23 junho 2023

HERÓIS EM AÇÃO: DOUTOR ESTRANHO


  Antes de perder tudo num golpe do destino, Stephen Strange somava fama, fortuna e soberba. O seu doloroso despertar interior começou no fundo do poço e culminou no topo do mundo. No místico Tibete, fronteira entre os mundos físico e espiritual, estudou as artes arcanas e, como Feiticeiro Supremo, encontrou novo propósito de vida.

Denominação original: Doctor Strange
Editora: Marvel Comics
Criadores: Stan Lee & Steve Ditko
Primeira aparição: Strange Tales #110 (abril de 1963)
Identidade civil: Stephen Vincent Strange
Espécie: Humano
Local de nascimento: Filadélfia, Pensilvânia
Parente conhecidos: Eugene e Beverly Strange (pais, falecidos); Victor Strange / Khiron (irmão, presumivelmente falecido); Donna Strange (irmã, falecida); Clea (esposa); Umar e Orini (sogros)
Ocupação: Outrora um dos mais renomados neurocirurgiões do mundo, Stephen Strange desdobra-se atualmente entre as funções de Feiticeiro Supremo, aventureiro e consultor do Oculto.
Base de operações: Sanctum Sanctorum, Greenwich Village (Nova Iorque)
Afiliações: Fundador e líder de facto dos Defensores.
Némesis: Dormammu 
Poderes e parafernália: Após décadas de estudo intensivo das artes místicas, o Doutor Estranho é um dos mais poderosos magos de todo o Multiverso Marvel. Transmutação da matéria, consciência cósmica, projeção astral ou abertura de portais interdimensionais são apenas alguns dos seus truques mais aparatosos. Diz-se ainda que seria capaz de matar um homem com um simples gesticular das mãos e, sozinho, já levou Galactus ao tapete.
Agamotto, Hoggoth e Oshtur, a tríade de divindades extradimensionais conhecidas com os Vishanti, são os principais patronos mágicos do Feiticeiro Supremo. É canalizando a energia virtualmente ilimitada dessas e de outras entidades metafísicas, como os Principados ou a Octossência, que o Doutor Estranho executa um repertório quase infinito de feitiços, encantamentos e sortilégios. Em razão dessa sinergia espiritual, ele é sempre tão poderoso quanto o deus por ele invocado.
Os Vishanti assumem diferentes disfarces porque
 as suas verdadeiras formas seriam incompreensíveis para os humanos.

Algumas dessas entidades são tradicionalmente invocadas para efeitos específicos: Ikonn para projetar ilusões; Serafim para proteção mística; Agamotto para revelar a Verdade; Cyttorak para restringir adversários; Cinnibus para dissipar a escuridão, etc.
Aparentemente, a substância dos reinos místicos é, por vezes, invocada em vez dos seres que os governam. Um bom exemplo é quando o Doutor Estranho manipula as Chamas de Faltine da Dimensão Negra, lar do seu arqui-inimigo Dormammu. Graças a esse subterfúgio, o Feiticeiro Supremo consegue invocar entidades malignas sem ficar à mercê delas. Este não é, no entanto, um exercício isento de perigos.
Seguindo os ensinamentos do seu mestre - o enigmático Ancião -, o Doutor Estranho consegue também executar feitiços menos elaborados manipulando apenas a energia mística ambiente. Com recurso a ela pode, entre muitas outras coisas, lançar rajadas ectoplasmáticas, comunicar telepaticamente ou erguer campos de força.
O Doutor Estranho tem ainda à sua disposição uma panóplia de relíquias e artefactos místicos, na qual pontificam o Olho de Agamotto e o Manto da Levitação.
Assim como o Mjolnir, o Olho de Agamotto só pode ser usado por aqueles que provarem ser dignos. Além de potenciar os talentos psíquicos do Doutor Estranho, a sua luz trespassa todo o engano e é anátema para demónios e outras criaturas funestas.
Existe, ademais, um forte vínculo entre o Olho de Agamotto e o Orbe de Agamotto, outro dos instrumentos místicos ao dispor do Doutor Estranho. Um e outro dotam o seu usuário de clarividência, mas o alcance do segundo é muito superior. Espécie de bola de cristal hiperpoderosa, o Orbe permite a perceção nítida de qualquer lugar em qualquer dimensão ou reino do Multiverso, tendo como principal função monitorizar potenciais ameaças externas à Terra. 

