Qual messias das estrelas moldado pelos ensinamentos paternos, o Último Filho de Krypton foi enviado à Terra para guiar a Humanidade pelos caminhos da Verdade e da Justiça. Mas o Mal amparado pela escuridão tudo fará para extinguir a nova aurora de esperança. Haverá salvação sem o sacrifício do salvador?
Título original: Superman (estilizado Superman: The Movie, para efeitos promocionais)
Ano: 1978
País: EUA / Reino Unido
Duração: 143 minutos (versão clássica)
Género: Drama/ Ação / Fantasia / Super-heróis
Produção: Pierre Spengler, Dovemead, Ltd. e Internacional Film Production
Realização: Richard Donner
Argumento: Mario Puzo, David Newman, Leslie Newman e Robert Benton
Distribuição: Warner Bros. (EUA) e Columbia-Emi (Reino Unido)
Elenco: Christopher Reeve (Kal-El / Clark Kent / Super-Homem); Gene Hackman (Lex Luthor); Margot Kidder (Lois Lane); Marlon Brando (Jor-El); Susannah York (Lara); Glenn Ford (Jonathan Kent); Phyllis Thaxter (Martha Kent); Jackie Cooper (Perry White), Marc McClure (Jimmy Olsen); Ned Beatty (Otis); Valerie Perrine (Eve Teschmacher); Terence Stamp (General Zod); Sarah Douglas (Ursa); Jack O'Halloran (Non)
Orçamento estimado: 55 milhões de dólares
Receitas globais: 300,4 milhões de dólares
Anatomia de um épico
Embora a Warner Bros., por meio de uma série de fusões corporativas, tivesse adquirido a DC Comics em 1969, era praticamente nulo o interesse do estúdio em explorar o principal ativo da sua nova subsidiária. O projeto para uma longa-metragem baseada no Super-Homem começou a ganhar forma no final de 1974. Ano em que os produtores Ilya e Alexander Salkind, num empreendimento conjunto com o seu parceiro de longa data Pierre Spengler, garantiram os direitos da personagem. O negócio só foi no entanto possível mediante a total assunção dos custos de produção por parte dos Salkind. Uma jogada de altíssimo risco, para mais considerando a sua intenção de rodar uma sequela em simultâneo. Em caso de fracasso, o prejuízo seria duplicado.
Contactado por Ilya ao arrepio do pai, Alfred Bester, conceituado escritor de ficção científica, foi a primeira escolha para argumentista. Alexander preferia contudo um nome mais sonante para credibilizar a produção. Nesse sentido, contratou ninguém menos do que Mario Puzo, autor da saga O Padrinho. Os 600 mil dólares pagos pelos serviços plumitivos de Puzo foram o primeiro investimento avultado daquela que seria a mãe de todas as megaproduções hollywoodescas.
Ilya e Alexander Salkind apostaram todas as fichas no Homem de Aço. |
Paralelamente, decorriam negociações com um naipe de cineastas consagrados. George Lucas, Steven Spielberg, Richard Lester (que dirigiria Superman II e Superman III) e Francis Ford Coppola foram alguns dos mestres da 7ª Arte abordados. Depois de Tubarão ter abocanhado as bilheteiras, a escolha acabou por incidir sobre Spielberg. Porém, o seu compromisso com outro projeto - Encontros Imediatos do Terceiro Grau - impediram-no de aceitar a oferta.
Guy Hamilton, veterano realizador britânico com vários capítulos da saga de 007 no currículo, foi o senhor que se seguiu. A sua contratação precedeu num par de semanas o anúncio de que Marlon Brando, após as recusas de Christopher Lee e Paul Newman, interpretaria Jor-El, a troco de 3,6 milhões de dólares e 11,75% das receitas brutas de bilheteira - cifras astronómicas que faziam dele o ator mais caro de sempre. Não obstante, Brando fez depender a sua participação na produção da condição de que todas as suas cenas fossem gravadas em doze dias.
