Na sua hora mais negra, uma pandilha de vigilantes amorais desvenda a terrível verdade por detrás de uma conspiração que poderá mudar o curso da História. Com as doze badaladas prestes a soarem no Relógio do Apocalipse, até onde estarão eles dispostos a ir para salvar a Humanidade de si mesma?
Título original: Watchmen
Ano: 2009
País: Estados Unidos da América
Duração: 163 minutos
Género: Ação / Mistério / Fantasia / Super-heróis
Produção: Warner Bros. Pictures e Legendary Pictures
Realização: Zack Snyder
Argumento: David Hayter & Alex Tse (baseado na história original de Alan Moore)
Distribuição: Warner Bros. (apenas na América do Norte) e Paramount Pictures (resto do mundo)
Elenco: Billy Crudup (John Osterman / Doutor Manhattan); Jackie Earle Haley (Walter Kovacs / Rorschach); Patrick Wilson (Daniel Dreiberg / Coruja II); Matthew Goode (Adrian Veidt / Ozymandias); Malin Akerman (Laurie Jupiter / Espectral II); Jeffrey Dean Morgan (Edward Blake / Comediante); Carla Gugino (Sally Jupiter / Espectral); Matt Frewer (Edgar Jacob / Moloch)
Orçamento: 130 milhões de dólares
Receitas globais: 185,3 milhões de dólares
Anatomia de um épico
Pioneira na desconstrução das convenções do género heroico, em 1986 Watchmen, dos britânicos Alan Moore e Dave Gibbons, revolucionou os meandros dos quadradinhos americanos e colocou a DC na vanguarda de uma nova era. Nesse mesmo ano, os produtores Lawrence Gordon e Joel Silver adquiriram os direitos da saga para a 20th Century Fox. Depressa se tornou porém evidente que a transição para o celuloide daquela que é uma das sagas mais cultuadas da história da 9ª Arte seria missão espinhosa.
A primeira contrariedade surgiu quando Alan Moore se recusou a escrever um argumento baseado na sua história. Moore sempre se demarcou das adaptações audiovisuais das suas obras e, como tantos outros, considerava que Watchmen era um filme impossível de ser feito. O longo caminho das pedras que o projeto teve de percorrer parecia dar-lhes razão.
Há um antes e um depois de Watchmen na história da 9ªArte. |
Face à recusa de Moore, a Fox contratou Sam Hamm (argumentista de Batman) para escrever um enredo que condensasse os doze capítulos da saga original num único filme. Partiu dele a ideia de alterar o rebuscado final da história de Moore (que envolvia uma lula gigante), substituindo-o pelo assassinato do eu passado do Doutor Manhattan, originando um paradoxo temporal.
Já depois de o projeto ter passado para as mãos da Warner Bros., em 1991 o ex-Monty Phyton Terry Gilliam (12 Macacos) foi o primeiro nome escolhido para ocupar a cadeira de realizador. Com um orçamento estimado em 100 milhões de dólares, os produtores conseguiram apenas angariar um quarto desse valor. Muito por causa da reputação despesista de Gilliam que, logo depois, bateria com a porta, taxando Watchmen de inadaptável. A malapata de Moore fazia a sua primeira vítima.
Depois de uma década a marinar, em 2001, à boleia do estrepitoso sucesso de O Senhor dos Anéis: A Irmandade do Anel, Watchmen ganhou novo fôlego. Em outubro desse ano, Lawrence Gordon firmou uma parceria com Lloyd Levin e a Universal Pictures, contratando David Hayter (argumentista de X-Men) para escrever e dirigir a película. Aproveitando a carta de alforria recebida, Hayter transferiu a trama para a atualidade, descontextualizando-a da Guerra Fria.
Quando diferenças criativas ditaram o fim prematuro da parceria com a Universal, os produtores ensaiaram uma tentativa falhada de colocar o projeto sob os auspícios da Revolution Studios. Mesmo os que não são dados a superstições não tinham como negar o enguiço. Watchmen voltava, uma vez mais, à estaca zero.
Até que, em julho de 2004, a Paramount Pictures, ao abrigo de um acordo extrajudicial com os produtores (que acusava de violação contratual), anunciou que teria a seu cargo a distribuição internacional do filme. Michael Bay (Transformers), Tim Burton (Batman) e Darren Aronofsky (Cisne Negro) foram alguns dos cineastas sondados para capitanear o projeto, No entanto, por um motivo ou por outro, todos acabariam por se descartar.
