25 fevereiro 2022

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE: «A MORTE DO SUPER-HOMEM»



   Numa batalha épica ante um inimigo indestrutível, o Homem de Aço, confrontado com a sua finitude, lutou até ao último suspiro para salvar a Cidade do Amanhã e a indústria dos comics. À fria luz do crepúsculo da esperança, o mundo chorou a queda do seu maior herói e nada voltaria a ser como antes.

Título original: The Death of Superman
Editora: DC
País: Estados Unidos da América
Data de lançamento: Dezembro de 1992
Títulos abrangidos: Action Comics #684; Adventures of Superman #497; Justice League America #69; Superman Vol.2 #74-75; Superman: Man of Steel #18-19
Argumento: Dan Jurgens, Louise Simonson, Roger Stern e Jerry Ordway
Arte: Dan Jurgens, Jon Bogdanove, Jerry Ordway, Jackson Guice e Tom Grummett
Protagonistas: Super-Homem, Apocalypse, Liga da Justiça América (Máxima, Bloodwynd, Fogo, Gelo, Besouro Azul, Gladiador Dourado, Guy Gardner) e Lois Lane
Cenários: Ohio, Metrópolis e vários estados do Centro-Oeste americano
Edições em português: Com direito a uma providencial nota explicativa acerca de personagens e eventos ainda desconhecidos do público lusófono, em novembro de 1993, antecipando em quase um ano a sua cronologia do Último Filho de Krypton, a Abril brasileira lançou a primeira versão traduzida de A Morte do Super-Homem. Uma requintada antologia com papel de qualidade superior e capa em alto relevo e efeito metalizado. Além da saga completa, o kit de colecionador incluía ainda vários brindes: um fac-simile em formato americano do histórico Superman #75; um exemplar da revista Newstime com artigos e depoimentos relacionados com a queda do campeão de Metrópolis e um poster desenhado por Dan Jurgens retratando as exéquias do herói.
Coincidindo com o relançamento desse material (já sem os brindes) na outra margem do Atlântico, no verão de 1995, a Abril/Controljornal presenteou os leitores lusitanos com a primeira - e, até à data, única - versão da saga em português europeu.
Desde a viragem do século, A Morte do Super-Homem (entretanto renomeada A Morte do Superman) foi várias vezes republicada no Brasil, em diferentes formatos e sob a chancela alternada da Panini e da Eaglemoss. Remontando a 2016 a última revisitação deste clássico da 9ª Arte em terras de Vera Cruz.

A Abril divulgou amplamente a saga nas suas publicações.


Até que a morte nos separe

Os ventos de mudança que, no início da década de 90, sopravam na indústria dos quadradinhos americanos foram uma aragem de mau agoiro para o Homem de Aço. Ao acentuado decréscimo das vendas somava-se a sua impopularidade junto da nova safra de leitores, mais inclinados para os anti-heróis violentos e para as bad girls de anatomia impossível que editoras como a Image Comics lançavam em barda. Aos olhos da chamada Geração MTV, o Super-Homem era uma personagem chata e ultrapassada.
Esse fastio em relação ao primeiro dos super-heróis modernos não era, porém, exclusivo dos mais jovens. Desde a partida de John Byrne, em 1988, eram cada vez menos os fãs da velha guarda a interessarem-se pelas histórias do Super-Homem. Por aqueles dias, o grande desafio consistia em restaurar o apelo da personagem sem a descaracterizar.
Às quatro revistas mensais do Homem de Aço - Action Comics, Adventures of Superman, Superman e Superman: Man of Steel - correspondiam outras tantas equipas criativas, totalizando mais de uma vintena de profissionais. Apesar da competente coordenação levada a cabo por Mike Carlin, editor da linha de publicações do Super-Homem, manter a consistência da continuidade afigurava-se tarefa complicada. A solução encontrada passou pela organização periódica de cimeiras para definir um plano anual de histórias interligadas.

