16 setembro 2022

RETROSPETIVA: «HOMEM-ARANHA 2»


  Fragilizado por uma crise existencial causada pelas tribulações da sua vida dupla, Peter Parker resolve pendurar as teias para enfrentar os seus dramas pessoais. Mas logo percebe que não tem como escapar ao seu destino, quando os tentáculos de um novo inimigo envolvem Nova Iorque num abraço mortal.

Título original: Spider-Man 2
Ano:  2004
País: Estados Unidos da América
Duração:  127 minutos
Género: Ação / Drama / Super-heróis
Produção: Columbia Pictures, Marvel Enterprises e Laura Ziskin Productions
Realização: Sam Raimi
Argumento: Alvin Sargent, Alfred Gough, Miles Millar e Michael Chabon
Distribuição: Sony Pictures Releasing
Elenco: Tobey Maguire (Peter Parker / Homem-Aranha); Alfred Molina (Otto Octavius / Doutor Octopus); Kirsten Dunst (Mary Jane Watson); James Franco (Harry Osborn); Rosemary Harris (May Parker); J.K. Simmons (J. Jonah Jameson); Donna Murphy (Rosie Octavius)
Orçamento: 200 milhões de dólares
Receitas globais: 798 milhões de dólares

Anatomia de uma sequela sublime

Antes mesmo de Homem-Aranha chegar aos cinemas, Avi Arad, presidente executivo da Marvel Enterprises (antecessora da Marvel Studios), renovou contrato com Sam Raimi para dirigir uma sequência. Apesar da ausência de um argumento e da indefinição em torno do orçamento da produção, Raimi não pensou duas vezes em aceitar a empreitada.
Em abril de 2002, Michael Gough e Miles Millar, guionistas de Smallville, foram contratados para escrever o argumento. No mês seguinte, depois de Homem-Aranha ter alcançado uma estreia recorde de 115 milhões de dólares, a Sony Pictures alocou 200 milhões de dólares ao projeto. Valor astronómico que, à data, faria de Homem-Aranha 2, ex aequo com Titanic (1997), o filme mais caro da história do cinema.
Reticentes quanto ao enredo proposto pela dupla Gough / Millar - que apresentava um tríptico de antagonistas composto pelo Dr. Octopus, Gata Negra e Lagarto - em setembro de 2002 os produtores contrataram Michael Chabon para escrever um argumento alternativo. Nesse segundo rascunho, Otto Octavius era um jovem e brilhante cientista enamorado por Mary Jane, sendo Peter Parker o outro vértice de um triângulo amoroso. Octavius era, também, o criador da aranha geneticamente modificada responsável pelos poderes de Peter. Sedento de vingança, Harry Osborn oferecia uma recompensa de dez milhões de dólares pela captura do Homem-Aranha. Uma vez transformado no Doutor Octopus, Octavius formava uma aliança com Harry contra o inimigo comum.


Lagarto e Gata Negra foram cogitados para vilões.

Raimi pretendia, ao invés, explorar o conflito entre os dramas pessoais de Peter Parker e as responsabilidades sociais da sua sua persona heroica. Com base nesse pressuposto, a maior parte das ideias de Chabon foram rejeitadas pelo realizador.
A título de favor pessoal à produtora Laura Ziskin, o veterano Alvin Sargent (vencedor de dois Óscares para melhor argumento adaptado), aceitou limar as arestas do enredo, indo ao encontro das pretensões temáticas de Sam Raimi. Por indicação deste, Sargent fez de Spider-Man No More (Homem-Aranha Nunca Mais), história clássica da Idade de Prata, a sua principal fonte de inspiração. Em homenagem à revista mensal homónima, o filme foi provisoriamente titulado The Amazing Spider-Man.
Apesar do seu reconhecido apego ao cânone, Raimi alterou significativamente a história de fundo do Doutor Octopus, acrescentando uma relação pessoal com Peter Parker. A ideia era que essa amizade prévia ajudasse a esconjurar os demónios de Octavius simbolicamente representados pelos seus tentáculos.