Impressionada com o brilhante trabalho de Zack Snyder em 300 (adaptação da saga homónima da autoria de Frank Miller), a Warner Bros. ofereceu-lhe a cadeira vaga de realizador. Snyder não se fez rogado e, à semelhança do que fizera em 300, usou a saga original como storyboard. Entretanto, o argumento de Hayter foi revisto por Alex Tse que, de uma penada, devolveu a história ao contexto original da Guerra Fria e alterou uma vez mais o respetivo desfecho. Adicionalmente, as cenas de luta foram estendidas e uma trama secundária sobre recursos energéticos foi incluída para tornar o filme menos datado.
Zack Snyder fez o que muitos duvidam que pudesse ser feito. |
Recebida a luz verde por parte da Warner Bros., as filmagens decorreram entre setembro de 2007 e fevereiro de 2008, em Vancouver. A escolha desta cidade canadiana para fazer as vezes de Nova Iorque deveu-se à insistência de Snyder em privilegiar cenários reais, reservando as telas verdes para as sequências em Marte e na Antártida. A complexidade dos efeitos visuais requereu a contratação de uma dezena de empresas do ramo e Dave Gibbons aceitou ser consultor artístico do projeto, tendo inclusivamente desenhado um dos cartazes promocionais de Watchmen.
À meia-noite em ponto de 23 de fevereiro de 2009, Watchmen fez a sua estreia mundial no Odeon Leicester Square, um dos cinemas mais emblemáticos da capital britânica. Apesar das receitas de bilheteira terem ficado aquém do esperado (55 milhões de dólares arrecadados no primeiro fim de semana em cartaz) e de ter polarizado opiniões, Watchmen demorou menos de uma década a tornar-se um filme de culto (que Alan Moore se gaba de nunca ter visto).
Quem vigia os vigilantes? |
Enredo
A trama desenrola-se numa linha temporal alternativa na qual vigilantes mascarados são reais e vêm lutando, há longos anos, contra o crime em terras do Tio Sam. Fenómeno surgido na viragem da década de 1930, em resposta aos métodos cada vez mais violentos das quadrilhas tradicionais e ao crescente número de bandidos fantasiados.
Durante a II Guerra Mundial, alguns desses vigilantes - entre os quais o Comediante e a primeira Espectral - formaram um grupo apelidado de Minutemen, para fazerem aquilo que a Lei não conseguia. Dos oito membros fundadores, três foram mortos em ação, um desapareceu sem deixar vestígios e outro foi internado num manicómio. De permeio, o Comediante fora expulso da equipa, depois de uma tentativa de violação a Espectral.
Os Minutemen. |
Décadas mais tarde, uma segunda geração de justiceiros fantasiados, inspirados pelos Minutemen, fundaram uma nova equipa chamada Watchmen. Em consequência das suas ações, vários eventos históricos, como o assassinato de John F. Kennedy e a Guerra do Vietname, foram alterados. A vitória americana no Vietname, alcançada graças à interferência do omnipotente Doutor Manhattan (o único Watchman com superpoderes), prolongou a estadia de Richard Nixon na Casa Branca, possibilitada pela prévia revogação da lei que limitava os mandatos presidenciais.
No final dos anos 70, um forte sentimento antivigilante instalou-se no país, levando o Congresso americano a proibir os heróis fantasiados, daí resultando a dissolução dos Watchmen. Paralelamente, a Guerra Fria ficou ao rubro com uma escalada de tensão entre os EUA e a URSS pontuada pela ameaça cada vez menos teórica de um holocausto nuclear. A cada dia que passava, o ponteiro do Relógio do Apocalipse deslizava perigosamente para a meia-noite e a Humanidade parecia ter os minutos contados.
Em 1985, apenas três Watchmen permanecem no ativo: o Comediante e o Dr. Manhattan (ambos agentes do Governo) e Rorschach, que opera na clandestinidade. Ao investigar o assassinato de Edward Blake, Rorschach descobre que ele era na verdade o Comediante e conclui que os Watchmen poderão estar na mira de alguém determinado em eliminar aqueles que costumavam ser os defensores da sociedade.
A morte do Comediante coloca a nu uma tenebrosa conspiração. |
Rorschach apressa-se a alertar os seus antigos aliados, começando pelo seu ex-parceiro Daniel Dreiberg (o segundo Coruja). Embora cético, Dreiberg transmite as inquietações de Rorschach a Adrian Veidt, outrora conhecido como Ozymandias e agora um dos homens mais ricos e inteligentes do mundo. Veidt descarta prontamente a teoria conspirativa de Rorschach, que também não recebe crédito por parte do Dr. Manhattan nem de Laurie Jupiter, a segunda Espectral (filha da original).
