01 abril 2023

RETROSPETIVA: «X-MEN 2»


  Com a histeria antimutante ao rubro, um militar extremista põe em marcha o seu plano genocida para purificar a Humanidade. Perfila-se o espectro de uma guerra racial e, em nome da sobrevivência, os Filhos do Átomo formam uma frente unida contra o mundo que os teme e odeia. Será a paz uma miragem?

Título original: X2: X-Men United 
Ano: 2003
País: Estados Unidos da América
Duração:  134 minutos
Género: Drama / Ação / Super-heróis
Produção: The 20th Century Fox, Marvel Enterprises, The Donner's Company e Bad Hat Harry Productions
Realização: Bryan Singer
Argumento: Zak Penn, David Hayter e Bryan Singer
Distribuição: 20th Century Fox
Elenco: Patrick Stewart (Professor Charles Xavier); Hugh Jackman (Logan/Wolverine); Halle Berry (Ororo Munroe/Tempestade); Ian MacKellen (Eric Lehnsherr/Magneto); Famke Janssen (Jean Grey); James Marsden (Scott Summers/Ciclope); Brian Cox (Coronel William Stryker); Alan Cumming (Kurt Wagner/Noturno); Anna Paquin (Marie/Vampira); Rebecca Romijn (Raven Darkholme/Mística);Shawn Ashmore (Bobby Drake/Homem de Gelo); Aaron Stanford (John Allerdyce/Pyro); Bruce Davison (Senador Robert Kelly); Kelly Hu (Yuriko Oyama/ Lady Letal)
Orçamento: 125 milhões de dólares
Receitas globais: 407,7 milhões de dólares

Anatomia de uma sequela superior

O sucesso financeiro e as críticas positivas de X-Men convenceram a 20th Century Fox a avançar de imediato com uma sequência, quase duplicando-lhe o orçamento. Seguindo o velho mantra desportivo de que em equipa ganhadora não se mexe, tanto o realizador como o elenco tiveram os seus contratos prolongados (e, em alguns casos, melhorados).
Logo a partir de novembro de 2000, coincidindo com o lançamento de X-Men em VHS e DVD, Bryan Singer começou a pesquisar várias sagas emblemáticas dos Filhos do Átomo com vista a uma adaptação. Singer desejava apresentar a perspetiva humana relativamente ao fenómeno mutante, o tipo de raiva e temor que alimenta agendas extremistas. Nenhum dos inimigos clássicos dos X-Men, correspondia, contudo, ao perfil do antagonista que o realizador tinha em mente.
Ao mesmo tempo que David Hayter e Zak Penn eram contratados para escrever argumentos separados, o produtor Avi Arad anunciou novembro de 2002 como data prevista para a chegada do novo filme aos cinemas. Singer, por seu turno, estava inclinado a adaptar a saga da Fénix Negra. Sentindo que o universo da franquia não estava ainda suficientemente estabelecido para elevá-la ao patamar cósmico, Penn dissuadiu Singer dessa intenção. Sugerindo, em alternativa, God Loves, Man Kills (Deus Ama, o Homem Mata), também ela assinada por Chris Claremont. Ao constatar que o reverendo Stryker era exatamente o tipo de vilão que procurava, Singer avalizou a escolha.
O rascunho inicial do enredo combinava elementos retirados dos argumentos de Hayter e Penn. Anjo, Fera e Sapo surgiam na história, mas foram excluídos devido ao excessivo número de personagens mutantes. Assim como os Sentinelas e a Sala do Perigo, embora neste caso por razões orçamentais.

Arte conceptual não utilizada da Sala do Perigo.