Inspirado no Olho que Tudo Vê de Buda, o Olho de Agamotto
 é autoconsciente e só pode ser usado para magia benigna.

Construído no local de sacrifícios pagãos, o Sanctum Sanctorum, residência e base de operações do Doutor Estranho, é um ponto focal para energias sobrenaturais. Na sua biblioteca repousam centenas de tomos esotéricos, incluindo o Livro de Vishanti. Trata-se do repositório indestrutível de todos os feitiços de Magia Branca e do conhecimento arcano acumulado por diferentes gerações de magos. Stephen Strange tornou-se seu fiel depositário quando, após a morte do Ancião, foi arvorado a Feiticeiro Supremo.
Complementarmente ao estudo das artes místicas, Stephen Strange foi também iniciado pelos monges tibetanos nas artes marciais, que continua a praticar regularmente com Wong. Lutador habilidoso, o seu estilo já foi elogiado pelo próprio Mestre do Kung Fu. O Doutor Estranho exibe igualmente notável destreza no manuseamento de espadas, lanças e outras armas magicamente criadas por ele.
Seja a batalha física ou espiritual, o Doutor Estranho será sempre um formidável guerreiro do Bem contra o Mal.

Fraquezas: A despeito do incomensurável poder subjacente à sua condição de Feiticeiro Supremo, Stephen Strange ainda é apenas um homem. Desse fator humano decorrem tanto limitações físicas quanto metafísicas.
Durante as frequentes incursões do Doutor Estranho no plano astral, por exemplo, o seu corpo físico permanece num espécie de transe inerte. Nesse estado em tudo semelhante à morte, Strange fica vulnerável a ataques de qualquer tipo. Se deles resultarem ferimentos fatais, ele ficará para sempre preso num limbo incorpóreo.
O mesmo sucederá caso Strange permaneça mais do que 24 horas na sua forma etérea. Ultrapassado esse limiar crítico, o seu corpo físico começará a deteriorar-se a um ritmo acelerado podendo, no limite, culminar na sua morte.

A projeção astral comporta
 consideráveis riscos para o corpo físico do Doutor Estranho.

Outra brecha passível de ser explorada pelos inimigos do Doutor Estranho é a sua elevada dependência relativamente a encantamentos recitados, gestos ritualísticos e artefactos místicos. Como já referido, os seus feitiços mais poderosos extraem energia de entidades divinas invocadas verbalmente e, quase sempre, com a ajuda de amuletos. O Doutor Estranho ficará contudo impedido de conjurá-los se for amordaçado, manietado e/ou privado do acesso ao seu arsenal arcano. 
Algo que também acontecerá se ele perder os favores dos seus patronos sobrenaturais. Sem o poder insondável de Vishanti, Agamotto ou Cyttorak, o Doutor Estranho seria incapaz de se bater em paridade de armas com adversários como Dormammu, Pesadelo ou Mefisto.
A Alta Magia, por sua vez, cobra sempre um proporcional preço físico aos seus usuários, e o Feiticeiro Supremo não foge à regra. Travar batalhas místicas, particularmente no plano astral ou em outras dimensões, requer um esforço enorme. Do qual podem resultar desde tonturas momentâneas a comas prolongados.
Apesar do seu passado ligado à prática da Medicina, o Doutor Estranho, ironicamente, não consegue duplicar magicamente nada criado pela Ciência. Alguns indícios sugerem ainda que os seus encantamentos e sortilégios perdem eficácia contra seres mecânicos. Robôs, androides e outras máquinas demonstram ter, em geral, uma elevada resistência, quando não imunidade, à sua magia.