Spawn (Image) foi um dos anti-heróis
mais populares dos anos 1990.

Ainda que bastas vezes disfuncionais, essas reuniões eram a única forma de obrigar os argumentistas a discutirem ideias entre si. Quando estas escasseavam, Jerry Ordway, à época ilustrador de Adventures of Superman, costumava sugerir, em tom de brincadeira, que se matasse simplesmente o Homem de Aço. Chalaça que, invariavelmente, arrancava risadas aos presentes.
Ao fim de longos meses a aumentar a tensão romântica entre Clark Kent e Lois Lane - culminando na revelação da identidade secreta do Super-Homem à sua cara-metade - foi consensualizado, numa cimeira, realizada em finais de 1991, que o casamento do casal seria o passo lógico seguinte. Com vista a reforçar o simbolismo do enlace, ficou igualmente estabelecido que este teria lugar em Adventures of Superman #500, com lançamento programado para junho de 1993.
Enquanto as equipas criativas metiam mãos à obra, a Warner Bros., empresa-mãe da DC Comics, iniciou o desenvolvimento de uma nova série televisiva do Super-Homem. Numa daquelas coincidências cósmicas que mudam as agulhas do destino, Lois & Clark: The New Adventures of Superman apresentaria o casamento do casal protagonista.
Embora os eventos da série não se desenrolassem na mesma continuidade dos quadradinhos, a Warner queria que a mitologia do Super-Homem permanecesse consistente em todos os meios de comunicação. Em razão dessa exigência, o casamento de Clark e Lois no universo canónico foi adiado sine die (só em 1996 a união seria consumada).

A nova série televisiva do Homem de Aço
 levou ao adiamento do seu casamento nos comics.

Sem tempo para elaborar novo plano editorial, o recurso ao improviso foi inevitável. Numa cimeira convocada de emergência, Jerry Ordway fez a sua piada habitual para desanuviar o ambiente. Mas, para seu espanto, desta vez ninguém se riu.
Pela primeira vez, a ideia de matar um dos mais amados ícones culturais do século XX não soou absurda. Com o aval da presidente-executiva da DC e o beneplácito do próprio Jerry Siegel, Mike Carlin deu luz verde ao projeto. Jerry Ordway nem queria acreditar no que estava a acontecer.
Em 2006, no documentário Look, Up in the Sky: The Amazing Story of Superman, Carlin explicou que, ao fim de mais de meio século de publicação ininterrupta, as pessoas davam o Super-Homem por garantido. A intenção de matá-lo era, portanto, mostrar como seria o mundo sem o seu maior herói. Enfatizando, desse modo, a sua importância e significado.
Por se tratarem de dois marcos históricos no longo percurso editorial do Homem de Aço, o plano inicial - revisto para não defraudar os leitores e capitalizar a saga - estabelecia que o herói fosse morto em Superman #75 (dezembro de 1992) e ressuscitado em Adventures of Superman #500 (junho de 1993). De permeio, haveria um interregno de dois meses na publicação de todos os títulos do Super-Homem, para criar a ilusão de que a sua morte era definitiva. Uma jogada arriscada que, no entanto, obteve o resultado desejado.

Jerry Ordway fez uma piada mortal.

No momento de decidir quem seria o carrasco do Último Filho de Krypton, os argumentistas descartaram os seus inimigos tradicionais, considerados demasiado dependentes da tecnologia e do intelecto. Recorrer à kryptonita era igualmente um cliché a evitar. Assim sendo, concordaram na criação de um novo oponente, capaz de sobrepujar fisicamente o herói. O mito da invencibilidade do Homem de Aço tinha os dias contados.
Mike Carlin queria que o novo vilão tivesse uma aparência distinta. Nesse sentido, pediu uma proposta visual a cada um dos artistas envolvidos no projeto. A abominação coriácea com excrescências ósseas a rasgarem-lhe a pele (espécie de Hulk com fraturas expostas) imaginada por Dan Jurgens foi o candidato escolhido. Sugestivamente batizado de Doomsday (renomeado Apocalypse no Brasil, para diferenciá-lo do vilão homónimo dos X-Men), o monstro fez a sua primeira aparição em Superman: Man of Steel #17 (novembro de 1992). No final da história dessa edição, um painel mostrava o seu punho a esmurrar repetidamente uma parede.

