Durante demasiado tempo, os intocáveis banquetearam-se com a riqueza e o espírito da sua cidade. Chegou, porém, a hora de o príncipe de Gotham interromper o festim de ganância e impunidade. Faminto de justiça, ele travará a coberto da noite uma guerra que não poderá vencer sozinho, mas que fará dele uma lenda.
Título original: Batman: Year One
Editora: Detective Comics (DC)
País: Estados Unidos da América
Autores: Frank Miller (argumento) e David Mazzucchelli (arte)
Publicado em: Batman Vol.1 # 404-407 (fevereiro a maio de 1987)
Personagens: Bruce Wayne / Batman; James Gordon; Selina Kyle / Mulher-Gato; Arnold Flass; Gillian Loeb; Alfred Pennyworth; Carmine Falcone; Sarah Essen; Holly Robinson; Harvey Dent; Barbara Eileen Gordon
Cenários: Várias localizações de Gotham City, incluindo a sede do Departamento de Polícia, a Mansão Wayne e a Batcaverna.
Edições em Português
Ao longo das últimas três décadas, Batman: Ano Um foi contemplado, em cada uma das margens do Atlântico, com uma miríade de edições e reedições na língua de Camões.
Seguindo o modelo de publicação original, no Brasil Ano Um foi inicialmente apresentado aos leitores nos quatro primeiros números da segunda série de Batman, dados à estampa pela Abril entre setembro e dezembro de 1987. Esta primeira versão em Português tropical - distribuída no ano seguinte em terras lusitanas - teve a particularidade de ser a única a ser lançada no chamado formatinho económico.
Ainda sob os auspícios da mesma editora - e inserida nas comemorações do 50º aniversário do Homem-Morcego - em 1989 foi lançada a primeira de várias compilações em formato americano, algumas das quais com capa dura.
Desde que, em 2002, obteve os direitos do Universo DC em terras de Vera Cruz, também a Panini vem lançado sucessivas reimpressões de Ano Um, a mais recente das quais remonta a dezembro de 2016.
Já a primeira versão lusa da saga teve a chancela da Devir e chegou às bancas nacionais em finais de 2001. Mercê do sucesso comercial da iniciativa (7 mil exemplares vendidos), em 2005 seria lançado um segundo volume encadernado da obra, cuja única diferença relativamente ao anterior era a inclusão de um livro de esboços (sketchbook) de David Mazzucchelli.
Em 2015, seria a vez de a Levoir selecionar Ano Um para inaugurar a sua coleção evocativa dos 75 anos do Batman, originalmente distribuída com o semanário Sol.
Agora com o mote da chancela norte-americana Black Label, em novembro do ano passado a Levoir brindou os leitores portugueses com nova republicação desta história clássica do Cavaleiro das Trevas.
Morcego renascido
Seguindo o modelo de publicação original, no Brasil Ano Um foi inicialmente apresentado aos leitores nos quatro primeiros números da segunda série de Batman, dados à estampa pela Abril entre setembro e dezembro de 1987. Esta primeira versão em Português tropical - distribuída no ano seguinte em terras lusitanas - teve a particularidade de ser a única a ser lançada no chamado formatinho económico.
Ainda sob os auspícios da mesma editora - e inserida nas comemorações do 50º aniversário do Homem-Morcego - em 1989 foi lançada a primeira de várias compilações em formato americano, algumas das quais com capa dura.
Primeira compilação de Ano Um (Abril Jovem, 1989). |
Já a primeira versão lusa da saga teve a chancela da Devir e chegou às bancas nacionais em finais de 2001. Mercê do sucesso comercial da iniciativa (7 mil exemplares vendidos), em 2005 seria lançado um segundo volume encadernado da obra, cuja única diferença relativamente ao anterior era a inclusão de um livro de esboços (sketchbook) de David Mazzucchelli.
Em 2015, seria a vez de a Levoir selecionar Ano Um para inaugurar a sua coleção evocativa dos 75 anos do Batman, originalmente distribuída com o semanário Sol.
Agora com o mote da chancela norte-americana Black Label, em novembro do ano passado a Levoir brindou os leitores portugueses com nova republicação desta história clássica do Cavaleiro das Trevas.
Ano Um abriu a coleção da Levoir evocativa dos 75 anos do Batman. |
Morcego renascido
Foi em maio de 1939 - há precisamente 81 anos, portanto - que Batman debutou em Detective Comics #27. Numa historieta intitulada The Case of the Chemical Syndicate, o Homem-Morcego começava a construir a sua reputação de melhor detetive do mundo ao deslindar o mistério por detrás do homícidio de um industrial de Gotham City.
