30 julho 2022

GALERIA DE VILÕES: RA'S AL GHUL


   A sua origem e nome verdadeiro perderam-se na noite dos tempos. Qual messias negro numa cruzada genocida, continua a regressar dos mortos para purgar a Terra do vírus da corrupção humana. No Batman encontrou um adversário digno e o tão desejado herdeiro para o seu império de sombras.

Denominação original:
 Ra's al Ghul
Editora: DC
Criadores: Julius Schwartz (nome e conceito), Dennis O'Neil (história) e Neal Adams (arte conceptual)
Estreia: Batman Vol.1 #232 (junho de 1971)
Identidade civil: Desconhecida
Espécie: Humano
Local de nascimento: Algures no Deserto Arábico
Parentes conhecidos: Sensei (pai); Sora (primeira esposa, falecida); segunda esposa não identificada (falecida); Melisande (terceira esposa, falecida); Nyssa Raatko (filha, falecida); Talia al Ghul (filha); Dusan al Ghul (filho, falecido); Bruce Wayne/Batman (ex-genro); Damian Wayne/ Robin V (neto)
Ocupação: Magnata e ecoterrorista internacional.
Base de operações: Ra's al Ghul possui dezenas de covis secretos em latitudes tão diferenciadas como os Alpes suíços ou os Himalaias. Cada um deles coincide com a localização de um Poço de Lázaro, sendo esse o motivo da sua itinerância compulsiva.
Afiliações: Líder e fundador do Demónio e da Liga de Assassinos.
Némesis: Batman
Poderes e parafernália: Ninguém - talvez nem mesmo o próprio- sabe ao certo há quanto tempo Ra's al Ghul caminha sobre a Terra. Mas a História da Humanidade seria decerto muito diferente sem a sua interferência. Como um maestro invisível, ele triunfa manipulando as suas orquestrações. As suas aparições são raras, mas cada uma é mais impactante do que a anterior.
Estrategista magistral, Ra's comandou exércitos em batalhas decisivas, ordenou assassinatos políticos e conspirou nos bastidores para alterar o curso de acontecimentos cruciais. Entre as suas façanhas mais notáveis, colocou em marcha a catastrófica cadeia de eventos que culminou na Grande Guerra. Ao desencadear uma conflagração à escala mundial, esperava conseguir fazer regredir a Humanidade à era pré-industrial, poupando a Terra aos efeitos da poluição. Em tempos mais recentes, lançou um mortífero vírus geneticamente modificado em Gotham City e derrotou a Liga da Justiça recorrendo aos planos de contingência elaborados secretamente pelo Batman com base nas principais vulnerabilidades dos seus membros.
Tudo isto só foi possível graças aos Poços de Lázaro, fontes místicas com propriedades regenerativas únicas. O líquido esverdeado de composição desconhecida que delas brota consegue cicatrizar instantaneamente ferimentos graves, doenças terminais e até reverter mortes recentes. Além de ter tido a sua longevidade expandida pelo Poço de Lázaro (assim chamado em referência à figura bíblica ressuscitada por Jesus Cristo), Ra's já perdeu a conta às vezes que se ergueu de entre os mortos.

O Poço de Lázaro tornou Ra's al Ghul imortal.

Ao longo dos séculos, Ra's al Ghul acumulou vastíssima riqueza, conhecimento e poder, dispondo, por conseguinte, de recursos praticamente ilimitados, incluindo um exército de seguidores fanatizados que o veneram como um messias. Ra's especializou-se também em diferentes campos de estudo, tanto científicos como esotéricos. O seu perfeito domínio da Microbiologia, por exemplo, permite-lhe modificar vírus em laboratório para originar epidemias ou pandemias.
Em várias ocasiões, Ra's demonstrou ser capaz de transferir a sua alma para os corpos de outras pessoas, assegurando assim a própria sobrevivência, mesmo quando não tem acesso ao Poço de Lázaro. Os pormenores exatos desse processo afiguram-se, porém, inconsistentes: tanto pode envolver um complexo ritual místico como pode ser apenas necessário o contacto direto de Ra's com o seu futuro hospedeiro.
Séculos de treino e experiência fizeram de Ra's um espadachim sem igual. Gaba-se mesmo de ter ensinado o manejo da espada aos mestres esgrimistas das primeiras academias europeias e de ter sobrevivido aos círculos de duelos cossacos.  Quando em combate, prefere armamento antigo - sabres, cimitarras, lanças... - ainda que seja igualmente proficiente com armas de fogo e outro material bélico moderno. 

