sete Soldados da Vitória.
Némesis: Allura
Poderes e parafernália: Zatanna é uma Homo Magi, subespécie humana detentora da capacidade inata de manipular magia. A sua singular estrutura genética permite-lhe canalizar tanto a magia que lhe impregna o ser como aquela que aprendeu através do estudo das artes arcanas.
Rendendo tributo ao seu saudoso progenitor, o grande mágico Zatara, Zatanna recita palavras invertidas para conjurar os seus feitiços. Este peculiar método designa-se encantação mnemónica ou logomancia. A título exemplificativo, para deter um veículo em movimento o comando vocal seria "aráP" ("Pára" dito às avessas).
Nem sempre Zatanna necessita, porém, de recorrer à encantação mnemónica para invocar os seus sortilégios. Em múltiplas ocasiões provou ser capaz de fazê-lo falando normalmente. Como último recurso em situações desesperadas, pode também lançar feitiços - especificamente de autorregeneração quando ferida com gravidade -  escrevendo as palavras encantadas com o próprio sangue.
Se não usados, os poderes mágicos de Zatanna aumentam exponencialmente. Em contrapartida, o seu uso excessivo poderá exauri-los ao ponto de prejudicar-lhe a saúde. Quando isto sucede, repouso prolongado é a única forma eficaz de restaurá-los.

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Zatanna transforma balas em aviões de papel.
Por favor. não tentem fazer isto em casa!
Por tudo isto, a exata extensão dos poderes daquela que é considerada uma das feiticeiras supremas do plano corpóreo permanece uma incógnita. Sabe-se, todavia, que o seu robusto inventário de habilidades inclui controlo elemental, aumento da massa corporal, hipnose, levitação, telepatia, telecinesia, transmutação, projeção astral e manipulação de memórias alheias.
Nos primórdios da sua colaboração com a Liga da Justiça, este seu último talento, em particular, foi determinante para derrotar a Sociedade Secreta de Supervilões. Num audacioso plano, o grupo conseguira trocar de corpos com os heróis descobrindo no processo as suas identidades civis. Coube então a Zatanna eliminar essas memórias dos inimigos da Liga.
Em Crise de Identidade (saga já aqui esmiuçada), foi também Zatanna quem alterou a personalidade do sádico Doutor Luz e apagou as memórias dos membros da Liga opositores dessa controversa medida. Por conta disso, a sua amizade com o Batman - um dos lobotomizados - saiu profundamente abalada.
Especula-se que o sentimento de culpa que ela carrega desde esse incidente a impede de alcançar o pleno potencial das suas já de si formidáveis capacidades. A intensidade dos poderes de Zatanna parece, com efeito, oscilar em função dos seus níveis de confiança.
Quanto mais fragilizada a sua autoestima, menos eficazes são os feitiços de Zatanna. Condicionalismo evidenciado nas sucessivas falhas que cometeu durante a sua breve aliança com os Sete Soldados da Vitória, porventura a fase mais conturbada da sua carreira heroica.
Não obstante, o único limite comprovado aos poderes da Mestra da Magia consiste na impossibilidade de ressuscitar defuntos. À parte isso, as suas capacidades parecem cerceadas apenas pela sua imaginação.

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Zatanna agiganta-se para combater o Mal.
Diletante do ilusionismo e da prestidigitação, os espetáculos de Zatanna arrancam sempre arquejos de espanto às plateias fascinadas. Aquilo que estas tomam por elaborados truques são, afinal, manifestações de pura magia.
Mesmo fora dos palcos, Zatanna é inseparável da sua cartola e da sua varinha de condão. Se se tratam de meros adereços ou de pontos focais para os seus feitiços é um dos segredos mais bem guardados da Mestra da Magia. De cuja cartola tanto pode sair um coelho como um portal para outra dimensão.
Como qualquer mágico que se preze, Zatanna nunca pára de surpreender. O que também consegue fazer graças à sua destreza no combate desarmado. Desengane-se, pois, quem a toma por indefesa se privada da sua magia.
Ainda pessoa de palmo e meio, Zatanna aprendeu com o pai técnicas de autodefesa. Já adulta, foi treinada em diversas artes marciais por ninguém menos que o Batman.
Zatanna herdou também do seu pai o misterioso Berço das Sombras. Trata-se de uma vetusta mansão, tradicionalmente instalada nas cercanias de Gotham City, que lhe serve de lar e base operacional. Além de albergar um infindável número de relíquias e artefactos místicos, o Berço das Sombras possui propriedades sobrenaturais.
Apesar de fisicamente localizada no nosso mundo, a casa parece vinculada a outro plano de existência e possuir vida própria (tem por hábito expulsar hóspedes inconvenientes). Na sua imponente biblioteca repousam centenas de obras místicas  e tratados sobre o Ocultismo, que Zatanna estuda com afinco. Sempre ciente de que a prática do Bem é a magia mais poderosa.

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Zatanna dá boas-vindas a Mary Marvel,
antiga hóspede do Berço das Sombras.
Fraquezas: Conjurar os seus feitiços e sortilégios por meio de palavras e frases invertidas é um método que requer enorme concentração por parte de Zatanna. Ou não fosse a encantação mnemónica a mais complexa das artes místicas, somente ao alcance de magos superiores. Sendo também esse o momento em que ela fica mais vulnerável a eventuais ataques.
Do conhecimento da generalidade dos seus adversários, esse constrangimento aos poderes de Zatanna é frequentemente explorado por eles. Uma das táticas mais eficazes consiste em amordaçá-la e/ou vendá-la, já que ela precisa pronunciar ou ler as suas palavras encantadas para invocar a magia.
Alguns, como o Exterminador, optam por medidas ainda mais drásticas. Certa vez, o vilão direcionou um violento golpe ao fígado de Zatanna, induzindo-lhe a regurgitação e impedindo-a, desse modo, de recitar os seus encantamentos reversos.
Ironicamente, a Princesa da Prestidigitação é também suscetível à magia mais poderosa do que a sua. Se o seu oponente for um deus ou um mago de nível superior, dificilmente ela sairá vencedora do duelo. Ademais, a energia negativa emanada de certos reinos místicos, como o Inferno, não só interfere profundamente com a magia de Zatanna como lhe provoca intenso sofrimento físico.

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Sortilégios amordaçados.


Filha da magia

Zatanna foi criada em 1964 pelo escritor Gardner Fox (perfil disponível neste blogue) e pelo artista Murphy Anderson quando a DC decidiu reforçar o seu panteão com uma heroína com poderes mágicos.
Em harmonia com as releituras de outras personagens clássicas da editora, como o Flash ou o Lanterna Verde, Zatanna era a declinação de um conceito preexistente. Nesse sentido, convencionou-se que seria a filha de Geovanni Zatara, um lendário mágico da Idade de Ouro há muito relegado para a obscuridade.
No momento de definir o visual de Zatanna, Murphy Anderson atribuiu-lhe uma indumentária inspirada na do pai, trocando apenas as calças por umas insinuantes meias de rede. Em conjunto com o fraque e a cartola, este acessório ajudou a fazer de Zatanna um expoente de sensualidade. A despeito das várias mudanças de uniforme no rolar das décadas, esta sua primeira versão continua a ser a mais icónica.