Doomsday foi criado por Dan Jurgens a partir de um monstro
 previamente rejeitado por Mike Carlin.

Assim que surgiram as primeiras notícias acerca dos planos da DC para matar o Super-Homem, a saga atraiu uma atenção mediática sem precedentes. Durante semanas, a morte do Homem de Aço recebeu amplo destaque na imprensa nacional e estrangeira, e foi tema de conversa em talk-shows transmitidos em horário nobre. 
Procurando tirar o maior proveito possível da bolha especulativa dos comics - que, por aqueles dias, atingira o seu auge -  além da edição regular de Superman #75 foram lançadas edições de colecionador, e um volume encadernado da saga foi posto à venda a tempo do Natal de 1992. Em resultado dessa estratégia agressiva por parte da DC, muitas pessoas compraram vários exemplares de Superman #75, na expectativa (frustrada) de uma alta valorização da revista.
Todo o frenesim mediático em torno da morte do Super-Homem, aliado ao fenómeno especulativo, fez da saga o bestseller de 1992 (mais de 6 milhões de cópias vendidas) e garantiu um significativo encaixe financeiro à DC (que, desde a década anterior, rodopiava no ralo da falência). O retumbante sucesso de A Morte do Super-Homem teve ainda o condão de guindar o novato Dan Jurgens ao estrelato.
Ironicamente, Jurgens e restantes escribas consideraram mais difícil reviver o Homem de Aço do que matá-lo. Mas isso, caro leitor, será assunto para outro artigo...

A morte do Super-Homem teve grande ressonância mediática.


Martírio em Metrópolis

No que aparenta ser uma câmara subterrânea, um enorme punho enluvado golpeia violenta e incessantemente uma parede blindada. Uma vez chegada à superfície, a criatura, enfiada num traje de contenção, esmaga um passarinho que lhe pousa na mão e parte o pescoço a um gamo. A morte personificada caminha, livre, sobre a Terra.
Em Metrópolis, o Super-Homem, com a ajuda de Lois Lane, frustra os planos de vingança dos disformes habitantes do Mundo Subterrâneo. Apenas mais um dia igual a tantos outros na vida do Último Filho de Krypton.

A primeira vítima mortal de Apocalypse.

Após ser informada do alvoroço causado por um monstro no Ohio, a secção americana da Liga da Justiça Internacional acorre ao local. No entanto, o que se prefigurava uma operação rotineira descamba rapidamente num massacre. Com uma mão amarrada atrás das costas, a criatura trucida a equipa em questão de minutos, deixando o Besouro Azul em estado crítico e os restantes membros aturdidos e maltratados.
Alheio a tudo isto, o Homem de Aço participa no talk-show de Cat Grant. Enquanto se prepara para responder a mais uma pergunta do auditório, o herói é informado da situação no Ohio, abandonando de imediato o programa. Há um novo trabalho para o Super-Homem!
No Ohio, o Super-Homem depara-se com um autêntico cenário de guerra: explosões, incêndios e dezenas de baixas civis. Ainda mal refeito do ataque que quase lhe custou a vida, o Gladiador Dourado compara o monstro a uma besta do Apocalipse e jura nunca ter visto nada igual. Pouco impressionado, o Homem de Aço propõe-se barrar o caminho à criatura, apenas para ser violentamente pontapeado por ela.
A Liga da Justiça tenta, então, flanquear Apocalypse. Mas todo o poder de fogo do grupo consegue apenas rasgar o traje de contenção do monstro, revelando a sua aparência hedionda. Liberto de restrições, Apocalypse investe furiosamente sobre os heróis, atropelando-os como se de bonecos se tratassem.

