Por mais opaco que seja o coração humano, o Sombra sabe sempre o mal que nele se acoita e que o crime não compensa.
O que começou por ser apenas uma misteriosa voz radiofónica evoluiu para um dos maiores expoentes da literatura pulp que influenciaria sobremaneira o arquétipo super-heroico, em especial um certo Cavaleiro das Trevas.
O que começou por ser apenas uma misteriosa voz radiofónica evoluiu para um dos maiores expoentes da literatura pulp que influenciaria sobremaneira o arquétipo super-heroico, em especial um certo Cavaleiro das Trevas.
Denominação original: The Shadow
Licenciadoras: Street & Smith (1930-1949), Archie Comics (1964-65), DC Comics (1973-1992), Dark Horse Comics (1993-95) e Dynamite Entertainment (desde 2011)
Criador: Walter B. Gibson
Estreia radiofónica: Detective Story Hour (julho de 1930)
Estreia literária: The Living Shadow (abril de 1931)
Estreia na BD: Shadow Comics nº1 (março de 1940)
Identidade civil: Kent Allard (literatura e BD) e Lamont Cranston (rádio e cinema)
Local de nascimento: Nova Iorque
Parentes conhecidos: Nenhum
Ocupação: Ex-espião, ex-piloto-aviador, playboy e vigilante urbano
Base operacional: Nova Iorque
Afiliações: Agentes do Sombra
Armas, poderes e habilidades: Graças ao perfeito controlo que possui sobre as suas cordas vocais, o Sombra consegue projetar a sua voz sob a forma de uma tenebrosa risada suscetível de paralisar de medo os seus oponentes. Esse talento permite-lhe, de igual modo, mimetizar vozes alheias com elevado grau de precisão.
Mestre do disfarce e da espionagem, o Sombra é dotado de uma inteligência superior à média, bem como de uma memória fotográfica. Consistindo, no entanto, a sua habilidade mais impressionante em agir de modo furtivo sem ser detetado à vista desarmada, como se de um fantasma ou de uma sombra viva se tratasse.
Por conta dessa sua extraordinária proficiência em técnicas de camuflagem - e da proverbial superstição dos malfeitores - ao longo dos anos têm sido alimentados rumores de que o Sombra deteria o poder de "nublar" as mentes humanas.
Ainda que não se trate verdadeiramente de um talento sobrenatural, existe, porém, um fundo de verdade nesses rumores.
Durante o período em que, nos alvores do século XX, Kent Allard foi um agente secreto ao serviço de Nicolau II, recebeu das mãos do último Czar da Rússia o misterioso Girassol, um rutilante rubi com poderes hipnóticos que, incrustado num anel, o Sombra usa para alterar a perceção dos seus adversários. Assim se explicando, por exemplo, que mesmo aqueles que tiveram um vislumbre da verdadeira face do herói tenham sido incapazes de memorizá-la. Ou que, não raro, os delinquentes se sintam estranhamente compelidos a revelar-lhe os seus segredos mais inconfessos.
Em meados dos anos 1920, a prolongada estadia de Kent Allard na cidade secreta de Shambalah (localizada algures no Extremo Oriente) permitiu-lhe, por outro lado, aprender diversas disciplinas orientais e artes marciais. Além dos riquíssimos ensinamentos filosóficos e espirituais que lhe foram transmitidos pelos gurus ancestrais de Shambalah, Allard adquiriu também um domínio absoluto sobre as funções vitais do seu organismo. Técnicas graças às quais consegue, aparentemente, retardar o processo natural de envelhecimento e incrementar a sua longevidade.
Note-se que, por contraponto a outras personagens suas contemporâneas, como o Fantasma ou o Batman, o Sombra não teve o cenário das suas aventuras atualizado. Apesar de as suas histórias continuarem a ser ambientadas nos anos 30 e 40 do último século, o herói foi, no entanto, pontualmente transportado para os tempos modernos.
Aconteceu, por exemplo, no seu encontro com Ghost, durante o período em que ambos eram publicados sob a égide da Dark Horse Comics (ver Justiça aos quadradinhos). Apesar da história se desenrolar na década de 1990, o Sombra conservava a mesma aparência de sempre, como se não tivesse envelhecido um só dia.