A história que inspirou o filme
 foi uma das mais marcantes da Idade de Prata.

Ed Harris, Chris Cooper, Robert De Niro e Christopher Walken foram alguns dos atores cogitados para dar vida a Otto Octavius. Por recomendação da esposa de Sam Raimi, rendida à atuação de Alfred Molina em Frida (2003), o ator britânico foi escalado para o papel. Grande fã do Universo Marvel, Molina fez questão de manter aquela que considerava ser a marca de água do Doutor Octopus: o seu sentido de humor cruel e retorcido.
Apesar de o contrato que assinou prever a sua participação em três filmes, Tobey Maguire esteve em risco de perder o papel principal.  Maguire alegava ter-se ressentido de uma antiga lesão nas costas, que o impedia de voltar a vestir a pele do herói aracnídeo. Os produtores suspeitavam que tudo não passaria de um estratagema do empresário do ator para obter um cachê mais robusto, e encetaram negociações com Jake Gyllenhaal com vista à substituição de Maguire. Este acabaria, contudo, por recuperar o papel graças à intercessão do pai da namorada - ninguém menos que o presidente da Universal Studios.

Jake Gyllenhaal quase substituiu Tobey Maguire.

Ainda sem uma versão finalizada do argumento, a produção arrancou em novembro de 2002, com uma pré-filmagem em Chicago. Raimi queria que a história tivesse como pano de fundo uma Nova Iorque idealizada, incluindo comboios elevados. Dada a inexistência desses veículos na Grande Maçã (o último saíra de circulação em 1940), o icónico Loop de Chicago fez as vezes de Manhattan naquela que seria a sequência mais memorável do filme.
Programadas para começar em janeiro de 2003, as filmagens, envolvendo mais de uma centena de localizações, foram adiadas para abril desse ano, para que Tobey Maguire terminasse a sua participação em Seabiscuit. Nelas foi extensivamente usado um sistema especial de câmaras - a Spydercam - para mostrar melhor o ponto de vista de Peter Parker enquanto se balançava a grande altura entre os arranha-céus de Nova Iorque.
De modo a facilitar os movimentos de Tobey Maguire, o revestimento muscular do traje do Homem-Aranha foi segmentado e ao capacete sob a máscara foi adicionada uma mandíbula postiça. Essas foram, de resto, algumas das muitas mudanças subtis feitas ao figurino do herói, que teve também as suas cores avivadas. 

A Spydercam já havia sido usada na sequência final de Homem-Aranha.

A rodagem de Homem-Aranha 2 ficou concluída em dezembro de 2003 e, ao contrário do que é habitual, a maior parte do material gravado foi incluído na edição final da película. Singularidade que, por si só, revela bem quão meticulosa foi a planificação de uma produção que, à vista desarmada, parecia ter sido feita em cima do joelho.
A 30 de junho de 2004, Homem-Aranha 2 fez a sua estreia oficial nos EUA e precisou apenas de oito dias para arrecadar 200 milhões de dólares, tornando-se assim o filme que mais rapidamente atingiu essa cifra.
Recebido com o clamor habitualmente reservado aos blockbusters, Homem-Aranha 2 foi louvado, em igual medida, pela crítica e pelo público. O Óscar de melhores efeitos visuais (o primeiro conquistado por um filme da Marvel), os cinco Saturn Awards e a inclusão na lista dos cem melhores filmes americanos de todos os tempos do American Film Institute consagraram-no como sequela sublime. 

Enredo

Dois anos após ter ganho os seus poderes aracnídeos, Peter Parker, eterno protagonista da desdita, vive dias difíceis. Cada um deles trazendo uma nova contrariedade e um novo rombo na dignidade daquele que é secretamente o anjo da guarda dos nova-iorquinos.
A enfrentar dificuldades financeiras desde que foi despedido do seu emprego como entregador de pizzas, Peter é pouco assíduo nas aulas e nas vidas dos seus entes queridos. Por conta dessas ausências, está em risco de reprovar nos exames, as suas relações com Mary Jane e Harry Osborn esfriaram e a sua tia May está em vias de ser despejada. Como se tudo isso não bastasse, o Homem-Aranha continua a ser alvo de uma virulenta campanha difamatória por parte do editor do Daily Bugle.