Após o funeral de Blake, o Dr. Manhattan é acusado de ter causado cancro à sua ex-namorada e a outras pessoas que com ele privaram desde o acidente científico que transformou John Osterman num deus vivo. Temendo pela segurança daqueles que o rodeiam, em particular de Laurie (de quem se vinha distanciando cada vez mais), Manhattan parte para o exílio em Marte. A sua ausência desfalca o poderio americano e dá aos soviéticos a confiança necessária para invadirem o Afeganistão. E assim a contagem decrescente para o Juízo Final acelera um pouco mais.
Dias mais tarde, é a vez de Adrian Veidt escapar por pouco a um atentado levado a cabo por desconhecidos. Mas nem todos os Watchmen têm a mesma sorte.
Quando interrogava Moloch, ex-némesis do Comediante e principal suspeito da sua morte, Rorschach cai numa cilada e acaba incriminado pela morte do vilão. Condenado a uma pesada pena de prisão, Rorschach tem o seu verdadeiro rosto exposto pela primeira vez. Resta-lhe o consolo de saber que a sua paranoia era real e que os Watchmen são, efetivamente, alvos a abater.
Agora um casal, Laurie Jupiter e Daniel Dreiberg regressam ao ativo como Espectral e Coruja para resgatarem Rorschach da prisão. Mesmo a anos-luz de distância, o Dr. Manhattan continua a acompanhar a evolução dos acontecimentos e teletransporta a ex-amante para o Planeta Vermelho. Espectral implora a Manhattan que salve o mundo, mas ele limita-se a expressar-lhe a sua indiferença relativamente ao destino da Humanidade.
Espectral e Coruja resgatam Rorschach da prisão. |
Contudo, ao sondar as memórias da jovem, Manhattan descobre que ela é, afinal, filha do Comediante. Apesar da agressão sexual, ele e a mãe de Espectral tinham-se apaixonado e mantido uma relação em segredo. Fascinado com aquela sequência improvável de acontecimentos, Manhattan concorda em retornar à Terra. A Humanidade é uma espécie sui generis que talvez valha a pena preservar.
Rorschach e Coruja desvendam, entretanto, a terrível verdade acerca da conspiração que quase desbaratou os Watchmen: Ozymandias está por trás de tudo. Antes de viajarem para a Antártida para confrontarem o ex-colega de equipa na sua fortaleza, Rorschach regista os factos no seu diário, enviando-o em seguida para a redação de um jornal nova-iorquino.
Ozymandias confirma, sem rebuço, ser ele o cérebro da operação que resultou na morte do Comediante, no exílio do Dr. Manhattan e na prisão de Rorschach. Para se colocar acima de qualquer suspeita, encenou também um atentado contra si mesmo.
Perante a incredulidade dos seus ex-camaradas, Ozymandias explica que o seu plano consiste em unir as duas superpotências contra uma ameaça comum, prevenindo dessa forma a III Guerra Mundial. Para concretizar este desígnio, Ozymandias sabotou vários reatores nucleares que, a pretexto de fornecer energia gratuita à Humanidade, convencera o Dr. Manhattan a construir. Da explosão dos reatores resultará a destruição das principais metrópoles e a incriminação de Manhattan, cuja assinatura energética está por todo o lado.
Enquanto Rorschach e Coruja tentam desesperadamente impedir Ozymandias, este informa-os da marcha avançada do seu maquiavélico plano. Naquele preciso momento, em diferentes pontos do globo, há reatores a serem detonados numa sincronia mortífera.
Longe dali, entre as ruínas radioativas de Nova Iorque, o Dr. Manhattan e Espectral deduzem que a hecatombe será obra de Ozymandias e teletransportam-se para a sua fortaleza na Antártida. Ozymandias atrai Manhattan para uma máquina idêntica àquela que o criou e que, aparentemente, o atomiza. No entanto, Manhattan não pode ser morto e ressurge na forma de um gigante.
Nem o todo-poderoso Dr. Manhattan consegue travar a engrenagem do Apocalipse. |
Prestes a ser vaporizado por Manhattan, Ozymandias mostra aos restantes Watchmen a comunicação ao país que o Presidente Nixon faz naquele preciso momento na TV. Em resposta ao ataque atribuído a Manhattan, americanos e soviéticos aliaram-se contra o inimigo comum e comprometem-se a defender a Humanidade.