Mesmo com a ajuda do Super-Homem, a Liga da Justiça
 foi incapaz de travar a selvajaria de Apocalypse.

No encalço de Apocalypse, o Super-Homem, após breve hesitação, é obrigado a deixá-lo escapar, para resgatar uma família presa na sua casa em chamas. Em meio à mortandade, o herói distribui sentenças de vida.
Imparável na sua senda de destruição irracional, Apocalypse semeia terror e morte à sua passagem pelo Centro-Oeste. Nem mesmo dois helicópteros Apache conseguem retardar-lhe o avanço. Os aparelhos são facilmente destruídos pelo monstro.
Enquanto o Super-Homem se desdobra em salvamentos, Apocalypse toma inesperadamente a direção de Metrópolis. Na Torre Lex, Luthor (na verdade, um clone ruivo do original) demove a Supergirl (na verdade, uma transmorfa chamada Matriz) de ir em socorro do Homem de Aço. No Daily Planet, Lois Lane convence Jimmy Olsen a acompanhá-la na cobertura jornalística da batalha do século. 
Com a contenda entre os dois titãs a ser transmitida em rede nacional, em Smallville os Kents assistem, de coração pesado, aos desesperados esforços do filho para deter um inimigo aparentemente indestrutível. Resta-lhes apenas rezar para que o pior não aconteça.
Uma após outra, as linhas defensivas de Metrópolis vão sendo derrubadas como peças de dominó: a Unidade de Crimes Especiais, a Equipa Luthor e até a Supergirl falham em conter o avanço de Apocalypse. Mais uma vez, o destino da Cidade do Amanhã depende apenas da bravura do seu campeão.
Como dois pugilistas feridos e exaustos, Super-Homem e Apocalypse digladiam-se diante do Daily Planet. As ondas de choque resultantes dos impactos estilhaçam os vidros dos edifícios circundantes. Agindo por puro instinto, o Homem de Aço desfere um golpe fatal no seu oponente, recebendo outro em troca. Ambos tombam, por fim, sob um céu pesaroso.

O trágico culminar de um confronto titânico.

Nos braços da sua amada, o salvador de Metrópolis exala o seu derradeiro suspiro. A sua capa esfarrapada, qual bandeira do martírio, drapeja entre os destroços da batalha. Somente os lamentos de Lois Lane rompem o silêncio fúnebre que se abateu sobre as ruas. Incrédulo e impotente, o mundo testemunha o penoso ocaso do seu maior herói. O Super-Homem está morto e nada voltará a ser como antes.

A morte de uma lenda.

Apontamentos

*Apesar de ter sido, de longe, a mais impactante, A Morte do Super-Homem não foi a primeira história a glosar o sacrifício supremo do maior dos heróis. Em 1961, Jerry Siegel escrevera The Secret Death of Superman. Dada à estampa em Superman Vol.1 #149, a história, desenhada por Curt Swan, mostrava como o Homem de Aço sucumbia ao envenenamento por kryptonita, numa diabólica maquinação orquestrada por Lex Luthor. Porquanto o herói permanecia morto no final, a solução passou por transformá-la num conto imaginário. Um quarto de século volvido, foi essa a fonte de inspiração de Alan Moore para escrever O Que Aconteceu ao Homem de Aço? (já aqui revisitada);
*A ideia de usar um efeito sonoro em crescendo de intensidade à medida que Apocalypse golpeava a parede da sua prisão subterrânea foi retirada de uma história de Thor, da lavra de Walter Simonson ( marido de Louise Simonson). Nela, a onomatopeia "DOOM!" pretendia mostrar o iminente advento de Surtur, o arauto do Ragnarok (equivalente nórdico do Juízo Final);

Sons do Apocalipse.

