Dizem que tem a força de dez tigres; que marca para sempre os seus inimigos; que não pode morrer nem ser morto. Temida e reverenciada, a lenda do Espírito-Que-Anda nasceu nas misteriosas selvas de Bangalla, cresceu com os séculos e assombra o mundo inteiro.
Denominação original: The Phantom
Licenciador: King Features Syndicate
Criador: Lee Falk
Estreia: The Singh Brotherhood (tira diária cujo capítulo inicial foi publicado a 17 de fevereiro de 1936)
Identidade civil: Christopher "Kit" Walker
Espécie: Humano
Local de nascimento: Caverna da Caveira, nas profundezas da Floresta Negra de Bangalla.
Parentes conhecidos: Christopher Walker (pai, falecido); Maude Thorne McPatrick (mãe, falecida); Diana Palmer (esposa); Kit e Heloise Walker (filhos); Rex King (filho adotivo); todos os anteriores Fantasmas (antepassados).
Ocupação: Guardião da Floresta Negra e comandante-em-chefe da Patrulha da Selva.
Base operacional: Caverna da Caveira
Afiliações: Patrulha da Selva
Némesis: Irmandade Singh
Poderes e parafernália: Dizem que tem a força de dez tigres; que tem mil olhos e tudo vê; que vive há mais de 400 anos. Por mais exagerados que sejam os rumores relacionados com os pretensos poderes sobrenaturais do Fantasma, nem por isso ele deixa de ser um oponente temível para quem incorre na sua fúria.
Todas as encarnações do Espírito-Que-Anda são treinadas desde tenra idade numa ampla variedade de técnicas de sobrevivência e em modalidades olímpicas tão diversificadas como natação, halterofilismo ou salto em comprimento e altura. Em resultado dessa rigorosíssima preparação física, cada Fantasma possui força, velocidade, agilidade e resistência superiores às de um ser humano comum. Complementarmente, todos os Fantasmas recebem treino intensivo no manuseio de diferentes tipos de armamento. Ainda que sejam tradicionalmente exímios espadachins, é nas pistolas que têm as suas armas de eleição. Segundo um velho ditado da selva, o Fantasma atira mais rápido do que os olhos conseguem acompanhar e nunca erra o alvo. Salvo, porém, em situações de legítima defesa, o seu restrito código de ética proíbe-o de empregar força letal. Em vez disso, o Fantasma prefere fazer uso da sua pontaria afinada para desarmar os seus atacantes.
No cinturão de couro herdado dos seus antepassados, o atual Fantasma carrega um par de pistolas semiautomáticas M1911, calibre .45 e de fabrico americano. Em alternativa, pode recorrer ao punhal que traz escondido nas botas de cano alto. Na maioria das situações, depende no entanto apenas da sua força e astúcia.
"Nunca apontes uma arma ao Fantasma." (Velho ditado da selva) |
Apesar de o Fantasma possuir uma mente arguta, é o seu poderio físico que mais atemoriza os malfeitores. Quando em combate, ele nunca pára, nunca abranda, cada movimento encadeado com o seguinte, numa aterradora erupção de violência. Os seus punhos são demolidores, os seus reflexos felinos, o seu vigor inesgotável.
Dono de um físico imponente e de uma voz de trovão capaz de gelar o sangue nas veias, o Fantasma, à luz do dia ou na escuridão da noite, é sempre uma presença intimidante. As suas aparições provocam arrepios glaciares mesmo aos mais embrutecidos. Quando ele fala, é sábio ouvi-lo. Quando ele pergunta, é ainda mais sábio responder-lhe sem rodeios.
Passados de pai para filho, os dois anéis de sinete usados pelo Fantasma desempenham funções díspares e possuem origens tão enigmáticas como o seu usuário. Na mão esquerda, mais próxima do coração, o herói usa um anel com quatro sabres cruzados, a chamada Marca do Bem. É com ela que o Espírito-Que-Anda assinala os povos e territórios sob sua proteção. Reza a lenda que a joia terá sido criada depois de o 6º Fantasma ter fundado a Patrulha da Selva (ver Miscelânea). Na mão direita, a sua preferida para esmurrar, o Fantasma usa um anel com a efígie de uma caveira humana, a infame Marca do Mal. Quem a tem tatuada na pele é seguramente um facínora da pior espécie.