A vida não corre de feição a Peter Parker.

Agora chefe da divisão de pesquisa da Oscorp, Harry Osborn investiu parte considerável da sua fortuna no revolucionário projeto científico de Otto Octavius, físico brilhante idolatrado por Peter. Para assegurar a estabilidade do seu experimento de fusão atómica, Octavius concebeu quatro braços mecânicos dotados de inteligência artificial e controlados telepaticamente pelo seu usuário. Um chip neural inibidor foi adicionado à aparelhagem, de modo a prevenir que os braços se tornem sencientes.
Apresentado a Peter, Octavius fica impressionado com a paixão do jovem pela Ciência e, durante um jantar em sua casa, convida-o a assistir ao seu experimento. Contudo, quando este fracassa Octavius recusa-se a abortá-lo. Os resultados são catastróficos: o chip inibidor de Octavius é destruído e a sua esposa mortalmente ferida.
Enquanto um fortíssimo campo magnético começa a destruir o laboratório, Peter aproveita a confusão para intervir como Homem-Aranha. A custo, consegue desligar a energia, salvando as vidas dos presentes, Mas é demasiado tarde para Octavius. Embora vivo, o seu cérebro foi danificado e os braços mecânicos fundiram-se permanentemente à sua coluna. 
Horas mais tarde, uma equipa de cirurgiões procura remover os apêndices metálicos do corpo de Octavius, mas estes ganham vontade própria e massacram todo o pessoal médico antes de escaparem do hospital levando consigo o cientista.

Surge o Doutor Octopus.

Refugiado num armazém devoluto nas margens do rio Hudson, Octavius tem a sua mente corrompida pelos tentáculos, que o convencem a completar o seu experimento. Já apelidado de Doutor Octopus pelo Daily Bugle, Octavius resolve assaltar um banco para financiar o seu projeto. Coincidentemente, escolhe aquele onde Peter e a tia May tentam renegociar a hipoteca.
Na refrega que se segue, os poderes do Homem-Aranha falham momentaneamente, possibilitando ao Doutor Octopus fazer a tia May refém. Uma vez recuperado, o Escalador de Paredes resgata a idosa, que passa a vê-lo como um herói, ao invés de uma ameaça. Nesse emmeio, o Doutor Octopus consegue escapulir-se levando consigo alguns sacos de dinheiro. 
Ao fazer a cobertura fotográfica de uma festa no Planetário, Peter fica sem chão ao descobrir que Mary Jane está noiva do filho astronauta de J. Jonah Jameson. Quando a noite parecia não poder ficar pior, é injuriado por Harry que, embriagado, o acusa de ser cúmplice na morte do seu pai. Mais tarde nessa mesma noite, o Homem-Aranha volta a perder os seus poderes enquanto se balança nas suas teias, caindo desamparado.
Angustiado pela inconstância dos seus poderes - que intui ser efeito do stresse -, Peter resolve testá-los no dia seguinte. Apenas para constatar a sua incapacidade de tecer teias ou de aderir a superfícies. Também o seu sentido de aranha, apesar de funcional, está diminuído. 

Porque falham os poderes de Peter?

