24 dezembro 2014

DO FUNDO DO BAÚ: «A QUEDA DO MORCEGO»





    Em linha com o cunho dramático inaugurado por A Morte do Super-Homem, e tão ao gosto de uma nova safra de leitores, a saga A Queda do Morcego abalou para sempre os alicerces da lenda do Cavaleiro das Trevas. Às mãos de um novo e implacável némesis, Batman teve o espírito alquebrado antes de ter o seu corpo estropiado.

Título original: Batman: Knightfall (designação genérica para a trilogia que engloba também Knightquest e KnightsEnd)
Data de publicação nos EUA: Abril de 1993 a agosto de 1994
Títulos abrangidos: Batman #491-500; Detective Comics #659-666; Showcase '93 #7 e 8; Shadow of the Bat #16-18
Licenciadora: Detective Comics (DC)
Argumento: Alan Grant. Chuck Dixon, Dennis O'Neil, Doug Moench e Jo Duffy
Arte: Barry Kitson, Bret Blevins, Graham Nolan, Jim Aparo, Jim Balent, Mike Manley, Norm Breyfogle e Ron Wagner


Capa do 1º volume da edição encadernada da saga.

Edição brasileira

Título: Batman: A Queda do Morcego
Data de publicação: Março a junho de 1995
Títulos abrangidos: Super Powers #32 (publicado em novembro de 1994, apresentava a origem de Bane) Batman #1- 4, Liga da Justiça e Batman #7-11 
Editora: Abril  (em agosto de 2008 a Panini Comics lançaria uma edição encadernada da saga)
Na minha coleção desde: 1995


Em cima: o 1º número de Batman da Abril anunciava o triunfo de Bane.
Em baixo: A origem do vilão em Super Powers nº32 (1994)

Histórico de publicação: Quase imediatamente a seguir ao arco de histórias Funeral for a  Friend (Funeral Para Um Amigo, minissérie quinzenal em 4 volumes editada no Brasil pela Abril, entre março e abril de 1994) publicado nos vários títulos do Super-Homem em meados de 1993, a DC voltou a surpreender os leitores, ainda aturdidos com a morte do Homem de Aço às mãos de Apocalypse, com o lançamento de Batman: Knightfall. Razão pela qual, durante a fuga em massa do Asilo Arkham que precedeu o duelo do Cavaleiro das Trevas com Bane, o Duo Dinâmico ostentava braçadeiras pretas com a insígnia do herói kryptoniano estampada.
    No prefácio da sua novelização da saga, Dennis O'Neil explicaria que ela fora escrita em consequência da cada vez maior popularidade de heróis violentos, em especial no cinema - como corroborava, aliás, o sucesso das franquias 007 e Exterminador Implacável. Facto que levou os editores da DC a questionarem-se se porventura os leitores não prefeririam que Batman fizesse tábua rasa dos seus monolíticos princípios éticos e morais e matasse alguns dos seus inimigos mais perigosos. 
     Para tal, o homem sob o capuz teria de ser outro que não Bruce Wayne. Estava assim dado o mote para a criação de um novo alter ego para o Cavaleiro das Trevas. Um que não tivesse a sua ação espartilhada por um estrito código de conduta que consagrava a inviolabilidade do direito à vida, mesmo no caso do lote de maníacos homicidas e irrecuperáveis que dão um colorido especial à galeria de vilões do Homem-Morcego.
Dennis O'Neil foi o principal artífice da saga Knightfall.