Já com Gene Hackman confirmado no papel de Lex Luthor (rejeitado, entre outros, por Dustin Hoffman e Jack Nicholson), os Salkind contrataram Robert Benton e David Newman para reescrever o argumento de Puzo, considerado demasiado extenso. Brenton abraçaria entretanto outro desafio profissional, passando Newman a ser assessorado nessa tarefa pela sua esposa, Leslie.
Apesar de imbuído de uma sensibilidade moderna, o primeiro rascunho do casal Newman tinha um tom cómico, muito próximo do da série televisiva do Batman com Adam West. Enquanto os Salkind sopesavam os prós e os contras dessa abordagem mais ligeira, a produção sofreu o primeiro de muitos reveses. Guy Hamilton comunicou a sua saída, depois de tomar conhecimento de que parte das filmagens - originalmente programadas para Roma - iriam ter lugar em Terras de Sua Majestade. Onde Hamilton, por conta do seu estatuto de exilado fiscal, estava autorizado a permanecer apenas alguns dias.
Nesse mesmo dia, Alexander Salkind telefonou pessoalmente a Richard Donner, cujo último filme (The Omen) se transformara num clássico instantâneo do cinema de terror, oferecendo-lhe um milhão de dólares para ocupar a cadeira vaga de realizador. Donner aceitou, mas declarou-se descontente com o guião existente e fez da verosimilhança o princípio cardeal da sua abordagem. Em razão disso, o seu primeiro ato diretivo consistiu na contratação de Tom Mankiewicz para reescrever o enredo. Apesar de o ter feito de forma substancial, Mankiewicz seria apenas creditado como consultor criativo, o que desgostou profundamente Donner.
Richard Donner trouxe uma nova visão ao projeto. |
Antes de Donner subir ao leme do que parecia um navio a navegar à bolina, tinha sido definido que o papel principal seria entregue a um astro de primeira grandeza. Entre os candidatos mais cotados estavam Robert Redford, James Caan, Burt Reynolds, Warren Beatty e Nick Nolte. Ainda a usar a coroa de louros de Rocky Balboa, Sylvester Stallone manifestou grande interesse em emprestar o corpo ao Homem de Aço, mas o seu nome foi inapelavelmente vetado por Brando - a quem fora concedido poder decisório na escalação do elenco.
Donner, ao invés, preferia apostar num ator desconhecido para viver o Super-Homem. Segundo ele, isso faria com que o público visse o herói, e não o ator que lhe vestia a pele. Já com duas centenas de atores testados, a diretora de elenco, Lynn Stalmaster, sugeriu Christopher Reeve. Mais habituado a pisar os palcos do que a enfrentar as câmaras, Reeve era um ator teatral de apenas 26 anos, contratado para ler as falas de Clark Kent e do Super-Homem durante as audições para Lois Lane.
Apesar do seu 1,93m e do sorriso caloroso, Reeve era demasiado magro para o papel. Donner sugeriu-lhe então que usasse um traje com músculos falsos, mas o ator recusou, por considerar que isso seria desrespeitoso para a personagem. Em vez disso, submeteu-se a um rigoroso programa de preparação física ministrado por David Prowse (o fisiculturista que encarnou Darth Vader em Star Wars), que lhe acrescentou 13 kg de massa muscular em apenas três meses.
Pela sua participação em Superman e Superman II, Reeve recebeu uns módicos 150 mil dólares. Consciente da enorme discrepância salarial relativamente a Marlon Brando e Gene Hackman (cujos nomes, ademais, precederam o seu no genérico de abertura), ainda assim Reeve aceitou o papel, confiante de que ele lhe abriria muitas portas no futuro.
A incrível transformação física de Christopher Reeve para o papel que o imortalizaria. |
Encontrado finalmente o protagonista que envergaria o manto sagrado, a fotografia principal daquele que muitos consideravam ser o filme do século - mais que não seja, pelo orçamento sem precedentes - começou em março de 1977, nos britânicos Pinewood Studios. A rodagem ficaria, todavia, marcada por atrasos (os 7 meses previstos quase foram multiplicados por 3), derrapagens orçamentais e tensões criativas entre Donner e os produtores - culminando no despedimento do realizador quando este já tinha filmado 75% de Superman II.