Nas suas primeiras histórias, além de pequenos tubos de ácido e de pólvora, a parafernália do Sombra incluía ventosas que ele usava nas mãos e nos joelhos para escalar paredes e fachadas de prédios. Numa referência ao seu passado como piloto-aviador durante a I Guerra Mundial(ver Origem), também era frequente ele cruzar os céus noturnos de Nova Iorque aos comandos do seu "autogyro", espécie de protótipo arcaico do helicóptero.
Atirador exímio, o Sombra é inseparável da sua parelha de pistolas semiautomáticas, tendo na Colt M1911 e na LAR Grizzly (ambas de calibre .45 e fabrico norte-americano) os seus modelos favoritos. Liberto das restrições morais que caracterizam a generalidade dos super-heróis modernos, o Sombra não tem pejo em executar sumariamente os seus oponentes sempre que as circunstâncias assim o justificam.
O mais valioso recurso do Sombra é, no entanto, a sua vasta rede de agentes infiltrados no submundo nova-iorquino (ver Agentes do Sombra) que lhe providenciam informação privilegiada sobre as operações do crime organizado. Estes seus escudeiros que, com maior ou menor grau de devoção, o coadjuvam na sua implacável cruzada contra o crime são a verdadeira razão que leva o Sombra a conhecer como ninguém o mal que se esconde nos corações dos homens - e que, como mais adiante se perceberá, ele também possui.
Conceção e caracterização
Lançado em outubro de 1915, o Detective Story Magazine foi uma das primeira publicações periódicas da chamada literatura pulp (palavra inglesa para papel de celulose) dedicada exclusivamente à ficção policial. Ao longo dos anos seguintes, o seu enorme sucesso junto do público fez deste o título de charneira da Street & Smith, a autoproclamada maior e mais antiga editora desse tipo de material em terras do Tio Sam.
Visando contrariar o progressivo declínio das vendas do seu magazine de referência, em 1930 a Street & Smith decidiu transformar as suas histórias detetivescas num folhetim radiofónico. Tendo, para esse efeito, contratado, em meados desse mesmo ano, uma parelha de criativos - William Sweets e David Chrisman - da agência publicitária Ruthrauff & Ryan.
Após estudarem o projeto, Sweets e Chrisman propuseram que, por forma a aumentar o suspense entre os ouvintes, o futuro programa de rádio fosse narrado por uma misteriosa figura com voz sinistra.
Aprovada a ideia, houve que encontrar um nome adequado para a personagem. Entre as várias sugestões aventadas, O Detetive e O Inspetor (The Sleuth e The Inspector, no original) foram aquelas que mais força ganharam antes de alguém propor um nome que soaria perfeito para crismar o narrador-fantasma: O Sombra.
A 31 de julho de 1931, quando o The Detective Story Hour foi para o ar pela primeira vez, coube a James LaCurto emprestar a sua voz ao enigmático Sombra. Seria, no entanto, Frank Readick Jr., um radialista veterano, a fazê-lo por mais tempo, tendo sido também quem mais concorreu para o êxito da série.
No imaginário coletivo ficaram gravadas as frases de efeito que abriam e encerravam cada episódio: "Quem sabe o mal que se esconde no coração dos homens? O Sombra sabe!" ou "As sementes do mal geram frutos amargos. O crime não compensa!". A acompanhá-las, trechos de Le Rouet d'Omphale, partitura clássica da autoria de Camille Saint-Saens.
Mas nem tudo correu como previsto. Em vez de contribuir para o incremento das vendas do magazine em que era baseado, o folhetim radiofónico teve o condão de espicaçar a curiosidade dos ouvintes relativamente ao seu misterioso narrador, cuja tenebrosa gargalhada ecoava através das ondas hertzianas, fazendo-os arquejar de ansiedade pelo próximo capítulo.
De todos os lados chegavam, entretanto, relatos de revendedores dando conta do considerável número de pessoas que lhes tentavam adquirir as (inexistentes) histórias impressas do Sombra.
