05 fevereiro 2024

RETROSPETIVA: «MULHER-MARAVILHA»



  Para acabar com a mãe de todas as guerras instigada por Ares, a princesa guerreira das Amazonas troca o seu paraíso secreto pelo caótico Mundo dos Homens. Ao mesmo tempo que ilumina corações e mentes com o esplendor da Verdade, Diana terá de dissipar as sombras que ocultam o seu destino.

Título original: Wonder Woman
Ano: 2017
País: Estados Unidos da América
Duração: 141 minutos
Género: Drama / Ação / Fantasia / Super-heróis
Produção: Warner Bros. Pictures, DC Films e Atlas Entertainment
Realização: Patty Jenkins
Argumento: Allan Heinberg, Jason Fuchs e Zack Snyder
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Elenco: Gal Gadot (Diana Prince / Mulher-Maravilha); Chris Pine (Steve Trevor); Robin Wright (Antíope); Danny Huston (General Erich Ludendorff); David Thewlis ( Patrick Morgan / Ares); Connie Nielsen (Rainha Hipólita); Elena Anaya (Doutora Isabel Maru); Lucy Davis (Etta Candy);Ewen Bremner (Charlie); Eugene Brave Rock (Chefe); Saïd Taghmaoui (Sameer)
Orçamento: 149 milhões de dólares
Receitas globais: 824 milhões de dólares

Anatomia de um épico pós-feminista

Malgrado a sua magna importância na mitologia da DC, a Mulher-Maravilha foi a última integrante da Trindade a transitar para o celuloide. Enquanto Batman e Super-Homem acumulavam décadas de acertos e fracassos no segmento audiovisual, a Princesa Amazona só ganhou visibilidade em 1975, com a série televisiva estrelada pela ex-Miss América Lynda Carter.
Inúmeras tentativas frustradas de adaptar a Mulher-Maravilha ao cinema deixaram muitos fãs conformados com a ideia de que esse seria um daqueles filmes sempre prestes a ser feito, mas que nunca sairia da gaveta. Habituada a superar as mais duras provações na banda desenhada, Diana fez também o caminho das pedras para chegar ao grade ecrã.
Com muitos avanços e recuos à mistura, o desenvolvimento da primeira longa-metragem da Mulher-Maravilha demorou mais de uma década. Os primeiros planos nesse sentido remontam a 1996, quando Ivan Reitman - cineasta eslovaco celebrizado por Ghostbusters - foi contratado como produtor e possível realizador.
Deixado a aboborar durante meia dúzia de anos, em 2001 o projeto passou para as mãos do produtor Joel Silver. Na esperança de ter Sandra Bullock no papel principal, Silver incumbiu Todd Alcott de escrever o argumento. Lucy Lawless, a atriz neozelandesa que por aqueles dias emprestava o corpo a outra princesa guerreira (Xena), também foi considerada.

Sandra Bullock confirmou os contactos - e o interesse -
para dar vida à Mulher-Maravilha no cinema.

Já sem Reitman a bordo, em março de 2005 a Warner Bros. subiu ao leme determinada em levar o projeto a bom porto. Patty Jenkins, que, dois anos antes, conquistara o público e a crítica com Monster - a produção independente que valeu o Óscar a Charlize Theron - foi a realizadora escolhida. Uma inesperada gravidez impediu-a, porém, de abraçar esse novo desafio.
Joss Whedon, que acabara de dirigir o seu primeiro filme (Serenity), tornou-se o novo timoneiro de uma nau à deriva. O enredo proposto por Whedon incluía Steve Trevor como narrador e uma violenta escaramuça entre Diana e a Rainha Hipólita, motivada pela decisão da princesa de trocar Temiscira pelo Mundo dos Homens. Apesar de nenhuma atriz ter sido oficialmente escalada para o papel, Kate Beckinsale e Angelina Jolie encabeçavam a lista de favoritas do estúdio.
Nas vésperas de Whedon abandonar o projeto, na primavera de 2007, a Warner Bros. e a Silver Pictures compraram um argumento escrito a meias por Matthew Jennison e Brent Strickland. Ambientada na II Guerra Mundial, a trama impressionou os executivos da Silver, ainda que, na verdade, tudo não tenha passado de um expediente para conservar os direitos da Mulher-Maravilha.
Quase em simultâneo, a Warner Bros. deu luz verde ao desenvolvimento de uma película baseada na Liga da Justiça. Justice League Mortal seria dirigido por George Miller (Mad Max) e contaria com a participação da Mulher-Maravilha, interpretada pela modelo australiana Megan Gale. Atrasos na produção e preocupações orçamentais ditaram, todavia, o seu cancelamento.