Em virtude dos percalços e ânimos nublados, o lançamento de Superman - originalmente programado para junho de 1978, coincidindo com o 40º aniversário de Action Comics #1 - foi protelado para dezembro desse ano. Com a presença de Richard Donner e de vários representantes do elenco, a estreia teve lugar no Uptown Theater, em Washington D.C., e contou ainda com dois convidados especiais: Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Super-Homem (que, ao que consta, ficaram maravilhados com o que viram).
Treze semanas consecutivas na liderança do box office fizeram de Superman o filme mais rentável de sempre da Warner Bros, - e, à época, o sexto mais rentável da história do cinema. Ao sucesso comercial somou o reconhecimento da crítica, materializado no Óscar especial para Melhores Efeitos Visuais e nas três indicações em outras tantas categorias técnicas: Melhor Edição. Melhor Banda Sonora e Melhor Som. Mas, acima de tudo, o filme marcou toda uma geração ao fazê-la acreditar que um homem podia voar.
Mais do que um slogan, "Você acreditará que um homem pode voar" era um manifesto de verosimilhança. |
Enredo
No moribundo planeta Krypton, tem lugar o julgamento de três criminosos acusados de sedição. Com base nas provas apresentadas por Jor-El, o Conselho condena-os, por unanimidade, ao exílio perpétuo na Zona Fantasma. A partida do General Zod e seus cúmplices para esse degredo incorpóreo é acompanhada por juras de vingança contra o seu carcereiro.
A despeito de ser um dos mais prestigiados cientistas kryptonianos, Jor-El falha em persuadir os seus pares da iminente destruição do planeta. Segundo os seus cálculos, o cataclismo ocorrerá quando Rao, o sol vermelho em torno do qual Krypton orbita, se transformar numa supernova.
Depois de prometer que nem ele nem a sua esposa, Lara, abandonarão Krypton, Jor-El empreende os preparativos para salvar Kal-El, o único filho do casal. Apesar das reservas de Lara, o bebé é enviado para a Terra, onde a sua densa estrutura molecular combinada com a radiação de um sol amarelo lhe proporcionarão poderes divinos.
Tão-logo a nave é lançada, Rao entra em erupção e Krypton explode em mil pedaços. Num trágico instante, é extinta uma das mais avançadas civilizações do Universo.
Jor-El e Lara prestes a enviarem o filho para um mundo estranho. |
Culminando uma longa jornada pelas estrelas, a nave contendo o Último Filho de Krypton despenha-se nos arredores de Smallville, Kansas. Kal-El é encontrado por Jonathan e Martha Kent, um humilde casal de agricultores que resolvem criá-lo como seu filho. Rapidamente percebem, no entanto, que o menino é especial, e Martha batiza-o de Clark, o seu apelido de solteira.
Aos 18 anos, logo após Jonathan Kent ter sucumbido a um ataque cardíaco fulminante, Clark ouve um chamado psíquico durante a noite. Ao raiar da alvorada, descobre um cristal brilhante entre os destroços da nave que o trouxera à Terra. Impelido por uma força misteriosa, o jovem viaja até ao Ártico, onde o cristal constrói uma estrutura alienígena. No interior da Fortaleza da Solidão, um holograma de Jor-El revela as verdadeiras origem e missão de Kal-El.
Ao longo dos 12 anos seguintes, Kal-El é moldado pelos ensinamentos paternos, aprendendo tudo sobre as culturas kryptoniana e terrestre, bem como sobre os seus poderes e responsabilidades para com a Humanidade - que Jor-El acredita possuir um grande potencial para o Bem. Terminada a sua educação, Kal-El abandona a Fortaleza da Solidão envergando um traje azul e vermelho adornado pelo brasão familiar da Casa de El.
Em Metrópolis, Clark Kent consegue emprego como repórter do Daily Planet, o jornal mais importante da Cidade do Amanhã. Enquanto mantém o seu insuspeito disfarce, Clark desenvolve uma atração romântica, não correspondida, pela sua colega Lois Lane. Quando esta se envolve num aparatoso acidente de helicóptero em que os meios de resgate convencionais são inúteis, Clark é obrigado a usar pela primeira vez os seus poderes em público para salvá-la.
