15 outubro 2015

RETROSPETIVA: «X-MEN: PRIMEIRA CLASSE»





  Nesta prequela que esteve para ser um spin-off de Magneto e acabou por se converter no capítulo inaugural de uma nova e bem-sucedida trilogia cinematográfica dos X-Men, são revisitados os primórdios da causa mutante que ditou a separação de dois velhos amigos, colocando-os em lados opostos da barricada.


Título original: X-Men: First Class
Ano: 2011
País: Estados Unidos da América
Duração: 132 minutos
Género: Ação/Aventura/Fantasia
Produtores: Bryan Singer, Simon Kinberg, Gregory Goodman e Lauren Shuler Donner
Realização: Matthew Vaughn
Argumento: Jane Goldman, Ashley Edward Miller e Zack Stentz
Distribuição: 20th Century Fox
Elenco: James McAvoy (Professor Charles Xavier), Michael Fassbender (Erik Lensherr/Magneto), Rose Byrne (Moira MacTaggert), Jennifer Lawrence (Raven Darkholme/Mística), January Jones (Emma Frost/ Rainha Branca), Nicholas Hoult (Dr. Hank McCoy/Fera), Jason Flemyng (Azazel), Lucas Till (Alex Summers/Destrutor), Edi Gathegi (Armando Muñoz/Darwin), Kevin Bacon (Dr. Klaus Schmidt/Sebastian Shaw), Caleb Landry Jones (Sean Cassidy/Banshee), Zoe Kravitz (Angel Salvadore) e Álex González (Janos Quested/Maré Selvagem)
Orçamento: 150 milhões de dólares
Receitas: 353,6 milhões de dólares

Uma causa, vários destinos.

Desenvolvimento: Durante a rodagem de X-Men 2 (2003), a produtora Lauren Shuler Donner debatera com a restante equipa a possibilidade de realização de um filme retratando a origem das personagens. A ideia foi bem acolhida e voltaria a ser aflorada aquando das filmagens do terceiro capítulo da saga. Zak Penn, um dos argumentistas de X-Men 3: O Confronto Final (2006), chegou mesmo a ser contratado para escrever e dirigir o spin-off. O projeto seria, contudo, abandonado pouco tempo depois.
   Em 2007, o próprio Zak Penn explicaria o que esteve na origem dessa decisão: "Inicialmente, a ideia consistia em que eu fizesse um filme mostrando os antecedentes da fundação dos X-Men. No entanto, Mike Chamoy, um tipo com quem eu trabalhara muito em X-Men 3, apresentou uma ideia mais interessante: e se fizéssemos um filme sobre a origem das personagens, que não fosse exatamente o que os fãs esperavam?"
  Paralelamente, os estúdios da Fox tinham dado luz verde a um projeto semelhante, mas focado exclusivamente na história de Magneto. Segundo Sheldon Turner, o argumentista contratado para escrever o enredo, este desenrolar-se-ia no período compreendido entre 1939 e 1955, e mostraria a luta pela sobrevivência de Erik Lensherr em Auschwitz. O filme chegou a ter data de estreia marcada para 2009, mas acabaria por sofrer diversos atrasos por causa da greve dos argumentistas que praticamente paralisou Hollywood nos dois anos anteriores.