Face a esta inesperada procura, a Street & Smith foi lesta a reagir. Por intermédio do seu diretor comercial, incumbiu Walter B. Gibson, autor veterano de policiais e mágico profissional, de começar a escrever as histórias do Sombra em The Shadow Magazine. Intitulada, The Living Shadow, a primeira foi dada à estampa em abril de 1931 e assinalou a estreia literária do Sombra.
Sob o pseudónimo Maxwell Grant, e alegando que as narrativas do Sombra reproduziam fielmente os relatos do próprio, Gibson assinou 292 das 325 novelas do herói lançadas ao longo das duas décadas seguintes.
A caracterização do Sombra levada a cabo por Gibson lançaria, de resto, as bases do paradigma super-heróico (ver Influência sombria). O seu figurino estilizado incluía um grande chapéu negro, um manto com forro escarlate e um cachecol da mesma cor que lhe cobria a parte inferior do rosto, salvaguardando o seu anonimato ao mesmo tempo que fazia sobressair o seu nariz aquilino, outras das imagens de marca do herói. Salvo pelo curto hiato em que foi publicado pela Archie Comics (vide texto seguinte), o visual do Sombra manteve-se praticamente inalterado nos diversos segmentos culturais onde marcou presença.
Agindo quase sempre a coberto da noite, o Sombra, conforme reconheceria o seu autor, teve no Drácula de Bram Stoker a sua principal referência literária. Outra possível inspiração para a sua conceção visual terá sido Judex, um justiceiro francês cujo folhetim cinematográfico estreara alguns anos antes nos EUA sob o título The Mysterious Shadow (A Sombra Misteriosa). Comparando os respetivos figurinos e modus operandi, saltam à vista as muitas semelhanças.
Mesmo após o cancelamento do The Shadow Magazine, no verão de 1949, continuaram a ser lançadas de forma avulsa novas aventuras literárias do Sombra. Em algumas delas foram atribuídos poderes psíquicos ao herói, que também começou a assemelhar-se mais a um espião do que a um combatente do crime. Alterações que não impediram a gradual perda de interesse por parte de um público que aprendera entretanto a idolatrar heróis de têmpera diferente.
Justiça aos quadradinhos
Depois do rádio, da literatura e do cinema, em 1940 o Sombra logrou o pleno mediático ao ter as suas histórias adaptadas à banda desenhada. Em março desse ano, já em plena Idade do Ouro, a Street & Smith lançou Shadow Comics, revista mensal que, além de aventuras inéditas do Sombra, compilava as tiras diárias protagonizadas por outros heróis da editora. A série seria cancelada em setembro de 1949 contabilizando à data 101 volumes publicados.
Seguiu-se um interregno editorial que se prolongou até meados da década de 1960. Aproveitando o novo elã do género super-heroico trazido pela Idade da Prata, a Archie Comics adquiriu os direitos de publicação do Sombra. Em virtude disso, entre 1964 e 1965, o herói voltou a dispor de um título em nome próprio.
Embora o número inaugural de The Shadow apresentasse um Sombra decalcado da sua versão radiofónica, nos restantes números da série seria contemplado com um novo uniforme e superpoderes, vendo-se dessa forma transformado num típico super-herói.
Esta breve passagem do Sombra pela Archie Comics teve ainda a particularidade de o herói ter tido parte das suas histórias escritas por Jerry Siegel, cocriador do Superman.
Após novo hiato na publicação das suas aventuras, o Sombra foi resgatado do ostracismo pela DC Comics, em meados da década de 1970. Até 1992, a Editora das Lendas lançou vários títulos periódicos estrelados pela antiga coqueluche da Street & Smith. Um dos pontos altos desta nova vida do Sombra foi a minissérie The Shadow: Blood and Judgment, da autoria de Howard Chaykin. Nela, o herói foi transportado pela primeira vez para o presente.
Quando a Condé Naste, detentora dos direitos do Sombra, aumentou a taxa de licenciamento, a DC interrompeu a publicação da personagem quando estava prestes a igualar o recorde de longevidade editorial da Street & Smith.