Murphy Anderson (1926-2015) criou
o icónico visual de Zatanna.
Mesmo não sendo um conceito inédito, Zatanna possuía algumas especificidades interessantes. Desde logo o facto de a sua natureza mística destoar entre a fornada de heróis com origens científicas da Idade de Prata. Se o imaginário da Idade de Ouro ficou impregnado de magia e Ocultismo, o da Idade de Prata invocava essencialmente elementos da ficção científica. Sendo o Lanterna Verde um caso paradigmático: de herói místico passou a agente policial intergaláctico. Zatanna, pelo contrário, manteve viva a tradição familiar de usar a varinha de condão para salvar o dia.
Vítima do sexismo que à época fazia escola na cultura popular, Zatanna viu também as suas capacidades serem frequentemente diminuídas, de modo a prevenir o ofuscamento dos seus ocasionais apêndices masculinos. Apesar dos seus incríveis poderes, a Mestra da Magia via-se amiúde reduzida à vexatória condição de donzela indefesa.
Zatanna fez o seu debute em Hawkman nº4 (novembro de 1964), numa história intitulada The Girl Who Can Split in Two (A Rapariga que Pode Dividir-se em Duas), e cuja trama girava em redor da sua obstinada demanda pelo pai misteriosamente desaparecido há vários anos. A esta sua primeira aparição na série periódica do Gavião Negro (outro dos heróis reimaginados na Idade de Prata) seguiram-se participações noutros títulos da Editora das Lendas precedendo o seu reencontro com Zatara, em Justice League of America nº51 (1967).

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A sensacional estreia de Zatanna em Hawkman nº4 (1964).
À crescente notoriedade da Princesa da Prestidigitação não correspondeu, porém, um desenvolvimento dos aspetos relacionados com o seu passado. Zatanna parecia, ao invés, fadada a ser apenas uma personagem genérica, espécie de pau para toda a obra requisitado sempre que era preciso incluir elementos místicos numa história.
Prova disso foi o seu reconhecimento tardio como membro de pleno direito da Liga da Justiça da América. Apesar das suas recorrentes colaborações com o grupo, Zatanna só seria oficialmente admitida cerca de uma década mais tarde.
Com a inclusão de Zatanna no organograma da Liga da Justiça coincidiu a sua primeira mudança de visual. A Mestra da Magia passou então a apresentar-se com um traje negro cingido ao corpo e adornado por uma longa capa vermelha. Mais tarde seria revelado que este seu novo figurino (detestado pelos fãs) replicava o de Sindella, a mãe que julgava morta (ver texto seguinte).

Quando trocou os palcos pela Liga da Justiça.
Zatanna adotou um novo visual.

Em paralelo às suas aventuras ao lado da Liga da Justiça, durante esta fase Zatanna ajudou também o Super-Homem a compreender melhor a sua vulnerabilidade à magia. Eram, de resto, comuns as suas colaborações com outros heróis a braços com ameaças sobrenaturais.
No entanto, à medida que a relevância de Zatanna nas histórias da Liga ia aumentando, os seus poderes iam encolhendo. Até ao ponto em que conseguia apenas manipular os quatro elementos primordiais. Constrangimento que não a impediu de ser eleita líder do grupo - o primeiro membro não fundador a exercer o cargo.
Curiosamente, esta nova alteração de estatuto veio acompanhada de uma segunda mudança de visual. Parecendo ter descartado de vez a cartola e as meias de rede, a Princesa da Prestidigitação envergava agora um uniforme negro e azul de mangas largas e com uma capa branca, que se tornaria a sua imagem de marca durante a Idade de Bronze.

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Novas funções, novo uniforme.
Quando, em 1984, o elenco clássico da Liga da Justiça foi parcialmente substituído por membros mais jovens, Zatanna, a par de Aquaman, foi uma das representantes da anterior geração a permanecer no grupo. Que seria no entanto desmantelado pouco tempo depois, no início dos eventos narrados em Lendas. Na nova Liga da Justiça entretanto formada deixou de haver lugar para a Mestra da Magia.
Zatanna passou por profundas transformações na continuidade pós-Crise nas Infinitas Terras. Além de uma amizade cunhada com Bruce Wayne nos tempos de infância, o grosso das suas histórias foi publicado sob o selo Vertigo, a linha de temáticas adultas da DC. Durante essa fase, Zatanna recuperou o seu visual original (apesar de ter tingido o cabelo de loiro), tornou-se parceira e amante de John Constantine e reforçou a sua influência entre a comunidade mística.
Em 2010, Zatanna foi pela primeira vez contemplada com uma série em nome próprio. Após o seu cancelamento precoce ditado pelo reboot Os Novos 52, a Mestra da Magia juntou-se à recém-formada Liga da Justiça Sombria, espécie de filial esotérica da Liga da Justiça. O grupo teve, porém, existência efémera e, por estes dias, Zatanna prefere explorar sozinha as encruzilhadas da vida e do mundo sobrenatural.

Zatanna and John
Zatanna e John Constantine escreveram juntos
 fábulas de magia e sedução.

Zatanna e a Liga da Justiça Sombria.

Meu pai, meu herói

Zatanna é a filha única do malogrado casal composto por Giovanni Zatara, um mágico aventureiro de origem italiana, e Sindella, membro da tribo de feiticeiros conhecida como Homo Magi. A jovem herdou da mãe a afinidade com a magia, e do pai a costela aventureira.
Após o nascimento da filha, Sindella encenou a própria morte para poder regressar ao santuário secreto do seu povo, situado algures na Turquia. Apesar de viúvo, Zatara criou sozinho a pequena Zatanna.
Enquanto os dois viajavam juntos pelas sete partidas do mundo, Zatara ensinou a filha a aprimorar os seus talentos místicos. Zatanna idolatrava o pai e sonhava um dia seguir-lhe as pisadas nos palcos.
Anos mais tarde, Zatara evaporou-se da face da Terra devido à maldição que Allura, uma cruel feiticeira extradimensional, lançou sobre Zatanna. Uma maldição que a manteria separada do pai durante vários anos.
Sozinha no mundo, Zatanna embarcou numa infrutífera busca por Zatara. Encontrou, no entanto, os seus diários, que a inspiraram a abraçar uma bem-sucedida carreira como ilusionista. Com a sua sensualidade e carisma a fazerem dela um espetáculo dentro do espetáculo.

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Zatara e Sindella,  a magia corria
 nas veias dos pais de Zatanna.
Auxiliada pela Liga da Justiça da América, Zatanna conseguiu finalmente reverter a maldição de Allura e reencontrar o pai pouco antes da reunião de ambos com Sindella. A felicidade familiar foi, porém, novamente desfeita quando Sindella morreu ao resgatar a filha do santuário dos Homo Magi.
Ainda destroçada por essa tragédia, pouco depois Zatanna assistiria, impotente, ao martírio do pai, para salvá-la das garras da Grande Besta do Mal.
Na esteira desses fatídicos eventos, Zatanna, de coração enlutado, suspendeu a sua atividade heroica. Após uma temporada dedicada quase exclusivamente a estudar os segredos do Berço das Sombras, o ancestral lar do clã Zatara, a Princesa da Prestidigitação procurou um novo começo em São Francisco. Na ensolarada urbe californiana vem procurando levar uma vida normal ao mesmo tempo que tenta preservar o equilíbrio entre luz e trevas no seio da comunidade mística. Mas trilhando sempre o caminho iluminado pelo exemplo do seu maior herói: Geovanni Zatara.

Zatanna putting on a show
O palco é o habitat natural de Zatanna.