Criado por Bob Kane e Bill Finger a reboque do sucesso do Super-Homem no ano anterior, a Batman serviram de inspiração diversas personagens clássicas saídas da literatura pulp. O Sombra e o Zorro foram duas delas, conquanto sejam igualmente notórias as influências do Fantasma, de Lee Falk. A sua origem só seria, no entanto, revelada vários meses depois.
Em novembro de 1939, Detective Comics #33 incluía uma história escrita por Bill Finger que levantava, por fim, o véu que até aí cobrira o traumático passado do circunspecto defensor de Gotham City. Foi, pois, através dela que os leitores ficaram a par da tragédia pessoal de Bruce Wayne, um órfão milionário que, ainda criança, vira os seus pais serem assassinados a sangue-frio durante um assalto de rua.
De coração enlutado, o pequeno Bruce jurou vingar a morte dos seus pais, devotando a sua vida a combater o crime e a injustiça. Para esse efeito, ele criou um disfarce inspirado no morcego que, certa noite, invadira a Mansão Wayne. Sendo esse, de resto, um dos vários elementos referenciados por Frank Miller na sua releitura da origem clássica do Batman, em Ano Um.
A origem de Batman foi revelada em Detective Comics #33 (1939). |
Em 1948, Bill Finger atribuiu, pela primeira vez, um nome ao assassino de Thomas e Martha Wayne. Até então um meliante anónimo, o homem que mudou as agulhas do destino de Bruce Wayne passou a ser identificado como Joe Chill.
Menos de uma década após esta primeira alteração, em 1956, Finger acrescentou outro dado novo. A morte dos Waynes não resultara, afinal, de um crime aleatório, mas de uma execução sumária encomendada pela Máfia. Ao mesmo tempo que era sugerido que, para criar o seu alter ego noturno, Bruce se inspirara não num morcego, mas numa fantasia usada pelo pai num baile de máscaras.
Histórias subsequentes relatariam ainda as muitas viagens de Bruce à volta do mundo, com o propósito de desenvolver os talentos necessários para empreender a sua cruzada contra o crime.
Num esforço para corrigir erros de continuidade como estes, em 1985 - ano em que comemorava as suas bodas de ouro - a DC resolveu iniciar uma nova cronologia. Graças a Crise nas Infinitas Terras, a mãe de todas as sagas, os leitores puderam presenciar o alvorecer de uma nova era.
Coincidentemente, foi durante a produção de Crise nas Infinitas Terras que Frank Miller, uma das estrelas em ascensão na Marvel, assumiu as histórias do Demolidor. Miller começara por desenhar a série mensal do Homem Sem Medo mas o editor Dennis O'Neil desafiara-o a trocar o lápis pela máquina de escrever.
Da pena de Frank Miller saíram sagas memoráveis. |
Foi com o currículo abrilhantado por essa obra-prima da 9ª Arte que, em 1986, Miller trocou a Marvel pela DC. Na Editora das Lendas assinou, nesse mesmo ano, aquele que muitos consideram ser o seu magnum opus: O Regresso do Cavaleiro das Trevas.
O contrato celebrado entre Miller e a DC previa igualmente que o escritor produzisse uma nova origem do Batman. Contrariamente ao que sucedera com O Regresso do Cavaleiro das Trevas, desta feita Miller preferiu não transformar a empreitada num projeto unipessoal. Por sua sugestão, a DC recrutou ninguém menos do que David Mazzucchelli para desenhar a história, reunindo assim a dupla-maravilha que fizera do Demolidor um caso sério de popularidade.
Depois do Demolidor, o traço de David Mazzucchelli ajudou a redefinir o Batman. |
A amizade com Dennis O'Neil - cunhada durante a passagem de ambos pela Casa das Ideias - acabaria, contudo, por falar mais alto, levando Miller a ceder. Mas apenas depois de O'Neil lhe ter asseverado que continuaria a dispor de total liberdade criativa no protocolo modificativo de um dos maiores ícones da cultura pop do século XX.
Apesar dessa carta de alforria, a abordagem de Miller revelou-se menos arrojada do que se previa. Consistindo, basicamente, em expandir a premissa glosada por Bill Finger em 1939, focalizando-se em aspetos da origem do Batman que permaneciam por explorar. Em contrapartida, resumiu elementos fundamentais do mito à sua expressão mínima. O assassinato de Thomas e Martha Wayne, por exemplo, foi evocado sob a forma de breves flashbacks.