De indesejado, Matthew Vaughn passou a aclamado.
   Depois de ler o arco de histórias X-Men: First Class (originalmente publicado pela Marvel Comics entre setembro de 2006 e abril de 2007), o produtor Simon Kinberg propôs à Fox que o adaptasse ao cinema. Por considerar que a saga não seguia uma linha narrativa inovadora, Kinberg não desejava que a adaptação lhe fosse demasiado fiel. Tanto ele como Lauren Donner pretendiam introduzir personagens novas, com poderes e visuais diferentes, mesmo que habitualmente não coabitassem nos comics. O avanço do projeto dependeria, porém, do sucesso do filme a solo de Magneto.
   Em 2008, Josh Schwartz aceitou escrever o argumento de X-Men: First Class, embora tenha declinado o convite para assumir também a sua realização. Bryan Singer (cineasta que dirigira as duas primeiras aventuras cinematográficas dos pupilos do Professor X), seria então sondado pela Fox. Apesar de se mostrar recetivo à ideia, Singer deixou claro que pretendia fazer uma abordagem muito diferente à história.
  Com o anúncio oficial do cancelamento do spin-off de Magneto por parte da Fox, o argumento da prequela dos X-Men foi reescrito. Por sugestão de Lauren Donner, o Clube do Inferno foi incluído na nova trama. A qual giraria, também, em torno daquilo que aproximava e afastava Charles Xavier e Erik Lensher, e de como essa dinâmica entre ambos influenciava a causa mutante.
  Tudo parecia bem encaminhado até que, em outubro de 2010, devido ao seu compromisso com a transposição de Jack, o Caçador de Gigantes ao grande ecrã, Bryan Singer desistiu da realização de X-Men: First Class. Manter-se-ia contudo vinculado ao projeto, embora na qualidade de produtor.
  Devido a esta contrariedade, a Fox começou imediatamente à procura de um substituto para Singer. Um dos nomes inicialmente excluídos foi precisamente o de Matthew Vaughn. Cineasta que, anos antes, fora o eleito para dirigir o terceiro filme dos X-Men, mas que preferira assumir a realização do satírico Kick-Ass (2010).
  No entanto, num daqueles volte-faces tão típicos das produções hollywoodescas, Vaughn seria mesmo o escolhido para ocupar a cadeira de realizador de X-Men: First Class. Sob a sua batuta, as filmagens arrancariam em outubro de 2010, nos estúdios Pinewood e em várias cidades da Geórgia. Não sem antes o enredo ter sido novamente reescrito. Um dos elementos removidos foi um triângulo amoroso envolvendo Xavier, Eric e Moira MacTaggert.
  Em retrospeto, Matthew Vaughn avalia assim o seu trabalho na prequela dos X-Men: "A minha principal preocupação foi fazer um bom filme, sólido o suficiente para se impor por si próprio. E que, ao mesmo tempo, servisse para revitalizar a franquia." Objetivo cumprido com distinção, visto que X-Men: First Class, além de um bem-sucedido reboot, foi também o capítulo inicial de uma nova trilogia estrelada pelos Filhos do Átomo.

Diversidade mutante.

Enredo: Em 1944, num campo de concentração nazi localizado algures na Polónia ocupada, o Dr. Klaus Schmidt testemunha o momento em que um pequeno prisioneiro curva mentalmente um portão metálico enquanto é apartado da sua mãe.
  Logo depois, mãe e filho são conduzidos ao gabinete de Schmidt. O nome do garoto é Erik Lensherr e Schimdt ordena-lhe que use as suas habilidades para mover uma moeda pousada sobre a sua secretária. Transido de medo, Erik não consegue atender o pedido  e vê a sua progenitora ser abatida a sangue-frio pelo médico. O choque faz com que os poderes do rapaz se manifestem, matando dois soldados e destruindo o gabinete antes de ser subjugado.
  Enquanto isso, a um continente de distância, numa sumptuosa mansão situada na periferia de Nova Iorque, um menino com dons telepáticos conhece uma pequena transmorfa, cuja verdadeira aparência é azulada e escamosa. Radiante por finalmente encontrar alguém também diferente, o pequeno Charles Xavier (assim se chamava o menino) convida Raven Darkholme a morar com a sua família. A partir desse dia, os dois tornam-se amigos inseparáveis e irmãos adotivos.
  Dezoito anos volvidos, em 1962, Erik Lensherr anda na peugada do assassino da sua mãe, enquanto Charles Xavier conclui o seu percurso académico em Oxford com uma revolucionária tese sobre mutações genéticas. Em Las Vegas, a operacional da CIA Moira MacTaggert segue o Coronel Hendry até ao Clube do Inferno. Grémio elitista e envolto em secretismo presidido por Sebastian Shaw, a nova identidade do Dr. Klaus Schmidt. Do seu  círculo interno fazem também parte Emma Frost (uma poderosa telepata), Azazel (um teleportador de aparência demoníaca) e Maré Selvagem ( mutante capaz de rodopiar o corpo a grande velocidade).
  Coagido por Shaw e teletransportado por Azazel para o Centro de Comando Militar nos arredores de Washington, D.C., Hendry cede os códigos de lançamento dos mísseis nucleares americanos instalados na Turquia. Levado novamente à presença de Shaw (que é, afinal, um mutante absorvedor de energia), é morto por ele.
Sebastian Shaw e Emma Frost: Rei Negro e Rainha Branca do Clube do Inferno.

  Procurando o conhecimento científico de Xavier sobre mutações genéticas, Moira MacTaggert leva-o a participar numa reunião no quartel-general da CIA. Ambos convencem o diretor da agência da existência de mutantes e da ameaça que Sebastian Shaw representa. É então criada a ultrassecreta Divisão X, com a finalidade de recrutar e treinar mutantes.
 Xavier e MacTaggert descobrem o paradeiro de Sebastian Shaw quando este está a ser atacado por Erik Lensherr. O líder do Clube do Inferno logra contudo escapulir-se, enquanto Xavier salva Erik de uma morte por afogamento.
  Persuadido a juntar-se à Divisão X, Erik descobre ter várias afinidades com Xavier e a amizade entre ambos vai-se consolidando à medida que o tempo passa. Os dois travam entretanto conhecimento com Hank McCoy, um jovem cientista mutante com pés preênseis, firmemente convencido de que o ADN de Raven Darkholme poderá conter a cura para a sua deformidade.