Fotos promocionais de Megan Cale como Mulher-Maravilha em Justice League Mortal.

Novamente em ponto morto, o filme da Mulher-Maravilha teve, por fim, ordem para avançar em 2010. Em resposta ao sucesso da recente franquia cinemática da Marvel, a Warner Bros. anunciou que a Princesa Amazona era, em conjunto com Flash e Aquaman, uma das três personagens da DC sinalizadas como prioritárias para uma adaptação ao grande ecrã.
À procura de uma visão feminina para o projeto, a Warner sondou várias realizadoras, incidindo a escolha sobre ninguém menos do que Patty Jenkins - que assim se tornaria a primeira mulher a dirigir o filme de uma super-heroína. Funcionando como uma prequela da participação da Mulher-Maravilha em Batman versus Superman: Dawn of Justice (2016), o enredo teria a I Guerra Mundial como pano de fundo e referenciaria tanto as histórias clássicas da autoria de William Moulton Marston como a aclamada fase pós-Crise de George Pérez.
Gal Gadot, ex-Miss Israel cuja carreira na representação começara com Fast & Furious (2009), foi a escolha pessoal - e muito contestada - de Zack Snyder para Mulher-Maravilha. Desde que fora confirmada a participação de Diana em Batman versus Superman que muitos fãs sonhavam ver Alexandra Daddario como princesa das Amazonas. Ao recusar explicar o motivo da sua escolha, Snyder endossou teorias conspiratórias que atribuíram a escalação de Gadot à influência do poderoso lóbi judaico.

Gal Gadot, Miss Israel 2004, foi a eleita para interpretar a Princesa Amazona.

A fotografia principal do filme começou a 21 de novembro de 2015, com as filmagens realizadas em França, Itália e Inglaterra a ficarem concluídas em 9 de maio de 2016, data de nascimento de William Moulton Marston.
Wonder Woman fez a sua antestreia no Pantages Theatre de Los Angeles a 26 de maio de 2017, uma semana antes de chegar às salas de cinema de todo o mundo. Apesar do rotundo sucesso de bilheteira (encerrou o Top 10 das produções mais lucrativas daquele ano) e das loas da crítica (eleito o melhor filme de 2017 pelo American Film Institute), não escapou à controvérsia.
Seguindo o exemplo libanês, vários países árabes, como a Argélia e a Tunísia, boicotaram a exibição de Wonder Woman, em protesto contra a escolha de uma ex-soldado israelita para protagonista. Em 2014, Gal Gadot declarara publicamente o seu apoio às ações militares de Israel na Faixa de Gaza, sendo acusada de sionismo pelos partidários da causa palestiniana.
Na frente doméstica, a polémica foi aditivada pelas sessões exclusivas para mulheres, organizadas em Austin, a capital texana. A chuva de protestos contra a discriminação dos homens sequer salpicou, porém, um épico pós-feminista em que a heroicidade e a vilania são unissexo.

Foi longa e árdua a jornada de Diana até chegar às salas de cinema.