Agora sob os auspícios da Dark Horse Comics, no biénio 1993-95 o Sombra protagonizou um conjunto de minisséries e volumes especiais. Destaque, nesta última categoria, para a adaptação oficial do filme entretanto lançado (ver Noutros media) e para o crossover com Ghost, uma das figuras de proa da Dark Horse. Além de transplantar novamente o herói para os dias atuais, a história marcou também o fim da sua passagem pela editora.
Já neste século, seria a vez da Dynamite Entertainment adicionar o Sombra ao seu panteão de heróis clássicos e/ou caídos no domínio público. Desde agosto de 2011 que a editora vem publicando diverso material inédito do Sombra, no qual se incluem títulos mensais, minisséries e crossovers com outras reminiscências da cultura pulp, como o Besouro Verde ou Doc Savage.
Origem
Mestre do disfarce e da espionagem, o Sombra é dotado de uma inteligência superior à média, bem como de uma memória fotográfica. Consistindo, no entanto, a sua habilidade mais impressionante em agir de modo furtivo sem ser detetado à vista desarmada, como se de um fantasma ou de uma sombra viva se tratasse.
Por conta dessa sua extraordinária proficiência em técnicas de camuflagem - e da proverbial superstição dos malfeitores - ao longo dos anos têm sido alimentados rumores de que o Sombra deteria o poder de "nublar" as mentes humanas.
Ainda que não se trate verdadeiramente de um talento sobrenatural, existe, porém, um fundo de verdade nesses rumores.
Durante o período em que, nos alvores do século XX, Kent Allard foi um agente secreto ao serviço de Nicolau II, recebeu das mãos do último Czar da Rússia o misterioso Girassol, um rutilante rubi com poderes hipnóticos que, incrustado num anel, o Sombra usa para alterar a perceção dos seus adversários. Assim se explicando, por exemplo, que mesmo aqueles que tiveram um vislumbre da verdadeira face do herói tenham sido incapazes de memorizá-la. Ou que, não raro, os delinquentes se sintam estranhamente compelidos a revelar-lhe os seus segredos mais inconfessos.
O Sombra usa o Girassol para hipnotizar os seus oponentes. |
Note-se que, por contraponto a outras personagens suas contemporâneas, como o Fantasma ou o Batman, o Sombra não teve o cenário das suas aventuras atualizado. Apesar de as suas histórias continuarem a ser ambientadas nos anos 30 e 40 do último século, o herói foi, no entanto, pontualmente transportado para os tempos modernos.
Aconteceu, por exemplo, no seu encontro com Ghost, durante o período em que ambos eram publicados sob a égide da Dark Horse Comics (ver Justiça aos quadradinhos). Apesar da história se desenrolar na década de 1990, o Sombra conservava a mesma aparência de sempre, como se não tivesse envelhecido um só dia.
Nas suas primeiras histórias, além de pequenos tubos de ácido e de pólvora, a parafernália do Sombra incluía ventosas que ele usava nas mãos e nos joelhos para escalar paredes e fachadas de prédios. Numa referência ao seu passado como piloto-aviador durante a I Guerra Mundial(ver Origem), também era frequente ele cruzar os céus noturnos de Nova Iorque aos comandos do seu "autogyro", espécie de protótipo arcaico do helicóptero.
Atirador exímio, o Sombra é inseparável da sua parelha de pistolas semiautomáticas, tendo na Colt M1911 e na LAR Grizzly (ambas de calibre .45 e fabrico norte-americano) os seus modelos favoritos. Liberto das restrições morais que caracterizam a generalidade dos super-heróis modernos, o Sombra não tem pejo em executar sumariamente os seus oponentes sempre que as circunstâncias assim o justificam.
O mais valioso recurso do Sombra é, no entanto, a sua vasta rede de agentes infiltrados no submundo nova-iorquino (ver Agentes do Sombra) que lhe providenciam informação privilegiada sobre as operações do crime organizado. Estes seus escudeiros que, com maior ou menor grau de devoção, o coadjuvam na sua implacável cruzada contra o crime são a verdadeira razão que leva o Sombra a conhecer como ninguém o mal que se esconde nos corações dos homens - e que, como mais adiante se perceberá, ele também possui.