*As quatro edições que retratam o mano a mano entre Super-Homem e Apocalypse contêm uma contagem regressiva de painéis: Adventures of Superman #19 tem 4 painéis por página; Action Comics #684 três; Superman: The Man of Steel #19 duas e Superman #75 é composta exclusivamente por splash pages. Tratou-se de um artifício visual concebido por Brett Breeding, um dos arte-finalistas da saga, com o intuito de aumentar o suspense e a velocidade da ação;
*Depois de, numa entrevista, Mike Carlin ter comparado Apocalypse a um fugitivo de um manicómio cósmico, choveram críticas dos grupos de defesa das pessoas com perturbações mentais. A polémica prolongou-se durante várias semanas, concitando ainda mais atenção mediática para a saga;
*Consoante a batalha contra Apocalypse vai aumentando de ferocidade, o uniforme do Super-Homem vai ficando cada vez mais esfarrapado. Nas cenas finais, o herói exibe mesmo o torso desnudo e ensanguentado. À época, a invulnerabilidade do Homem de Aço era atribuída a uma aura invisível que lhe rodeava o corpo. O traje rasgado e os ferimentos indicavam, portanto, que essa sua aura protetora era incapaz de suster os golpes do seu adversário;
*Na esteira de A Morte do Super-Homem, a Warner Bros. adquiriu os direitos para produzir um filme baseado na saga. Os executivos do estúdio acreditavam ser essa a chave para revitalizar a franquia cinematográfica do Homem de Aço, após o fiasco de Superman IV (1987). Nenhum dos projetos apresentados saiu, no entanto, do fundo da gaveta. Apenas em 2016 o martírio do Super-Homem seria referenciado no cinema, no clímax de Batman versus Superman: Dawn of Justice;

Poster promocional de um dos filmes
que pretendia adaptar a morte do Super-Homem ao grande ecrã.

*Do conjunto de brindes que, nos EUA, acompanhavam a edição especial da saga faziam parte um poster, autocolantes e uma braçadeira preta com o símbolo do herói estampado. Jay Leno usou uma durante o episódio do seu Tonight Show dedicado à morte do Homem de Aço;
*A Morte do Super-Homem ocupa o 9º lugar na lista das 25 melhores histórias do Homem de Aço selecionadas, em 2013, pela plataforma de entretenimento IGN. Em 2020, outro site especializado, CBR, encerrou com ela o seu Top 10 das melhores histórias de sempre do Super-Homem;
*Reforçando o seu estatuto de clássico incontornável, A Morte do Super-Homem já foi adaptada a diferentes segmentos culturais. Logo após a conclusão da saga em terras do Tio Sam, Roger Stern assinou o romance The Death and Life of Superman. Em 2007, a Warner Bros. lançou Superman: Doomsday, filme animado cujo sucesso comercial inaugurou a linha DC Universe Animated Original Movies destinada ao circuito vídeo. Uma segunda adaptação animada, mais fiel ao material original, foi lançada em duas partes: Death of Superman (2018) e Reign of the Supermen (2019) incluem muitos dos momentos icónicos omissos em Superman: Doomsday.

Em 2018, a DC lançou nova versão animada de A Morte do Super-Homem.


Vale a pena ler?