Batman e Ra's al Ghul num duelo mortal sob o sol do deserto.

Além de ser mestre em diversas artes marciais, Ra's possui as aptidões físicas de um atleta olímpico e tem a sua força e reflexos ampliados a nível sobre-humano logo após cada mergulho no Poço de Lázaro. Apesar disso, raramente consegue levar de vencida o Batman num mano a mano. Na maior parte das vezes, os dois contendores acabam por sucumbir à exaustão e o combate termina empatado.
Mas nem só no plano físico Ra's pede meças ao Cavaleiro das Trevas. Com poder de fogo intelectual superior ao do seu némesis, a Cabeça do Demónio consegue frequentemente ocultar o seu envolvimento nos acontecimentos em curso até ser demasiado tarde.
Profeta aos olhos de uns, terrorista aos olhos de outros, Ra's al Ghul vê-se a si mesmo como um artista. A sua visão é a de uma Terra tão limpa e pura como uma montanha nevada ou o deserto de areias escaldantes que, incontáveis eras atrás, lhe serviu de berço. Claro que, para isso, terá primeiro de fazer correr rios de sangue...

Fraquezas: Apesar de os Poços de Lázaro garantirem semi-imortalidade aos seus usuários, essa dádiva tem um custo. Ao dar vida, o poço também tira vida. De cada vez que Ra's al Ghul se banha nas suas águas milagrosas fica mais próximo da morte que não pode ser revertida. Adicionalmente, o poço deixa-o temporariamente enlouquecido, tornando as suas ações erráticas e violentas. Numa dessas ocasiões, séculos atrás, Ra's matou acidentalmente a sua segunda esposa.
Mesmo tendo plena consciência dos efeitos perniciosos do Poço de Lázaro na sua saúde física e mental, Ra's não consegue deixar de usá-lo. Como se de uma potente droga se tratasse, o poço é extremamente viciante. Quanto mais Ra's o usa mais viciado fica. Ao fim de mais de 700 anos de (ab)uso, ele simplesmente não consegue parar.
No que ao Batman especificamente diz respeito, a principal fraqueza de Ra's al Ghul radica no profundo amor de Talia pelo herói. Nem um coração empedernido como o seu é totalmente insensível aos sentimentos da filha. Por outro lado, o desejo de Ra's de fazer do Cavaleiro das Trevas seu sucessor leva-o muitas vezes a poupar a vida àquele que sabe ser o seu mais formidável inimigo.

O Poço de Lázaro deixa Ra's al Ghul temporariamente ensandecido.


Vilão sui generis

Com a Guerra do Vietname num impasse e o martírio de profetas da esperança, como Martin Luther King, a década de 1970 alvoreceu nublada e com o Sonho Americano ligado às máquinas. Contagiados pelo espírito do tempo, os leitores do Batman naturalmente já não se identificavam com a versão kitsch do herói que marcara a década pregressa, e que tivera na série televisiva do Homem-Morcego com Adam West o seu maior expoente mediático. Resultando disso a imperiosa necessidade de adaptar as histórias do Homem-Morcego aos novos tempos. Tarefa que, no entendimento do então editor dos títulos do Batman, Julius Schwartz, requeria um escritor arrojado e um artista consagrado.
Depois da revolucionária passagem de Dennis O'Neill e Neal Adams por Green Lantern/Green Arrow, Schwartz sabia serem eles os homens certos para restaurar o apelo do Cavaleiro das Trevas junto do público, e tratou de reunir novamente a dupla-maravilha.

Julius Schwartz (1915-2004)  foi o editor que adaptou Batman aos novos tempos.