Misticismo psicadélico

De todos os ilustres moradores da Casa das Ideias surgidos na primeira metade da década de 60, contam-se pelos dedos de uma só mão aqueles em cuja conceção Jack Kirby não esteve, direta ou indiretamente, envolvido. A par do Homem-Aranha, o Doutor Estranho foi outra das notáveis exceções à regra. Tanto o Escalador de Paredes como o Mestre das Artes Místicas tiveram assinatura de Stan Lee e Steve Ditko.
Quase todas as criações de Stan Lee procuravam, em última análise, renovar grandes mitos da cultura popular originados em géneros diversos: na origem do Quarteto Fantástico esteve a ficção científica; Thor saiu diretamente da mitologia nórdica; e o Homem de Ferro, nas suas primícias, referenciava as histórias de espionagem.
Até à entrada em cena do Doutor Estranho, a magia e a feitiçaria tinham estado praticamente ausentes do Universo Marvel. Como era seu apanágio, Stan Lee mais não fez do que reinterpretar, de forma inovadora, conceitos preexistentes. No caso específico do Feiticeiro Supremo, Lee foi beber inspiração a um folhetim radiofónico que fizera as suas delícias na infância. Chandu, o Mago - um dos programas do género mais populares e duradouros dos anos 30 - narrava as aventuras de um mágico que usava os seus poderes místicos para defender a Humanidade de forças maléficas de origem sobrenatural.
A aparência do Doutor Estranho, por outro lado, foi baseada na de Vincent Price. Presença assídua nos filmes de terror dos anos 50 e 60, Price representava amiúde bruxos, vampiros e quejandos. O nome completo do Doutor Estranho - Stephen Vincent Strange - é, de resto, uma homenagem ao saudoso ator conhecido pelo bigode estiloso e olhar penetrante.

O mágico Chandu e o multifacetado ator Vincent Price (em baixo)
 foram as principais inspirações do Doutor Estranho.



Mas para além dessas influências iniciais, o Doutor Estranho adquiriu uma personalidade e uma riqueza muito próprias, superiores às da personagem que o tinha inspirado. Para isso foi fundamental a participação de Steve Ditko, seu criador plástico e o artista que Stan Lee escolhia sempre que queria orquestrar uma história sob o signo do mistério e do suspense. Por aqueles dias, Lee e Ditko já tinham dado ao prelo dezenas de historietas desse tipo, na sua maioria publicadas em Strange Tales. Em razão disso, num primeiro momento Ditko sugeriu que o novo herói fosse batizado de Mister Strange, nome que Lee rejeitou dadas as semelhanças com o já existente Mister Fantastic.
Renomeado Doutor Estranho, o novo mestre das artes arcanas fez a sua primeira aparição em Strange Tales #110, com data de abril de 1963. Em apenas cinco páginas, os leitores ficaram a conhecer um feiticeiro que nada tinha a ver com os tradicionais prestidigitadores de cartola, varinha mágica e truques baratos. O Doutor Estranho era misterioso, parco em palavras e vestia paramentos asiáticos, que deixavam adivinhar uma possível origem no Extremo Oriente. Tinha, também, pouco em comum com os super-heróis convencionais, apesar de partilhar a revista com um deles.
As aparições subsequentes do Doutor Estranho em Strange Tales acrescentaram novas camadas dramáticas à personagem, atraindo a atenção e o louvor dos leitores. Em resposta ao crescente interesse relativamente ao passado de Stephen Strange, Lee e Ditko revelaram por fim a sua origem, no 115º número da revista que continuava a ter o Tocha Humana como atração principal.

Há exatos 60 anos, o Doutor Estranho fazia a sua estreia em Strange Tales #110,
revista que tinha o Tocha Humana como astro principal.

Dentre as possíveis influências para a origem do Doutor Estranho, a mais óbvia é a do Lama Verde. Personagem obscura com raízes fincadas na literatura pulp que, na Idade de Ouro, foi transposta aos quadradinhos pela Prize Comics. Jethro Dumont, um milionário nova-iorquino, passou uma longa temporada no Tibete a estudar para ser um lama (guru budista), aprendendo muitos segredos místicos no processo. Quando, por fim, regressou aos EUA, usou os seus talentos e ensinamentos no combate ao crime. Saltam à vista as semelhanças entre a sua história e a do Doutor Estranho (vide texto seguinte).

A origem do Doutor Estranho tem vários pontos em comum com a do Lama Verde.