    Numa história em duas partes publicada em meados de 1991 em Detective Comics, o argumentista Peter Milligan introduzira uma nova e enigmática personagem: Azrael, o Anjo Vingador. Quando Dennis O'Neil - à data editor dos títulos estrelados pelo Cavaleiro das Trevas - achou por bem usar Azrael na história épica que começava a ganhar forma, não perdeu tempo a convocar uma cimeira com o seu painel de escritores. Ao longo de um frenético fim de semana, todos eles definiram as linhas mestras de uma saga que, sabiam de antemão, mudaria para sempre a personagem criada em 1939 por Bob Kane e Bill Finger. 
   Coincidência ou não, por esses dias a equipa criativa responsável pelas séries regulares do Super-Homem discutia os pormenores de uma saga de envergadura e escopo idênticos. Nenhuma das equipas teria, contudo, conhecimento dos planos da outra. Dennis O'Neil nega, por isso, que Knightfall haja sido inspirada por  Death of Superman, afirmando que a saga de Batman estaria a ser desenvolvida há pelo menos um par de anos. O escritor e antigo editor do Cavaleiro das Trevas acrescenta ainda que, caso tivesse tido conhecimento do trabalho que estava então a ser desenvolvido para os títulos do herói kryptoniano, teria acelerado a conclusão de Knightfall, por forma a antecipar a sua conclusão em pelo menos um ano.
    Em conjunto com a minissérie Sword of Azrael (outubro de 1992 a janeiro de 1993) e com a edição especial Vengeance of Bane (janeiro de 1993), a vereda que conduziria à derrocada do Cruzado Encapuzado começou a ser desbravada com vários meses de antecedência nas páginas das suas séries mensais. Com efeito, pela primeira vez no período pós-Crise, um arco de histórias espraiava-se por todo o cardápio de títulos publicados sob o signo do Morcego.

Primeiro tomo da minissérie Sword of Azrael (1992).

  Capitalizando o retumbante êxito da saga, a DC logo a coligiu em dois volumes, intitulados, respetivamente, Broken Bat e Who Rules the Night. Sendo Knightfall imediatamente seguida por Knightquest, o segundo capítulo da trilogia encerrada com KnightsEnd.
    Dividida em dois segmentos narrativos paralelos, Knightquest acompanhava o percurso de Bruce Wayne depois de ser deixado paraplégico pelo ataque de Bane e, em simultâneo, a cruzada empreendida contra o submundo do crime de Gotham pelo novo Batman (Azrael). Esta última serviria como rampa de lançamento para a primeira série regular apresentando histórias a solo de Robin.
    Mimetizando o traço exagerado de desenhadores como Rob Liefeld - tão em voga nos primeiros anos da década de 1990 - em todas as capas em que o novo Batman surgia em destaque, este era invariavelmente retratado de forma desproporcionada: a uma musculatura anabolizada e a umas pernas compridíssimas, correspondiam pés minúsculos. Pormenores anatómicos que lhe conferiam, simultaneamente, uma aparência intimidante e caricatural.
   Em contraste com os dois primeiros capítulos da saga, KnightsEnd prolongou-se somente por dois meses. Motivo: a urgência em concluir o arco de histórias em curso a tempo de o  Batman clássico poder participar na maxissérie Zero Hour, que estrearia imediatamente a seguir a Knightfall. Esse objetivo só seria, no entanto, alcançado devido ao facto de KnightsEnd ter abarcado não apenas as séries regulares do Cavaleiro da Trevas, mas também títulos correlatos, designadamente Catwoman, Robin e até Legends of the Dark Knight (habitualmente uma antologia que reapresentava histórias antigas do Homem-Morcego).

Novo Batman, novos métodos.

Enredo: No prelúdio de Batman: Knightfall são apresentadas duas novas personagens cujos destinos estariam entrelaçados, tendo ambas um papel fulcral ao longo da saga: Azrael e Bane. O primeiro é um estudante suíço a frequentar a Universidade de Gotham. De seu nome verdadeiro Jean-Paul Valley, descobre ter sido subliminarmente treinado desde o berço para vir a ser um assassino de elite ao serviço de uma obscura ordem religiosa. Já o segundo - cujo verdadeiro nome em momento algum é revelado - é um órfão nado e criado na ilha-prisão de Santa Prisca, nos confins da América Central. Depois de ter sido forçado a participar num tenebroso experimento científico com o intuito de criar um supersoldado geneticamente aprimorado, Bane consegue evadir-se da ilha com um único objetivo em mente: destronar Batman como "rei" de Gotham City.

Uma montanha de músculos alimentada por Veneno. Assim é Bane.