Após ter uma visão do tio Ben, Peter abandona o traje do Homem-Aranha num caixote do lixo e resolve viver uma vida normal. Sem grandes poderes, acabaram-se as grandes responsabilidades.
Durante uma conversa em casa da tia May, Peter confessa-lhe como foi parcialmente responsável pela morte do tio. Embora transtornada com aquela chocante revelação, May reconcilia-se com o sobrinho. Com a criminalidade em alta na cidade, May divaga sobre a esperança que o Homem-Aranha trazia às pessoas.
Ao mesmo tempo que Peter falha em reconquistar o amor de Mary Jane, o Doutor Octopus dá por terminada a reconstrução do seu reator nuclear. Falta-lhe apenas trítio para energizar o dispositivo, mas ele sabe exatamente como obtê-lo. 
Depois de coagir Harry a fornecer-lhe trítio, o Doutor Octopus aceita capturar o Homem-Aranha a troco da maior quantidade possível da substância. Harry aconselha-o a procurar Peter, porque ele consegue sempre as melhores fotografias do Cabeça de Teia.
A meio de um encontro num café com Mary Jane, Peter é surpreendido pelo ataque do Doutor Octopus. Perante a impotência de Peter, o vilão rapta MJ para usá-la como isca para atrair o Homem-Aranha para uma armadilha.
Ao perceber que recuperou plenamente os seus poderes, Peter apressa-se a resgatar o seu uniforme das instalações do Daily Bugle e parte no encalço do Doutor Octopus. Os dois digladiam-se através da cidade, acabando a trocar golpes em cima de um comboio elevado. No calor da contenda, o vilão acelera o veículo até à velocidade máxima, antes de inutilizar o respetivo sistema de travagem.
Graças a um esforço homérico do Homem-Aranha, o comboio desgovernado detém-se pouco antes de despencar de grande altura. Exausto, o herói desfalece mas é amparado pelos passageiros. O Doutor Octopus aproveita então a fraqueza do adversário para capturá-lo e entregá-lo a Harry Osborn.

O Homem-Aranha é levado ao limite das suas forças.

Ao descobrir o rosto do seu melhor amigo sob a máscara do suposto assassino do seu pai, Harry hesita em matá-lo. Peter conta-lhe que o Doutor Octopus sequestrou Mary Jane e como o seu experimento poderá varrer Nova Iorque do mapa. Depois de Harry lhe revelar o paradeiro do vilão, Peter parte para salvar MJ e milhões de outras vidas inocentes.
O Homem-Aranha volta a confrontar o Doutor Octopus, agora no covil do vilão. Perante a iminência de uma reação nuclear em cadeia, Peter retira a máscara e implora a Octavius que interrompa a fusão antes que seja tarde demais. Octavius recupera a sanidade mental, reassume o controlo dos tentáculos e afunda o reator nas águas do rio Hudson, sacrificando a própria vida.
Após resgatar Mary Jane - que agora conhece o seu maior segredo - , Peter diz-lhe que os dois nunca poderão ficar juntos porque ele sempre terá inimigos dispostos a tudo para atingi-lo.
Longe dali, Harry discute com o seu falecido pai num espelho. Norman Osborn exige ao filho que mate Peter Parker para vingar a sua morte. Harry recusa-se e estilhaça o espelho, revelando um compartimento secreto onde repousa a parafernália do Duende Verde.
No dia seguinte, Mary Jane deixa o seu noivo pendurado no altar e corre ao encontro de Peter, dizendo-lhe estar disposta a ficar com ele apesar de todos os riscos. Ato contínuo, soam sirenes na rua e, perante a hesitação de Peter, MJ encoraja-o a ir cumprir os seus deveres heroicos.

Trailer oficial:


Curiosidades

*Criação de Stan Lee e Steve Ditko, o Doutor Octopus fez a sua primeira aparição em Amazing Spider-Man #3 (abril de 1963). Apesar de ter há muito perdido esse estatuto para o Duende Verde, foi ele o primeiro némesis do Homem-Aranha e, também, o primeiro a derrotá-lo em combate. Além dos autores comuns, Otto Octavius é, tal como Peter Parker, um homem da Ciência que ganhou os seus poderes devido a um acidente radioativo;
*Idealizada por Sam Raimi ainda durante a rodagem do primeiro filme, a cena do comboio elevado foi a primeira grande sequência a ser gravada. Foram precisos cem efeitos visuais e várias semanas de trabalho intenso para lhe dar forma. Os dois meninos que, no final, devolvem a máscara ao Homem-Aranha são os meios-irmãos de Tobey Maguire;
*Quase todas as cenas em que o Homem-Aranha se balança nas suas teias pelo horizonte urbano procuram reproduzir os movimentos executados pelo herói no final de cada episódio de Spider-Man (1967), a primeira série animada do Escalador de Paredes. A batalha entre o Homem-Aranha e o Doutor Octopus na fachada de um edifício recria, de resto, aquela que os dois travaram num episódio intitulado "O Terrível Triunfo do Doutor Octopus";

Imagem promocional de Spider-Man (1967).