Desde as primeiras aventuras do Doutor Estranho condensadas em menos de uma dezena de páginas e em que se alternavam casos típicos, como o de uma casa assombrada, com duelos místicos com o Barão Mordo, a série foi crescendo paulatinamente em complexidade e sofisticação. Até chegar a uma fase de autêntico delírio ácido dos sentidos, pautada por excursões a mundos diferentes do nosso, próximos do onírico e do surrealista.
Por conta desse viés psicadélico, muitos leitores chegaram a tomar Stan Lee por um verdadeiro iniciado no esoterismo, somando-se a suspeita de que Ditko seria viciado em alucinogénicos. Nada disto tinha, no entanto, qualquer fundamento. Os dois autores tinham-se limitado a dar largas às suas pródigas imaginações, criando inadvertidamente um ícone da contracultura e dos movimentos New Age.
Apenas um ano após o seu debute, o Doutor Estranho viveu a sua primeira grande saga, publicada nos números 126 e 127 de Strange Tales. Demonstrando um enorme salto qualitativo, o arco em questão acrescentou duas personagens-chave à mitologia do Feiticeiro Supremo: Dormammu e a sua sobrinha Clea. Enquanto o primeiro de pronto substituiu o Barão Mordo como némesis do Doutor Estranho, a segunda com o tempo viria a tornar-se discípula, amante e, por fim, esposa de Stephen Strange.

As paisagens psicadélicas desenhadas por Steve Ditko eram
 um espetáculo visual para os leitores e um pesadelo lisérgico para os coloristas.

A fase seminal do Doutor Estranho, assinada por Lee e Ditko, prosseguiria ainda até meados de 1966, quando o artista abandonou a série e a Casa das Ideias. Mesmo órfão da arte psicadélica de Ditko, o Feiticeiro Supremo ganharia, pouco tempo depois, revista própria. Para celebrar essa conquista, Roy Thomas e Dan Atkins, dois dos principais representantes de uma nova geração de autores da Marvel, levaram a cabo uma reconstrução muito pormenorizada do mito, atualizando e expandindo a origem do Doutor Estranho.
Com os normais altos e baixos, a revista regular do Doutor Estranho continuou a chegar às bancas americanas até 1996. Ao longo das décadas foram muitos os grandes nomes da 9ª Arte que passaram pelas suas páginas, entre os quais cabe destacar as duplas Steve Englehart / Frank Brunner e Roger Stern / Marshall Rogers e, ainda, os inúmeros episódios da série desenhados pelo decano da luz e da sombra, Gene Colan.
Durante todos esse tempo, o Doutor Estranho foi o maior expoente de feitiçaria do Universo Marvel, para além de ter servido de catalisador à formação dos Defensores (ver Miscelânea). Após o cancelamento da sua revista mensal, o Feiticeiro Supremo passaria os anos terminais do século XX como convidado especial noutras séries. A exemplo de Nick Fury e do Surfista Prateado, por essa altura já se tinha convertido naquele tipo de ícone fundamental na estrutura do Universo Marvel, mas sem um título seu onde pudesse continuar a evoluir. Já neste século, o impulso dado pelas múltiplas participações do Doutor Estranho no MCU provou-se insuficiente para recuperar a sua tração comercial nos quadradinhos. Todas as recentes tentativas de relançamento de uma série própria do Feiticeiro Supremo foram malsucedidas, reforçando assim o seu estatuto de coadjuvante de luxo em títulos alheios. 

Em 1996, o último número de Doctor Strange, Sorcerer Supreme
marcou também o fim de uma era de esplendor.
  
Renascimento espiritual

Antes de ser o Feiticeiro Supremo, Stephen Strange foi o cirurgião supremo. Mas, nessa sua qualidade inicial, Strange salvava apenas as vidas daqueles que podiam pagar pelos seus serviços. Nada no seu caráter cínico e egocêntrico prenunciava, pois, a missão sagrada que viria a abraçar: ser o guardião espiritual da Terra contra ameaças sobrenaturais.
Primeiro dos três filhos de um modesto casal nova-iorquino, Stephen Strange nasceu em 1930, durante as férias dos pais em Filadélfia. A sua vocação precoce para a Medicina manifestou-se ainda na infância. Com apenas onze anos, Stephen improvisou talas para a perna partida da irmã mais nova e um garrote para estancar a hemorragia resultante da fratura exposta.
Aluno brilhante, Strange, ainda nos seus verdes anos, especializou-se em Neurocirurgia na Universidade de Columbia antes de ser admitido no Hospital Presbiteriano de Nova Iorque. Onde, por conta do seu prodigioso talento, rapidamente alcançou notoriedade internacional. O seu êxito profissional teve, todavia, como reverso a húbris e a insensibilidade social.
Insulado numa bolha de privilégio, Strange não demonstrava um módico de empatia pelos seus pacientes, a quem cobrava sempre honorários exorbitantes. A sua crença no valor do altruísmo fora fortemente abalada, anos antes, pela sua incapacidade de salvar a irmã de morrer afogada. Para preencher esse seu vazio emocional, Strange vivia obcecado pelos bens materiais e pelos prazeres mundanos.
Uma noite, enquanto acelerava no seu bólide desportivo, Strange sofreu um terrível acidente que lhe mudaria para sempre a vida. Apesar de ter sobrevivido, teve os ossos e os nervos das mãos severamente danificados. Incapaz de realizar cirurgias e demasiado orgulhoso para aceitar as funções de consultor, Strange calcorreou o mundo em busca de uma cura.
Depois de ter malbaratado a sua fortuna em tratamentos inúteis, Strange regressou a Nova Iorque apenas para sofrer novo rombo na dignidade. Sozinho e sem dinheiro, passou a viver nas ruas como um vagabundo.
O destino encarregou-se de dar uma lição de humildade a Stephen Strange.