Miscelânea

*Além de Princesa da Prestidigitação, Zatanna é também usualmente cognominada Mestra da Magia, Dama da Magia, Zanna ou simplesmente Z;
*Criação de Fred Guardineer, o mágico Zatara, pai de Zatanna, é uma das personagens mais antigas do Universo DC. A sua estreia teve lugar em Action Comics nº1, a mesma edição histórica que, em junho de 1938, apresentou o Super-Homem ao mundo, sinalizando de caminho o início da chamada Idade de Ouro dos super-heróis. Tal como a filha, Zatara ganhava a vida como ilusionista sem que o público suspeitasse que não eram truques mas magia real aquilo com que ele o brindava nos seus espetáculos. Os poderes de Zatara eram, porém, consideravelmente mais limitados do que os de Zatanna. Já a sua aparência evocava a de Mandrake, o mestre do ilusionismo imaginado por Lee Falk em 1934, e do qual era um assumido pastiche. Para entrelaçar os passados de Zatanna e Bruce Wayne, um retcon estabeleceu que Zatara era um velho amigo de Thomas Wayne, tendo-lhe inclusivamente apresentado a sua futura esposa, Martha. Em virtude dessas alterações retroativas, Zatanna e Bruce partilharam a infância em Gotham City;

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Zatara hipnotiza bandidos em Action Comics nº1 (1938).
Qualquer semelhança com Mandrake não será decerto
mera coincidência. 
*Antes mesmo do supracitado retcon, a infância de Zatanna era pontuada por múltiplas contradições. Na sua primeira aparição, em Hawkman nº4 (1964), a filha de Geovanni Zatara afirmava que o seu pai estava desaparecido há alguns anos. Contudo, em Justice League of America nº51 (1967), ela revelou aos seus companheiros de equipa que haviam passado vinte longos anos desde a  última vez que vira o pai. Mas as inconsistências não se ficam por aqui. Em Secret Origins nº27 (1988), Zatanna afirmava que o pai havia desaparecido logo após o seu 18º aniversário. Isto já depois de, em Justice League of America nº163 (1979), ter sido por fim revelada a identidade da sua mãe, que a abandonou à nascença. Ora, se tanto esta última circunstância como a ausência de Zatara durante duas décadas forem tomadas como verdadeiras, tal significaria que Zatanna crescera órfã. O que colide com a informação revelada em diferentes histórias que davam como ponto assente ela ter sido criada pelo pai. Assim sendo, é mais razoável presumir que o sumiço de Zatara terá coincidido com o 18º aniversário de Zatanna, corroborando a tese original de que os dois apenas teriam estado separados por alguns anos;
*Zatanna e Zatara são descendentes diretos de Leonardo da Vinci, o visionário artista italiano que viveu nos séculos XV e XVI. Foi, aliás, depois de decifrar os diários desse seu ilustre antepassado - escritos de trás para frente - que Zatara descobriu a sua habilidade inata de invocar magia. O ramo paterno da árvore genealógica de Zatanna inclui ainda outras celebridades históricas conotadas com o Ocultismo. A saber: Nostradamus ( médico e profeta francês do século XVI); Alessandro Cagliostro (alquimista e curandeiro italiano do século XVIII) e Arion, o mago supremo da Atlântida;
*No baralho de Tarô - arte que Zatanna também domina - de Madame Xanadu, a Mestra da Magia surge sugestivamente representada como a Ilusionista;
*No Universo Amálgama (mescla dos universos Marvel e DC ocorrida em finais dos anos 1990), Zatanna foi fundida com a Feiticeira Escarlate, originando Wanda Zatara, a Feiticeira Branca;

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Wanda Zatara, a Feiticeira Branca.
*Senhora de uma beleza exuberante, Zatanna derrete corações à sua passagem. Entre aqueles que sucumbiram aos seus encantos avultam vários notáveis da Editora das Lendas. Com o Flash Barry Allen, por exemplo, Zatanna manteve um curto affair quando eram ambos membros da Liga da Justiça e o Velocista Escarlate se recompunha ainda da morte da sua esposa. Devido ao passado em comum, Zatanna mantém igualmente uma forte amizade com o Batman. Apesar de ambos terem em tempos discutido a possibilidade de transporem a relação para um novo patamar, concordaram que a devoção do Homem-Morcego à sua missão seria um enorme entrave, optando por permanecerem apenas bons amigos. Foi, no entanto, com John Constantine, seu ex-parceiro de aventuras, que Zatanna viveu o seu mais tórrido e duradouro romance. Mais recentemente, no contexto dos Novos 52, a Princesa da Prestidigitação partilhou os seus afetos com Jason Blood, o alter ego humano do demónio Etrigan;
*A confirmar o seu estatuto de sex symbol, o Comics Buyer's Guide atribuiu a Zatanna o 4º lugar na sua lista das cem mulheres mais sensuais dos quadradinhos. Surgindo, de resto, como a personagem feminina da DC mais bem cotada na tabela, superando a própria Mulher-Maravilha.

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A cumplicidade entre o Cavaleiro das Trevas e a Princesa da Prestidigitação.

Noutros media

Um episódio de Batman: The Animated Series apropriadamente intitulado Zatanna foi, em 1993, o cenário da estreia da Princesa da Prestidigitação no segmento audiovisual, no qual tem já presença de relevo.
Essa sua primeira versão animada tinha a particularidade de ser desprovida de poderes mágicos. Zatanna é descrita como uma simples ilusionista em digressão por Gotham City que mantém uma velha amizade com Bruce Wayne.
Com grau variável de importância, Zatanna tem sido desde então uma habitué nas séries animadas baseadas no Universo DC, mas também em jogos de vídeo. Mais modesta é a sua participação em produções em ação real. Smallville apresentou-nos a única versão de carne e osso da personagem. Serinda Swan vestiu o fraque de Zatanna nas últimas três temporadas da série que revisitava os tempos de juventude do Homem de Aço.
Mais próxima do cânone, a versão televisiva de Zatanna era a deslumbrante filha do mágico Zatara e uma mestra das artes arcanas.
Ainda sem espaço no Universo Cinematográfico DC, no início deste ano correram rumores - entretanto desmentidos - sobre uma possível participação de Zatanna em Esquadrão Suicida 2. Entretanto, os fãs sonham com o dia em que a magia da Princesa da Prestidigitação salpicará o grande ecrã.

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Zatanna ao lado do Homem-Morcego em
 Batman: The Animated Series (cima)
 e interpretada por Serinda Swan em Smallville.


06 novembro 2019

ETERNOS: JOE SIMON (1913-2011)


  Pôs o seu Capitão América a esmurrar Hitler antes mesmo do Tio Sam declarar guerra ao Führer. Demiurgo da 9ª Arte, formou com Jack Kirby uma das mais poderosas forças criativas da Idade de Ouro e foi pioneiro em diferentes géneros narrativos.

Naquele tórrido final de tarde de julho de 2011, o mítico El Capitan Theatre de Los Angeles engalanou-se para receber a estreia mundial de Captain America - The First Avenger. De Chris Evans a Robert Downey Jr. passando pelo inevitável Stan Lee, foram muitas as celebridades que, para gáudio dos fãs, desfilaram pela passadeira vermelha.
O glamoroso evento ficou, contudo, marcado por uma ausência de peso: a de Joe Simon. A frágil saúde do nonagenário cocriador do Capitão América impediu-o de estar presente. Mas nem por isso deixou de se fazer representar, uma vez que os seus netos chamaram a si essa tarefa. E terão decerto sentido um frémito de emoção ao verem, pela primeira vez, o nome do avô associado a uma produção dos Estúdios Marvel.
Após longos anos de disputas judiciais com a Casa das Ideias motivadas por direitos de autor, Joe Simon e o seu saudoso compagnon de route Jack Kirby (falecido em 1994) eram finalmente reconhecidos como criadores do Capitão América. Consagração tão tardia quanto merecida da parelha que, em tempos de tirania e desesperança, animara a luta dos justos com o seu Sentinela da Liberdade.
Quis no entanto o destino, sempre pródigo em amargas ironias, que aquele ano da graça de 2011 fosse o primeiro do Capitão América no Universo Cinematográfico Marvel e o último na vida do seu criador. Uma vida que principiara quase um século antes e que se entrançara com a história dos comic books americanos.
Segundo filho de um humilde casal judaico de Rochester (a terceira cidade mais populosa do estado de Nova Iorque), Joseph "Joe" Henry Simon nascera Hymie Simon a 11 de outubro de 1913. Harry Simon, o pai, trocara em 1905 as terras de Sua Majestade pelas do Tio Sam em busca de um futuro menos austero do que aquele que a sua Leeds natal lhe poderia oferecer. Alfaiate de profissão, assentara arraiais em Rochester por ser este à época um importante centro de manufatura têxtil.