Depois de Halle Berry ter arrecadado o Óscar de Melhor Atriz pelo seu desempenho em Monster's Ball (2001), Dan Harris e Michael Dougherty foram contratados para reescrever o argumento, a fim de conceder mais tempo de ecrã a Tempestade. 
Embora menos tumultuosa do que a do primeiro filme, a rodagem de X-Men 2 ficou novamente marcada pelo comportamento errático de Bryan Singer. Um dos episódios mais graves aconteceu quando Tom DeSanto, produtor-executivo e cocriador da franquia, encontrou o realizador e vários dos seus assistentes sob forte influência de narcóticos. Receando pela segurança dos atores, DeSanto ordenou a imediata suspensão das filmagens, o que espoletou uma violenta altercação com Singer. Segundo alguns relatos, os dois homens chegaram quase a vias de facto.
Ignorando os avisos de DeSanto, Singer resolveu prosseguir com os trabalhos, filmando uma cena em que Wolverine executava uma perigosa acrobacia numa das asas do Pássaro Negro. Como a cena em questão estava programada para o dia seguinte, o duplo de Hugh Jackman estava ausente do set, e foi o próprio ator a interpretá-la, acabando por sofrer ferimentos leves.
Liderado por Halle Berry, o restante elenco, ainda fantasiado, confrontou Bryan Singer. No calor da azeda discussão que se seguiu, o realizador ameaçou dispensar Berry ou qualquer um que abordasse em público a sua dependência de substâncias. Os ânimos só serenaram quando DeSanto voltou a intervir, apelando ao profissionalismo de todos.

A recém-oscarizada Halle Berry liderou a revolta contra Bryan Singer.

Com início a 17 de junho de 2002, em Vancouver, as filmagens terminaram cinco meses depois, obrigando ao adiamento da estreia para o ano seguinte. Foram usados mais de 67 cenários em 38 localizações diferentes, algumas das quais se revelaram problemáticas. Durante as gravações em Kananaskis, na província canadiana de Alberta, por exemplo, a produção foi surpreendida pela escassez de neve naquela época do ano. A solução passou então pelo uso de neve falsa.
As filmagens já iam a meio quando Bryan Singer informou Famke Janssen que Jean Grey sacrificaria a própria vida no final da história, mas que seria ressuscitada no terceiro capítulo da saga. Ideia bem acolhida pela atriz neerlandesa, que chegara a filmar uma cena alternativa em que Jean ficava temporariamente cega em resultado do seu confronto com Ciclope no Lago Alkali.
À antestreia londrina duas semanas antes, seguiu-se, a 2 de maio de 2003, a estreia simultânea de X-Men 2 em 3741 salas de cinema nos EUA e Canadá. Antes mesmo de começar a faturar, o filme garantiu assim entrada direta para o Livro Guiness dos Recordes com o maior lançamento de sempre. A esta proeza juntou-se uma outra: X-Men 2 foi um dos primeiros cinco filmes a ultrapassar os 200 milhões de dólares em receitas de bilheteira.
Bem recebido pela crítica, X-Men 2 foi indicado para múltiplos prémios, tendo conquistado o Saturn Award para melhor filme de ficção científica, além de uma menção honrosa atribuída pela Political Film Society, nas categorias de Direitos Humanos e Paz. 


Enredo

A Casa Branca é espetacularmente invadida por um mutante teleportador de aparência demoníaca. Acantonado na Sala Oval, o Presidente dos EUA é salvo no último instante por um agente do Serviço Secreto. Antes de desaparecer em pleno ar, o misterioso atacante deixa uma faca cravada com uma mensagem: "Liberdade mutante agora!".
Num ápice, o incidente desperta a histeria antimutante e o impulso farisaico dos extremistas. Enquanto a imprensa exercita a gramático do medo, um pouco por todo o país irrompem protestos a exigir medidas drásticas para conter a ameaça à segurança nacional. No Congresso, um coro de vozes exaltadas defende a Lei de Registo dos Mutantes. O espectro de uma guerra racial insinua-se no horizonte carregado de nuvens negras.

O ataque de Noturno à Casa Branca acicatou o sentimento antimutante.

Alheio a tudo isto, Wolverine explora uma instalação militar abandonada próxima de uma barragem, no Lago Alkali. Procura pistas que o ajudem a decifrar o intrincado mistério que obscurece o seu passado, mas encontra apenas um labirinto de corredores povoados por fantasmas.
Durante uma visita de estudo a um museu organizada pelo Instituto Xavier, a Ciclope não passa despercebida a falta de concentração de Jean Grey. Esta justifica-a com os sonhos perturbadores que a vêm atormentando, e com a crescente dificuldade em controlar os seus poderes telepáticos.
Numa esplanada ali perto, Pyro reage violentamente às provocações de um grupo de arruaceiros. Quando a situação está prestes a escalar, todos os circunstantes humanos ficam subitamente petrificados como estátuas. Depois de repreender os seus pupilos e apagar o incidente da memória das testemunhas, o Professor X dá a visita por terminada.
Na Casa Branca, o coronel William Stryker, um ex-cientista militar com uma agenda secreta, convence o Presidente de que o Instituto Xavier alberga um centro de treino para terroristas mutantes. Apesar das objeções levantadas pelo senador Kelly (na verdade, Mística disfarçada), o Presidente autoriza uma rusga à escola.
Mais tarde, Stryker visita Magneto na  prisão de plástico que ele próprio projetou. Sob o efeito de uma substância injetável, o Mestre do Magnetismo fornece informação detalhada sobre o funcionamento de Cérebro, o supercomputador instalado no Instituto Xavier.