Se Adams já havia emprestado o seu traço dinâmico e realista a The Brave and the Bold, O'Neill, no seu primeiro contacto com Batman, não se fez rogado em introduzir uma série de alterações importantes na vida da personagem. Para além do tom mais melancólico das tramas, essas mudanças passaram pela ida de Dick Grayson para a Universidade de Hudson (separando, assim, a Dupla Dinâmica), e por levar Bruce Wayne e Alfred a trocarem a Mansão Wayne por uma luxuosa cobertura no centro de Gotham City. A mais importante dessas mudanças foi, porém, o surgimento de um novo inimigo do Cavaleiro das Trevas. Um inimigo a vários títulos diferente, porquanto a lógica das suas ações o faziam divergir do arquétipo vilanesco. Sem uniformes vistosos, superpoderes ou bugigangas tecnológicas, mas com os meios, a motivação e o intelecto que lhe permitiam afirmar-se como uma terrível ameaça à segurança global.
Por sugestão de Schwartz, o novo vilão foi crismado como Ra's al Ghul, expressão de origem árabe que significa "cabeça do demónio". E que referencia, também, a estrela Algol, à qual diversos povos da Antiguidade atribuíam uma influência nefasta nos destinos do mundo. Uma escolha deveras apropriada olhando ao escopo dos planos de Ra's al Ghul. 
Desde a sua entrada em cena, em Batman #232 (junho de 1971), que Ra's al Ghul demonstrou ser um vilão sui generis. Desde logo por ter sido ele o primeiro inimigo do Homem-Morcego a deslindar a identidade secreta do herói. Mas, sobretudo, pelo facto de ser um homem sem idade a quem não se aplicam as leis do tempo, uma vez que o Poço de Lázaro o tornou virtualmente imortal. Vive, ademais, obcecado com a ideia de transformar o mundo decadente que o rodeia numa utopia sem crime nem poluição. Missão que encara como sagrada e que deseja cumprir a todo o custo, independentemente dos milhões de vidas humanas que seria preciso sacrificar para tornar o seu sonho realidade.


Batman #232 (1971) introduziu
 um novo e perigoso inimigo do Cavaleiro das Trevas.

Alguns terão porventura visto no nome de origem árabe e no recurso ao terrorismo como instrumento para impor as suas crenças uma pouco subtil alusão ao fundamentalismo islâmico. Esta é, contudo, uma interpretação abusiva, visto, que, à época, o jihadismo era um movimento mais inorgânico, ainda desprovido de um líder carismático e facilmente identificável, como o foi este século Osama bin Laden.
Com efeito, a principal fonte de inspiração para Ra's al Ghul foi o Dr. Fu Manchu, vilão da literatura pulp criado, em 1913, por Sax Rohmer. Além da origem asiática, remetendo para o Perigo Amarelo tão em voga nos anos 1930, ambos são génios científicos em cruzada para moldar o mundo aos seus ideais; ambos dispõem de exércitos particulares (Liga de Assassinos e Si-Fan) e ambos têm filhas belas e perigosas (Talia al Ghul e Fah Lo Suee) que se envolvem romanticamente com os arqui-inimigos dos seus diabólicos pais (Batman e Sir Dennis Nayland Smith). Outra possível influência visual terá sido o Imperador Ming, das tiras clássicas de Flash Gordon.
Em todo o caso, a aparência de Ra's al Ghul foi da inteira responsabilidade de Neal Adams. O artista empenhou-se em tornar a personagem facilmente reconhecível, mesmo sem os paramentos coloridos da praxe. Nesse sentido, desenhou Ra's com a testa larga, bigode à mandarim e sem sobrancelhas, para lhe acentuar o olhar penetrante.

Expoente do Perigo Amarelo, o Dr. Fu Manchu serviu de modelo a Ra's al Ghul.