Todos compreendem então que revelar a verdade serviria apenas para perturbar a paz mundial. Apenas Rorschach não deseja permanecer em silêncio e, a seu pedido, é morto por Manhattan. Impassível, este anuncia em seguida a sua intenção de viajar para uma galáxia menos complicada.
Também o Coruja rejeita a ideia de que o sacrifício de milhões de vidas humanas foi um pequeno preço a pagar pela paz mundial e, antes de partir com Espectral, insta Ozymandias a refletir sobre a enormidade dos seus atos.
Semanas depois, o editor do New Frontiersman, um jornal de ultradireita, reclama da ausência de notícias, agora que a Guerra Fria acabou e o mundo vive em harmonia. À falta de melhor ideia, manda um estagiário esquadrinhar a correspondência enviada pelos leitores, entre a qual repousa o diário de Rorschach...
Trailer
Curiosidades
*"Who watches the Watchmen?" ("Quem vigia os vigilantes?") é uma frase da autoria de Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.). Foi originalmente proferida no contexto de um debate com Platão para contestar a sua proposta de criação dos filakes (guardiões) como autoridade máxima e infalível das cidades-estado gregas. Apesar de servir de bordão ao filme, a frase nunca é totalmente visível na saga original, surgindo ora incompleta ora parcialmente coberta;
*Múltiplas referências históricas e culturais, ligeiramente alteradas, foram incorporadas no introito da película. Silhouette, ocupando o lugar do marujo na célebre fotografia tirada por Alfred Eisenstaedt no dia da vitória aliada na II Guerra Mundial, beija uma enfermeira em plena Times Square; a festa de despedida da primeira Espectral recria a pintura "A Última Ceia", de Leonardo Da Vinci; a foto do Comediante a apertar a mão de Nixon é baseada naquela que, no mundo real, o ex-Presidente dos EUA tirou com Elvis Presley no final do encontro entre ambos na Casa Branca; a imagem de uma jovem manifestante pacifista a enfiar uma flor branca no cano da espingarda de um soldado americano referencia "Flower Power", a icónica fotografia captada por Bernie Boston em 1967, no auge dos protestos estudantis contra a Guerra do Vietname;
A festa de despedida de Espectral I recria A Última Ceia. |
*Divulgado aquando da estreia de O Cavaleiro das Trevas, em julho de 2008, o primeiro trailer de Watchmen despertou enorme interesse, ao ponto de devolver a saga homónima à lista dos mais vendidos. Para responder à intensa procura, a DC reimprimiu mais de um milhão de exemplares nos meses imediatos. Além do fundo musical dos Smashing Pumpkins, as únicas frases percetíveis no trailer saem da boca do Comediante e de Rorschach, as duas personagens que morrem no filme;
*Todas as bandeiras dos EUA presentes no filme incluem 51 estrelas porque, nessa realidade alternativa, o Vietname tornou-se o 51º estado da União, após a vitória americana no conflito militar travado nesse país do sudeste asiático;
*Entre o elenco principal, apenas Jackie Earle Haley - que fez ativamente campanha para obter o papel de Rorschach - conhecia a saga original. Apesar de ser cinturão negro em Kenpo, Haley optou por não se valer dessas habilidades nas suas cenas de luta, por considerar que a sua personagem teria um estilo mais indisciplinado;
*Em conjunto com o guião, todos os atores receberam uma cópia de Watchmen, que estavam autorizados a levar para o set. A ideia era que eles sugerissem alterações aos respetivos diálogos, por forma a que estes fossem mais fluidos e mais fiéis à história original;
*Quando lhe foi oferecido o papel de Coruja II, Patrick Wilson consultou um amigo especialista em comics antes de tomar uma decisão. A conselho deste, o ator - que atraíra a atenção de Zack Snyder com a sua prestação em Pecados Íntimos (2006) - aceitou encarnar a personagem, cujo excesso de peso o obrigou a ganhar 11 quilos. Em sinal de apreço pelo conselho do amigo, Wilson convidou-o a assistir à gravação da cena da fuga de Rorschach da prisão;
*Zack Snyder debateu-se com algumas dificuldades no processo de seleção do ator que vestiria a pele do Comediante. Snyder procurava alguém tão carismático e rabugento como a personagem, encontrando em Jeffrey Dean Morgan o candidato perfeito. Durante a entrevista com o realizador, Morgan - que começara por rejeitar o papel, mudando de ideias por influência do seu agente - mostrou-se particularmente mal-humorado, o que foi determinante para o seu escalonamento;