Enredo

A trabalhar como restauradora de obras de arte no Museu do Louvre, em Paris, Diana é surpreendida pela entrega de uma fotografia antiga enviada por Bruce Wayne. O retrato desbotado em que ela posa entre um grupo de homens durante a I Guerra Mundial é o seu passaporte para uma viagem ao passado.
Muitos séculos atrás, Diana, a irrequieta filha da Rainha Hipólita, cresce alegremente na ilha escondida de Temiscira, lar das Amazonas. Essa raça de ferozes guerreiras foi criada pelos deuses olimpianos para proteger a Humanidade.
Certa noite, Hipólita deixa a pequena Diana fascinada com a história de como Ares, o deus da guerra, sentia ciúmes dos humanos e orquestrou a sua destruição. Quando os outros deuses porfiaram esforços para impedi-lo, Ares matou-os sem dó nem piedade. Também ele mortalmente ferido, Zeus usou o último resquício do seu imenso poder para derrotar Ares. Antes de perecer, Zeus preparou as Amazonas para o inevitável regresso do seu vingativo filho, e agraciou-as com uma arma infalível chamada Matadora de Deuses.
Pressionada pela sua irmã Antíope, Hipólita concorda relutantemente que Diana seja treinada para ser uma guerreira. As Amazonas depressa percebem o extraordinário potencial da sua princesa, enquanto esta se questiona sobre qual será o seu verdadeiro destino.

À medida que Diana cresce, a ilha vai-lhe ficando estreita.

Avançando para 1918, Diana salva o Capitão Steve Trevor de morrer afogado quando este, aos comandos de um avião roubado aos alemães, se despenha na costa de Temiscira. Ato contínuo, a ilha é invadida pelos marinheiros alemães que perseguiam Steve.
Na sangrenta batalha que se segue, as Amazonas, mesmo sofrendo pesadas baixas, desbaratam os invasores. Antíope, por sua vez, sacrifica-se para salvar Diana de uma bala perdida.
Mais tarde, atado pelo Laço de Héstia, que compele qualquer um a falar verdade, Steve Trevor revela que uma grande guerra devasta o mundo exterior e que ele é um espião Aliado. Na sua posse tem um caderno de anotações roubado à química-chefe dos alemães. Sob as ordens do General Erich Ludendorff, a Doutora Maru desenvolveu uma fórmula mais letal do gás mostarda, capaz de dissolver as máscaras antigás.
O horripilante relato de Steve deixa Diana profundamente angustiada. Convicta de que Ares está por trás da carnificina, a princesa das Amazonas, desafiando a vontade materna, parte para o Mundo dos Homens, acompanhada por Steve e armada com a espada Matadora de Deuses. Seja qual for o seu desfecho, mãe e filha sabem que aquela será uma viagem sem retorno.

Steve Trevor foi o primeiro homem a pisar Temiscira.

Em Londres, Diana e Steve entregam o caderno de Maru ao Conselho Supremo da Guerra, onde Sir Patrick Morgan, um ardoroso pacifista, tenta sem sucesso negociar um armistício com a Alemanha. Ao traduzir os apontamentos de Maru, Diana descobre que os alemães planeiam soltar o novo gás mostarda na Frente Ocidental.
Ao arrepio das ordens diretas do seu comandante e com o financiamento secreto de Sir Patrick, Steve recruta o espião argelino Sameer, o atirador escocês Charlie e o Chefe Napi, um contrabandista blackfoot. Juntamente com Diana, formam o grupo de desajustados que irá auxiliar Steve na sua arriscada missão de sabotagem no laboratório do terror de Maru.
Chegado à Bélgica, o grupo é impedido de prosseguir a sua jornada devido ao intenso fogo alemão. Num ímpeto, Diana avança sozinha pela Terra de Ninguém e, para assombro de todos, destrói a trincheira inimiga.
Depois de libertarem Veld, uma pequena vila ocupada pelos alemães, o grupo comemora brevemente, sendo o momento eternizado numa chapa fotográfica. Nessa mesma noite, enquanto dançam sob uma chuva de minúsculos flocos de neve, Diana e Steve apaixonam-se.

Retrato para a posteridade.