Ra's al Ghul possui ainda outras características que o fazem funcionar como um verso solto na galeria de vilões do Batman. Sem veio maligno, movem-no ideais nobres, embora potencialmente genocidas. Tudo o que ele deseja é um mundo melhor em que os humanos vivam em comunhão com a Mãe Natureza, ao invés de depredá-la. Em certa medida, ele foi um pioneiro do ativismo ambiental, que alertou para os perigos da industrialização acelerada e do crescimento exponencial da população. Como os homens não lhe deram ouvidos, ele resolveu puni-los pela lenta destruição do planeta.
No fundo, Ra's al Ghul representa o reverso extremista do Batman. Com quem, aliás, mantém uma dialética em tudo semelhante à do Professor X com Magneto. Ele faz tudo o que o Batman deseja fazer, mas, ao contrário dele, não se deixa condicionar por um código moral. Ra's não faz prisioneiros e não tem escrúpulos em matar por aquilo que acredita ser o bem maior. Ambos sonham erradicar o Mal do mundo, mas apenas Ra's está disposto a tudo para alcançar esse desígnio.
Por tudo isto e muito mais, Ra's al Ghul ocupa lugar de destaque na extensa galeria de vilões do Homem-Morcego, disputando ao Joker o estatuto de verdadeiro némesis do herói.

Para alguns, Ra's al Ghul é o verdadeiro némesis do Batman.


A Cabeça do Demónio

O homem que o mundo aprendeu a temer como Ra's al Ghul terá nascido há mais de 700 anos num dos vastos desertos da Península Arábica, no seio de uma tribo nómada presumivelmente originária da China. Junto com o seu coração outrora bondoso, o seu nome batismal ficou para sempre soterrado pelas areias do tempo.
Fascinado, desde os seus verdes anos, pela Ciência, Ra's trocou a vida no deserto pela vida na cidade, onde poderia iniciar os seus estudos. Era já um médico renomado, habituado a distribuir sentenças de vida, quando conheceu Sora, o amor da sua vida que desposaria logo depois.
A viver uma breve etapa de felicidade conjugal, Ra's fez uma descoberta que lhe mudaria para sempre a vida: o Poço de Lázaro. Cujas propriedades milagrosas usou para salvar a vida de um príncipe moribundo, filho do sultão que governava a cidade onde ele e Sora moravam. Sem que Ra's o soubesse, o príncipe era na verdade um tiranete que tratava os seus súbditos com grande crueldade.
Ato contínuo à sua ressurreição pelo Poço de Lázaro, o príncipe, completamente fora de si, estrangulou Sora até à morte. Ra's clamou ao sultão por justiça, mas este, para proteger o filho, culpou-o pelo crime e condenou-o a um sórdido calvário. No meio do deserto, trancado numa jaula com o cadáver em decomposição de Sora, Ra's foi deixado para morrer à fome e à sede.


Acusado de um crime que não cometeu,
 o jovem Ra's foi condenado a uma morte agonizante.

Antes que isso acontecesse, Ra's foi no entanto libertado por Huwe, o filho de uma anciã a quem ele mitigara o sofrimento no seu leito de morte. Acompanhado pelo mancebo, Ra's regressou à sua tribo em busca de auxílio para levar a cabo a sua vingança. O tio de Ra's, que agora liderava o clã, concordou em lavar a honra do sobrinho com sangue.
Compreendendo a teoria dos germes causadores de doenças centenas de anos antes de qualquer outro cientista, Ra's logrou infetar o príncipe com um vírus mortal enviando-lhe luxuosos tecidos contaminados. Quando o desesperado sultão lhe implorou que curasse novamente o filho, Ra's matou ambos, sem dó nem piedade. Em seguida, ordenou à sua tribo que arrasasse a cidade e massacrasse todos os seus habitantes.
De entre as ruínas fumegantes juncadas de corpos dilacerados, ergueu-se naquele infausto dia a Cabeça do Demónio. Que, desde então, não mais deixou de sombrear de medo as almas dos homens.
Tornado imortal pelo Poço de Lázaro, Ra's passou os séculos seguintes a viajar pelo mundo, tendo Huwe e o tio - também eles imortais - como companheiros nessa longa jornada. Pouco tempo depois de o trio ter assentado arraiais em Londres, Ra's surpreendeu Huwe a escrever as próprias memórias na sua língua materna. Uma inaceitável transgressão que poderia expor ao mundo os segredos da Cabeça do Demónio.
Durante uma batalha da Guerra dos Cem Anos, Ra's matou Huwe e regressou a Londres. Apenas para descobrir que o seu tio havia desparecido, levando consigo os manuscritos do rapaz. Mercê dessa traição familiar (a primeira de muitas), a Cabeça do Demónio passou a exigir devoção cega aos seus seguidores, dispostos a matar e a morrer em seu nome.
Agora um viajante solitário, Ra's contemplou de perto a pior face da Humanidade. Ao longo dos séculos, assistiu de camarote à ópera de horrores que é a História Mundial: uma interminável sucessão de guerras, revoluções e genocídios. Viu como o poder corrompe o coração dos homens, e como estes brutalizam a Mãe Natureza.
Por conta de tudo isto, Ra's começou a desprezar profundamente os seus semelhantes, comparando-os a uma praga que parasita a Terra. Exterminá-la seria, pois, a sua missão sagrada. Mas ele sabia que não poderia cumpri-la sozinho.
Sem nunca parar de acumular riqueza, conhecimento e poder, Ra's al Ghul usou os seus imensos recursos para fundar o Demónio. Uma organização secreta que conspirava nas sombras para restaurar a pureza e harmonia da Terra, diminuindo drasticamente o seu número de habitantes. Dela emanou posteriormente a Liga de Assassinos (ver Miscelânea), cujo objetivo primordial consiste em liquidar os inimigos do Demónio.