Por considerá-las desinteressantes, Miller suprimiu também as aventuras do jovem Bruce Wayne ao redor do mundo. Em vez de apresentar Batman como uma lenda viva, à semelhança do que fizera em O Regresso do Cavaleiro das Trevas, Miller caracterizou-o como um homem comum e inexperiente a tentar fazer a diferença numa sociedade de regras viciadas.
Do ponto de vista de Miller, a eficiência de um herói é inversamente proporcional ao seu apelo junto do público. Quanto mais falível, mais relacionável se torna uma personagem conotada com o Bem. Razão pela qual Ano Um apresentou um Batman imprudente que, não raro, subestimava os seus adversários.
Ao conferir-lhe uma atmosfera lúgubre, quase asfixiante, a arte de David Mazzucchelli enfatizava o tom realista imprimido por Miller à narrativa. O artista concebeu a sua interpretação de Gotham City para simbolizar a devassidão que contagiava os habitantes da cidade.
Na capital do crime, Batman é um alvo a abater. |
Evitando um corte radical com o passado, Ano Um seria inserto nos números 404 a 407 de Batman. A saga de Miller e Mazzucchelli foi um sucesso comercial (mais do que duplicou a tiragem da série) e conservaria o seu estatuto canónico até 2011. Apesar de o ter perdido nesse ano para Ano Zero, no âmbito dos Novos 52, sobretudo entre os leitores veteranos Ano Um continua a ser percecionada como a origem definitiva do Cavaleiro das Trevas.
Uma lenda em quatro atos. |
Aurora negra
Bruce Wayne regressa a Gotham City após uma ausência de doze anos. Durante esse prolongado interregno longe da cidade que o viu nascer, o jovem milionário viajou pelo mundo, estudando artes marciais e ciências forenses. De volta a casa, traz uma missão na bagagem.
Transferido de Chicago e acompanhado pela esposa grávida, também James Gordon desembarca em Gotham ansioso por reabilitar a sua carreira policial. Os dois homens não demoram a ter o seu primeiro contacto com a sórdida e violenta realidade daquela que é reputada como a capital do crime.
Na sua primeira patrulha com o detetive Arnold Flass, Gordon vê o seu novo parceiro agredir um adolescente negro apenas por diversão. À medida que incidentes desta natureza se sucedem, cresce em Gordon a determinação de endireitar as coisas.
Depois de se registar num hotel para garantir um álibi, Bruce, irreconhecível no seu disfarce, aventura-se na sua primeira missão no terreno. Ao adentrar no nada recomendável Distrito da Luz Vermelha, é abordado por uma prostituta menor de idade chamada Holly Robinson. Perante a recusa do falso cliente, o proxeneta de Holly arrasta-a por um braço para um beco escuro. Bruce segue-os com a intenção de confrontar o homem, mas vê-se cercado por um grupo de meretrizes que investem sobre ele.
Prestes a desenvencilhar-se das suas agressoras, Bruce é surpreendido pela entrada em cena de Selina Kyle, uma dominatrix de elegância e agilidade felinas. Enquanto luta com a recém-chegada, Bruce é esfaqueado numa perna por Holly. Essa não será, porém, a única cicatriz que ganhará naquela noite.
Chegados ao local, dois polícias fardados ferem Bruce a tiro, transportando-o, em seguida, no carro-patrulha. A caminho da esquadra, Bruce consegue abrir as algemas e neutralizar os agentes. A viatura onde seguem entre em despiste, acabando por capotar violentamente. Antes de abalar, Bruce retira, porém, os agentes inconscientes do interior dos destroços em chamas.
Debilitado pelos vários ferimentos recebidos, Bruce consegue, a muito custo, regressar à Mansão Wayne. Enquanto, sentado sozinho na penumbra, roga ao seu falecido pai por orientação, um morcego atravessa subitamente a vidraça de uma janela antes de pousar em cima de um busto de Thomas Wayne. A criatura noturna foi a resposta às suas preces e inspira-o a criar uma persona capaz de infundir medo no coração dos criminosos.
Sob o signo do morcego. |
Tão logo fica restabelecido, Gordon visita a casa do agente onde o grupo de Flass se costuma reunir para noitadas de póquer regadas a álcool. Flass é ó ultimo a sair e, devido ao seu estado ébrio, é facilmente subjugado por Gordon.