Charles Xavier e Erik Lensherr, amigos que o tempo deixou de costas voltadas.

  Xavier utiliza Cérebro, o dispositivo eletrónico concebido por McCoy para detetar Homo Superiores, para recrutar mutantes para a Divisão X. Entre os engajados incluem-se a stripper Angel Salvadore, o taxista Armando Muñoz, o recluso Alex Summers e o presunçoso Sean Cassidy. Uma vez reunidos e treinados, todos eles adotam codinomes.
 Quando, semanas depois, Emma Frost se encontra com um general soviético, Xavier e Erik capturam a concubina de Sebastian Shaw, descobrindo através dela que o vilão pretende deflagrar a III Guerra Mundial, para assim abrir caminho à ascensão do Homo Superior.
  Em retaliação, Sebastian Shaw e alguns dos seus apaniguados invadem a Divisão X, chacinando todos os humanos que encontram pela frente, mas deixando vivos os mutantes. Estes são convidados pelo líder do Clube do Inferno a juntarem-se a ele na nova ordem mundial. No entanto, apenas Angel Salvadore aceita o convite. Quando Sean Cassidy e Armando Munõz procuram impedi-la, o segundo é assassinado por Shaw.
 Com as instalações da Divisão X destruídas, Xavier decide levar os membros remanescentes para a mansão da sua família. Em Moscovo, Shaw compele um general soviético a instalar mísseis nucleares em Cuba. Usando um capacete bloqueador de sondagens telepáticas, o vilão recorre a um submarino para acompanhar o trajeto da frota soviética, por forma a assegurar-se de que esta não será travada pelo bloqueio naval norte-americano entretanto montado no perímetro da ilha.
  Raven, convicta de que McCoy se sentia atraído por ela na sua forma verdadeira, dissuade-o de testar a cura. Mais tarde recorre a múltiplas formas femininas para tentar seduzir Erik, que a faz perceber que ela é naturalmente bonita, dispensando portanto tais ardis.

Mística: sedução e insídia em tons de azul.

  Ao inocular em si mesmo um soro produzido a partir do ADN de Raven, McCoy sofre uma mutação secundária, em consequência da qual adquire um aspeto ferino com uma exuberante penugem azul-cobalto.     A bordo de um sofisticado jato supersónico, o grupo voa até à linha de bloqueio montada pela Armada norte-americana. Erik usa os seus poderes magnéticos para retirar o submarino de Shaw do mar, depositando-o de seguida em terra.
  Durante a refrega que se segue entre os X-Men e os acólitos do Clube do Inferno, Erik consegue arrancar o capacete de Shaw, permitindo dessa forma a Xavier imobilizá-lo psionicamente. Apesar das objeções de Xavier, Erik mata Shaw perfurando-lhe o cérebro com a mesma moeda que o vilão usara para testar as suas habilidades no campo de concentração nazi. Enquanto Shaw agoniza, Erik declara compartilhar da sua visão da supremacia mutante, mas que o desejo de vingar a morte da  mãe se sobrepõe ao ideal em comum.
  Temendo os mutantes, as frotas americana e soviética disparam mísseis sobre eles. Agastado, Erik usa os seus poderes para devolvê-los à procedência. Para tentar detê-lo, Moira MacTaggert abre fogo sobre Erik, mas ele deflete magneticamente as balas, uma das quais atinge acidentalmente a coluna vertebral de Xavier.
  Correndo para socorrer o amigo, Erik permite que os mísseis caiam no mar sem ferirem ninguém. Após uma breve troca de impressões entre ambos acerca das suas visões distintas sobre o papel dos mutantes no mundo, Erik parte, levando consigo Angel Salvadore, Azazel, Maré Selvagem e Mística.
  Agora paraplégico e contando com a  cumplicidade de Moira MacTaggert, Charles Xavier funda uma escola secreta para mutantes. Ao mesmo tempo, longe dali, Erik Lensherr (autodenominando-se Magneto), liberta Emma Frost do seu confinamento.
   