No dia seguinte, Steve é informado do baile de gala que se irá realizar no Alto Comando Alemão, a poucos quilómetros da vila. Steve e Diana infiltram-se separadamente na festa, com objetivos diferentes. Diana pretende matar Ludendorff, mas é impedida por Steve, receoso de que isso comprometa a sua missão primária: localizar e destruir o gás.
Ludendorff escapa em meio à confusão e ordena a libertação do gás sobre Veld, matando todos os seus habitantes. Culpando Steve pelo massacre, Diana persegue Ludendorff até ao aeródromo onde um bombardeiro alemão com destino a Londres está ser carregado com o gás.
Diana encurrala Ludendorff, mas fica confusa quando a morte do general não põe fim à guerra. Sir Patrick entra em cena e revela ser o disfarce humano de Ares. O deus da guerra admite ter influenciado subtilmente os homens, mas foram eles que, mercê da sua natureza corrupta e violenta, decidiram matar-se uns aos outros.
Diana golpeia Ares com a Matadora de Deuses, mas o vilão quebra a lâmina sem esforço. Divertido com a perplexidade de Diana, Ares revela que, como filha de Zeus e Hipólita, é ela, e não a espada, a verdadeira Matadora de Deuses.

Ares regressou da morte e trouxe o Inferno com ele.

Ao mesmo tempo que Diana e Ares retomam a sua contenda, Steve e a sua equipa destroem o laboratório de Maru. Depois de sequestrar o bombardeiro com a carga mortífera, Steve fá-lo explodir a uma altitude segura. No solo, Diana testemunha, impotente, o martírio do homem que ama.
Ares procura manipular a raiva e a dor de Diana, instigando-a a matar Maru, mas a Princesa Amazona já passou tempo suficiente no Mundo dos Homens para saber que existe bondade no coração humano. Poupando a vida a Maru, Diana redireciona o raio de Ares, matando-o para sempre. Mais tarde nessa noite, soldados e civis comemoram em conjunto o fim da mãe de todas as guerras.
De volta ao presente, Diana envia um email a Bruce Wayne, agradecendo-lhe a fotografia. O espectro da guerra volta a pairar sobre o Mundo dos Homens, mas a princesa das Amazonas será sempre uma Embaixadora da Paz.

Trailer

Curiosidades

*A grande batalha na praia que opõe as Amazonas aos marinheiros alemães no encalço de Steve Trevor demorou duas semanas a ser rodada e envolveu duas unidades de filmagem equipadas com seis câmaras. As tomadas de cena eram composições digitais de dois locais distintos: um com grandes falésias brancas, outro com um areal extenso o suficiente para acomodar a ação. Matthew Jensen, o diretor de fotografia, afirmou que, além de filmar um cenário visual tão complexo devido à profusão de câmaras, atores e figurantes, o maior desafio passou por manter a iluminação consistente ao longo de tantos dias, e com várias alterações meteorológicas à mistura;
*Interpretadas por supermodelos e atletas de alta competição de diversas nacionalidades (nenhuma delas grega), algumas das Amazonas usam um tecido cor de pele sobre um dos lados do peito. Trata-se de uma referência à forma como essa lendária casta de guerreiras era tradicionalmente retratada na arte clássica. Fontes antigas afirmam que as Amazonas amputavam ou queimavam o seio do lado dominante, de modo a melhorar o seu desempenho em combate, especialmente quando usavam arco e flechas. O seu nome deriva, aliás, do vocábulo grego "a-mazos", que significa "sem peito";

Brooke Ence, referência mundial de Crossfit,
deu corpo a uma Amazona.