Após o seu primeiro dia no Daily Planet, Clark Kent salva Lois Lane como Super-Homem. |
Ainda nessa noite, a nova Maravilha de Metrópolis frustra um assalto, captura ladrões em fuga à polícia, resgata um gato do cimo de uma árvore e evita a queda do Força Aérea 1, depois de um dos motores da aeronave ter sido destruído por um relâmpago.
Com as proezas do misterioso homem voador a rondarem os noticiários internacionais, no dia seguinte Lois recebe uma nota anónima a combinar um encontro em sua casa nessa noite. Após conceder-lhe uma entrevista exclusiva, o herói leva Lois num passeio intimista pelos céus da cidade. Arrebatada pela experiência, a jornalista batiza-o de Super-Homem no seu artigo.
Enquanto isso, Lex Luthor, um génio do crime com um ego pantagruélico, gizou um audacioso golpe imobiliário que fará dele um dos homens mais ricos do mundo. O plano consiste em comprar grandes quantidades de terras desérticas a baixo preço antes de afundar a Costa Oeste, levando a uma enorme valorização das mesmas. Assistido por Otis e Eve Teschmacher, Luthor consegue sabotar o lançamento de dois mísseis termonucleares, redirecionando-os para a Falha de Santo André, na Califórnia.
Ciente de que o Super-Homem poderia frustrar-lhe os planos, Luthor atrai-o até ao seu covil subterrâneo, onde o expõe a um fragmento de kryptonita. À medida que o herói enfraquece devido aos efeitos daquele pequeno resquício do seu planeta natal, Luthor informa-o de que o primeiro míssil é apenas um engodo. O seu verdadeiro alvo é Hackensack, na Nova Jérsia. Afinal, nem mesmo o Super-Homem consegue estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Luthor descobriu a fraqueza mortal do Homem de Aço. |
Eve Teschmacher fica horrorizada porque a sua mãe vive em Hackensack, mas Luthor não se importa e deixa o Super-Homem para uma morte lenta. Sabendo que o herói mantém sempre a sua palavra, a concubina de Luthor resgata-o da piscina onde ele se afogava, com a condição de ele neutralizar primeiro o míssil com destino a Nova Jérsia.
Enquanto o Super-Homem interceta e desvia o primeiro míssil para o espaço sideral, o segundo explode nas proximidades da Falha de Santo André. Ato contínuo, sismos devastadores irrompem por toda a Califórnia. Num labor titânico, a evocar o próprio Atlas, o Homem de Aço consegue selar a Falha, mitigando desse modo os efeitos da detonação nuclear.
Longe dali, o carro de Lois - que investigava os bizarros negócios imobiliários na região - é engolido por uma fenda aberta pelas réplicas do sismo. Ao chegar ao local, o Super-Homem depara-se com o corpo inerte de Lois. Furioso por não ter conseguido salvá-la, o Último Filho de Krypton desafia a proibição de Jor-El de interferir na História da Humanidade. Voando ao redor da Terra a supervelocidade, o angustiado herói consegue retroceder vários minutos no tempo, revertendo os danos causados pela explosão e a morte de Lois.
Com a Costa Oeste reconstruída e a sua amada a salvo, o Super-Homem entrega Luthor e Otis na penitenciária, antes de partir para um passeio orbital. Enquanto o Sol desponta no horizonte, o sorriso rasgado do herói promete um amanhecer repleto de esperança e novas aventuras.