Rochester serviu de berço a Joe Simon, em 1913.
O pequeno Joe (assim rebatizado pela mãe, Rose, que abominava o nome original) cresceu com a irmã mais velha, Beatrice, no modesto apartamento da família Simon, que servia também de ateliê ao pai. Foi ainda nos seus anos de meninice, marcados pela pobreza, que Joe Simon começou a rabiscar os primeiros desenhos.
Esse seu talento precoce não mais cessou de evoluir, valendo-lhe, já adolescente, o cargo de diretor artístico do jornal do liceu Benjamin Franklin, onde estudou. O primeiro trabalho profissional chegaria por esses dias, quando duas universidades lhe encomendaram desenhos para ilustrar os respetivos anuários.
Em 1932, concluído o liceu, Joe Simon foi contratado como assistente do diretor artístico do Rochester Journal-American, um tabloide local de tiragem modesta. Posto em que, curiosamente, rendeu Al Liederman, seu futuro colega na Timely Comics.
Um par de anos volvidos, em 1934, Joe Simon assumiu as funções de cartunista e ilustrador da secção desportiva do Syracuse Herald. Sem que o soubesse, desenhar atletas prepará-lo-ia para desenhar super-heróis. Chamado a vestir ocasionalmente a pele de repórter, ganhou também tarimba na escrita.
Após essa enriquecedora experiência - abruptamente interrompida pela falência do jornal - Joe Simon, então um mancebo de 23 anos, achou que Rochester lhe ficara estreita e resolveu rasgar novos caminhos em Nova Iorque.

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Verdes de anos de um gigante da 9ªArte.
Na Grande Maçã, Joe Simon começou por trabalhar como freelancer para a Paramount Pictures, retocando fotos promocionais dos filmes produzidos pelo estúdio. Simon gabava-se mesmo de ter retocado os bustos de algumas das maiores divas de Hollywood, como Bette Davis e Joan Crawford.
Aos serviços prestados à Paramount, Joe Simon acrescentava o trabalho no departamento de arte da Macfadden Publications, editora que tinha na revista True Story a sua publicação mais popular.
Pouco tempo depois, o seu chefe, Harlan Crandall, recomendá-lo-ia a Lloyd Jacquet, dono da Funnies, Inc., uma das muitas agências que, nos primórdios da indústria dos comics, providenciavam matéria-prima às editoras que se aventuravam no mercado sem staff ou ideias próprias.
A estreia de Joe Simon no género super-heroico aconteceria logo em seguida. A pedido de Martin Goodman. presidente da recém-fundada Timely Comics, Lloyd Jacquet incumbiu-o de conceber um herói flamejante à imagem e semelhança do Tocha Humana, uma das estrelas da companhia.
Sem tempo a perder, Joe Simon arregaçou as mangas e deitou mãos à obra. Dias depois, apresentou aquele que seria o primeiro super-herói da sua lavra. Fiery Mask (Máscara Flamejante) debutou em Daring Mystery Comics nº1 (janeiro de 1940) numa história totalmente produzida por Simon.
Essa polivalência seria, de resto, uma das chaves do seu sucesso na indústria onde dava os primeiros passos. A outra seria a sua fecunda parceria com Jack Kirby, com quem cunharia amizade para a vida.

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Máscara Flamejante, o primeiro super-herói com assinatura de Joe Simon.
Joe Simon conheceu Jack Kirby em finais de 1939, quando ambos começaram a trabalhar na Fox Comics. Um encontro com contornos inusitados revisitado por Simon em 1998 na Comic-Con de San Diego: «Eu tinha um fato, o que impressionou Jack. Ele nunca tinha visto um desenhador vestido daquela forma. Expliquei-lhe que o meu pai era alfaiate e que fora ele a fazer-me o fato por medida. Jack disse-me que o pai dele também era alfaiate, mas só confecionava calças. Na altura, eu trabalhava como freelancer a partir de um pequeno estúdio alugado a poucos quarteirões do edifício onde estavam instaladas a DC e a Fox Comics, e tinha acabado de criar Blue Bolt para a Novelty Press. Quando Jack me mostrou alguns dos seus esboços fiquei de queixo caído. O traço dele era fantástico! Quando ele me perguntou se podíamos fazer alguns trabalhos em conjunto, levei-o de imediato para o meu estúdio. E, nesse mesmo dia, começámos a trabalhar no segundo número de Blue Bolt.»
Dessa aliança de talentos nasceria uma das mais poderosas e duradouras forças criativas da Idade de Ouro que ajudaria a definir a iconografia de várias editoras. São muitos os historiadores da 9ª Arte a sustentar que Joe Simon e Jack Kirby trouxeram a anatomia de volta aos comics. Sequências dinâmicas e painéis explosivos com personagens de corpos bem delineados seriam a pedra de toque da dupla.

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Joe Simon e Jack Kirby (em pé), a Dupla Dinâmica.
Mercê da sua atribulada saída da Fox Comics, Joe Simon (sempre com Kirby à ilharga) mudou-se de armas e bagagens para a Timely Comics. O ano de 1940 ia a meio e os EUA relutavam ainda em envolver-se na II Guerra Mundial, que não tardaria a invadir-lhes o quintal das traseiras. Prevendo essa inevitabilidade, o duo criou aquele que seria simultaneamente o epítome do patriotismo americano e a personagem que os imortalizaria no imaginário popular.
O Capitão América fez a sua primeira aparição em Captain America nº1. Edição histórica, lançada em dezembro de 1940, que vendeu um milhão de exemplares. E cuja capa, assinada por Joe Simon, se tornaria icónica. Nela, o Sentinela da Liberdade assestava um potente gancho de direita no queixo de Adolf Hitler. O líder supremo do III Reich fora, de resto, o principal fautor para o surgimento do herói.
Na sua autobiografia My Life in Comics (2011), Joe Simon explicitou os pormenores da ligação entre as duas personagens: «Um dos segredos por detrás das histórias de super-heróis eram alguns dos supervilões que enfrentavam. Por isso, quando Martin Goodman me pediu para criar um novo herói para a Timely, tratei logo de procurar o adversário perfeito. Ocorreu-me então usar um vilão da vida real. Com o seu bigode ridículo e os seus maneirismos teatrais, Hitler pareceu-me adequado para o papel. Afinal de contas. havia muito de caricatural nele.»

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O Sentinela da Liberdade fez a sua estreia
 em Captain America nº1 (1940).
Em consequência do seu retumbante sucesso comercial, rapidamente o Capitão América foi arvorado a porta-estandarte da Timely Comics. De igual modo os seus criadores subiram na hierarquia da editora. Joe Simon foi promovido a editor (o primeiro a ocupar esse cargo na história da companhia) e exigiu a nomeação de Jack Kirby como diretor artístico.
Apesar de todas as benesses recebidas, à medida que o Capitão América consolidava o seu estatuto de campeão de vendas Joe Simon começou a suspeitar que não estaria a receber a fatia dos lucros a que ele e Kirby tinham direito. Foi esse o motivo que o levou a oferecer os serviços da dupla à arquirrival National Comics (uma das antecessoras da DC). Fê-lo contudo em segredo, receando que se Martin Goodman descobrisse as suas intenções os despediria - o que, efetivamente, viria a acontecer.
Algures no curto ínterim que mediou a transição de Simon e Kirby para a National, a dupla produziu outra edição histórica. Captain Marvel nº1 (março de 1941) foi o primeiro título epónimo do Mortal Mais Poderoso da Terra e personagem charneira da Fawcett Comics.
Além de uma apreciável melhoria salarial, na National Comics Joe Simon e Jack Kirby beneficiaram de ampla liberdade criativa. À reabilitação de Sandman (um dos heróis mais antigos da editora), seguiu-se, em julho de 1942, a criação dos Boy Commandos. Traduzidos no Brasil como Patrulha Juvenil (EBAL) ou Comando Juvenil (Abril), a série acompanhava as aventuras de um grupo de jovens órfãos de diferentes nacionalidades que combatiam os nazis na frente europeia da II Guerra Mundial. Boy Commandos foram também o primeiro coletivo da National a estrelar o seu próprio título mensal. O qual depressa se tornaria o terceiro mais rentável da editora, abrindo dessa forma caminho para o lançamento de um sucedâneo.