*Após ser salvo dos alemães por Diana e suas irmãs de armas, Steve Trevor refere-se sarcasticamente ao lar das Amazonas como Ilha Paraíso. Era esse o nome original da ilha na banda desenhada e, também, na série televisiva da Mulher-Maravilha. No pós-Crise, quando George Pérez recontou a origem da Princesa Amazona, a Ilha Paraíso foi rebatizada de Temiscira, em tributo à mitologia helénica;
*O General Erich Ludendorff foi uma personagem real e de má memória para os soldados inimigos. Valendo-se da sua condição de comandante supremo das forças alemãs durante a I Guerra Mundial, autorizou o uso do famigerado gás mostarda, um agente corrosivo capaz de derreter tecidos moles e que, dependendo do grau de exposição, podia causar cegueira temporária ou permanente, danos duradouros nos pulmões e, no limite, uma morte excruciante. Após o Armistício, Ludendorff, como tantos outros ex-combatentes germânicos, sentiu-se traído pela classe política e apoiou o golpe fracassado de Adolf Hitler em Munique, mas distanciou-se do futuro chanceler muito antes do Partido Nazi alcançar o poder;
*O relógio que Steve Trevor usa é um relógio de bolso adaptado com um estojo de couro para ser usado no pulso. Geralmente presos numa corrente, os relógios de bolso eram os mais comuns na época, mas provaram-se impraticáveis na linha da frente. Uma vez que o tempo era fundamental para coordenar ações em grande escala, como ataques de infantaria apoiados por barragens de artilharia, os soldados passaram a usar os relógios nos pulsos. No final da guerra, a moda espalhou-se entre os civis, tornando os relógios de bolso acessórios obsoletos;
*A escolha da atriz espanhola Elena Anaya para interpretar a Doutora Maru (uma mulher desfigurada que esconde as cicatrizes com uma prótese plástica) foi uma homenagem de Patty Jenkins à sua atuação em A Pele Onde Eu Vivo (2011), de Pedro Almodóvar. Uma das mais antigas adversárias da Mulher-Maravilha na banda desenhada, Maru surgiu no início de 1942, no rescaldo do ataque a Pearl Harbor, como uma princesa japonesa que chefiava o departamento de armas químicas dos nazis, sendo por isso alcunhada de Doutora Veneno;

Doutora Veneno é uma das mais antigas 
adversárias da Mulher-Maravilha.

*Melhor amiga e companheira de aventuras da Mulher-Maravilha, Etta Candy foi criada, tal como a própria Diana, por William Moulton Marston e H.G. Peter. Apesar de ter sido várias vezes reinventada desde a Idade de Ouro, foi quase sempre retratada como uma mulher alegre, anafada e afoita. Descontando a mudança de nacionalidade (de americana passou a inglesa), a sua congénere cinematográfica evoca a aparência e maneirismos da personagem original;
*Patty Jenkins, uma grande admiradora da série televisiva da Mulher-Maravilha, convidou Lynda Carter e Lyle Wagoner (o Steve Trevor original) a participarem no filme, mas ambos foram impedidos de aceder ao pedido da realizadora, devido aos seus compromissos profissionais. Ignora-se que papéis teria Jenkins em mente, mas muitos fãs sonhavam com uma Rainha Hipólita interpretada por Lynda Carter;
*Sucedendo no papel a Cathy Lee Crosby e Lynda Carter, Gal Gadot foi a terceira atriz (e a primeira não americana) a emprestar corpo à Mulher-Maravilha. Apesar do treino intensivo a que se sujeitou durante nove meses e que lhe acrescentou quase oito quilos de massa muscular, Gal não mereceu a aprovação de muitos fãs, desagradados com o seu corpo demasiado esguio. Quando foram necessárias refilmagens, Gal, grávida do seu segundo filho, insistiu em fazer ela própria as cenas mais arriscadas;

Cathy Lee Crosby (1974) e Lynda Carter (1975-79) foram
as primeiras Mulheres-Maravilha de carne e osso.