    Ambos seriam rapidamente inseridos no elenco dos títulos mensais do Homem-Morcego: Azrael como um super-herói em preparação, embora já lutando ao lado de Batman; Bane como um supervilão urdindo nas sombras um diabólico plano visando a destruição do guardião de Gotham.
  Atravessando uma espécie de crise de meia-idade, pautada por alguma volubilidade psicológica e emocional, o Cavaleiro das Trevas é obrigado a lidar, num curto espaço de tempo, com uma sucessão de ameaças. Ao regresso do Máscara Negra e da sua quadrilha (que têm como alvos Bruce Wayne e Lucius Fox), segue-se a tentativa de assassinato do Comissário Gordon por um sicário contratado por um chefe da Máfia colocado atrás das grades pelo chefe do DPGC.
   Batman começa a sentir que está prestes a atingir o seu limite, especialmente depois de ter falhado em capturar o Máscara Negra. Com uma dificuldade crescente em raciocinar e em manter-se focado, resolve procurar ajuda como Bruce Wayne junto de uma terapeuta holística, a doutora Shondra Kinsolving. Incumbe também Robin (Tim Drake) de treinar as aptidões detetivescas de Jean-Paul Valley, com vista a torná-lo um aliado do Duo Dinâmico  na guerra pressentida. Batman acalentava  a secreta esperança de conseguir assim neutralizar os efeitos da programação mental que induzia Jean-Paul a tornar-se um matador de sangue frio.

Azrael, o Anjo Vingador.
  Apesar dos conselhos de todos os que o rodeiam - inclusive a doutora Kinsolving - Bruce recusa-se teimosamente a fazer uma pausa para se recompor. Em vez disso,  prossegue obstinadamente a sua cruzada autoimposta, fazendo descaso da sua condição debilitada. Não sendo explícita a sua causa, há quem atribua esse quadro depressivo à morte do Super-Homem, seu amigo e aliado, escassas semanas antes.
   Nos dias que se seguem, à medida que o seu extenuamento físico e mental se acentua, Batman não tem um minuto para respirar. A um ritmo vertiginoso, sucedem-se os desafios e as ameaças. Cada uma mais perigosa que a anterior; deixando o herói cada vez mais perto do seu ponto de rutura. O que o Cruzado Encapuzado não sabia era que todos os seus movimentos vinham sendo monitorizados por Bane.
   Aos poucos, Bane vai-se mostrando ao seu oponente, dando-lhe a saber ao que vem. Chegando mesmo a interferir numa refrega envolvendo Batman e os seus velhos inimigos Crocodilo e Charada. Para testar os limites do Homem-Morcego, o vilão injeta uma dose de Veneno (a toxina que lhe proporciona força e resistência sobre-humanas) no Charada.
   O crescendo de violência e anarquia em Gotham City culmina com a invasão do Asilo Arkham por parte de Bane e seus asseclas. Depois de libertar a totalidade dos reclusos (entre eles pontificando alguns dos piores inimigos de Batman, casos de Joker, Espantalho ou Hera Venenosa), o vilão fornece-lhes armas e instiga-os a tomarem a cidade de assalto.

A fuga em massa do Arkham deixou exausto o Cavaleiro das Trevas.

   Ciente de que sairia derrotado numa confrontação direta com o Cavaleiro das Trevas, a estratégia de Bane consiste em enfraquecer ao máximo o seu adversário, obrigando-o a enfrentar múltiplas ameaças em simultâneo.
  Robin, entrementes, sente uma crescente dificuldade em trabalhar em conjunto com Jean-Paul Valley mercê do temperamento violento deste. Perante a gravidade da situação e temendo uma reedição da tragédia ocorrida com Jason Todd, Batman proíbe o Menino Prodígio de o acompanhar nas operações no terreno para capturar os foragidos do Arkham.
   Com efeito, ao ser exposto, na operação de resgate da mayor de Gotham, a uma dose do gás do medo do Espantalho, o Cavaleiro das Trevas revive o seu maior fracasso: a morte do segundo Robin às mãos do Joker. É, pois, nesse preciso momento que o seu espírito cede. E é também esse o momento certo para Bane avançar para a fase seguinte do seu plano.
   Dono de um impressionante intelecto suscetível de rivalizar com o do próprio Batman, Bane deduzira que Bruce Wayne seria o homem por detrás da máscara, e invade a Mansão Wayne com o intuito de desferir a estocada final no seu fragilizado oponente. Por esta altura o Cavaleiro das Trevas era já um pálido reflexo de si mesmo. Sendo portanto presa fácil para Bane que, depois de espancá-lo brutalmente em plena Batcaverna, usa um joelho para lhe partir a coluna vertebral como se de um galho seco se tratasse.

O momento que antecede a grave lesão que atiraria Bruce Wayne para uma cadeira de rodas.