Após espancar o ex-parceiro com um taco de basebol, Gordon deixa-o algemado e desnudo no meio da neve. Apesar de dolorosa,a lição não servirá de emenda a Flass.
Na noite seguinte é a vez de Bruce ter o seu batismo de fogo como Batman. Três adolescentes que roubavam um televisor de uma loja são rapidamente deixados fora de combate. O Cruzado Encapuzado logrou a sua primeira vitória mas esta não aplacou a sua fome de justiça.
O lauto banquete em que participavam alguns dos intocáveis de Gotham City torna-se indigesto quando Batman irrompe e anuncia que a sua impunidade tem os dias contados. Em resposta a essa afronta, o Comissário Loeb autoriza Gordon a usar todos os meios para capturar o vigilante. Batman tem agora a cabeça a prémio.
Banquete indigesto. |
Estas e outras façanhas rendem a Batman o seu primeiro aliado. O promotor público Harvey Dent apoia secretamente as ações do vigilante, e tenciona cavalgar a onda de justiça que se encapela sobre Gotham, prometendo limpar uma cidade que não quer ser limpa.
Agora assistido pela charmosa detetive Sarah Essen, Gordon prossegue a sua investigação às atividades do misterioso Homem-Morcego que assombra a noite gothamita. Essen está convicta que Batman e Bruce Wayne são a mesma pessoa. Segundo ela, somente o príncipe de Gotham disporia dos recursos necessários para financiar as operações do vigilante.
No final de mais uma noite desperdiçada a seguir pistas inúteis, Gordon e Essen testemunham incrédulos o salvamento de uma sem-abrigo prestes a ser trucidada por um camião desgovernado. Saído da escuridão, Batman consegue tirar a mulher do caminho no último instante. Ao desviar-se de um obstáculo na via, Gordon perde o controlo do carro onde segue o casal de detetives e fica inconsciente após embater com a cabeça.
Ao voltar a si, Gordon depara-se com um quadro perturbador: Essen tem Batman na mira. O herói aproveita, porém, uma breve distração da detetive para desarmá-la antes de procurar abrigo num edifício devoluto.
Alegando que o prédio onde Batman se encontra encurralado já aguardava demolição, o Comissário Loeb ordena que seja lançada uma bomba no seu interior, a partir de um helicóptero da polícia.
A explosão obriga Batman a refugiar-se na cave fortificada do edifício, deixando para trás o seu cinto de utensílios que, por incluir substâncias inflamáveis, havia pegado fogo.
Uma equipa SWAT invade, pouco depois, o edifício para recolher o cadáver de Batman. Ao serem surpreendidos pelo mascarado, os agentes abrem fogo indiscriminadamente. Além do Homem-Morcego, também vários civis, aglomerados no exterior, são feridos pela saraivada de balas.
Caça ao morcego. |
Em meio ao caos instalado, Batman desaparece ao raiar do dia. Com um misto de pavor e esperança, Gotham testemunha a aurora negra de uma lenda; a lenda do Cavaleiro das Trevas.
Sem que Batman sequer o imagine, as suas audaciosas ações inspiram Selina Kyle a criar o seu próprio alter ego. Por conta da sua afinidade com felinos, Selina transforma-se na Mulher-Gato. A arte de roubar não mais será a mesma, agora que nasceu a rainha das ladras.
À noite, todos os gatos são pardos. |
Sem tempo sequer para colher os louros, Gordon é chantageado pelo Comissário Loeb com provas da sua relação extraconjugal com Essen. Disposto a arcar com as consequências, Gordon confessa o seu deslize amoroso à esposa. Barbara decide então abandonar Gotham a poucas semanas de dar à luz o primeiro filho do casal. Mas esse poderá muito bem ser o menor dos problemas de Gordon.
Ao invadir novamente a mansão de Falcone a coberto da noite, Batman escuta um plano para liquidar Gordon. A reunião é no entanto interrompida pelo advento da Mulher-Gato.
Frustrada pelo facto de os seus sofisticados golpes virem sendo atribuídos ao Batman, Selina Kyle resolveu não deixar os seus créditos por mãos alheias. Enquanto faz gato sapato dos guarda-costas de Falcone, é discretamente ajudada pelo Homem-Morcego, que se mantém camuflado entre as sombras.
Ao sair de casa na manhã seguinte, Gordon deteta as movimentações suspeitas de um motociclista que ronda a garagem do seu prédio. Decide investigar e encontra a sua família feita refém por um grupo de sequazes de Falcone liderados por Vitti, o sádico sobrinho do mafioso.