Trailer
Curiosidades
*O blackout que, em julho de 1977, deixou Nova Iorque às escuras durante dois dias coincidiu com a rodagem de Superman na Grande Maçã. Richard Donner recordava com humor como alguns amigos acreditavam ter sido ele o causador do apagão, devido à panóplia de equipamentos que usava na noite em que tudo começou;
*Apesar do cachê milionário (14 milhões de dólares por menos de 10 minutos de ecrã), Marlon Brando recusou memorizar a maior parte das suas falas. Na cena em que Jor-El coloca Kal-El na cápsula de fuga, por exemplo, Brando estava a ler as suas linhas de diálogo escritas na fralda do bebé. O ator, cuja abordagem displicente ao papel mereceu duras críticas por parte dos seus colegas, justificou-se dizendo que essa era a única maneira de garantir a frescura da sua interpretação;
*O S estilizado que adorna os paramentos de Jor-El invoca aquele que o Homem de Aço de George Reeves ostentava no peito, em Adventures of Superman (1952-59). Marlon Brando sugeriu convertê-lo numa espécie de brasão familiar, explicando assim o motivo de Kal-El adotar esse símbolo na Terra. Richard Donner aprovou a ideia e, desde então, esse elemento foi incorporado tanto no cânone do Último Filho de Krypton como em adaptações subsequentes;
*O efeito luminoso das vestes kryptonianas - originalmente cinzentas - foi obtido com recurso ao mesmo material refletor utilizado nas placas de trânsito e restante sinalética rodoviária. A ideia surgiu durante os testes iniciais para as sequências envolvendo efeitos visuais;
O traje de Jor-El era originalmente cinzento. |
*Com apenas seis meses de vida, Elizabeth Sweetman foi a primeira bebé a interpretar Kal-El, na cena ambientada em Krypton. Por quatro dias de trabalho, a menina recebeu 120 dólares;
*Gene Hackman mostrou-se inicialmente renitente em cortar o seu icónico bigode. Para convencê-lo, no primeiro dia de filmagens Richard Donner disse-lhe que cortaria também o seu. Hackman assentiu, ignorando que o realizador usava um bigode postiço. Passado o choque inicial, Hackman soltou uma gargalhada e os dois estabeleceram uma excelente relação profissional. Essa foi, no entanto, a única concessão capilar do ator. Face à sua recusa em rapar a cabeça, na única cena em que Luthor surge calvo Hackman usou uma touca cor de pele;
*Carrie Fisher, Natalie Wood, Shirley MacLaine, Liza Minnelli e Barbra Streisand foram algumas das atrizes cogitadas para o papel de Lois Lane. Apesar de não estar minimamente familiarizada com a mitologia do Super-Homem, Margot Kidder foi a eleita, por ter sido a única a rir-se com a pergunta de Lois que faz corar o herói durante a entrevista no terraço: "Qual a cor da minha roupa interior?". Kidder insistiu em gravar ela própria a perigosa cena em que o carro de Lois é engolido por uma cratera;
*Jeff East, que interpretou a versão adolescente de Clark Kent, quase foi abalroado no momento em que salta à frente de um comboio a grande velocidade. Valeu-lhe a intervenção providencial do duplo Richard Hackman - irmão mais novo de Gene Hackman -, que o agarrou a tempo de evitar a tragédia. East rasgou vários músculos da coxa durante a rodagem da cena;
*Kirk Alyn e Noel Neill, os primeiros atores a viverem o Super-Homem e Lois Lane no cinema, tiveram uma pequena participação na película. São eles os pais da pequena Lois, quando esta jura ter visto um homem a correr ao lado do comboio em que viajam. Neill voltaria a fazer um cameo em Superman Returns (2006), o último capítulo da franquia;
Noel Neill e Kirk Alyn em Superman (1948). |
*Parada de estrelas raramente vista, o elenco principal de Superman incluía dois atores oscarizados (Marlon Brando e Gene Hackman) e seis nomeados à estatueta dourada: Ned Beatty, Jackie Cooper, Susannah York, Valerie Perrine e Terence Stamp;
*Sem aviso prévio, ao filmar a cena em que o Super-Homem voa pela primeira vez para fora da Fortaleza da Solidão, Christopher Reeve - um experimentado piloto de planadores - inclinou o corpo para descrever a curva no ar. A manobra arrancou aplausos a Richard Donner e todos perceberam finalmente que o movimento corporal era a chave para conferir realismo às sequências de voo;