   Não satisfeito com a destruição simbólica e física do seu adversário, Bane transporta o corpo estropiado de Batman para a principal praça de Gotham City. Para demonstrar a sua superioridade à populaça, atira-o do cimo de um telhado.
  Batman escapa da morte por um triz graças à intervenção de Robin e Alfred. Mas não escapa à humilhação da derrota e ao dramático destino de ficar confinado a uma cadeira de rodas.
  Com o guardião de Gotham fora de combate, Bane assume rapidamente o controlo do submundo do crime da cidade, passando a administrar diversos negócios ilícitos.
  Entretanto, na esperança de uma reabilitação física, Bruce Wayne contrata os serviços da doutora Kinsolving ao mesmo tempo que exorta Jean-Paul Valley a assumir o manto do Morcego, proporcionando dessa forma um novo protetor a Gotham. Facto que provoca um atrito entre Bruce e o seu pupilo Tim Drake, por este preferir ver Dick Grayson (o primeiro Robin e atual Asa Noturna) a desempenhar esse papel. Sob o pretexto de que Grayson teria os seus próprios problemas e responsabilidades, Bruce descarta prontamente essa hipótese - decisão que deixaria o seu antigo parceiro ressentido. Porém, o verdadeiro motivo por trás dessa recusa decorria do facto de Batman não querer que Dick enfrentasse Bane. Do mesmo modo que proíbe Jean-Paul Valley de o fazer. Quando isso acontece, apenas as luvas modificadas do novo Batman o salvam de uma queda para a morte.

Capas de Batman e Detective Comics, títulos onde foi publicado o grosso da saga.

   Pouco tempo depois, a doutora Kinsolving e o pai de Tim Drake são raptados. Bruce Wayne e Alfred viajam para o estrangeiro na sua peugada. Com o seu patrono ausente, Jean-Paul Valley assume-se como um Batman muito diferente do original, impondo o seu estilo mais violento, mas ainda não letal. Tudo corre bem até ao seu encontro com o Espantalho. Infetado pelo gás do medo do vilão, Jean-Paul é salvo da loucura pelo Sistema, a sua programação mental latente entretanto espoletada. Em consequência disso, a sua faceta de Azrael sobrepõe-se, suprimindo gradualmente a personalidade de Jean-Paul. Processo concluído na sequência da sua derrota perante Bane.
   Mais arrogante e paranoico do que nunca, Jean-Paul descarta a assistência de Robin, visto por ele como um empecilho às suas ações radicais. Substitui também o uniforme tradicional de Batman por uma armadura mecânica que mais não é do que uma amálgama do traje do Cavaleiro das Trevas com o de Azrael. É com ela, de resto, que confronta Bane pela segunda vez. Sendo o resultado deste segundo round favorável a Jean-Paul. Muitos civis foram, todavia, postos em perigo pela sua imprudência. O que leva a imprensa e a polícia a questionarem a moralidade de um Homem-Morcego tão diferente daquele que a que se tinham acostumado.
   Com Bane física e mentalmente destroçado, Jean-Paul debate-se com o dilema de lhe pôr termo à vida ou de entregá-lo à Justiça. Embora relutante, acaba por escolher a segunda opção, sendo Bane encarcerado na prisão de segurança máxima de Blackgate. Nas semanas que se seguem, o novo Batman, mais e mais instável a cada dia que passa, continua a velar por Gotham City. Num reinado sombrio que só conheceria o seu ocaso com o regresso do verdadeiro Cavaleiro das Trevas.

Clássico versus moderno: há apenas lugar para um Batman.