As marcas do Fantasma. |
Na versão original, narrada nas tiras assinadas por Lee Falk, o anel da caveira é feito de ouro e foi uma oferenda de chefes tribais ao primeiro Fantasma em reconhecimento pela paz e justiça que ele trouxera à selva. Outra versão, apresentada nas histórias atuais do herói produzidas na Escandinávia, afirma que a joia terá tido como proprietário original o imperador romano Nero antes de Paracelso, alquimista suíço do século XVI, a ter ofertado ao primeiro Fantasma. Envoltos numa aura de mistério e misticismo, aos anéis são atribuídos poderes sobrenaturais pelos nativos de Bangalla.
Fundamentais para a missão predestinada de cada Fantasma são também os ensinamentos dos seus ancestrais, compilados sob a forma de crónicas arquivadas na biblioteca da Caverna da Caveira. Um imenso repositório de informação e saber acumulados ao longo de séculos, apenas acessível ao mais recente herdeiro da linhagem.
Na sua eterna cruzada contra o Mal, o atual Fantasma conta com a preciosa ajuda de dois escudeiros quadrúpedes: Diabo, um lobo cinzento frequentemente confundido com um cão, e Herói, um magnífico garanhão branco que lhe serve de montaria. Aos Bandar, agora chefiados por Guran, amigo de infância de Kit Walker, compete zelar pela segurança da família do Espírito-Que-Anda durante as suas ausências.
Sempre que o perigo ronda a Floresta Negra, tambores frenéticos convocam o Espírito-Que-Anda. Porque a lei na selva é a lei do Fantasma.
O Fantasma e as suas mascotes em patrulha na selva. |
Fraquezas: À semelhança de qualquer outra figura mítica, é na superstição que o Fantasma tem a verdadeira fonte do seu poder. A sua temível reputação assenta, em primeiro lugar, na crença enraizada de que ele é um espírito imortal. Se o soubessem humano, os seus inimigos passariam decerto a temê-lo menos.
Para preservar a lenda que o rodeia, o Fantasma desafia constantemente a morte executando ações tão temerárias quanto perigosas. Saltar de penhascos, lutar com tigres ou nadar com tubarões são alguns exemplos. Tratando-se de um homem de carne e osso, essas situações podem facilmente ter um desfecho trágico. Ademais, como sucede em qualquer linhagem, existe o risco real de o Fantasma perecer antes de assegurar descendência, comprometendo irremediavelmente o futuro daquela que é uma das mais longevas dinastias da História.
O Fantasma já enfrentou tigres de mãos desnudas. |
Ícone global
Quase tão antiga como a dúvida acerca do ovo e da galinha é a discussão sobre quem foi, afinal, o primeiro super-herói. A generalidade dos historiadores atribui esse estatuto ao Super-Homem que, como é consabido, foi apresentado ao mundo em junho de 1938, no número inaugural de Action Comics. É facto inconteste que Kal-El foi o primeiro justiceiro fantasiado com poderes semidivinos. Mas não foi ele que prenunciou um figurino que se tornaria moda nos anos imediatos. Essa honra reverte para outra personagem que marcou de forma indelével a cultura popular: o Fantasma.
Dois anos antes de o Homem de Aço colocar a sua capa de campeão dos fracos e oprimidos, já o Fantasma usava um uniforme justo e uma mascarilha para servir justiça nas exóticas selvas de Bangalla. Foi também ele o primeiro herói dos quadradinhos a ter um alter ego, um símbolo estilizado e um esconderijo secreto. Apesar da ausência de superpoderes, não há como negar que o Fantasma introduziu vários elementos definidores do conceito de super-herói. A grande diferença é que ele não teve origem nos comics.
Desde o final do século XIX que as tiras de quadradinhos marcavam presença nos jornais norte-americanos. Com a criação dos syndicates - agências de produção e distribuição desse tipo de material - , elas popularizaram-se ainda mais, sendo apreciadas, em igual medida, por miúdos e graúdos. No início dos anos 30, esse apetecível mercado era dominado pela rivalidade entre a King Features Syndicate e a John F. Dille Company.