Golpe publicitário ou obra capital da DC? Três décadas volvidas sobre a sua publicação, A Morte do Super-Homem continua a dividir opiniões.
Analisando a saga e a conjuntura que esteve na base da sua produção, assiste razão a quem sustenta que se tratou, em primeiro lugar, de uma ação de marketing. Alguns especialistas do ramo comparam-na mesmo com a New Coke, a tentativa fracassada, em 1985, da Coca-Cola agitar as águas e aumentar as vendas. Com a diferença que, no caso da DC, ambos os objetivos foram cumpridos.
Enquanto manobra económica, A Morte do Super-Homem foi um inegável sucesso. Não só alavancou as vendas dos títulos do Homem de Aço como colocou a indústria dos comics debaixo dos holofotes mediáticos. Em razão disso, também as editoras concorrentes saíram beneficiadas e muitos empregos foram salvaguardados. Mas a saga foi muito mais do que um mero golpe publicitário.
Do ponto de vista editorial, A Morte do Super-Homem firmou doutrina: nos anos imediatos, Batman ficaria preso a uma cadeira de rodas, o Lanterna Verde passaria para o lado negro da Força (por sinal, uma das ramificações desta saga), a Mulher-Maravilha perderia o título de campeã das Amazonas e até o Homem-Aranha atravessaria uma crise de identidade por causa de um clone.
Ninguém, em sã consciência, poderia contudo acreditar que a DC estaria disposta a abrir mão do seu principal ativo. Nos meandros da indústria, toda a gente sabia que o Super-Homem seria ressuscitado. A dúvida era quando e como. Claro que houve quem se sentisse defraudado com o regresso do herói, e que essa circunstância abriu uma caixa de Pandora. Com o passar dos anos, as mortes e ressurreições de personagens importantes tornaram-se corriqueiras, gerando um sentimento de indiferença nos fãs.
Mais do que uma simples personagem de banda desenhada, o Super-Homem é uma instituição cultural com alcance global. Por conseguinte, o seu desaparecimento - mesmo se temporário . basta para fazer de A Morte do Super-Homem um clássico monumental.
Um dos elementos mais controversos da saga é o próprio verdugo do herói. Visto por muitos como um dispositivo narrativo ambulante, Apocalypse é um monstro irracional surgido do nada. O facto de nada se saber acerca da sua origem (só anos mais tarde seria revelado que ele era, afinal, produto de experiências científicas kryptonianas objetivando a criação da forma de vida suprema) é, inquestionavelmente, uma das principais deficiências do enredo.
Filosoficamente, porém, Apocalypse é a antítese perfeita do Super-Homem. Ele representa tudo aquilo que o herói abomina: destruição sem sentido e ódio visceral à vida. A brutalidade da criatura é ilustrada na forma como mata tudo o que lhe surge pela frente. Em certa medida, Apocalypse é a representação antropomórfica da Idade das Trevas que, aos poucos, entenebrecia os comics
Mesmo transformada na crónica de uma morte anunciada, a história compensa a falta de suspense com a excelente caracterização do protagonista. A cena em que o Homem de Aço desiste de perseguir Apocalypse para salvar uma menina encurralada pelas chamas nada teria de extraordinário se ele não se debatesse momentaneamente com um dilema. Salvar centenas de vidas ou apenas uma? Em circunstâncias normais, o herói não teria hesitado em voltar para trás, mas a magnitude da ameaça representada por Apocalypse obriga-o a arrastar a decisão por longos segundos. E essa é apenas uma das muitas decisões difíceis que ele é chamado a tomar ao longo da saga.
Com efeito, A Morte do Super-Homem coloca em evidência o caráter e a bondade inata de Kal-El. Esse estranho visitante de outro mundo disposto a lutar até ao último suspiro pela Humanidade - que nem sempre o apreciou devidamente.
Do mesmo modo que nem todos os fãs apreciaram A Morte do Super-Homem. No entanto, a despeito das suas imperfeições, a saga foi um momento definidor na história do Homem de Aço e, em sentido mais lato, na história dos comics. Não foi a morte que muitos gostariam de ter lido, mas nada conseguirá apagar essa dolorosa memória do imaginário coletivo.
Mais que não seja, pelo fortíssimo impacto cultural e económico que teve em toda uma geração de leitores e criadores, A Morte do Super-Homem merece ser celebrada como obra capital, não apenas da Editora das Lendas, mas de toda a 9ª Arte.
 
Há 30 anos, a morte do Super-Homem abalou a indústria dos comics e o mundo.


*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Artigos sobre Super-Homem e Dan Jurgens disponíveis para leitura complementar.