*A cena em que Peter Parker corre pelo beco enquanto desabotoa a camisa revelando a aranha estilizada do seu uniforme é uma referência a Superman (1978). Já aquela em que ele acelera e salta de um prédio para testar os seus poderes foi inspirada numa sequência idêntica de Matrix (1999);
*O figurino do Doutor Octopus era composto por vários adereços: um espartilho, um suporte dorsal e duas cintas ajustáveis que sustentavam os tentáculos de borracha. No total, a parafernália pesava cerca de 45 kg e foi utilizada nas cenas em que Octopus manobrava os seus tentáculos (o CGI ficou reservado para aquelas em que os tentáculos o carregavam);
*Alfred Molina batizou os seus tentáculos de Larry, Harry, Moe e Flo. Este último recebeu um nome feminino porque era operado por uma mulher, sendo também aquele que executava os movimentos mais delicados, como servir-lhe uma bebida ou colocar-lhe os óculos na face;
*Os efeitos sonoros dos tentáculos do Doutor Octopus foram obtidos com recurso a correntes de mota e cordas de piano. Na cena em que o vilão usa os seus apêndices robóticos para arrombar o cofre de um banco, o som produzido resulta de uma jante de automóvel a ser raspada no chão;
*O edifício semicolapsado que servia de covil ao Doutor Octopus era um retrato pardo do seu antigo laboratório e pretendia ser igualmente uma metáfora para o desmoronamento da sua vida pessoal. A ideia partiu do designer de produção, Neil Spisak, e o cenário, em tamanho real, demorou 15 semanas a ser construído;

Um covil repleto de simbolismo.
*Projetada para ter o dobro do tamanho da do primeiro filme, a cena do incêndio no prédio garantiu à produção controlo total sobre o ambiente. Isto porque, ao contrário da original, foi rodada num estúdio. Pretendia-se dessa forma aumentar o realismo da película e, nesse sentido, foram usadas labaredas reais. Essa foi, aliás, uma das muitas cenas perigosas protagonizadas pelo próprio Tobey Maguire, que dispensou quase sempre o seu duplo;
*Tobey Maguire é vegetariano e, por isso, estava na verdade a comer um cachorro-quente de tofu na cena em que os carros da polícia convergem na sua direção;
*Quando Peter atira o seu uniforme para dentro de um caixote do lixo e se afasta cabisbaixo, é uma recriação exata de um painel de Spider-Man No More, história originalmente publicada em Amazing Spider-Man #50 (julho de 1967). O título em apreço é também explicitamente referenciado por Peter durante a sua conversa imaginária com o Tio Ben;

Homem-Aranha nunca mais!

*Também conhecido como trício, o trítio não é tão raro como o filme sugere, podendo até ser sintetizado. Trata-se de um isótopo radioativo cuja principal aplicação consiste em eliminar a necessidade de baterias em miras térmicas e de visão noturna;
*Não estava previsto qualquer cameo de Willem Dafoe na sequela de Homem-Aranha. Certa noite, ao regressar a casa, o ator apercebeu-se da presença das filmagens na vizinhança, passou por lá para cumprimentar Sam Raimi, e foi assim que acabou convidado a fazer uma pequena participação no filme. Apesar de durar pouco mais de um minuto, a cena em causa serviu de gancho para o capítulo final da trilogia;
*Numa arrojada ação de marketing, bases com o logótipo do filme deveriam ter sido usadas nos jogos da principal liga de basebol americana. Em virtude da reação adversa dos fãs, o plano acabaria no entanto por ser descartado; 
*A banda Dashboard Confessional concordou em compor uma música para os créditos finais do filme, sob a condição de puderem vê-lo antes da respetiva estreia oficial. Satisfeito o pedido, Chris Carrabba, o vocalista, precisou apenas de dez minutos para escrever Vindicated, considerada por muitos a mais famosa canção do grupo.