Justiça a ferro e fogo. |
Conceção e caracterização
Lançado em outubro de 1915, o Detective Story Magazine foi uma das primeira publicações periódicas da chamada literatura pulp (palavra inglesa para papel de celulose) dedicada exclusivamente à ficção policial. Ao longo dos anos seguintes, o seu enorme sucesso junto do público fez deste o título de charneira da Street & Smith, a autoproclamada maior e mais antiga editora desse tipo de material em terras do Tio Sam.
Visando contrariar o progressivo declínio das vendas do seu magazine de referência, em 1930 a Street & Smith decidiu transformar as suas histórias detetivescas num folhetim radiofónico. Tendo, para esse efeito, contratado, em meados desse mesmo ano, uma parelha de criativos - William Sweets e David Chrisman - da agência publicitária Ruthrauff & Ryan.
Após estudarem o projeto, Sweets e Chrisman propuseram que, por forma a aumentar o suspense entre os ouvintes, o futuro programa de rádio fosse narrado por uma misteriosa figura com voz sinistra.
Aprovada a ideia, houve que encontrar um nome adequado para a personagem. Entre as várias sugestões aventadas, O Detetive e O Inspetor (The Sleuth e The Inspector, no original) foram aquelas que mais força ganharam antes de alguém propor um nome que soaria perfeito para crismar o narrador-fantasma: O Sombra.
A 31 de julho de 1931, quando o The Detective Story Hour foi para o ar pela primeira vez, coube a James LaCurto emprestar a sua voz ao enigmático Sombra. Seria, no entanto, Frank Readick Jr., um radialista veterano, a fazê-lo por mais tempo, tendo sido também quem mais concorreu para o êxito da série.
No imaginário coletivo ficaram gravadas as frases de efeito que abriam e encerravam cada episódio: "Quem sabe o mal que se esconde no coração dos homens? O Sombra sabe!" ou "As sementes do mal geram frutos amargos. O crime não compensa!". A acompanhá-las, trechos de Le Rouet d'Omphale, partitura clássica da autoria de Camille Saint-Saens.
Frank Readick Jr. vestido a preceito numa ação promocional de The Detective Story Hour. |
De todos os lados chegavam, entretanto, relatos de revendedores dando conta do considerável número de pessoas que lhes tentavam adquirir as (inexistentes) histórias impressas do Sombra.
Face a esta inesperada procura, a Street & Smith foi lesta a reagir. Por intermédio do seu diretor comercial, incumbiu Walter B. Gibson, autor veterano de policiais e mágico profissional, de começar a escrever as histórias do Sombra em The Shadow Magazine. Intitulada, The Living Shadow, a primeira foi dada à estampa em abril de 1931 e assinalou a estreia literária do Sombra.
Sob o pseudónimo Maxwell Grant, e alegando que as narrativas do Sombra reproduziam fielmente os relatos do próprio, Gibson assinou 292 das 325 novelas do herói lançadas ao longo das duas décadas seguintes.
Walter B. Gibson (cima) e a estreia literária do Sombra escrita sob o pseudónimo Maxwell Grant. |
A caracterização do Sombra levada a cabo por Gibson lançaria, de resto, as bases do paradigma super-heróico (ver Influência sombria). O seu figurino estilizado incluía um grande chapéu negro, um manto com forro escarlate e um cachecol da mesma cor que lhe cobria a parte inferior do rosto, salvaguardando o seu anonimato ao mesmo tempo que fazia sobressair o seu nariz aquilino, outras das imagens de marca do herói. Salvo pelo curto hiato em que foi publicado pela Archie Comics (vide texto seguinte), o visual do Sombra manteve-se praticamente inalterado nos diversos segmentos culturais onde marcou presença.
Agindo quase sempre a coberto da noite, o Sombra, conforme reconheceria o seu autor, teve no Drácula de Bram Stoker a sua principal referência literária. Outra possível inspiração para a sua conceção visual terá sido Judex, um justiceiro francês cujo folhetim cinematográfico estreara alguns anos antes nos EUA sob o título The Mysterious Shadow (A Sombra Misteriosa). Comparando os respetivos figurinos e modus operandi, saltam à vista as muitas semelhanças.