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Boy Commandos foi  o terceiro título mais vendido da DC.
Meses mais tarde, Joe Simon e Jack Kirby apresentaram a sua Newsboy Legion, grupo de pequenos ardinas órfãos que combatiam a criminalidade nas ruas de Metrópolis. Muito popular entre os leitores de palmo e meio, a série tornar-se-ia um spin-off das histórias do Super-Homem. No Brasil, o grupo ficou conhecido como Legião Jovem.
Chamado a cumprir serviço militar na Divisão de Informação Pública da Guarda Costeira, em Washington D.C., Joe Simon criou True Comics, uma série de banda desenhada editada pela National, distribuída com todos os jornais dominicais e que tinha por objetivo divulgar as atividades daquele ramo das Forças Armadas estadunidenses. Dado o sucesso da iniciativa, Joe Simon e o jornalista Milt Gross seriam logo depois chamados a produzir um segundo título. Adventure is My Career serviria para aliciar novos recrutas para a Guarda Costeira, ficando a distribuição nacional por conta da Street & Smith Publications - a mesma editora do Sombra.

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Uma das séries criadas por Joe Simon
para a Guarda Costeira americana.
De volta à vida civil e a Nova Iorque, em 1946 Joe Simon, sempre acompanhado por Jack Kirby, teve fugaz passagem pela Harvey Comics, para a qual criou Stuntman. A personagem teria vida curta, ao contrário do casamento de Simon com Harriet Feldman, a secretária do patrão da Harvey. O casal permaneceria junto durante mais de meio século, trazendo ao mundo cinco filhos.
O declínio dos super-heróis no pós-guerra motivou Joe Simon e Jack Kirby a explorarem outros géneros narrativos. O primeiro ensaio foi realizado sob os auspícios da Crestwood Publications e não poderia ter corrido melhor. Série romântica criada a pensar no público feminino, Young Love vendeu mais de um milhão de exemplares e lançou uma nova tendência no mercado editorial.
Entre 1953 e 1955, Joe Simon e Jack Kirby foram donos da sua própria editora. Sediada num pequeno estúdio cedido por Al Harvey (o mandachuva da Harvey Comics), a Mainline Publications começou por apostar, com mediano sucesso, em títulos policiais e românticos.
No entanto, quando, em 1954, a Atlas Comics (herdeira da Timely Comics) decidiu tirar o Capitão América do congelador, Simon e Kirby, ainda ressentidos pela "traição" de Martin Goodman, criaram em resposta Fighting American. Inicialmente retratado como um patriota movido pelo anticomunismo (vivia-se o auge do macarthismo), essa espécie de paródia do Capitão América acabaria por evoluir para uma sátira ao próprio género super-heroico. O fracasso do projeto ditaria a separação da dupla, sem que saísse beliscada a amizade que os unia. Ao fim de década e meia, Simon e Kirby seguiam caminhos diferentes.

Young Love foi o maior sucesso comercial de Simon e Kirby.

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Um dos sete números publicados de Fighting American
 com o selo da Mainline Publications.
Ávido de novos desafios, nos anos seguintes Joe Simon tirou o seu sustento essencialmente da publicidade e da arte comercial. Não resistindo, contudo, a abrir pequenos parêntesis para matar saudades dos super-heróis. Foi o que aconteceu quando, no final da década de 1950, revitalizou The Shield (O Escudo), da Archie Comics. Ironicamente, tratava-se do mesmo herói que lhe valera acusações de plágio aquando da criação do Capitão América.
Em resposta à enorme popularidade da revista humorística Mad, em 1960 Joe Simon lançou a Sick, da qual foi editor ao longo da década seguinte. Período que ficou igualmente marcado por colaborações esporádicas com Jack Kirby na DC.

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A revista Sick teve Joe Simon como fundador e editor.
Desde a viragem do século que Joe Simon, agora viúvo, se dedicava quase exclusivamente à escrita e à venda de arte original. Em 2003, no âmbito de um acordo extrajudicial, a Marvel Comics concordou por fim em pagar-lhe direitos de autor e licenciamento do Capitão América.
Consumados 98 anos de vida terrena, no fatídico dia 14 de dezembro de 2011, o mundo dos mortos, governado por Hades, reclamou Joe Simon, acolhendo-o nos Campos Elísios, onde terá certamente reencontrado o seu velho amigo Jack Kirby.
Desaparecia assim uma lenda viva da 9ª Arte e um dos derradeiros detentores da memória descritiva da Idade de Ouro dos comics. Não sem antes lhe ter sido concedido o privilégio de assistir, numa sessão privativa em Nova Iorque, Captain America - First Avenger. Apesar dos seus problemas de audição e da ausência do seu amigo de sempre, consta que Simon terá saído da sala de cinema com um sorriso rasgado e um brilhozinho nos olhos.

Poster promocional do filme do Sentinela da Liberdade
 inspirado na icónica capa de Captain America nº1.


Agradecimento muito especial ao meu bom e incansável amigo Emerson Andrade, autor da belíssima montagem que abre este artigo. 





































17 outubro 2019

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE: «O QUE ACONTECEU AO HOMEM DE AÇO?»


  Dez anos após o misterioso desaparecimento do Super-Homem, o mundo não esqueceu o seu maior herói. Sob a lenda jaz, porém, um filão de segredos por desvendar. Poderá Lois Lane, única testemunha ocular da hora suprema do ex-campeão de Metrópolis, ser a chave do enigma?

Título original: Whatever Happened to the Man of Tomorrow?
Editora: Detective Comics (DC)
País: Estados Unidos da América
Autores: Alan Moore (argumento), Curt Swan (esboços), George Pérez & Kurt Schaffenberger (arte-final)
Publicado em: Superman nº423 e Action Comics nº583 ( ambos lançados em setembro de 1986)
Personagens: Super-Homem; Lois Lane; Lex Luthor; Bizarro; Brainiac; Homem-Kryptonita; Metallo; Mister Mxyzptlk; Legião dos Super-Heróis; Legião dos Supervilões; Krypto; Homem dos Brinquedos; Galhofeiro; Jimmy Olsen; Lana Lang; Perry White; Alice White; Supergirl 
Cenários: Metrópolis e Fortaleza da Solidão


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Iniciada em Superman nº423, 
a história seria concluída em Action Comics nº583.

Edições em Português

Sob os auspícios da Abril, à época detentora dos direitos do Universo DC em Terras Tupiniquins, a primeira versão em língua portuguesa desta história clássica do Homem de Aço encerrava o alinhamento de Super Powers nº21. Edição em formatinho datada de maio de 1991, inteiramente dedicada a Alan Moore, e que incluía ainda o conto (já aqui dissecado) Para o Homem Que Tem Tudo.
Em 2003, seria a vez da Opera Graphica republicar a história sob o título Super-Homem - O Adeus, numa muito criticada edição a preto e branco que ignorava a colorização digital que lhe fora recentemente aplicada nos EUA. Lapso emendado três anos depois pela Panini Comics, ao inserir essa versão retocada no nono volume da sua coleção Grandes Clássicos DC.
A despeito da sua grada importância na memorabilia do Super-Homem, O Que Aconteceu Ao Homem De Aço? - à semelhança de tantas outras obras capitais da Editora das Lendas - segue inédita em terras lusitanas, onde apenas a edição da Abril desembarcou.

A versão retocada da história foi inserta
 em Grandes Clássicos DC nº9, da Panini Comics.