Na esteira do notável sucesso da tira Mandrake, the Magician - desenvolvida um par de anos antes por Lee Falk - , em 1936 a King Features Syndicate pediu ao autor que criasse uma segunda personagem para ser publicada naquele formato. Fascinado desde os seus tempos de meninice por mitos e lendas, bem como por figuras romanescas emanadas da literatura do início do século XX, Falk propôs inicialmente revisitar as aventuras do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Quando a King Features Syndicate rejeitou a ideia, Falk resolveu criar um justiceiro mascarado ao estilo de Zorro, um dos seus ídolos de infância.
Lee Falk (1911-1999) deu ao mundo dois dos seus maiores heróis. |
Na conceção do novo herói, Falk incorporou também elementos de Tarzan, Robin Hood e do Livro da Selva, de Rudyard Kipling. Após alguma hesitação relativamente ao nome, decidiu-se simplesmente por The Phantom. Considerando existirem já demasiadas personagens com The Phantom no nome (The Phantom Detective, The Phantom of the Opera, etc.), Falk considerara previamente batizar a sua nova criação de The Grey Ghost (O Fantasma Cinzento).
Falk começou por idealizar o Fantasma como um vigilante urbano de hábitos noctívagos a que Jimmy Wells, um playboy milionário (soa-vos familiar?), serviria de identidade civil. Enquanto escrevia a sua primeira história - The Singh Brotherhood - Falk teve no entanto uma ideia melhor. De uma penada, transplantou a ação para a selva e estruturou a história do Fantasma como uma saga familiar. Aos olhos das supersticiosas tribos locais, ele era o Espírito-Que-Anda, um ser sobrenatural que não podia morrer nem ser morto. Mas, na verdade, o Fantasma era o 21º representante de uma linhagem de vingadores mascarados, fundada séculos atrás na Floresta Negra de Bangalla. De geografia imprecisa, esta nação imaginária ficava inicialmente localizada na Ásia - algures no golfo de Bengala - sendo posteriormente deslocada para a costa oriental africana.
Quando, a 17 de janeiro de 1936, fez a sua estreia no New York Journal American, o Fantasma surpreendeu os leitores com o seu visual extravagante, em que sobressaía a máscara sem pupilas visíveis. Uma ideia que Lee Falk retirara dos bustos gregos para lhe conferir uma aparência mais inumana, ignorando que as pupilas eram pintadas mas acabavam por ser apagadas pela erosão do tempo. De todo o modo, essa continua a ser ainda hoje uma das imagens de marca de qualquer super-herói que se preze.
A máscara do Fantasma tornou-se icónica. |
Superando as melhores expectativas da King Features Syndicate, o sucesso do Fantasma rapidamente extravasaria fronteiras, tornando-se um fenómeno de popularidade à escala planetária. No seu auge, por volta de 1966, as tiras do Fantasma, à época ilustradas por Sy Berry, eram publicadas diariamente em 600 jornais de todo o mundo, atingindo dessa forma uma audiência estimada em mais de 100 milhões de leitores.
Por razões de ordem diversa - que iam desde preferências cromáticas a (im)possibilidades gráficas - o roxo oficial do uniforme do Fantasma (que o próprio Falk relutou em reconhecer) deu lugar a outras cores em alguns dos países onde o herói granjeou mais admiradores. Se no Brasil e na Itália se privilegiou o vermelho, nas nações escandinavas foi o azul a prevalecer. Já em Portugal, onde aportou em junho de 1940 (quatro anos depois de ter desembarcado em terras de Vera Cruz), o Fantasma trajou tanto de vermelho como de roxo.
Em Portugal, o Fantasma já vestiu de roxo e vermelho. |
Nos comics, o longo percurso do Fantasma iniciou-se na década de 40 com a republicação das suas tiras pela David McKay Publications. Histórias inéditas só a partir de 1962, sob a chancela da Gold Key. Depois de passagens fugazes pela Marvel e pela DC nos anos 80, coube, já neste século, à Moonstone e à Dynamite Entertainment reapresentar este herói clássico a uma nova geração de leitores.
Curiosamente, ontem como hoje, a popularidade do Fantasma continua a ser maior extramuros do que nos EUA. Suécia, Índia e Austrália são alguns dos países onde as suas legiões de fãs deixam os heróis Marvel e DC roídos de inveja. Em todas essas latitudes existe também produção própria de histórias do Espírito-Que-Anda.