Mesmo após o cancelamento do The Shadow Magazine, no verão de 1949, continuaram a ser lançadas de forma avulsa novas aventuras literárias do Sombra. Em algumas delas foram atribuídos poderes psíquicos ao herói, que também começou a assemelhar-se mais a um espião do que a um combatente do crime. Alterações que não impediram a gradual perda de interesse por parte de um público que aprendera entretanto a idolatrar heróis de têmpera diferente.
Judex e Sombra: vingadores separados à nascença? |
Justiça aos quadradinhos
Depois do rádio, da literatura e do cinema, em 1940 o Sombra logrou o pleno mediático ao ter as suas histórias adaptadas à banda desenhada. Em março desse ano, já em plena Idade do Ouro, a Street & Smith lançou Shadow Comics, revista mensal que, além de aventuras inéditas do Sombra, compilava as tiras diárias protagonizadas por outros heróis da editora. A série seria cancelada em setembro de 1949 contabilizando à data 101 volumes publicados.
Seguiu-se um interregno editorial que se prolongou até meados da década de 1960. Aproveitando o novo elã do género super-heroico trazido pela Idade da Prata, a Archie Comics adquiriu os direitos de publicação do Sombra. Em virtude disso, entre 1964 e 1965, o herói voltou a dispor de um título em nome próprio.
Embora o número inaugural de The Shadow apresentasse um Sombra decalcado da sua versão radiofónica, nos restantes números da série seria contemplado com um novo uniforme e superpoderes, vendo-se dessa forma transformado num típico super-herói.
Esta breve passagem do Sombra pela Archie Comics teve ainda a particularidade de o herói ter tido parte das suas histórias escritas por Jerry Siegel, cocriador do Superman.
A estreia bedéfila do Sombra em Shadow Comics nº1 (cima) e a sua versão super-heroica da Archie Comics. |
Quando a Condé Naste, detentora dos direitos do Sombra, aumentou a taxa de licenciamento, a DC interrompeu a publicação da personagem quando estava prestes a igualar o recorde de longevidade editorial da Street & Smith.
Agora sob os auspícios da Dark Horse Comics, no biénio 1993-95 o Sombra protagonizou um conjunto de minisséries e volumes especiais. Destaque, nesta última categoria, para a adaptação oficial do filme entretanto lançado (ver Noutros media) e para o crossover com Ghost, uma das figuras de proa da Dark Horse. Além de transplantar novamente o herói para os dias atuais, a história marcou também o fim da sua passagem pela editora.
Já neste século, seria a vez da Dynamite Entertainment adicionar o Sombra ao seu panteão de heróis clássicos e/ou caídos no domínio público. Desde agosto de 2011 que a editora vem publicando diverso material inédito do Sombra, no qual se incluem títulos mensais, minisséries e crossovers com outras reminiscências da cultura pulp, como o Besouro Verde ou Doc Savage.
De cima para baixo: a estreia do Sombra sob o selo da DC, o seu encontro com Ghost na Dark Horse e a sua atual série mensal da Dynamite Entertainment. |
Origem
Para efeitos de simplificação, na novela radiofónica do Sombra foi-lhe atribuído Lamont Cranston como seu único alter ego. Já na sua versão impressa - que inclui obras literárias, tiras diárias publicadas em tabloides e bandas desenhadas - Kent Allard é a verdadeira identidade do implacável vingador mascarado, e Lamont Cranston apenas um dos seus múltiplos disfarces.
Ex-agente secreto ao serviço do Czar Nicolau II da Rússia, durante a I Guerra Mundial Allard notabilizou-se como espião e piloto-aviador a soldo da França.
Findo o conflito, Allard viajou para a América do Sul à procura de um novo propósito para a sua vida. Numa das suas excursões aéreas pelo continente, despenhou-se numa selva onde descobriu uma antiga cidadela construída em ouro maciço. Apesar de ter saído praticamente ileso do acidente, Allard resolveu forjar a própria morte antes de regressar à sua Nova Iorque natal sob nova identidade e dono de uma apreciável fortuna.