O fim de uma era

Em junho de 1938, chegava às bancas americanas uma edição histórica. Lançada pela National Allied Publications (antepassada da DC Comics), Action Comics nº1 marcou o início da publicação do Super-Homem.
Mais popular do que qualquer outra das publicações da National, Action Comics devia o seu sucesso ao herói superpoderoso criado por Jerry Siegel e Joe Shuster. Tanto assim que, num movimento sem precedentes, a editora resolveu apostar num título próprio do Homem de Aço. Precisamente um ano após o lançamento de Action Comics, foi colocado à venda o primeiro número de Superman.
Mesmo em dose dupla, o Super-Homem continuava a entusiasmar os leitores e as vendas mantiveram-se nos píncaros durante os anos 1940. Mas nem o Homem de Aço ficou imune às profundas transformações sociais do pós-guerra.

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Action Comics nº1 marcou o início da Idade de Ouro dos super-heróis.
No decorrer das décadas seguintes, a personagem passaria por significativas mudanças, assistindo-se também a uma evolução das suas tramas. Se nas suas primeiras aparições o Super-Homem enfrentava bandidos comuns e políticos corruptos, com o tempo as suas histórias foram ganhando um viés mais fantástico. Sobretudo após o surgimento dos primeiros supervilões.
Em 1954, o Comics Code Authority impôs um conjunto de regras visando impedir que as histórias aos quadradinhos exercessem influência negativa nas crianças e jovens. Surgindo desse modo a necessidade de criar tramas mais ligeiras, enfatizando de caminho a respetiva moralidade.
No caso específico do Homem de Aço, isso passou por realçar o seu heroísmo e virtuosismo. Características que se tornariam o seu cartão de visita, valendo-lhe a alcunha de "Super-Escuteiro".
Destas mudanças resultaram inevitavelmente inconsistências em relação ao conceito original. Sendo uma das mais flagrantes a participação do Super-Homem em duas organizações heroicas que atuavam em contextos históricos diferenciados. Com efeito, ele era simultaneamente membro honorário da Sociedade da Justiça da América e membro ativo da Liga da Justiça da América (herdeira direta da primeira).
Este conflito seria resolvido em Flash nº123. Nessa edição de setembro de 1961, foi apresentada a história Flash of Two Worlds (Flash De Dois Mundos), que lançou as bases do Multiverso DC. A partir desse momento, ficou estabelecida a existência de dimensões paralelas habitadas por personagens de diferentes épocas. Aquelas que haviam surgido durante a Idade de Ouro (1938-1955), assim como as respetivas histórias, pertenceriam à Terra-2. Ao passo que a Terra-1 acomodaria as histórias e personagens publicadas desde 1956 (ano inaugural da Idade de Prata).

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A história Flash De Dois Mundos mudaria para sempre o Universo DC.
Como as histórias do Super-Homem vinham sendo publicada sem interrupções, era preciso esclarecer quais as que pertenciam ao cânone. A separação das águas ocorreria em 1969. Nesse ano, a DC estipulou que a personagem apresentada em Action Comics nº1 era Kal-L, e que este deveria ser relegado para a Terra-2. Por conseguinte, apenas as histórias do Homem de Aço publicadas a partir de 1961 seriam ambientadas na Terra-1.
Embora fascinante, o conceito de Multiverso acabaria, contudo, por se revelar demasiado confuso. Inúmeros mundos paralelos foram pipocando nos anos seguintes, na mesma proporção em que os leitores se iam afastando.
Face ao declínio das vendas, a DC decidiu juntar todas as suas personagens e publicações num universo compartilhado. Para que isso fosse possível, era necessário encerrar todos os títulos ativos.
Aproveitando as celebrações do seu 50º aniversário, em 1985 a Editora das Lendas lançou Crisis on Infinite Earths, minissérie em 12 edições que culminou com a destruição pura e simples de todas as dimensões paralelas, estabelecendo uma única e renovada realidade.

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Crise nas Infinitas Terras ditou o fim do Multiverso DC.
Com a conclusão do evento, a continuidade ficcional iniciada na década de 1960 seria definitivamente encerrada. Assim, entre outubro e dezembro de 1986, o único título protagonizado pelo Super-Homem foi a minissérie Man of Steel (já aqui esmiuçada), com assinatura de John Byrne. Além de uma nova origem para o Último Filho de Krypton, a história de Byrne estabelecia um novo cânone.
Em consequência disso, Julius Schwartz, editor dos títulos do Super-Homem, deixaria a função que vinha desempenhando desde 1971. Ocorreu-lhe então a ideia de apresentar a última história do Super-Homem, aquela que marcaria o fim de uma era e o princípio de uma lenda. Para reforçar este simbolismo, Schwartz escolheu inicialmente Jerry Siegel para escrevê-la. Apesar de honrado, o cocriador do Homem de Aço foi obrigado a recusar o convite, devido a impedimentos legais.

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Julius Schwartz (1915-2004) foi
 um dos mais influentes editores do Homem de Aço.
Quando tomou conhecimento da intenção de Julius Schwartz, o britânico Alan Moore -por aqueles dia, uma estrela em ascensão devido ao seu trabalho em Swamp Thing - colocou de imediato a sua pena à disposição. Grande admirador do Homem de Aço, Moore não desperdiçou a oportunidade de homenageá-lo e fez questão de incluir na história elementos fundamentais da mitologia do herói. Reunindo assim todos os ingredientes para a produção da aventura final do Super-Homem clássico.
Por muitos considerado o artista definitivo do Homem de Aço, Curt Swan apresentou-se a Julius Schwartz como a escolha natural para desenhar a despedida do mito que o seu lápis ajudou a esculpir durante anos a fio.
Desta soma de vontades nasceria um épico que engrandeceria ainda mais o seu protagonista, encerrando tudo o que sobre ele fora previamente escrito. Chegava ao fim uma era e nada voltaria a ser igual.

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Nenhum outro artista desenhou
 tantas histórias do Super-Homem como Curt Swan (1920-1996).

A sua hora suprema

Corre o ano de 1997. Passou uma década desde a última vez que o Super-Homem foi avistado. Muitos acreditam que ele morreu; outros que ele deixou a Terra; e há também aqueles convencidos que ele ainda vive entre nós sob novo disfarce.
Tim Crane, um repórter do Daily Planet, visita a agora ex-jornalista Lois Lane-Elliot, na expectativa de que a única testemunha ocular dos momentos finais do herói possa verter alguma luz sobre o seu misterioso sumiço.
Perante o indisfarçável enfado do seu marido, um mecânico de automóveis chamado Jordan Elliot, Lois aceita revisitar os últimos dias do homem que em tempos foi dono do seu coração.
Dez anos atrás, após incontáveis crises e conflitos, a paz reinava finalmente em Metrópolis. Quatro dos mais perigosos inimigos do Super-Homem haviam sido neutralizados: Terra-Man e Parasita tinham-se destruído mutuamente; Lex Luthor estava desaparecido há anos; e Brainiac - agora um ser robótico - fora danificado além do reparável.
Parecendo não haver mais contra quem lutar, o Homem de Aço dedicara-se à exploração espacial, passando longas temporadas ausente da Terra.
Ao regressar de mais uma dessas missões nos confins da galáxia, o herói deparou-se com o primeiro incidente: Metrópolis parcialmente arrasada por Bizarro e centenas de baixas civis. Até aí um aleijão bem-intencionado cujo raciocínio invertido o impelia porém a fazer o exato oposto do que pretendia, Bizarro passara repentinamente a agir como um monstro sanguinário.
Derrotado pelo Homem de Aço, o moribundo Bizarro confessou que era tudo parte de um plano para o seu autodesenvolvimento. A ideia era afirmar-se, em todos os sentidos, como a duplicata imperfeita do herói.
Se o Super-Homem salvava vidas, Bizarro tirava-as; já que Krypton fora destruído por causas naturais e o Super-Homem chegou à Terra ainda bebé, Bizarro obliterou o seu mundo e veio para o nosso em adulto; por fim, Bizarro cometeu suicídio com recurso a uma amostra de kryptonita azul (ver Apontamentos), porque, se o Super-Homem, estava vivo, então ele tinha de morrer.