Desde 2018 que o Livro Guiness dos Recordes reconheceu oficialmente o Fantasma como o mais antigo dos super-heróis. Mas nem isso encerrou a discussão, que continua a fazer correr rios de prosa. Alguns historiadores continuam a preferir classificá-lo como uma das chamadas personagens de transição; aquelas que, nos anos 1930, fizeram a ponte entre os heróis da literatura pulp e dos folhetins radiofónicos e os super-heróis da banda desenhada, pavimentando dessa forma o caminho para a Idade de Ouro dos comics.
O Fantasma poderá até nem ter sido o primeiro super-herói, mas foi o primeiro ícone global com origem nos quadradinhos. Passou com louvor no teste do tempo e continua a fazer jus à sua fama imorredoura.
As tiras do Fantasma continuam a ser publicadas em jornais de todo o mundo. |
Dinastia da Caveira
Apesar de ser o guardião da Floresta de Bangalla há mais de 400 anos, a fascinante história do Fantasma começou a ser escrita do outro lado do mundo, em terras de Sua Majestade. Rezam as crónicas que Christopher Standish nasceu no ano da graça de 1516, na cidade portuária inglesa de Portsmouth. O seu pai, de quem herdara o nome e a paixão pelo mar, fora grumete na nau Santa Maria que levara Cristóvão Colombo à América.
Em 1536, com apenas 20 anos de idade, Christopher participou naquela que deveria ter sido a viagem de despedida do seu pai, agora capitão do próprio navio. A maré do destino mudou tragicamente quando, ao largo da costa de Bangalla, foram atacados por piratas da Irmandade Singh.
Antes de perder a consciência e cair ao mar, Christopher teve um vislumbre do pai a ser assassinado pelo líder dos piratas que lhes haviam também chacinado a tripulação. Enquanto o corpo inerte de Christopher era arrastado pelas ondas, uma violenta explosão afundou as duas embarcações.
Único sobrevivente daquele brutal ataque em alto-mar, Christopher naufragou numa praia de Bangalla, onde foi encontrado por uma tribo de pigmeus. Os Bandar acolheram-no na sua aldeia e cuidaram dele até ficar restabelecido.
Dias mais tarde, ao passear pela mesma praia onde naufragara, Christopher deparou-se com um cadáver em decomposição, que reconheceu como o assassino do seu pai. Quando os abutres acabaram de banquetear-se, Christopher jurou sobre o crânio descarnado do pirata devotar a sua vida - e a dos seus descendentes - a combater a ganância, a crueldade e a injustiça em todas as suas formas. O mesmo juramento sagrado prestado por todos aqueles que, no curso dos séculos, assumiram o manto do Fantasma.
A origem do Fantasma recontada numa das suas tiras dominicais coloridas. |
Quando, por fim, aprendeu o dialeto dos Bandar, Christopher descobriu que eles eram há muito escravizados por uma tribo rival, os Wazaka. Os pigmeus que o haviam resgatado eram, afinal, apenas um pequeno grupo que lograra escapar do cativeiro. Christopher ficou também a conhecer uma antiga profecia Bandar sobre um homem vindo do oceano para lhes devolver a liberdade.
Confiante de que seria ele o salvador profetizado, Christopher dirigiu-se à vila dos Wazaka para exigir a imediata libertação dos Bandar. Em vez disso, acabou amarrado a um altar para ser sacrificado a Uzuki, o deus-demónio adorado pelos Wazaka.
Novamente resgatado pelos Bandar de uma morte certa, Christopher resolveu tirar proveito da superstição dos selvagens. Após confecionar um traje roxo inspirado no ídolo de Uzuki, regressou à vila dos Wazaka. Estes. crendo estarem na presença do seu deus-demónio, libertaram de pronto os Bandar.
Em sinal de apreço, os Bandar mostraram a Christopher uma caverna com a macabra forma de uma caveira humana. Fazendo dela a sua nova morada, Christopher continuou a servir justiça na Floresta Negra. Nascia assim a lenda do Fantasma. Reverenciada pelos justos, temida pelos ímpios e que o vento que dispersa os anos carregou para os quatro cantos do mundo.
A Caverna da Caveira encerra incontáveis segredos. |
Quando o primeiro Fantasma morreu, o seu filho tomou-lhe o lugar. E o mesmo vem acontecendo desde há séculos, originando o mito da imortalidade do Espírito-Que-Anda. Apenas os Bandar conhecem a verdade por detrás do mito. Mas esse é um segredo que eles levarão para o além-túmulo.