Certa noite, num bar junto às docas, ouviu dois marinheiros conversarem acerca de um misterioso eremita no Tibete capaz de curar qualquer maleita. Um sábio milagreiro, sem nome nem idade, conhecido apenas como Ancião. 
Animado por uma esperança desesperada, Strange desfez-se do resto dos seus pertences e viajou para o Tibete. O Ancião, intuindo o egoísmo do recém-chegado, recusou porém ajudá-lo. Acreditando estar na presença de um charlatão, Strange aprestou-se a partir, mas foi impedido de fazê-lo por uma violenta tempestade de neve.
Enquanto esperava que a tempestade passasse, Strange testemunhou, incrédulo, um ataque místico lançado contra o Ancião. E mais incrédulo ficou ao descobrir que o mesmo fora lançado pelo principal discípulo do guru, o sinistro Barão Mordo.
Embora ciente da traição de Mordo, o Ancião ficou comovido por Strange ter arriscado a vida para avisá-lo e ofereceu-se para iniciá-lo nas artes místicas. Strange aceitou e à medida que as semanas se transformavam em meses e os meses em anos, a sua vida foi ganhando um novo e profundo sentido.
A meta de Strange passou a ser a evolução espiritual, num incessante - e, por vezes, doloroso - despertar interior. No topo do mundo, entre o éter e a materialidade, alcançou a clarividência que lhe permitia enxergar para além da realidade física percecionada pelos sentidos humanos.
De regresso a Nova Iorque acompanhado por Wong (seu amigo e valete), Stephen Strange instalou-se no Sanctum Sanctorum, para, como Doutor Estranho, passar a travar as batalhas esotéricas que apenas poderiam ser vencidas pelo Feiticeiro Supremo.

Renascido espiritualmente, Stephen Strange sucedeu ao Ancião como Feiticeiro Supremo.

Miscelânea

*Sanctum Sanctorum é a tradução latina da expressão bíblica "Santo dos Santos", referenciando tradicionalmente o lugar mais sagrado do Tabernáculo, onde apenas o Sumo Sacerdote de Israel podia adentrar. Foi este o nome simbolicamente escolhido por Stan Lee e Steve Ditko - ambos de ascendência judaica - para a mansão geminada de três andares que serve de residência e base de operações ao Doutor Estranho. Com corredores labirínticos e portas que dão acesso a outras dimensões, o Sanctum Sanctorum é protegido de invasões místicas pelo Selo de Vishanti. Quem já o visitou garante que o seu interior é muito maior do que aparenta ser visto de fora; 
*Sito no coração de Greenwich Village, o bairro boémio de Nova Iorque, o Sanctum Sanctorum está associado a um endereço verdadeiro, que pode inclusivamente ser encontrado no Google Maps. No mundo real, o número 177A de Bleecker Street corresponde ao apartamento que Roy Thomas e Gary Friedrich - à época escribas de Doctor Strange - dividiram na segunda metade da década de 60;

Com o seu interior a ser constantemente reconfigurado, 
o Sanctum Sanctorum desafia as leis da física e do espaço.