*Além de interpretar Clark Kent e Super-Homem, Christopher Reeve também emprestou a sua voz ao controlador de tráfego aéreo nas cenas envolvendo o helicóptero e o Força Aérea 1;
*Foram necessários seis meses para filmar a cena do helicóptero no topo do Daily Planet. O edifício-sede da Pan Am fora o primeiro cenário escolhido, mas um trágico acidente ocorrido poucos meses antes e do qual resultou a morte de vários passageiros, levou a produção a escolher outra localização;
*Nem visão de calor nem sopro congelante. Em momento algum do filme o Super-Homem faz uso desses seus poderes;
*Durante a sua entrevista com Lois Lane, o Super-Homem garante nunca mentir. Essa declaração é, por si só, uma falácia, posto que o herói leva uma vida dupla. Tratou-se, com efeito, de um artifício narrativo para que o herói se sentisse compelido a cumprir a promessa feita a Eve Teschmacher de salvar a sua mãe mãe em primeiro lugar;
No cinema como na BD, o Super-Homem é um exemplo de duplicidade. |
*Na versão original do argumento, Superman terminava com o herói a salvar a Califórnia selando a Falha de Santo André, antes de desviar o segundo míssil para o espaço. Da explosão resultaria a libertação de Zod e seus aliados da Zona Fantasma, fornecendo o mote para o segundo filme. A ideia de recuar no tempo foi inicialmente concebida para apagar da memória de Lois Lane a verdadeira identidade do Homem de Aço em Superman II (1980);
*Em 2007, a Visual Effects Society classificou Superman como o 44º filme com melhores efeitos visuais de todos os tempos. No ano seguinte, a revista Empire atribuiu-lhe o 174º lugar na sua lista dos 500 melhores filmes de sempre. Pela sua importância histórica e cultural, em 2017 Superman foi selecionado para preservação pela Biblioteca do Congresso dos EUA, tornando-se a primeira película de super-heróis a merecer tal honra.
Um legado para a eternidade. |
Veredito: 95%
Superman não foi o primeiro filme de super-heróis (essa honra, pertenceu, em 1951, a Superman and the Mole Men), mas foi o primeiro a levar-se a sério. Entre os seus muitos méritos, ressalta o seu significativo contributo para a legitimação de um subgénero até então desprezado por Hollywood.
Graças ao visionarismo reverente de Richard Donner e ao insuperável carisma de Christopher Reeve, a película captura na perfeição o espírito da personagem - e dos comics em geral - , proporcionando uma experiência arrebatadora ao som da partitura épica de John Williams.
A trama principal e toda a iconografia de Superman podem ser interpretadas como uma reconfiguração moderna da história de Jesus Cristo, acrescentando-lhe influências de heróis clássicos como Hércules ou Atlas. É aliás particularmente interessante observar como essa correlação com a mitologia cristã está tão presente numa produção baseada na criação de dois judeus.
Senão vejamos: como Jesus, Kal-El é enviado pelo seu pai celestial para guiar a Humanidade pelos caminhos da Verdade e da Justiça. O próprio nome kryptoniano do herói denuncia essa vertente messiânica, visto tratar-se de uma palavra hebraica traduzível como "voz de Deus". Também a nave que traz o Último Filho de Krypton à Terra invoca a Estrela de Belém, ao passo que Jonathan e Martha Kent invocam claramente José e Maria.
Mas os paralelismos não se quedam por aí. Na juventude, Kal-El - obrigado a viver como um de nós, embora ciente da sua diferença - é, tal como Jesus, um desajustado social. Por isso, parte à procura do seu verdadeiro pai, na esperança de descobrir a sua origem e missão na Terra. Qual Messias, apresenta-se ao mundo realizando milagres. Mas nem todos são tocados pela sua mensagem de esperança.
Considerando que Lex Luthor deseja estabelecer o seu próprio império, a sua contenda com o Super-Homem afigura-se como uma alegoria para a luta de Jesus contra o Império Romano. Por outro lado, ao ser representado como um génio maligno que, a partir do seu covil subterrâneo, conspira para conquistar o mundo da superfície, Luthor poderá igualmente ser percecionado como uma figuração de Satanás - sendo Zod, o rebelde expulso de Krypton, outro candidato a essa função simbólica.