Tirando proveito das suas assombrosas parecenças fisionómicas com Lamont Cranston - um abastado homem de negócios que passava longas temporadas no estrangeiro - Allard passou a usá-lo como fachada enquanto empreendia secretamente uma feroz campanha contra o crime e a corrupção que minavam a decadente sociedade nova-iorquina dos anos 1930. Efeito imediato, os meliantes aprenderam a temer o Sombra, que muitos acreditavam não ser humano.
Kent Allard, o verdadeiro rosto do Sombra. |
Quando Allard e Cranston finalmente se encontraram, o primeiro ameaçou arruinar a vida do segundo se este denunciasse o embuste orquestrado durante a sua ausência. Confrontado com vários documentos comprometedores onde constava a sua assinatura - primorosamente falsificada por Allard - Cranston concordou em guardar sigilo e em continuar a permitir que a sua identidade fosse usurpada pelo seu sósia enquanto estava ausente do país, o que passou a acontecer ainda com maior regularidade.
O verdadeiro Lamont Cranston tornar-se-ia posteriormente um reputado criminologista a quem foi confiada a missão de coordenar a rede de agentes do Sombra (vide texto seguinte) quando Allard estava ausente de Nova Iorque ou a recuperar de ferimentos infligidos. Ignorando em absoluto a troca de identidades, os demais agentes do Sombra tomam Cranston por outro dos subalternos do mestre.
Agentes do Sombra
Recrutados nos mais variados contextos, os agentes do Sombra desempenham um papel fundamental na sua guerra contra o crime. Alguns fazem-no por convicção, outros por obrigação. Casos, por exemplo, daqueles cujas vidas foram de algum modo salvas pelo herói, tendo para com ele um eterno débito de gratidão.
Dada a considerável extensão da rede de discípulos do Sombra, darei apenas a conhecer os principais elementos que a compõem.
*Margo Lane: uma sedutora socialite criada para o folhetim radiofónico do Sombra e posteriormente introduzida nas suas aventuras literárias, que é também o interesse romântico do herói;
*Clyde Burke: um jornalista que, a troco de contrapartidas pecuniárias, colige informação diversificada para o Sombra;
*Moses "Moe" Shrevnitz: também conhecido por Shrevvy, é um taxista que, sempre que requisitado pelo Sombra, lhe serve de motorista;
*Myra Reldon: operacional feminina que trabalha infiltrada em Chinatown sob o disfarce de Ming Dwan;
*Burbank: um operador de rádio responsável por assegurar as comunicações entre o Sombra e os seus agentes espalhados por Nova Iorque;
*Clifford "Cliff" Marsland: um ex-presidiário que cumpriu uma pesada pena por um crime que não cometeu e que aproveita a sua reputação de fora-da-lei para se infiltrar nas quadrilhas que operam a partir do submundo nova-iorquino.
Amante e agente do Sombra, Margo Lane tem sido uma constante na complexa equação que é a vida do herói. |
Suposto descendente direto de Ghengis Khan, Shiwan Khan tem no Sombra o seu némesis. |
Influência sombria
Identidades secretas, supervilões e sidekicks. Eis alguns dos conceitos inovadores introduzidos nas histórias do Sombra que se tornariam posteriormente elementos definidores do género super-heroico.
Embora tenha servido de matriz a diversos expoentes da primeira leva de vigilantes fantasiados surgidos durante a Idade de Ouro dos comics, é no Batman que a influência do Sombra mais se faz notar.
Quando, no início de 1939, Bob Kane e Bill Finger começaram a desenvolver o seu Homem-Morcego, o segundo sugeriu que a personagem emulasse o visual e modus operandi dos justiceiros mascarados da literatura pulp, em especial o Sombra.
Em linha com essa opção criativa, Finger inspirou-se em Partners of Peril, uma novela do Sombra editada em 1936, para, ao melhor estilo pulp, escrever a primeira história do Batman, intitulada The Case of the Chemical Syndicate.