*Quase todos os feitiços executados pelo Doutor Estranho envolvem posições especiais das mãos. Alguns desses gestos ritualísticos aparentam ter sido baseados no Mudra do Budismo e de outras religiões asiáticas. O mais comum deles é a mano cornuta ("chifres" feitos dobrando os dois dedos internos para baixo), muito semelhante, de resto, ao gesto que o Homem-Aranha - outra criação da dupla Lee/Ditko - costuma fazer quando lança as suas teias sintéticas;
*Desconhece-se a real extensão das lesões nas mãos de Stephen Strange causadas pelo acidente de viação que lhe mudou para sempre as agulhas do destino. São tantos os escritores que as descrevem como incapacitantes como aqueles que garantem ser os surtos de ego de Strange a impedi-lo de retomar a atividade cirúrgica;
*O Doutor Estranho foi o primeiro a descobrir que o uniforme negro do Homem-Aranha era na verdade um simbionte alienígena cujo controlo sobre o seu hospedeiro aumentava à medida que o vínculo entre ambos era reforçado. Por algum motivo insondável, Strange guardou no entanto segredo acerca da verdadeira natureza do traje e do perigo que ele representava;
*Incapaz de enfrentar sozinho uma horda de demónios extradimensionais conhecidos como Imortais, o Doutor Estranho cooptou Hulk e Namor a ajudá-lo. Dessa aliança pontual nasceram os Defensores, aos quais se juntaria pouco tempo depois o Surfista Prateado. À primeira vista um aglomerado de heróis aleatórios sem nada em comum, o grupo reunia-se apenas quando necessário. A sua especialidade, conforme o nome indica, era defender a Terra de ameaças místicas e sobrenaturais; 

Os Defensores foram sempre menores do que a soma das partes.

*Stephen Strange é tecnicamente imortal. Numa história publicada em outubro de 1974, no quarto número de Doctor Strange, o Feiticeiro Supremo travou uma desesperada batalha contra a Morte dentro do Olho de Agamotto. Ao evocar os ensinamentos do Ancião, de que a morte é apenas outra etapa da vida, o Doutor Estranho parou subitamente de lutar, possibilitando, desse modo, a vitória da sua adversária. Em resultado da sua rendição à Morte, Strange parou de envelhecer desde então. Significando isto que, podendo ser morto por causas exógenas, o Doutor Estranho nunca sucumbirá aos efeitos da passagem do tempo;
*Face à queda das vendas da revista mensal do Doutor Estranho, no início de 1969 a Marvel decidiu dotar a personagem de um visual mais super-heroico. Para esse efeito, foi adicionada uma máscara azul ao traje (ligeiramente retocado) do Feiticeiro Supremo. A justificação para a mudança de look foi, contudo, outra: depois de ter tido a sua identidade usurpada por Asmodeus, Strange ficou preso em outra dimensão, e a única forma de conseguir escapar era ocultando o seu rosto;

A fase mascarada do Feiticeiro Supremo
serviu para disfarçar a queda nas vendas da sua revista.

*No Universo Amálgama, o Doutor Estranho foi combinado com o Senhor Destino e o Professor X, dando origem ao sorumbático Doutor Mistério (Doctor Strangefate). Por ser o único ciente da verdadeira natureza daquela dimensão paralela, era ele o principal empecilho à demanda de Acesso pela separação dos universos Marvel e DC;
*As viagens psicadélicas do Doutor Estranho através de outras dimensões inspiraram a capa do álbum A Saucerful Of Secrets, lançado pelos Pink Floyd em junho de 1968. O Feiticeiro Supremo é igualmente mencionado na canção Cymbaline incluída no álbum More que a mesma banda produziu no mês seguinte;
*O Doutor Estranho surge em 38º lugar na lista dos cem melhores heróis dos quadradinhos do site IGN, ao passo que a ComicBook.com o classificou em 35º no seu Top 50 dos super-heróis mais importantes de todos os tempos;
*Benedict Cumberbatch não foi o primeiro ator a interpretar o Doutor Estranho. Essa honra pertenceu, em 1978, a Peter Hooten, num telefilme do Feiticeiro Supremo produzido pela Universal e transmitido  pela CBS. Na trama, recheada de licenças poéticas, Stephen Strange era um psiquiatra fascinado pelo Oculto escolhido pelo Ancião para enfrentar a perversa Morgan Le Fay. O filme deveria ter servido de episódio-piloto de uma série que nunca saiu do papel.

Peter Hooten (esq). encarnou o Doutor Estranho quase 40 anos
 antes de Benedict Cumberbatch assumir o papel, em 2016.




*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Perfil de Steve Ditko disponível para leitura complementar.