Veredito: 90%

Foram oito as longas-metragens do Homem-Aranha produzidas na última vintena de anos. Nem todas foram consistentes, mas a maior partes dos filmes de super-heróis não o são. Sempre houve - e, muito provavelmente, sempre haverá - uma ou duas parcelas que se destacam na franquia. Às vezes, esses filmes marcam uma época e, apesar dos avanços tecnológicos, permanecem entre os melhores do género a que pertencem. Homem-Aranha 2 é inegavelmente um deles, continuando a servir de bitola para os seus sucessores.
Homem-Aranha 2 insere-se no restrito naipe de sequelas que, sem os depreciarem, superam os filmes originais em quase todas as vertentes. Sem incorrer no erro comum de simplesmente repetir a história do primeiro filme, substituindo o antagonista e expandindo as cenas de ação, Homem-Aranha 2 dá perfeita continuidade à trama do seu antecessor. Demonstrando, de caminho, o mesmo cuidado em conferir dimensão às suas personagens, através de um forte investimento nos diálogos (sem embargo para a fluidez da trama).
Peter Parker avalia constantemente as suas escolhas e as consequências que elas poderão ter nas pessoas que ama, revelando a insegurança típica de um jovem adulto chamado a assumir grandes responsabilidades. É nesta vulnerabilidade que reside boa parte do apelo emocional do Homem-Aranha junto do público. Um dos maiores méritos do argumento consiste precisamente na forma como aborda o homem por trás do herói.
A admiração de Peter por figuras paternas invariavelmente frustrada pelo eclipse moral dos seus ídolos é, aliás, um tema transversal na trilogia de Sam Raimi. Assim como, no primeiro filme, Norman Osborn começou por projetar em Peter as qualidades em falta no próprio filho, Otto Octavius, ao convidar o jovem para jantar em sua casa, proporciona-lhe um vislumbre da vida familiar que ele poderia ter tido. Apenas mais uma nota emotiva a realçar a humanidade do protagonista.
Tobey Maguire, que alguns consideram um ator limitado e com uma expressão sonolenta, oferece aqui um dos melhores desempenhos da sua carreira. Sendo igualmente eficiente a representar o angustiado Peter Parker e o confiante Homem-Aranha.
Alfred Molina, por seu turno, empresta uma dimensão trágica a Otto Octavius, impedindo-o de ser um cliché ambulante. Não menos ameaçador do que o Duende Verde de Willem Dafoe, o Doutor Octopus revela-se mais interessante do que este, beneficiando do facto de o espectador poder ver as suas expressões faciais.
Irrepreensíveis, as cenas de ação suplantam facilmente as do primeiro filme. O vibrante duelo do Homem-Aranha e do Doutor Octopus em cima de um comboio desgovernado é um daqueles momentos estelares, sempre reconhecíveis, que só grandes cineastas conseguem criar. 
A direção de Sam Raimi é, de resto, a principal responsável pela energia contagiante que emana da película. Ao voltar a beber na fonte das histórias clássicas do Homem-Aranha, o realizador prova o seu amor genuíno à personagem, sem contudo abdicar da sua própria identidade visual.
Contrariamente ao que afirma a sabedoria popular, a pressa nem sempre é inimiga da perfeição. Feito a toque de caixa, Homem-Aranha 2 tem os seus pequenos defeitos, mas continua a ser obra mais candente de Sam Raimi e um melhores filmes de super-heróis de sempre.




*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da língua portuguesa.
*Resenha de Homem-Aranha (2002) disponível para leitura complementar.



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