*Também Ozymandias provou ser um papel difícil de preencher, uma vez que requeria um ator simultaneamente atraente, atlético e com uma expressão blasé. Atributos que, aos olhos de Zack Snyder, só o britânico Matthew Goode reunia. Muito diferente do visual do seu congénere canónico, o figurino do Ozymandias cinematográfico parodiava a infame armadura com mamilos usada por George Clooney em Batman & Robin (1997);
O figurino de Ozymandias parodia os Bat-mamilos de George Clooney. |
*Para evitar um processo de gravação demorado e dispendioso, envolvendo duas tomadas por cada cena do Doutor Manhattan, Billy Crudup usou um traje especial de captura de movimento com 2500 LED incrustados e marcadores no rosto. Dessa forma, o brilho azulado do Dr. Manhattan seguia mais de perto os seus movimentos do que um projetor instalado no set, obtendo, de caminho, um efeito mais convincente do que qualquer CGI;
*Watchmen foi o primeiro filme de super-heróis a incluir nudez frontal. Na Tailândia, a genitália do Dr. Manhattan foi censurada com recurso à pixelização;
*Apenas sete anos separam Carla Gugino de Malin Akerman que, no filme, interpretam, respetivamente, mãe e filha;
*Por junto, Watchmen arrecadou quatro prémios, incluindo o Saturn Award para melhor filme de fantasia. Integrou ainda a lista de pré-nomeados ao Óscar de Melhores Efeitos Visuais, mas não passou à fase seguinte;
*A banda sonora oficial do filme inclui três canções da autoria de Bob Dylan- Desolation Row, All Along the Watchtower e The Times They Are a-Changin' -, mas apenas esta última é interpretada pelo próprio, ao passo que a primeira não é referenciada na saga original.
A banda sonora oficial de Watchmen inclui 3 temas da autoria de Bob Dylan. |
Veredito: 90%
Rareiam as adaptações cinematográficas de grandes sagas da 9ª Arte que justificam o uso de F maiúsculo no requisito da fidelidade. Watchmen é uma dessas honrosas exceções e, só por isso, merece ser celebrada.
À direção de Snyder preside um impressionante cuidado estético. Patente, desde logo, na recriação milimétrica das vinhetas mais impactantes de Dave Gibbons na BD original. Dando mostras de um zelo quase apostólico, o realizador vai ainda mais longe ao reproduzir, ipsis verbis, praticamente todos os diálogos de Alan Moore.
Pautada por flashbacks e longas sequências concentradas no passado dos protagonistas, a narrativa segue um modelo invulgar para uma longa-metragem deste género. Apesar dos riscos inerentes, Snyder seguiu rigorosamente o ritmo explorado na história de Moore. Sem conseguir evitar alguns desequilíbrios, Snyder logrou ainda assim a proeza de condensar os doze capítulos da saga em pouco mais de duas horas e meia de projeção.
Em virtude dessa duração extensa, Snyder enfatizou inteligentemente a ação. Embora nem sempre consentâneas com o realismo da saga original, o filme possui cenas empolgantes como a luta do Comediante com o seu misterioso assassino, a violenta rixa no beco em que o Coruja e Espectral se vêm envolvidos ou a espetacular fuga de Rorschach da prisão. Se Watchmen é, em última análise, um thriller psicológico, a sua versão cinemática é, inquestionavelmente, um filme de ação temperado com muito suspense.
Imunes às grosseiras descaracterizações que deixam tantas vezes irreconhecíveis as personagens adaptadas, todos os Watchmen estão, tanto a nível físico como moral, perfeitamente representados. A começar pela excelente prestação de Jackie Earle Haley, absorvido pela obsessão maníaca de Rorschach e com uma voz rouca tão incómoda como as verdades por ele gritadas na cara da sociedade.
O sempre competente Patrick Wilson oferece-nos um Coruja profundamente humano e convincente no seu drama de impotência face à magnitude dos eventos. Billy Crudup, por sua vez, aborda muito bem o desacoplamento moral do Doutor Manhattan, que se vê como um deus entre insetos. Jeffrey Dean Morgan, apesar do pouco tempo de ecrã, é a encarnação perfeita do sarcasmo e sadismo do Comediante, contrastando com a ocasional inexpressividade e falta de carisma de Malin Akerman (o elo mais fraco do elenco) como Espectral. Por fim, Matthew Goode apresenta-nos um Ozymandias diferente do original, mas tão maquiavélico como este.