O coronel Stryker lidera a contraofensiva humana.

De regresso à mansão Xavier, Wolverine, frustrado pelo fracasso da sua sua viagem ao Canadá, pede ao Professor X que lhe leia a mente. O mentor dos X-Men tem, no entanto, assuntos mais prementes a tratar. Com a ajuda de Cérebro, consegue rastrear o mutante que quase assassinou o Presidente. Tempestade e Jean Grey seguem para Boston a bordo do Pássaro Negro, com a missão de interrogar Noturno.
Suspeitando do envolvimento de Magneto no ataque à Casa Branca, o Professor X, acompanhado por Ciclope, visita o seu velho amigo na prisão. Ao ler os pensamentos de Eric, Xavier descobre que Stryker lhe conseguiu extorquir informações sensíveis para propósitos nefastos. De súbito, a cela é inundada de gás soporífero enquanto, no exterior, Ciclope é derrubado por Lady Letal, a guarda-costas mutante de Stryker.
Em Boston, Tempestade e Jean Grey encontram Noturno numa igreja abandonada. Vencida a desconfiança inicial do mutante assustado, ele confessa chamar-se Kurt Wagner e ter sido coagido por Stryker a atacar o Presidente.
Pela calada da noite, um grupo de operações especiais comandado pelo coronel Stryker toma de assalto o Instituto Xavier. Graças à pronta reação de Wolverine e Homem de Gelo, a maior parte dos alunos consegue escapar pelos túneis subterrâneos, mas um punhado deles acaba capturado.
Numa erupção de selvageria, Wolverine massacra sem piedade dezenas de soldados. Em meio ao banho de sangue, depara-se com um rosto estranhamente familiar. Igualmente perplexo, Stryker admite ser aquele o último lugar onde esperava encontrar Logan. Wolverine pressente que Stryker é a chave para abrir o seu baú de memórias reprimidas, mas o diálogo entre ambos é bruscamente interrompido pelo Homem de Gelo.

Wolverine cede ao seu instinto assassino.

Enquanto Stryker e os seus homens invadem a sala onde repousa Cérebro, Wolverine, Homem de Gelo, Pyro e Vampira encetam uma fuga alucinada no bólide desportivo de Ciclope. Em Boston, o grupo faz uma pequena paragem em casa dos pais de Bobby Drake enquanto procuram estabelecer contacto com Tempestade e Jean Grey. Perante o assombro dos pais e a repugnância do irmão, Bobby revela ser um mutante e a verdadeira função do Instituto Xavier para Jovens Sobredotados.
Longe dali, Mística faz-se passar por Lady Letal para obter acesso ao sistema informático de Stryker. Além de informação detalhada sobre a prisão de Magneto, a mutante das mil caras encontra também esquemas para a construção de uma réplica de Cérebro. Intuindo a ameaça, Mística engendra um plano para libertar o Mestre do Magnetismo.
Ao preparem-se para voltar à estrada, Wolverine e seus companheiros de viagem são surpreendidos pela polícia no jardim fronteiro da casa da família Drake. Durante a breve escaramuça que se segue, Tempestade e Jean Grey chegam ao local no Pássaro Negro e resgatam rapidamente os seus aliados. 
Nos céus, o Pássaro Negro é intercetado e alvejado por dois caças da Força Aérea Americana. Em voo picado em direção ao solo, a aeronave tem a sua queda fatal amparada por um campo magnético gerado por Magneto.
Embora a contragosto, os X-Men unem-se a Magneto e Mística para resgatar o Professor X e travar o plano genocida de Stryker. Em nome da sobrevivência da sua espécie, os Filhos do Átomo formam, pela primeira vez, uma frente unida contra o mundo que, mais do que nunca, os teme e odeia.
Após ler a mente de Noturno, Jean Grey descobre que a base secreta de Stryker fica situada sob a barragem no Lago Alkali. Magneto revela também que Stryker foi o cientista que infundiu o esqueleto de Wolverine com adamantium.