Ra's al Ghul fundou a Liga de Assassinos.

À cabeça do seu próprio exército, Ra's pôde, enfim, colocar em prática a sua visão distorcida de justiça. Essa sinistra mistura de darwinismo social e ecoterrorismo fizeram dele uma espécie de extremista bem intencionado, mas nem por isso menos perigoso.
Ra's al Ghul já contava séculos de vida e carregava milhares de mortes na consciência aquando do seu primeiro encontro com o Batman. Este teve lugar pouco tempo depois de o Cavaleiro das Trevas salvar a vida de Talia. Ao saber a filha perdida de amores pelo enigmático campeão de Gotham City, Ra's resolveu investigá-lo. Depressa deduziu que somente Bruce Wayne disporia dos recursos necessários para financiar a sofisticada logística do Batman. Ao invés de divulgar essa informação, preferiu no entanto guardar segredo.
Mais tarde, Ra's engendrou um plano para testar as capacidades do herói. Encenou o rapto de Talia e Dick Grayson e procurou a ajuda de Batman para resgatá-los. A farsa foi, contudo, rapidamente desmontada pelo maior detetive do mundo.
Impressionado com o caráter e as capacidades intelectuais de Bruce Wayne, Ra's ofereceu-lhe o comando da Liga de Assassinos e a mão de Talia. Perante a dupla recusa do herói, Ra's acusou-o de ser o guardião da Sodoma moderna e jurou destruir Gotham.
Nascia assim uma das mais fascinantes rivalidades do Universo DC. Entre Batman e Ra's al Ghul é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa. Ambos foram moldados pela tragédia, partilham o mesmo desiderato, admiram-se mutuamente e disputam a lealdade de Talia, cujo coração balança dolorosamente entre o pai e o homem que ama.
Sempre que uma civilização atinge o seu pináculo de decadência, a Cabeça do Demónio ressurge para restaurar o equilíbrio. Depois de ter incendiado Londres e de ter lançado a Peste Negra na Europa, qual será o próximo alvo da sua ira? Seja ele qual for, Ra's sabe que o Cavaleiro das Trevas tudo fará para lhe frustrar os planos.

A Cabeça do Demónio continua a engendrar novos planos genocidas para purgar a Terra.

Miscelânea

*Embora de etimologia árabe, a pronúncia oficial de Ra's al Ghul - Reysh al Gool - é hebraica. Na base desta opção poderá ter estado a proximidade fonética com o vocábulo "resh" que, em Hebreu, significa "chefe" ou "cabeça". Outra possibilidade é ter-se tratado de um subterfúgio da DC para realçar as raízes multiétnicas e multiculturais da personagem;
*Ra's al Ghul faz-se sempre acompanhar de Ubu, um gigante carrancudo que, além de guarda-costas, é também o seu servo mais leal. Na verdade, Ubu não é um nome, mas sim um título atribuído aos homens mais fortes e valentes de um antigo clã do deserto. À luz de cuja tradição servir a Cabeça do Demónio é a maior honra a que qualquer um dos seus membros pode aspirar;

Ubu segue o seu mestre como uma sombra.