Além de uma obra-prima no capítulo visual, Watchmen beneficiou ainda da escolha inspirada da sua banda sonora, pecando apenas pela ausência de uma partitura épica como aquela que John Williams compôs para Superman, The Movie. Destaque para a atemporal The Times They Are A-Changin', de Bob Dylan, que acompanha uma das melhores sequências de abertura de todos os tempos. Atendendo à atmosfera lúgubre do filme, até o alívio cómico proporcionado por Hallelujah, de Leonard Cohen, à cena de sexo entre o Coruja e Espectral é bem-vindo.
Tecnicamente sublime, com um estilo distinto e emocionalmente poderoso, Watchmen é uma mescla de realidade e fantasia que verga os limites da imaginação. Mas é, também, tão imperfeito como os seus protagonistas. Que, apesar das suas boas intenções e dos seus conceitos distorcidos de justiça, não passam de simples humanos (ou ex-humanos) a tentarem proteger a sociedade de si mesma. Exatamente aquilo que Snyder procura fazer em relação à essência da obra adaptada.
Watchmen pode não ter sido um campeão de bilheteira nem nunca vir a agradar aos puristas, mas é certamente a adaptação possível de uma saga que muitos consideravam impossível de transpor ao cinema, e um dos melhores filmes de super-heróis alguma vez feitos.
*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da língua portuguesa.
Parabéns por mais um poderoso texto, ao nível do objeto abordado. 'Watchmen' é mais um exemplo de como fatores alheios (e comerciais) protelam uma produção. Porém, graças à sua qualidade e à escolha feliz de direção e elenco, tinha muito o que dizer, mesmo quase um quarto de século mais tarde.
ResponderEliminarApesar do que disse Moore, 'Watchmen' era um filme possível. Desde, claro, que nas mãos certas. E assim foi. Tanto, que até as mudanças, menores ou maiores (o final), foram logo perdoadas pelos analistas mais críticos. O filme sempre foi possível porque, apesar de originalmente ser uma história em quadrinhos, sua narrativa (textual e visual) extrapolava a linguagem estrita dos quadrinhos, facilmente motivando uma mentalização animada, em live action até, de tudo o que se lia. Semelhantemente, ao assistir ao filme, parece que Rorschach sempre havia sido Haley, assim como o Comediante sempre teria sido Morgan. Mais fácil do que lembrar que Constantine nasceu com o rosto de Sting.
Gostaria de ressaltar ainda dois pontos: um, o clima da Guerra Fria citada no texto. Apesar de ser um dos mais fervorosos nostálgicos dos anos 80, também foi um período em que o imaginário deixava pessoas enxergando mísseis atômicos sobre a cabeça como se fossem espadas de Dâmocles. O filme conseguiu mostrar que a década de 80 não foi só de causas da liberdade, mas também sombria de certa forma. Por fim, um destaque para a trilha que, embora tenha sido composta por músicas que não eram dos anos 80, mas dos 60, encaixaram-se perfeitamente nas cenas.
José de Arimathéia
Mais um texto apuradíssimo. Deu-me vontade de rever essa película. Sim, acho muito melhor que o quadrinho, verborrágico e cheio de detalhes desimportantes. Está mais para livro ilustrado adulto.
ResponderEliminarEmbora eu tenha essa obra quadrinhística em duas versões (em partes com capa flexível e GN com capa dura), não gostei quando li e da mesma maneira não gostei da adaptação fidelíssima feita para a tela grande. Já fui olhado com nojo ao fazer essa afirmação diante de fãs xiitas do velho Alan ("Cara, qual é o seu problema?"), da mesma maneira que sói acontecer quando digo que Star Wars não me interessa minimamente depois dos três primeiros filmes. Coincidentemente ou não (eu tendo a achar que não), acontece exatamente a mesma coisa em quadrinho e em filme com outra obra do Moore, V de Vingança... Sou fã do Snyder diretor. Como exercício cinematográfico, é um bom filme. Os personagens é que nada me dizem, todos têm para mim um gosto insosso de "mais do mesmo". Nada que eu já não tenha visto\lido antes, algumas vezes bem melhor. Vim aqui pela leitura do texto acima, pois sabia que seriam momentos agradáveis e que eu teria acrescentados ao meu saber novos conhecimentos. Nisso fui recompensado, como esperava. Dito e feito, havia informações que eu desconhecia. Nota dez para o texto. Quanto ao filme, nesse ibope não deu mais que traço, assim como seu irmão V.
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