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O suicídio de Bizarro deixou o Super-Homem aturdido.
Ainda abalado por este perturbador episódio, dias depois o Homem de Aço teve o seu maior segredo exposto em horário nobre. Galhofeiro e Homem dos Brinquedos, dois criminosos de segunda categoria, foram os autores da proeza.
Às instalações da WGBS (estação televisiva onde Clark Kent trabalhava como pivô) haviam chegado duas caixas, minutos antes de o principal noticiário ir para o ar. Clark estava a postos para o início da emissão quando de uma das caixas saíram brinquedos automatizados que começaram a bombardear tudo à sua volta.
Enquanto os seus colegas procuravam abrigo, Clark foi atingido em cheio por diversos disparos. Apesar de protegido pela sua invulnerabilidade, o ataque destruiu-lhe as roupas civis, revelando o uniforme azul e vermelho que trazia vestido sob elas. Momento captado e transmitido em direto pelas câmaras de TV para milhões de telespectadores.

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    O Super-Homem teve o seu maior segredo
     exposto em horário nobre.

Através de um dos bonecos,  o Galhofeiro e o Homem dos Brinquedos revelaram como haviam conseguido extorquir a informação sobre a verdadeira identidade do Super-Homem: torturando até à morte Pete Ross, um amigo de infância de Clark Kent em Smallville. Era seu o cadáver que estava dentro da segunda caixa.
Rastreando as ondas de rádio da transmissão, o Homem de Aço localizou rapidamente a parelha de assassinos, mas começou a temer o pior. Se os incómodos do passado viraram assassinos, o que esperar quando reaparecerem os assassinos de sangue frio?
Ao mesmo tempo que, em Metrópolis, o Super-Homem lidava com as ondas de choque da bombástica revelação da sua identidade, algures no Círculo Polar Ártico Lex Luthor encontrava a cabeça inerte de Brainiac. Esta ficou, porém, subitamente ativa e, num piscar de olhos, conseguiu dominar mentalmente Luthor, passando a controlar-lhe o corpo como se de uma marioneta humana se tratasse.

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Luthor e Brainiac tornam-se um só.
Após construir uma nave para o transportar até à Cidade do Amanhã, o híbrido Luthor-Brainiac recrutou o Homem-Kryptonita. Também ele se sentia estranhamente compelido a destruir o Super-Homem.
Em Metrópolis, um grupo de Metallos atacou a redação do Daily Planet, semeando o caos. Após dirimir a ameaça, o Homem de Aço, temendo pela vida dos seus entes queridos, levou Lois Lane, Lana Lang, Jimmy Olsen e o casal Perry e Alice White para a sua Fortaleza da Solidão. Por essa altura já era claro para todos que os ataques em curso não eram aleatórios, e que outros se lhes seguiriam em breve.
À Fortaleza da Solidão chegou também Krypto. Após uma prolongada ausência, o Super-Cão, porventura pressentindo o perigo que rondava o dono, ajudou-o a proteger os seus hóspedes.
Entretanto, os preparativos do Super-Homem para um cerco foram interrompidos pela inesperada visita da Legião dos Super-Heróis, do século XXX. Mais surpreendente ainda foi a presença da Supergirl na comitiva, uma vez que ela estava morta no presente.
Não menos desconcertante foi o presente que o Homem de Aço recebeu dos legionários: uma estatueta sua segurando o projetor da Zona Fantasma e com a frase "A sua hora suprema." inscrita na base.

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Super-Homem é surpreendido pela visita
 da Legião dos Super-Heróis e da Supergirl.
Após a partida da Legião, o significado da oferenda tornou-se claro para o Super-Homem: os heróis do futuro visitaram-no naquela data específica para lhe renderem a sua derradeira homenagem. A sós com Krypto, um Homem de Aço fragilizado chorou ao imaginar a sua morte iminente.
Na manhã seguinte, os temores do Super-Homem começaram a concretizar-se. A Legião dos Supervilões - igualmente oriunda do século XXX e composta por Rei Cósmico, Rainha Satúrnia e Lorde Trovão - viajou para o passado para testemunhar o confronto final do Homem de Aço com o seu maior inimigo. Segundo as lendas, seria esse o ocaso do herói.
Com o Super-Homem e os seus amigos barricados no interior da Fortaleza da Solidão, o híbrido Luthor-Brainiac ergueu um campo de força em redor da estrutura para impedir a entrada dos outros heróis que tentavam acudir-lhes.

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Luthor-Brainiac e a Legião dos Supervilões
 preparam o assalto à Fortaleza da Solidão.
À noite, Jimmy Olsen e Lana Lang usaram artefactos expostos na Sala de Troféus da fortaleza para adquirirem superpoderes. Num misto de coragem e imprudência, decidiriam atacar os vilões antes que eles conseguissem invadir o local. Lana subjugou o Homem-Kryptonita, dando tempo a Jimmy para desligar o gerador do campo de força.
Durante a refrega, Luthor conseguiu anular momentaneamente a influência de Brainiac, implorando a Lana para que pusesse fim à sua agonia. Lana partiu-lhe o pescoço, mas teve os seus poderes eliminados pelo Rei Cósmico. Ato contínuo, Lorde Trovão eletrocutou a jovem, impregnando o ar com um intenso cheiro a carne queimada.
Cego pela raiva, Jimmy Olsen investiu sobre os assassinos, mas acabou também ele morto por Brainiac, que ainda conservava o controlo sobre o corpo sem vida de Luthor. Em seguida, o vilão detonou uma ogiva nuclear, derrubando finalmente as paredes da Fortaleza da Solidão.
Era chegado o momento da ofensiva final e o Homem-Kryptonita tomou a dianteira. A sua intenção era envenenar o Super-Homem, mas foi morto por Krypto. Que, por sua vez, também sucumbiu aos efeitos da kryptonita.

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Fiel até ao fim, Krypto morre a proteger o seu amo.
Ao deparar-se com o cadáver calcinado de Lana, o Super-Homem quase incinerou o Lorde Trovão com a sua visão de calor. Provocando, assim, a debandada da Legião do Supervilões. O grupo mantinha-se, porém, convicto da inevitabilidade da vitória de Brainiac.
Contudo, o híbrido Luthor-Brainiac tombou pesadamente por terra, quando o rigor mortis tomou conta do corpo de Luthor.
Perante aquela reviravolta, o Super-Homem deduziu quem era, afinal, o verdadeiro responsável pelos ataques:  Senhor Mxyzptlk, o duende da Quinta Dimensão.
Mxyzptlk revelou por fim a sua presença, já não como um duende com chapéu de coco, mas como um gigante quadrimensional vagamente humanoide. Após dois mil anos a realizar pequenas travessuras, a criatura ficara entediada e pretendia iniciar uma nova fase na sua existência imortal na pele de um diabólico vilão.
Com a ajuda de Lois, o Super-Homem percebeu finalmente o verdadeiro significado do presente ofertado pela Legião dos Super-Heróis. O projetor da Zona Fantasma era a chave para derrotar Mxyzptlk.

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Lois descobre a chave para derrotar o diabólico Mxyzptlk.
Na mira do Homem de Aço, Mxyzptlk apressou-se a dizer o seu nome ao contrário, para assim regressar à Quinta Dimensão. Nesse mesmo instante, o Super-Homem acionou o projetor da Zona Fantasma. Despedaçado entre as duas dimensões, Mxyzptlk soltou um grito aterrador antes de morrer.
Como penitência por ter violado o seu juramento de nunca matar, o Homem de Aço, perante o olhar atónito de Lois, adentrou num compartimento onde mantinha guardadas amostras de kryptonita dourada. Despojado dos seus poderes, o herói encaminhou-se depois para o exterior da Fortaleza da Solidão para nunca mais ser visto.
Quando os restantes heróis conseguiram finalmente penetrar na fortaleza, encontraram apenas três sobreviventes: Lois Lane e o casal White. Do corpo do Super-Homem nem sinal. Todos assumiram que havia sucumbido aos rigores do Ártico. Era o fim do maior campeão da Justiça..
Lois Lane conclui a entrevista dizendo que, apesar de o corpo do herói nunca ter sido encontrado, ela sabia que o Super-Homem havia morrido naquele dia.