Tal como os seus antepassados, Kit Walker, o 21º Fantasma, teve a Caverna da Caveira como berço. Diz-se que "fantasma" terá sido a primeira palavra a sair-lhe da boca. Depois de ter sido iniciado pelo pai e pelos Bandar nos segredos da selva, aos 12 anos Kit foi enviado para os EUA. A tradição familiar determina que o próximo representante da dinastia da caveira passe a puberdade no torrão natal da sua mãe. A ideia é incutir-lhe um sentimento de pertença a um mundo muito mais vasto do que a Floresta Negra.
Após uma difícil adaptação aos costumes da civilização, Kit destacou-se nos estudos e no desporto. As suas extraordinárias aptidões atléticas permitiram-lhe, inclusive, levar de vencida o campeão mundial de boxe em pesos-pesados, durante uma exibição na sua escola. Seguindo as pisadas paternas, foi também na Terra das Oportunidades que Kit conheceu o amor da sua vida: Diana Palmer. Nela, o Fantasma encontrou uma companheira para a vida e por ela vai ao fim do mundo e mais além.
Recém-saído da faculdade, Kit foi convocado de volta a Bangalla. O seu pai, ferido em combate com a Irmandade Singh, agonizava no leito da morte. Cumprindo um ritual multissecular, Kit sepultou o progenitor na Caverna da Caveira antes de assumir o manto do Fantasma. Anos mais tarde, Kit fez de Diana Palmer a sua esposa e da união do casal nasceram os gémeos Kit e Heloise.
O Espírito-Que-Anda continua a assombrar a Floresta Negra, sabendo que, um dia, o seu primogénito lhe sucederá.
Sempre que um Fantasma morre, o seu primogénito sucede-lhe. |
Miscelânea
*Se Espírito-Que-Anda e O Homem Que Não Pode Morrer são epítetos cunhados pelos habitantes da Floresta Negra que ajudam a perpetuar o mito da imortalidade do Fantasma, a origem de Guardião das Trevas Orientais é mais obscura. O Fantasma foi assim cognominado em alusão a Dakk, uma imensa região inexplorada no coração de Bangalla outrora habitada por tribos ferozes, cujo modo de vida envolvia escravatura, fanatismo religioso e sacrifícios humanos. Não obstante os antepassados do atual Fantasma terem posto fim a esse conjunto de práticas ignominiosas, Dakk continua a ser um paraíso criminal que prospera graças ao terrorismo, narcotráfico e contrabando de armas. Algumas histórias sugerem que os governantes de Dakk serão descendentes de piratas da Irmandade Singh, logo inimigos jurados do Fantasma;
*Caçadores furtivos, contrabandistas, ditadores, esclavagistas e, claro, piratas integram a bem nutrida lista de inimigos do Fantasma. Nenhum deles representa, porém, uma ameaça tão temível e imorredoura como a Irmandade Singh. Ativa há séculos, esta implacável confraria de malfeitores está inextricavelmente ligada à origem da lenda do Espírito-Que-Anda e foi responsável pela morte do pai do atual Fantasma. Em virtude de Singh ser um apelido assaz comum na Índia, na década de 70 Lee Falk renomeou o grupo de Irmandade Sengh (por vezes grafada também como "Sanngh" ou "Singgh"), para evitar melindrar os leitores daquele país asiático onde o Fantasma goza de enorme popularidade. Contudo, a nova designação não vingou junto do público americano e a original depressa foi reposta;
Dogai Singh, um dos mais desapiedados líderes da Irmandade Singh. |
*As tiras do Fantasma desempenharam um pequeno, porém relevante, papel na II Guerra Mundial. Quando as tropas de Hitler ocuparam a Noruega, os jornais locais - numa tentativa dos invasores para desmoralizar a população - foram obrigados a publicar notícias falsas relacionadas com o colapso dos EUA. Os mesmos jornais continuavam no entanto a incluir as historietas do Espírito-Que-Anda, que os noruegueses, ao contrário dos alemães, sabiam tratar-se de uma produção americana que desmentia a propaganda nazi. O Fantasma deu, desse modo, alento ao povo norueguês para continuar a lutar pela liberdade, e o seu nome era uma das senhas mais utilizadas pela Resistência local;
*Ainda durante a II Guerra Mundial, as provisões enviadas para os soldados aliados estacionados na Papua Nova Guiné incluíam por vezes revistas de banda desenhada, que eles partilhavam com os indígenas. Foi assim que o Fantasma virou uma espécie de deus pagão naquelas longínquas paragens da Oceania, onde a sua efígie costuma ser pintada em escudos e outros objetos cerimoniais das diferentes tribos. A este fenómeno cultural alguns antropólogos convencionaram chamar "arte pop tribal";
Exemplos da arte pop tribal da Papua Nova Guiné. |