A influência do Sombra na mitologia do Batman tornar-se-ia ainda mais evidente nas aventuras subsequentes do Cavaleiro das Trevas.Tal como a personagem que lhe servira de modelo, nos seus primórdios o guardião de Gotham City recorria frequentemente ao uso de armas de fogo e não demonstrava remorsos por tirar ocasionalmente a vida aos bandidos que enfrentava. Sem mencionar que um playboy milionário lhe servia de alter ego.
Aquando da sua passagem pela DC Comics, o Sombra encontrou-se com o Homem-Morcego em duas ocasiões. Na primeira, em Batman nº253 (novembro de 1973), o Cavaleiro das Trevas reconhece ter sido o Sombra a sua principal inspiração.
Também Alan Moore creditou o Sombra como principal referencial para a conceção visual de V, o protagonista da aclamada minissérie V for Vendetta (V de Vingança) adaptada ao cinema em 2005.
O Sombra influenciou decisivamente a criação do Batman, bem como a de V (em baixo). |
Apontamentos
*Águia Negra era o nome de código usado por Kent Allard quando era um espião ao serviço de Nicolau II;
*Kent Allard e Lamont Cranston já trabalharam em conjunto. Numa dessas raras ocasiões, o segundo alvejou um membro da Hidra (organização criminal em tempos desmantelada pelo Sombra) com uma espingarda para caçar elefantes;
*Médico pessoal do Sombra, o Dr. Rupert Sayre está ciente da existência de dois Lamont Cranstons. Apesar de não integrar a rede de agentes ao serviço do herói, mantém com ele uma relação de amizade;
*Então um jovem ator de 22 anos, Orson Welles - o homem que, aos microfones da rádio, levou milhares de americanos a acreditarem que a Terra tinha sido invadida por marcianos - também emprestou a sua voz ao Sombra, de setembro de 1937 a outubro de 1938;
*Em 1996, já depois de a DC Comics ter prescindido dos direitos da personagem, o Sombra fez uma pequena aparição no segundo volume da minissérie Kingdom Come (Reino do Amanhã). O herói surge em fundo na cena ambientada num clube noturno ladeado por Rorschach e Questão, outras duas personagens a que serviu de modelo;
Orson Welles também deu voz ao Sombra no seu lendário programa radiofónico. |
Noutros media
O impressionante lastro mediático do Sombra inclui diversas passagens pelo grande ecrã, a última das quais remonta a 1994. Com Alec Baldwin como protagonista, The Shadow combinava elementos das aventuras literárias do herói com outros retirados do seu programa de rádio. Apesar da sua fidelidade ao conceito original, o filme redundou num monumental fracasso de bilheteira, inviabilizando dessa forma qualquer sequela.
Além desta produção do estúdio Bregman/Baer, a filmografia oficial da personagem é composta por curtas e longas-metragens, bem como por uma série.
Entre 1931 e 1932, a Universal Pictures produziu seis curtas-metragens baseadas no Sombra. Seguiram-se várias películas de mediano sucesso: The Shadow Strikes (1937), International Crime (1938), The Shadow Returns (1946) e Bourbon Street Shadows (1962).
Em 1994, Alec Baldwin foi o último ator a encarnar o Sombra. |
Na década de 1950 foram ainda feitas duas tentativas falhadas de adaptar o Sombra à televisão. A primeira, datada de 1954, foi titulada The Shadow e deveria ter servido de episódio-piloto a uma série que acabaria por nunca ser produzida. A mesma sorte teve The Invisible Avenger, de 1958. Os dois episódios gravados seriam, contudo, recuperados em 1962 sob a forma da longa-metragem que encerra a lista acima.
Uma risada que gela a alma dos culpados. O Sombra nunca falha! |
Texto denso e muito informativo, como sempre. Conheci o personagem por conta de várias revistas que meu pai comprou, nos anos 1970. Esta é a capa de uma delas.
ResponderEliminarhttps://vignette.wikia.nocookie.net/thelivingshadow/images/9/9c/Shadow_%28DC_Comics%29_Vol_1_5.jpg/revision/latest?cb=20120518140043
Excelente texto. Parabéns!
ResponderEliminarMuito bom! Parabéns pela pesquisa!
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