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O fulgor dourado da despedida do maior herói de todos os tempos.
Após a partida do repórter, Lois conversa animadamente com o marido acerca dos prazeres de uma vida normal. Ambos estão aliviados e esperam ser deixados em paz por mais uma década. Sem que nenhum deles se aperceba, Jonathan, o filho bebé do casal, esmaga com a mão um pedaço de carvão, transformando-o num reluzente diamante.
Antes de fechar a porta do quarto do pequeno Jonathan, Jordan Elliot brinda os leitores com uma piscadela de olho. Gesto que confirma que ele é na verdade o Homem de Aço disfarçado.

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Segredos familiares.

Apontamentos

*O título original da história é uma referência a Whatever Happened to...?, série de pequenos contos que, a partir de meados dos anos 1970,  revisitavam personagens da Idade de Prata há muito caídas no esquecimento. Essas histórias eram publicadas em DC Comics Presents, título que também tinha Julius Schwartz como editor;
*O termo Homem do Amanhã (Man of Tomorrow, em inglês) é um dos cognomes do Super-Homem e remete ao conceito de "Übermensch" citado em Assim Falou Zaratrusta. Alguns estudiosos da 9ª Arte acreditam que essa obra do filósofo germânico Friedrich Nietzsche terá influenciado a criação do herói;
*Na capa original de Action Comics nº583, Jenette Khan (na altura, presidente-executiva da DC), Curt Swan e Julius Schwartz encabeçavam a pequena multidão que, no topo do edifício do Daily Planet, se despedia do campeão de Metrópolis;
*Jordan Elliot, a nova identidade civil do Super-Homem, presta homenagem a Jor-El, o pai kryptoniano do herói. Também o nome do seu filho bebé, Jonathan, é uma clara referência a Jonathan Kent, o pai adotivo de Clark Kent;
*Ocasionalmente traduzida no Brasil como Super-Mulher, a Superwoman surge em dois momentos distintos da narrativa: no primeiro, integra o contingente de heróis que tentam atravessar a barreira erguida por Brainiac em redor da Fortaleza da Solidão; no segundo, já no interior da estrutura semidestruída, examina os restos mortais dos amigos e inimigos do Super-Homem. A sua presença indicia que a história não tem lugar na Terra-1, uma vez que nessa realidade a Superwoman é Kristin Wells, uma descendente de Jimmy Olsen do século 29. Com efeito, em 2006, a edição definitiva de Crisis on Infinite Earths, estabeleceu que O que Aconteceu ao Homem de Aço? era ambientada na Terra-423;

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Kristin Wells, uma das mulheres
 que assumiram o manto da Superwoman.
*Mesmo tendo apenas arte-finalizado os esboços de Curt Swan, George Pérez considerou a sua participação no projeto um dos momentos mais gratificantes da sua carreira;
*Insatisfeito com a simplificação da mitologia do Super-Homem decorrente do protocolo modificativo de John Byrne após Crise nas Infinitas Terras, Alan Moore revisitou muitos dos temas das histórias clássicas do herói durante a sua passagem, nos anos 90, por Supreme - pastiche do Homem de Aço criado por Rob Liefeld e originalmente publicado pela Image Comics. Do ponto de vista de Moore, o revisionismo de Byrne descaracterizara por completo o Super-Homem, transformando-o numa personagem diferente;
*Em 2009, o britânico Neil Gaiman escreveu Whatever Happened to the Caped Crusader? (O Que Aconteceu ao Cruzado Encapuzado?), explorando premissas similares às da história final do Homem de Aço, da autoria do seu compatriota e arquirrival. Numa altura em que Gaiman vinha reincorporando diversos elementos da Idade de Prata na mitologia moderna do Homem-Morcego, a trama descrevia as repercussões da aparente morte de Bruce Wayne e da subsequente assunção do manto do Batman por Dick Grayson. Apesar das reações maioritariamente positivas da crítica e dos fãs, a história de Gaiman perde na comparação com a de Alan Moore;

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Também o Batman teve direito à sua aventura final.

*Uma eleição promovida entre os visitantes da plataforma Comic Book Resources atribuiu a O Que Aconteceu ao Homem de Aço? o 25º lugar na lista das 100 melhores histórias de super-heróis de todos os tempos;
*Elemento fundamental da mitologia do Homem de Aço - e sua principal fraqueza -, a kryptonita foi introduzida pela primeira vez em junho de 1943, num episódio do programa radiofónico The Adventures of Superman. Seis anos depois, ganharia estatuto canónico através de uma história publicada em Superman nº61. Embora a kryptonita verde seja a mais comum, a Idade de Prata popularizou outras variedades multicoloridas dessa substância radioativa potencialmente letal para os kryptonianos. Correspondendo a cada uma delas efeitos diferenciados: a vermelha afetava, de forma temporária e imprevisível, a personalidade do Super-Homem; a dourada removia-lhe definitivamente os poderes (ainda que o processo tenha sido revertido por mais que uma vez); a branca era mortal para a flora de qualquer planeta; a azul (manufaturada pelo próprio Homem de Aço) era apenas prejudicial para os habitantes do Mundo Bizarro;
*Criação de Jerry Siegel e  Ira Yarbrough, Mister Mxyztplk, um endiabrado duende da Quinta Dimensão dotado de poderes místicos, debutou em setembro de 1944, nas páginas de Superman nº30. Seria, contudo, durante a Idade de Prata que o pequeno vilão de nome impronunciável se tornaria um habitué nas histórias do Homem de Aço. Tirando proveito da suscetibilidade do herói kryptoniano à magia, Mxyztplk dava largas às suas travessuras, deixando o Super-Homem com os nervos em franja. A única maneira de devolvê-lo à Quinta Dimensão consistia em obrigá-lo a pronunciar o próprio nome às avessas. Mxyztplk era, no entanto, praticamente inofensivo, por contraste com a sua sinistra versão retratada em O Que Aconteceu Ao Homem de Aço?;

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O visual clássico do Sr. Mxyzptlk (esq.)
 e a sua versão da Idade de Ouro.
Vale a pena ler?

Não é por acaso que O Que Aconteceu ao Homem de Aço? é tantas vezes citada como uma das melhores histórias do Super-Homem. Desde logo por apresentar algumas das cenas mais memoráveis do herói. Como aquela em que, ao tomar aguda consciência da sua finitude, ele chora com Krypto deitado aos seus pés. Igualmente delicioso é o epílogo, quando o segredo de Jordan Elliot é subtilmente compartilhado com os leitores. Uma simples piscadela de olho vale por mil palavras.
Qual artífice do verbo que labuta no cadinho da imaginação, Alan Moore serviu-nos uma história ora tocante, ora assombrosa, ora divertida. Mas sempre uma leitura estimulante tanto para fervorosos admiradores do Homem de Aço como para leitores casuais com conhecimentos rudimentares da sua mitologia.
Curt Swan, por seu turno, faz jus ao título de artista definitivo do Super-Homem, desenhando toda a história como uma aventura íntima. O seu traço clássico casa na perfeição com o registo nostálgico e elegíaco da trama, permeada por um toque de modernidade.
Em vez de uma despedida melodramática, O Que Aconteceu ao Homem de Aço? é um raio de esperança e um trampolim para a lenda. Cercado pela noite que ameaçava toldar-lhe os últimos dias de fulgor, o Super-Homem logrou escapar da escuridão e encontrar de novo o Sol. E sob ele consumou o seu desejo de viver com um comum mortal.
Mesmo despojado dos seus poderes semidivinos, o Super-Homem continua a ser uma personagem luminosa, positiva e gentil. É essa a sua essência e Moore soube retratá-la de forma magistral.

Um Super-Homem também chora.