*Grande admirador da obra de William Shakespeare, Lee Falk homenageou-o de diferentes formas nas histórias do Fantasma. Numa delas, mostrava como o 3º Fantasma, depois de ter participado como ator na encenação original de Romeu e Julieta, desposara Rosamunda, sobrinha do Bardo de Avon. De igual modo, o juramento solene feito sobre uma caveira é uma referência óbvia a Hamlet;
*Depois de um longo noivado de mais de quatro décadas, em 1977 o Fantasma e Diana Palmer deram finalmente o nó. Seguindo uma velha tradição familiar, o casal desfrutou da sua lua de mel em Keela-Wee. Parte do areal dessa praia paradisíaca é composto por ouro puro e uma cabana de jade serve de aposento aos nubentes. Os domínios do Fantasma estendem-se também ao Bosque Sussurrante (onde as árvores murmuram incessantemente o seu nome) e à Ilha do Éden (reserva natural onde animais de diferentes espécies - incluindo um estegossauro - coabitam harmoniosamente);
*Citada pela primeira vez em The Jungle Patrol (tira publicada entre março e maio de 1952), a Patrulha da Selva é uma força paramilitar de aplicação da Lei formada em 1664 pelo 6º Fantasma com a ajuda do ex-pirata Barba Ruiva. Complementarmente ao título do Fantasma, o cargo de comandante-em-chefe da organização vem sendo passado de pai para filho há gerações. No entanto, desde a traição que levou à morte do 14º Fantasma, a identidade do comandante passou a ser secreta. Ninguém sabe que o Comandante Misterioso da Patrulha da Selva é, na verdade, o mais recente descendente do seu fundador. Apesar de sediada em Bangalla, a Patrulha da Selva - à qual a Legião Estrangeira serviu claramente de modelo - , conta nas suas fileiras com recrutas vindos das sete partidas do mundo, e a sua jurisdição abrange os países fronteiriços;
*Apesar de ser uma linhagem de tradição varonil, há registo de, pelo menos, uma representante do belo sexo na dinastia da caveira. No último quartel do século XIX, Julie Walker, gémea do 17º Fantasma, substituía o irmão sempre que este recuperava de ferimentos ou estava ausente da Floresta Negra. Esta versão feminina do Espírito-Que-Anda foi criada por Lee Falk em 1969 e teve as suas peripécias biográficas revisitadas em várias ocasiões;
Julie Walker, a única mulher a assumir o manto do Fantasma. |
*Do ponto de vista político, o Fantasma sempre primou pela ambiguidade. As suas histórias já foram inclusivamente acusadas de reproduzirem o discurso neocolonialista. Afinal, estamos a falar de um homem branco, descendente de britânicos, que dita a sua lei num país africano. Por outro lado, o Espírito-Que-Anda assume-se muitas vezes como acérrimo defensor da autodeterminação dos povos colonizados. Contradições que, aos olhos dos fãs, apenas enfatizam a humanidade do herói, mas que os críticos associam a estereótipos racistas;
*Na Suécia, onde é praticamente um herói nacional, o Fantasma era, até 2010, a principal atração do Parken Zoo, em Eskilstuna. Nesse parque temático, inaugurado pessoalmente por Lee Falk em 1986, os visitantes podiam, entre outras coisas, explorar os recantos da Caverna da Caveira e interagir com um Espírito-Que-Anda de carne e osso;
*Entre 1972 e 1975, a Avon Publications lançou uma coleção de 15 livros do Fantasma, quase todos saídos da pena de Lee Falk e traduzidos em várias línguas (incluindo Português). A primeira adaptação literária do herói remonta, porém, a 1944. Son of the Phantom (O Filho do Fantasma) foi publicado com a chancela da Whitman Publishing Company e, apesar de baseado numa história de Lee Falk, este não teve qualquer envolvimento no processo criativo;
*O Fantasma foi um dos primeiros super-heróis a ser transposto ao grande ecrã. Em 1943, Tom Tyler (que, um par de anos antes, vivera também o Capitão Marvel) encarnou o Espírito-Que-Anda em The Phantom. Esta série em 15 capítulos produzida pela Columbia Pictures foi, até ao momento, a única a mostrar a icónica passagem de testemunho do pai moribundo para o filho. Geodfrey Prescott foi apresentado como alter ego do herói, mas apenas porque, na altura, Kit Walker ainda não fora mencionado nas tiras. A segunda (e última) incursão cinematográfica do Fantasma teve lugar em 1996, ano em que foi lançada uma longa-metragem protagonizada por Billy Zane. Também no pequeno ecrã o Fantasma tem percurso modesto: depois de ter feito a sua estreia em Defenders of the Earth (1986), estrelou uma animação intitulada Phantom 2040 (1994) e, em 2009, teve direito a uma minissérie em ação real (novamente intitulada The Phantom) com Ryan Carnes no papel principal.