Tomado pelo instinto, Gordon abate os sequestradores, mas Vitti consegue fugir levando consigo o filho recém-nascido de Gordon.
Sempre com o misterioso motociclista no seu encalço, Vitti acaba por perder o controlo do seu automóvel quando tentava atravessar uma ponte sobre o rio. Vitti e Gordon envolvem-se numa luta corpo a corpo, durante a qual o detetive perde os óculos.
Disposto a tudo para salvar a pele, Vitti lança o bebé ao rio. Gordon corre para salvar o filho mas é o motociclista quem salta da ponte para lhe amparar a queda fatal.
Já com o filho, são e salvo, nos braços, Gordon percebe estar na presença do homem por trás da máscara do Batman. A quem tranquiliza dizendo que, sem os óculos, é "cego como um morcego", e que ele é livre de partir. Bruce aproveita a deixa para sair de cena, ciente de que ganhara um precioso aliado.
O início de uma aliança improvável. |
No epílogo, o agora Capitão Gordon aguarda pacientemente no telhado da sede do DPGC pela chegada do Batman. Acaba de receber informações sobre os planos de um lunático para envenenar o reservatório de água da cidade. Diz-lhe a sua intuição que o tal Joker ainda dará muito que falar...
Apontamentos
*O título do capítulo inaugural de Ano Um - Quem eu sou e como vim a ser (Who He Is and How He Came To Be, no original) - referencia a primeira origem canónica do Homem-Morcego apresentada em novembro de 1939, nas páginas de Detective Comics Vol.1 #33.
*O verdadeiro motivo da transferência de James Gordon para Gotham City é vagamente sugerido na narrativa. A mudança de cidade não foi de todo voluntária, e ter-se-á ficado a dever a um incidente não especificado envolvendo elementos corruptos da Polícia de Chicago. Esse episódio só seria clarificado em Batman: Gordon of Gotham, um spin-off de Year One publicado em 1998 e que segue inédito em língua portuguesa;
*Carmine Falcone, o poderoso chefe da Máfia que durante muito tempo controlou o submundo de Gotham, fez a sua primeira aparição em Ano Um. O seu reinado seria, porém, interrompido tanto pela ação concertada de Batman e Gordon, como pelas disputas territoriais com outros barões do crime, como o Pinguim;
Carmine Falcone, o Padrinho. |
*Ano Um estabelece que Bruce Wayne teria 25 anos de idade quando empreendeu a sua campanha para libertar Gotham do crime e da corrupção que a haviam feito refém. No que aparenta ter sido um lapso de Frank Miller, é referido que Bruce teria apenas sete anos quando assistiu ao assassinato dos seus pais. Outras fontes refutam, com efeito, esta informação. Na cronologia emanada de Zero Hora, por exemplo, é ponto assente que Bruce Wayne teria na verdade oito anos quando ficou órfão;
*O facto de o Super-Homem ser referenciado em Ano Um atesta que a sua entrada em cena precedera em vários meses a do Homem-Morcego. Essa referenciação ocorre em dois momentos distintos da trama: no primeiro deles, Barbara Gordon compara a tensão muscular acumulada nas costas do marido ao "Homem de Aço"; no segundo, Alfred sugere ironicamente que Bruce aprenda a voar como "aquele sujeito de Metrópolis";
*Vários locais emblemáticos de Gotham são referenciados ao longo da narrativa, designadamente Robinson Park, Finger Memorial e a Missão Sprang. Tratam-se de homenagens toponímicas a Jerry Robinson (cocriador de Robin), Bill Finger (cocriador de Batman) e Dick Sprang (o mais famoso dos artistas "fantasmas" de Bob Kane);
*A ideia de Batman usar um sonar para atrair morcegos para a sua localização seria revisitada no filme Batman - O Início (2005). De igual modo, a cena final daquele que foi o primeiro capítulo da trilogia cinematográfica do Cavaleiro das Trevas - quando Joker é mencionado por Gordon - remete para os últimos painéis de Ano Um;
A aurora negra de Ano Um recriada em Batman - O Início. |
*Quando sucedeu a Tim Burton como realizador de Batman Para Sempre (1995), Joel Schumacher planeava adaptar Ano Um. Ideia que seria no entanto prontamente descartada pelos produtores da franquia, interessados numa sequela e não numa prequela. Schumacher incluiria, ainda assim, vários elementos da obra nos flashbacks que acometiam Bruce Wayne ao longo do filme;