Mística e Magneto unem-se aos pupilos do Professor X.

No seu covil subterrâneo, Stryker usa o próprio filho - Jason, um mutante capaz de projetar poderosas ilusões - para controlar a mente do Professor X. Seguindo as instruções de Stryker, Xavier programa a réplica de Cérebro para localizar e exterminar todos os mutantes da Terra.
Disfarçada de Wolverine, Mística infiltra-se na base e franqueia a entrada aos X-Men e Magneto. Ao mesmo tempo que Mística tenta libertar o Professor X, Jean Grey enfrenta um ainda hipnotizado Ciclope. A refrega do casal liberta Ciclope dos efeitos da droga, mas também causa danos estruturais na barragem, cujas paredes começam a rachar.
Depois de derrotar Lady Letal num arrepiante duelo de garras metálicas, Wolverine encontra Stryker no laboratório onde foi submetido a experiências científicas desumanas. Stryker implora pela vida prometendo contar tudo o que sabe acerca do passado de Logan, mas este limita-se a deixá-lo para morrer.
Tempestade e Noturno resgatam os alunos enquanto Mística e Magneto encontram o Professor X na sala do novo Cérebro. Assumindo a forma de uma menina, Mística, instruída por Magneto, usa o filho de Stryker para convencer Xavier a encontrar e matar todos os humanos.

O Professor X é usado como instrumento de destruição de duas espécies.

Magneto e Mística abandonam rapidamente o local no helicóptero de Stryker, levando a bordo um inesperado passageiro: Pyro trocou os X-Men pela Irmandade de Mutantes.
Com a barragem a ameaçar ruir a qualquer instante, Noturno teleporta-se com Tempestade para a sala do novo Cérebro. Ato contínuo, a Rainha dos Ventos gera uma nevasca que desconcentra Jason, libertando dessa forma Xavier do seu controlo mental.
Os X-Men embarcam no Pássaro Negro, mas os motores do avião, danificados pelo ataque dos caças, não funcionam. Entretanto, a barragem colapsou e a enorme massa de água engole tudo à sua passagem. Perante o desastre iminente, Jean sai do Pássaro Negro e cria um campo de força telecinético para suster o avanço da água, ao mesmo tempo que reativa os motores da aeronave. Contudo, o esforço é insuportável e, para horror dos seus amigos, Jean é engolida pelas águas e desaparece sem deixar vestígio.

O sacrifício final de Jean Grey salva a vida dos X-Men.

No dia seguinte, quando se prepara para fazer uma comunicação ao país, o Presidente dos EUA tem o seu discurso interrompido pela inesperada visita dos X-Men. Depois de lhe entregar as provas que incriminam Stryker, o Professor X deixa um sério aviso: ou humanos e mutantes trabalham juntos na construção da paz, ou haverá uma guerra de que nenhuma das espécies sairá vencedora.
No Instituto Xavier reina ainda um clima de profunda consternação pela morte de Jean Grey. Apesar do esforço para regressar à normalidade, o heroico sacrifício de Jean perdurará na memória de todos. 
A milhares de quilómetros de distância, a figura difusa de um pássaro forma-se na superfície espelhada do Lago Alkali... 

Trailer

Curiosidades

*Principal fonte e esteio do enredo, a aclamada graphic novel God Loves, Man Kills foi lançada em 1982, mas só adquiriu estatuto canónico após a sua adaptação ao cinema. Na história original, saída da pena de Chris Claremont, William Stryker é um televangelista cristão (assumidamente inspirado no pastor e ativista ultraconservador Jerry Falwell) que considera os mutantes criaturas satânicas. Acolitado pelos Purificadores, uma milícia armada composta pelos seus seguidores mais fanáticos, Stryker lidera uma feroz cruzada antimutante a nível nacional. Tal como no filme, o monge do ódio constrói uma réplica de Cérebro e sequestra o Professor X, com o intuito de usar os seus poderes psíquicos para exterminar todos os mutantes. Confrontados com essa ameaça existencial, os X-Men estabelecem uma aliança temporária com Magneto, ao lado do qual travam uma desesperada luta pela sobrevivência da espécie Homo Superior. Desagradado com as muitas alterações introduzidas pelos argumentistas, Chris Claremont considera o filme uma má adaptação da sua obra;

A saga foi apresentada aos leitores lusófonos em 1988,
 no número inaugural da coleção Graphic Novel lançada pela Abril.