Tantas vezes apontado como um dos pontos fracos do enredo, o mirabolante plano de Luthor referencia no entanto a sua primeira aparição - em Superman #4 (março de 1940) - , na qual o vilão induz terramotos com um máquina por ele inventada. De igual modo, a caracterização de Luthor, muito diferente do seu ethos contemporâneo, replica fielmente o seu modus operandi durante a Idade de Prata.
Por fim, refletindo o calvário de Jesus, o Super-Homem sofre às mãos dos humanos antes de ser finalmente reconhecido como salvador do mundo. A kryptonita é a sua Via Sacra, a esperança que infunde nos corações dos homens, a sua coroa de glória.
Não sendo perfeito nem imune aos efeitos da passagem do tempo, Superman continua a ser a melhor adaptação do Homem de Aço ao grande ecrã e um marco importantíssimo na história do cinema. Uma obra-prima muito à frente do seu tempo, que fez sonhar toda uma geração, e que iluminou o caminho para outras produções do género. Sem esta potente locomotiva, o comboio dos super-heróis nunca teria chegado à Terra dos Sonhos.
O Messias das Estrelas trouxe uma mensagem de esperança. |
* Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
Mais um caudal informativo que confere ao tempo investido em sua leitura uma aquisição de riqueza intelectual. Toda obra-prima tem suas curiosidades. Entre as muitas do filme de 1978, fico imaginando quais foram as partes que Mario Puzo roteirizou e que foram reescritas... Ontem, por causa de um desafio no HEROILOGIA, revi um filme em que atuava a Sarah Douglas (A Volta do Monstro do Pântano, um trashão daqueles), que em Superman faz a Ursa. Um rosto altamente marcante. E escapamos de coisas que não dariam certo: amo o trabalho do versátil e talentosíssimo Christopher Lee, mas não consigo imaginá-lo como Jor-El. Curiosamente, Jack Nicholson perde a chance de ser o arqui-inimigo do Superman para ser o nêmesis do Batman, anos depois! Coisas da vida! Excelente texto, como sempre!
ResponderEliminarSou dos privilegiados que assistiu ao Superman na telona, sentindo o corpo vibrar naquela abertura ao som de John Williams. Preciso dizer que nunca aderi à ideia de que "o homem pode voar", pois o SH não era um terráqueo. Mas foi depois do filme que comecei a criar super heróis e histórias em quadrinhos, e logicamente um deles foi fortemente "inspirado" no kryptoniano. Igualmente, esforcei-me em possuir algum objeto verde translúcido para imaginar que era um fragmento de kryptonita. Até hoje, a tampa de um certo perfume faz as vezes. E se até então eu me satisfazia com os "gibis", depois do filme quis o álbum de figurinhas, os "hominhos", e assisti como nunca ao desenho dos Superamigos, a partir de então enxergando o SH mais real, mais concretamente. Enfim, um filme divisor de águas, que preparou para sua continuação, o meu preferido.
ResponderEliminarQuanto ao texto do blog, como sempre uma imersão no passado, muito bem fundamentada. As nuances da trajetória do filme faz lembrar a série de Marvel, pois nos perguntamos a todo momento "O que teria acontecido se...". Se outro ator tivesse feito tal papel, se outro diretor tivesse aceito a empreitada, e assim por diante. A sequência de fatos que redundou num filme tão emblemático é de confundir até o Dr. Manhattan, que indagou sobre o milagre da vida em Marte. Já nós, leitores, sentimo-nos como Uatu, apenas observando, sem poder alterar nada, mesmo sentindo alguma tensão, pois tudo já aconteceu. E, se somos Vigias, o autor do texto só pode ser o "One above us", com sua pesquisa profunda e conhecimento muito acima da média.
José de Arimathéia
Maravilha de texto! Sempre se aprende com o Ricardo Cardoso! De fato, um filme que marcou época e não envelheceu! As curiosidades de bastidores, a comparação de Kal-El com Jesus Cristo, tudo impecável. Parabéns de novo!
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