*Também conhecida como Liga das Sombras, Sociedade de Assassinos ou Presa do Demónio, a Liga de Assassinos é uma fação do Demónio, a primeira organização secreta fundada, vários séculos atrás, por Ra's al Ghul. Pelas suas fileiras passaram alguns dos mais eficientes e desapiedados assassinos de diferentes épocas, incluindo o mestre arqueiro Merlyn e Lady Shiva (arqui-inimigos, respetivamente, do Arqueiro Verde e da Canário Negro). A partir de uma análise minuciosa dos seus relatórios anuais de atividades, Tim Drake (o terceiro Robin) calculou que a Liga de Assassinos matará a cada mês uma centena de pessoas em todo o mundo. Os métodos, hierarquia e fanatismo dos seus membros evocam a Hashshashin, uma lendária ordem de assassinos fundada na Pérsia no ano 1090 d.C. e que, ao longo dos dois séculos seguintes, expandiu a sua sangrenta influência ao resto do Médio Oriente. Especializada em assassinatos políticos, designadamente de líderes cristãos, era comandada por um misterioso Velho da Montanha, cuja verdadeira identidade permanece um mistério até aos dias de hoje;
*Apesar de se arvorar em defensor dos valores e tradições familiares, Ra's al Ghul foi sempre um pai abusivo. Depois de Nyssa Raatko, a sua filha mais velha, ter desertado da Liga de Assassinos para levar uma vida normal, Ra's deixou-a para morrer num campo de concentração nazi. Por sua vez, Talia, a sua filha favorita, foi submetida, praticamente desde o berço, a uma série de duríssimas provações físicas, mentais e emocionais, para se provar uma digna herdeira do pai. Apesar de a jovem as ter superado a todas sem nunca demonstrar fraqueza, Ra's, o mais antigo dos misóginos, continua a desejar ardentemente um varão para lhe suceder. No entanto, também Dusan, o seu único filho conhecido, foi considerado um herdeiro inadequado, em virtude de ter nascido albino e com uma saúde frágil. Perante estes fracassos filiais e a irredutível recusa do Batman em assumir o controlo do seu império das sombras, Ra's encara agora o seu neto, Damian Wayne (fruto do casamento anulado de Talia e Bruce Wayne), como o candidato ideal para a função;

A prole do Demónio: Talia al Ghul, Nyssa Ratko e Dusan al Ghul.

*Em sinal de deferência e admiração pelas capacidades intelectuais de Bruce Wayne, Ra's al Ghul trata-o sempre por "Detetive", nunca por "Batman" (que considera um simples disfarce). De igual modo, trata o Super-Homem por "Ícone", reconhecendo-o como um símbolo de esperança para o mundo;
*No universo paralelo da Amalgam Comics (iniciativa editorial conjunta Marvel/DC, nos anos 1990), Ra's al Ghul foi fundido com o vilão dos X-Men  Apocalipse, dando origem ao poderoso Ra's Al-Pocalypse;
*Ra's al Ghul surge em 7º lugar na lista dos cem maiores vilões dos comics, divulgada em 2011 pelo site IGN. É, de resto, um dos expoentes de malignidade da DC mais bem cotados, apenas atrás de Darkseid (6º), Lex Luthor (4º) e Joker (2º);
*Emitido em novembro de 1992, o 50º episódio de Batman: The Animated Series marcou a estreia de Ra's al Ghul no segmento audiovisual. Off Balance era baseado no arco de histórias que, duas décadas antes, apresentara a Cabeça do Demónio aos leitores do Homem-Morcego. Foi, no entanto, a participação de Ra's em Batman Begins (2005) a dar-lhe verdadeira ressonância mediática. Depois de ter sido interpretado por Liam Neeson naquele que foi o capítulo inaugural da trilogia cinematográfica do Cavaleiro das Trevas, em 2013, o vilão fez a sua primeira aparição live action no pequeno ecrã, agora vivido pelo australiano Matthew Nable na terceira temporada de Arrow.

As muitas faces de Ra's al Ghul no pequeno e grande ecrã.



*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Artigos sobre Talia al Ghul, Neal Adams e Dennis O'Neill disponíveis para leitura complementar.