*Na base da transformação de William Stryker num cientista militar terá estado, muito provavelmente, a preocupação dos produtores de evitar controvérsias religiosas suscetíveis de originar boicotes ao filme. A versão cinematográfica de Stryker combina, de resto, elementos de dois outros inimigos jurados dos mutantes: Professor Andre Thorton (o sádico mentor do programa Arma X) e Henry Peter Gyrich (um austero agente federal). Uma vez que ambos usam óculos na banda desenhada, foi esse o acessório escolhido por Bryan Singer para referenciá-los esteticamente na caracterização de Stryker;
*Homossexual e ativista LGBT, Ian McKellen trabalhou afincadamente com os argumentistas para que a cena em que Bobby Drake revela à família a sua condição de mutante invocasse a tantas vezes traumática "saída do armário". Coincidência ou consequência, em 2015 a Marvel reviu a orientação sexual do Homem de Gelo. Após décadas de relações amorosas com mulheres, a personagem é agora assumidamente gay;
*Tyler Mane foi convidado a repetir o papel de Dentes-de-Sabre, agora atuando como guarda-costas do Coronel Stryker. Na banda desenhada, essa função é ocupada por uma mulher chamada Anne Reynolds. Depois de discutirem a hipótese de usar Reynolds dotando-a de poderes equivalentes aos de Lady Letal, os argumentistas decidiram-se pela própria. Em resposta às críticas pela falta de ação no filme anterior, Lady Letal recebeu cenas de luta mais longas do que o inicialmente programado; 

Lady Letal tem, tal como Wolverine, garras de adamantium e um fator de cura.

*Fora escritos 27 rascunhos da trama. Num deles, mais próximo da história original, Magneto salvava o Professor X e ajudava na fuga dos seus pupilos após a destruição da réplica do Cérebro. A cena foi no entanto alterada a pedido de Bryan Singer, que preferiu realçar a natureza implacável do Mestre do Magnetismo, quando este, ao invés, recalibra a máquina para exterminar todos os humanos. Foi também essa a forma encontrada pelo realizador de conceder maior protagonismo a Tempestade e Noturno no clímax do filme;
*A cadeira de rodas personalizada usada pelo Professor X em X-Men (2000) foi comprada por um advogado associado do representante legal de Patrick Stewart. Com a produção em marcha avançada, o estúdio percebeu que já não dispunha desse importantíssimo adereço, e não teve outro remédio se não alugá-lo ao referido causídico, a troco de uma quantia substancial nunca revelada;
*Construído num antigo armazém da Sears, em tempos idos a maior cadeia de distribuição do mundo, o covil subterrâneo do Coronel Stryker ocupava apenas metade da área disponível. Ainda assim, durante as filmagens o elenco e o staff usavam bicicletas para percorrer a grande distância entre os cenários e os lavabos;
*As pessoas "congeladas" pelo Professor X no museu e na Casa Branca foram interpretadas por mimos profissionais. A produção entendeu que eles seriam uma escolha mais adequada para as cenas em questão do que simples figurantes;
*A fuga de Magneto de uma cela de plástico transparente é uma homenagem a O Silêncio dos Inocentes (1991), um dos filmes preferidos de Bryan Singer. Brian Cox, por sua vez, interpretara Hannibal Lecter em Caçada ao Amanhecer (1986), tendo sido esse o motivo da sua escolha para o papel de William Stryker;

Singer fez de Magneto  o Hannibal Lecter da franquia mutante.