*No início de 2021, Zack Snyder compartilhou na suas redes sociais uma imagem conceptual que mostrava Diana durante a Guerra da Crimeia (1853-1856).  A Princesa Amazona surgia rodeada por um grupo de guerreiros de diferentes origens e segurando três cabeças decapitadas como se troféus de caça se tratassem. Elementos que sugerem que a história idealizada por Snyder teria sido muito mais sombria e violenta do que aquela que foi mostrada na película dirigida por Patty Jenkins.
Além de ter sido o primeiro conflito bélico a ser fotografado (e um dos primeiros a ser telegrafado), a Guerra da Crimeia foi, pela sua escala continental, uma espécie de prelúdio da I Guerra Mundial;

Outra guerra, outros guerreiros.

*Na cena extra incluída na versão DVD e Blu-ray, Etta Candy, Sameer, Charlie e o Chefe voltam a reunir-se logo após o Armistício, com vista à preparação de uma missão secreta envolvendo uma Caixa Materna. A cadeia de eventos por eles colocada em marcha culminaria, séculos mais tarde, na formação da Liga da Justiça para impedir a invasão da Terra pelas hordas de Darkseid;
*Perto do final do filme, Diana descobre, enfim, a sua verdadeira origem e propósito. A princesa das Amazonas é o fruto da união transgressora da Rainha Hipólita com Zeus, fazendo de Ares seu meio-irmão. Esta relação familiar remete para a versão moderna da Mulher-Maravilha apresentada na fase Novos 52, mas sem qualquer substrato comum com a mitologia grega. Na história clássica, Hipólita era filha de Ares e, portanto, neta de Zeus (sendo Diana sua bisneta).


Veredito: 80%

Não era de estranhar o ambiente de receosa expectativa que rodeava a estreia da primeira longa-metragem da Mulher-Maravilha. O fogo cerrado da crítica sobre Batman versus Superman e Esquadrão Suicida parecia ter ferido de morte a incipiente franquia cinematográfica da DC. Como Atlas, Diana foi, pois, chamada a carregar nos ombros o peso, não do mundo, mas de todo um universo expandido.
Ciente da enormidade da tarefa, a realizadora Patty Jenkins tomou a decisão sensata de optar por um caminho simples. Mulher-Maravilha é uma história clássica de origem, estruturada para apresentar ao grande público a campeã da Verdade e do feminismo criada por William Moulton Marston, no já distante ano de 1941.
Na sua narrativa leve e divertida, intercalada por empolgantes cenas de ação, são óbvias as influências de Superman (1978). Acresce ainda um bónus raro nas atuais produções do género: apesar da referência inicial a Batman versus Superman, não é necessário ter assistido aos filmes anteriores da franquia para compreender a história.
Essa combinação - simplicidade narrativa e apelo emocional - confere à película uma aura de cinema antigo, que se distancia do tom sombrio dos seus antecessores, resgatando graciosamente o Universo Estendido da DC da pátina do cinismo e da desesperança.
No cômputo geral, Mulher-Maravilha é uma obra bem balanceada. Até as cenas de luta, que geralmente se estendem por longos e fastidiosos minutos de CGI e câmara lenta, acontecem no tempo certo. Em vez de ser a atração principal, a pirotecnia digital serve apenas como uma ferramenta.
Embora coberto de virtudes, o filme tem também os seus pecadilhos, desde logo a caracterização dos vilões. Ares é o gatilho para a transformação de Diana em Mulher-Maravilha, mas a sua revelação ocorre tardiamente e não surpreende (quase) ninguém. Rasos como pires, o General Ludendorff e a Doutora Maru são praticamente caricaturas vilanescas. Esta última podia perfeitamente ter sido substituída por um cientista genérico, já que a sua função na trama se resume a criar o gás.
Apesar dos pesares, Mulher-Maravilha é o filme que a DC precisava, que os fãs pediam e que Diana merecia. A sua mensagem simples, calorosa e universal, relembra-nos que os heróis e heroínas servem para nos inspirar, não para deprimir-nos. Para isso já basta o mundo contingente dos homens e mulheres comuns.

A Mulher-Maravilha reergueu sozinha o Universo Estendido da DC.


*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da língua portuguesa.
*Artigos sobre William Moulton Marston e a fase de George Pérez disponíveis para leitura complementar.