Trailer:




Curiosidades: 

* Na sua preparação para o papel de Charles Xavier, James McAvoy decidiu rapar por completo a cabeça. Os produtores pretendiam, no entanto, que a versão jovem da personagem dispusesse de uma farta cabeleira. Circunstância que obrigou o ator a usar perucas e extensões capilares durante as filmagens;
* Às características de personalidade de Sebastian Shaw na BD, o seu avatar cinematográfico acrescenta as de Josef Mengele, médico nazi que, durante a II Guerra Mundial, se notabilizou pelas suas tenebrosas experiências eugénicas realizadas principalmente em crianças judias;
* Os uniformes azuis e amarelos usados pelos X-Men na película constituem uma homenagem ao guarda-roupa original da equipa nos quadradinhos. De realçar que as partes amarelas dos trajes foram confecionadas com um raríssimo tipo de seda chinesa, o que encareceu significativamente a sua produção;
* Depois de X-Men 2 (2003), este foi o segundo filme dos heróis mutantes em  que Stan Lee não fez um cameo. Motivo: a longa distância que o nonagenário Papa da Marvel teria de percorrer até ao local onde decorriam as gravações (Jekyll Island, ao largo da costa do estado da Geórgia);
* Diversas peças do figurino da Mística usadas por Rebecca Romijn-Stamos na primeira trilogia dos X-Men foram reaproveitadas por Jennifer Lawrence;
* Os pelos azuis que recobrem o corpo do Fera no filme foram feitos a partir da penugem de uma raposa do Ártico;
* A primeira formação de X-Men apresentada no filme surge como um reflexo simbólico do elenco original da equipa na BD. Assim, além do Professor X e do Fera que integraram ambas as versões, temos o Destrutor a fazer as vezes do Ciclope (são irmãos nos quadradinhos); Banshee no lugar do Anjo (ambos voam); Mística no papel de Jean Grey (eram ambas as únicas representantes do sexo feminino nas respetivas equipas); por fim, é possível traçar um paralelismo entre os poderes elementais de Magneto e os do Homem de Gelo;
* O filme recupera um conceito outrora central no Universo Marvel: as mutações genéticas causadas pela radiação. Em anos mais recentes, o fenómeno passou a ser explicado pela bioengenharia ou pela evolução da espécie humana.

O poder de Magneto.

Veredito:  79%


   Depois do passo em falso dado com X-Men 3 - O Confronto Final (filme muito injustiçado pela crítica e pelos fãs, conforme já aqui sustentei), o futuro dos heróis mutantes no grande ecrã tornou-se uma incógnita. Receando virem a perder uma das suas galinhas dos ovos de ouro, a Marvel e a Fox sabiam ser imperativo relançar a franquia. A questão era como fazê-lo. Oscilando entre as hipóteses spin-off ou prequela, a escolha recaiu sobre a segunda. E não poderia ter sido uma opção mais acertada. Tanto mais que, pelo meio, houve um filme a solo do Wolverine que muito deixou a desejar.
  Uma das principais mais-valias do filme reside no facto de ser ambientado na década de 60 do século passado. Época caracterizada pela efervescência social e política (captada, de resto, em vários elementos da trama) e a que remontam as origens dos X-Men (e de uma grande parte de outros notáveis inquilinos da Casa das Ideias). Este registo retro seria suficiente, por si só, para atribuir um toque de charme revivalista à história. Que possui, no entanto, muitos outros pontos fortes.
  Explorando a importância do autoconhecimento e da amizade num mundo que tolera mal a diferença, a narrativa adquire maior intensidade dramática por via do primor das interpretações. Relevando dentre estas a de Michael Fassbender, competentíssimo a suceder a Ian McKellen no papel de Mestre do Magnetismo. Em nenhum outro filme dos X-Men é tão bem retratada a ambiguidade moral daquele que é, indiscutivelmente, um dos melhores supervilões da história da 9ª arte.Conquanto ele não se reveja nesse estatuto.
  Espetaculares, os efeitos visuais empregues na película acabam por ser a cereja em cima do bolo. Do qual ninguém quererá apenas comer uma fatia. Porque - acreditem- é de comer e chorar por mais!
  Mesmo quem não seja  fã de super-heróis (e dos X-Men, em particular) conseguirá decerto identificar-se com algumas das personagens que vão desfiando o seu rosário de dramas e dilemas no ecrã. E que, apesar da sua singularidade cromossomática (ou por causa dela) se assumem como filhas bastardas da humanidade. Aquela que os chamados Homo Superiores tentam a todo custo destruir ou proteger, sendo temidos e odiados em qualquer um dos casos. Convidando assim os espectadores a tomarem partido entre as duas visões antagónicas de uma mesma causa. Xavier ou Magneto? De que lado ficaríamos se tivéssemos nascido com dons extraordinários num mundo que nos olhasse de soslaio? 
 Das cinco longas-metragens dos Filhos do Átomo já produzidas, atribuo a X-Men: First Class (ex aequo com X-Men 2), a medalha de ouro. Se ainda não o viram, tratem de ver, pois não sabem o que estão a perder. Se já o viram, tratem de revê-lo, porque os clássicos devem ser revisitados com regularidade.

    
Xavier ou Magneto? Escolham o vosso lado.

     

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