Tom Tyler, o primeiro ator a encarnar o Fantasma. |
*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Artigos sobre Lee Falk, Sy Barry e a longa-metragem do Fantasma disponíveis para leitura complementar.
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Excelente leitura, sempre muito bom ler sobre esse personagem, um de meus primeiros "heróis preferidos", ao lado do mais-ou-menos-anti-herói Namor. Tenho mais de uma centena de números do Espírito-que-anda, incluindo alguns momentos épicos, como o seu casamento. E a arte de Sy Barry encanta cada vez mais com o passar dos tempos.
ResponderEliminarO Espírito-que-anda fez parte da minha infância, e muito positivamente contribuiu para a formação de valores humanísticos e éticos, subjacentes ao seu heroísmo. O Fantasma pode creditar seu grande sucesso aos tantos elementos arquetípicos - pelo menos para os leitores de quadrinhos e apreciadores de heróis - nele presentes. Natural, considerando que todo personagem é criado em diálogo com anteriores.
ResponderEliminarNo caso do Fantasma, sua mística é enriquecida com as múltiplas referências, algumas anotadas no texto: Zorro, Tarzan, Robin Hood, e é claro: Shakespeare. Ou será que palavras solenes com um crânio na mão não remete a Hamlet? Por isso, o Fantasma não morre. Ele se ajusta tão bem numa aventura nas selvas quanto num barco pirata. Seu sobretudo nada discreto destoa da paisagem da cidade, mas bem menos que Lord Greystoke.
Filio-me aos que veem o Fantasma como herói de transição, ainda não "super", mas este é um debate periférico. Quanto à cor do uniforme, para mim ele sempre será melhor vermelho, apesar do filme com Billy Zane. Quem conheceu o carnaval de cores que a Bloch fazia nos uniformes dos super heróis não dá relevância alguma às variações do traje do Espírito-que-anda. Já em relação ao caráter neocolonialista, admito que é uma leitura possível, mas não a mais profunda, portanto, não a mais significativa.
Não apreciei o versão 2040 do Fantasma, mas vê-lo usar a força dos dez tigres ao lado do Mandrake e de Flash Gordon, e os respectivos e talentosos filhos, também num futuro próximo, foi um dos acontecimentos mais gloriosos da minha juventude admiradora de heróis. Visito a animação com frequência no You Tube, no mínimo a abertura: "Lord of the jungle, the hero who stalks! The beasts call him brother, the ghost who walks! Phantom!"
Sou apenas mais um que conheceu o lendário Fantasma, que ainda estará andando por aí muito depois que todos nós já tivermos ido.
Parabéns pelo texto.
José de Arimathéia
Teus textos sempre trazem uma surpresa, por mais que eu conheça o personagem ou história retratados neste blog. Fiquei fascinado em saber que há um culto ao Fantasma em Papua Nova Guiné. Isso renderia OUTRA BD!
ResponderEliminarA propósito, no Brasil, a primeira história do Fantasma foi redesenhada por um artista local. Meu pai tinha essa revista, e eu não sei se está entre as várias que herdei dele.
Abraço!
Muito bom.
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