*Após o fiasco de Batman & Robin (1997), na viragem do milénio a Warner Bros. contratou Darren Aronofsky para escrever e dirigir um reboot da Bat-franquia baseado em Ano Um. O argumento apresentado por Aronofsky era todavia apenas vagamente inspirado na história original, chegando mesmo a pôr em causa várias convenções da personagem. Em virtude disso, o projeto foi engavetado e Aronofsky defenestrado;
*Apresentado em plena Comic-Con de San Diego, o filme animado Batman: Year One foi, em 2011, a primeira (e, até à data, única) adaptação oficial de Ano Um ao segmento audiovisual;
A versão animada de Ano Um. |
*Desde a publicação de Ano Um, foram várias as histórias que expandiram o conceito glosado por Frank Miller. Logo em 1987, Mike W. Barr escreveu Ano Dois, colocando Batman na peugada de Joe Chill, o assassino dos seus pais. Um par de anos volvidos, em 1989, foi a vez de Marv Wolfman recontar a origem de Robin em Ano Três. Ambos os arcos seriam, porém, desconsiderados na sequência dos ajustes cronológicos impostos por Zero Hora. Em sentido oposto, O Homem Que Ri foi consagrada como sequência direta de Ano Um. Saída da pena de Ed Brubaker em 2005, a história revisita o primeiro encontro entre Batman e Joker, e antecede cronologicamente os eventos de O Longo Halloween (outro desdobramento de Ano Um).
Em 2005, Ed Brubaker assinou a única sequela oficial de Ano Um. |
Vale a pena ler?
A despeito das suas oscilações criativas (nos últimos anos parece ter desaprendido de desenhar), Frank Miller sempre foi um autor visionário. O meu primeiro contacto com o seu trabalho deu-se através desse épico moderno chamado O Regresso do Cavaleiro das Trevas. Mesmo sendo ainda pessoa de palmo e meio, percebi de imediato que tinha em mãos algo verdadeiramente especial, muito diferente de tudo que lera até àquele momento. Só então tomei consciência de que as histórias de super-heróis poderiam abordar temas mais complexos e adultos, em vez de se resumirem à eterna luta entre as forças do Bem e do Mal.
Em Ano Um, Miller desenvolve a trama com simplicidade, embora sem perder o requinte narrativo, para o qual muito contribui o magistral traço de David Mazzucchelli. A trama equilibra-se bem entre Batman e Gordon, demonstrando serem ambos peças fundamentais na representação de um mesmo ideal: o primado da Lei e da Justiça. Com Gordon a personificar a primeira e Batman a segunda.
O amadurecimento das duas personagens é, com efeito, perfeitamente observável na obra. Após erros e acertos em campo, Batman adota progressivamente a rigidez e disciplina que o caracterizam; Gordon, único elemento incorruptível da corporação, paga um preço alto pela sua integridade. A retidão de caráter é-lhes comum e, por isso, ambos se admiram mutuamente, antes mesmo de se conhecerem.
Se Batman é a figura heroica vista com ligeiro distanciamento por conta do luto e revolta que carrega desde a infância, Gordon é concebido como o homem comum que realiza o possível na medida das suas forças. O futuro Comissário é um herói falho, que trai a esposa grávida e sofre violência física e emocional por parte dos seus companheiros. Mas cujas boas intenções acabam por sobressair num quadro de absoluta amoralidade. Não é por acaso que Gordon é uma das personagens mais empáticas do imaginário do Cavaleiro das Trevas.
Outro aspeto positivo de Ano Um radica na ausência de qualquer representante da burlesca galeria de vilões do Batman. Desse modo fica claro que, nos primórdios da sua carreira heroica, o Homem-Morcego tinha como principais inimigos a sua consciência e uma sociedade profundamente corrupta. Não obstante, futuros antagonistas, como Harvey Dent (Duas-Caras) e Selina Kyle (Mulher-Gato), são introduzidos de forma brilhante.
Ano Um é, sem margem para dúvidas, uma das melhores histórias do Batman e uma obra-prima da 9ª Arte. É também um tratado sobre como (re)contar histórias tão grandiosas e imorredouras como o herói que as protagoniza. Ditando a mais elementar justiça que esse mérito seja dividido, em partes iguais, pelos seus autores. Frank Miller e David Mazzucchelli foram os homens certos no tempo certo.
Dois homens e um destino. |
*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à variante europeia da Língua Portuguesa;
**Artigos sobre A Queda de Murdock, Zero Hora, Dennis O'Neil, Crise nas Infinitas Terras e Bill Finger disponíveis para leitura complementar.