*Alan Cumming detestou a experiência de ser dirigido por Bryan Singer, atribuindo ao abuso de substâncias por parte do realizador o ambiente tóxico instalado no set.  O assédio moral de que o ator foi constantemente alvo no decurso das filmagens agravou a sua compulsão alimentar, resultando num aumento de peso que lhe prejudicou a saúde. Revoltado com a inércia do estúdio face aos desmandos de Singer, Cumming recusou repetir o papel de Noturno em X-Men 3: O Confronto Final (2006). Ironicamente, Cumming fora uma escolha pessoal de Singer, devido à sua fluência em alemão;
*Quando Tempestade e Jean Grey adentram a igreja à procura de Noturno, esta última veste um blusão com um pássaro flamejante estampado nas costas. Trata-se de uma óbvia referência à Fénix, a entidade cósmica que nas histórias clássicas dos X-Men escolheu Jean como sua hospedeira, e cujos poderes se foram subtilmente insinuando ao longo do filme;
*De visita ao set, a irmã de Hugh Jackman concordou em pregar uma partida a Bryan Singer. Usando o figurino completo de Wolverine, interpretou uma das cenas do irmão sem que o realizador desse pela diferença. De acordo com um assistente de Singer, este ter-se-á limitado a comentar distraidamente que Jackman estava a agir de forma algo estranha naquele dia;
*A cena final na Mansão Xavier foi gravada no Shepperton Studios, em Londres, simplesmente porque Hugh Jackman estava a filmar Van Helsing (2004) na capital britânica, tendo-lhe sido concedida uma autorização especial para se ausentar apenas por um dia. Uma vez que a caracterização do caçador de vampiros exigia que Jackman usasse o cabelo comprido, o ator teve de usar uma peruca para interpretar Wolverine. É por esse motivo que o cabelo de Logan parece mais alto do que o normal nessa cena.


Veredito: 78%

Na aurora do novo milénio, X-Men cumpriu com louvor a sua espinhosa missão de reabilitar os super-heróis no cinema. A fórmula de sucesso da película passou por apresentar personagens interessantes e propor discussões que permanecem atuais à luz da proliferação de microcausas identitárias. Tal como na banda desenhada, os mutantes foram metáforas perfeitas para os problemas e dilemas das minorias sociais que se sentem oprimidas.
Novamente sob a batuta de Bryan Singer, X-Men 2 assumiu-se como uma produção mais ambiciosa, alcançando um feito raro entre as sequelas: ser superior ao original. Singer é, de resto, um daqueles cineastas que recusa seguir os preceitos de um típico blockbuster estival. Dispondo de um orçamento bem mais generoso do que no primeiro filme, resistiu à tentação de investir nos efeitos especiais, servindo uma trama requentada.
Salta, de facto, à vista a preocupação de Singer em corrigir os principais defeitos apontados a X-Men, desde logo a falta de grandiosidade. Mas não só. Também as cenas de ação evoluíram para um nível satisfatório, capaz de atrair o espectador casual ávido de uma simples diversão. A cena de abertura, protagonizada por Noturno, é, sem margem para dúvidas, uma das melhores de toda a franquia.
Contudo, X-Men 2 vai muito além de um mero exercício escapista. Ao percorrer novamente uma linha de cumeada por uma amplitude de temas - do preconceito à discriminação, passando pelo radicalismo - , Singer aprofunda o debate aberto no primeiro filme sobre a aceitação das diferenças em sociedades, ironicamente, cada vez mais heterogéneas.

O grande número de personagens foi um dos maiores desafios da produção.

A maior virtude de X-Men 2 será, porventura, tratar com o devido respeito o material-fonte. O filme consegue, com assinalável competência, cerzir elementos distintos de mais de 40 anos de aventuras publicadas dos Filhos do Átomo. Independentemente do momento cronológico a que pertencem nos comics, personagens e situações são transplantados com sucesso para uma trama coesa permeada pela influência de algumas das obras capitais dos X-Men.
Outro dos méritos de Singer reside na gestão eficiente de um conjunto tão lato e diversificado de personagens. Todas elas desempenham, em algum momento da trama, uma função relevante. Mesmo Ciclope, cujo reduzido tempo de ecrã acaba por ser compensado pela dramática cena no Lago Alkali.
Graças a uma alternância equilibrada entre diálogos inteligentes e cenas de luta empolgantes, a ação do filme transcorre fluida. A trama deixa deliberadamente pontas soltas para uma continuação, seduzindo o espectador com uma agradável expectativa.
O resultado final é brilhante, na medida em que a filosofia crítica e as representações simbólicas de ativismos identitários em nada prejudicam o apelo comercial da película. Uma aula prática para os argumentistas atuais de filmes de super-heróis.


*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da língua portuguesa.
*Artigos sobre X-Men, Wolverine, Magneto, Mística, Chris Claremont e A Saga da Fénix Negra disponíveis para leitura complementar.