Continuidade: Estima-se que o grosso dos eventos narrados em Batman: Knighfall tenha lugar por volta do 10º ou 11º ano de atividade do Homem-Morcego. Informação, de resto, corroborada pela própria cronologia oficial da DC.
   A saga começa poucos meses após Tim Drake se ter tornado o terceiro Robin. Com o casamento de Dick Grayson e Koriander (Estelar, sua colega dos Titãs) a acontecer logo após o estropiamento de Bruce Wayne. Era também ano de eleições municipais, havendo por isso referências à campanha de reeleição da mayor Amanda Krol,  em curso antes e depois do advento de Bane a Gotham City.
  Um encontro entre Selina Kyle (Mulher-Gato) e Bruce Wayne a bordo do jato privativo deste é explicitamente referenciado como se tratando da primeira interação entre ambos nas suas respetivas identidades civis no período pós-Crise.
   Em consequência da destruição da versão moderna do Batmóvel em KnightsEnd, o modelo original (com o icónico ornamento com o formato da cabeça de um morcego na grelha dianteira) é novamente usado pelo Duo Dinâmico em diversos momentos da história. Nela é também introduzido pela primeira vez o veloz monocarril, concebido pelo pequeno génio deformado Harold, que passa a fazer a ligação entre a Batcaverna e o sistema de metropolitano de Gotham.
 Aquando do seu regresso definitivo, o Cavaleiro das Trevas também abandonaria o seu uniforme tradicional, trocando-o por uma armadura negra e confecionada à base de kevlar, notoriamente inspirada naquela que a sua contraparte cinematográfica envergara nas duas películas realizadas por Tim Burton. Como meio de transporte para as suas incursões noturnas na cidade que jurou proteger, o herói conduz agora um modelo ultramoderno do Batmóvel.

Logo após o seu regresso, o verdadeiro Batman adotou um visual muito semelhante ao da sua versão cinematográfica.
Adaptações: Além da já citada novelização de Batman: Knighfall da autoria de Dennis O'Neil em 1994, ao longo dos anos a saga foi sendo transposta para outros formatos.
  Algumas dessas primeiras adaptações verificaram-se em episódios avulsos de séries de animação como Batman: The Animated Series (1993-95) ou The Batman (2004-08). Bane, retratado menos como um mestre do crime do que como um assassino de sangue frio, enfrentou em ambas o Cavaleiro das Trevas sem, contudo, lograr derrotá-lo.
 Em Justice League: Doom, película animada de 2012 lançada diretamente em DVD, Bane alude explicitamente à pretérita derrota que infligiu ao Homem-Morcego. Numa sequência tendo como cenário o túmulo vazio dos pais de Bruce Wayne, o vilão proclama: "Quando lutámos pela primeira vez, quebrei o morcego. Hoje quebrarei o homem!". Nesse mesmo ano, o filme The Dark Knight Rises (O Cavaleiro das Trevas Renasce para os espectadores portugueses) apresentou uma adaptação bastante aproximada de Knightfall, com Alfred a apresentar a sua demissão perante a obstinação de Bruce Wayne em recapturar sozinho a turba de criminosos insanos libertados do Arkham por Bane. Quando este e Batman se defrontam pela primeira vez, o vilão, numa cena decalcada da banda desenhada original, espanca selvaticamente o herói para de seguida lhe partir a coluna em cima do joelho.
  Em terras de Sua Majestade, Knightfall converteu-se, em 1994, numa novela radiofónica transmitida pela insuspeita BBC Radio 1 em segmentos com apenas três minutos de duração. Material que seria, já este século, posto à venda em CD e no formato de áudio-livro.

Batman e Bane digladiaram-se em O Cavaleiro das Trevas Renasce (2012).
    
O que tem esta saga de tão especial?

   Para o site IGN, o primeiro capítulo de Batman: Knightfall (Broken Bat) merece constar na penúltima posição do seu Top 25 das melhores graphic novels do Cavaleiro das Trevas de todos os tempos. Conquanto, na minha modestíssima opinião, esse posto não faça jus à qualidade e impacto da saga, não podia estar mais de acordo com a breve análise lá apresentada: «O que torna a primeira parte de Knightfall tão memorável não é vermos Bane partir com as próprias mãos a coluna vertebral de Batman. É a rápida queda em desespero por parte do herói que nos choca. Tudo o que acontece depois mais não é do o que resultado expectável da sua derrocada física e mental. Em última análise, o espírito do Morcego é fraturado antes das suas vértebras. E isso é algo nunca antes visto».
   Qualquer fã do Batman que se preze se habituou, com efeito, a percecioná-lo como uma personagem dona de uma vontade indómita e de um espírito inquebrantável. Mesmo nas ocasiões em que conheceu o travo amargo da derrota ou vivenciou tragédias suscetíveis de abrirem brechas na sua muralha emocional, o soturno guardião de Gotham logrou mantê-la inexpugnável. Foi assim, por exemplo, com o brutal assassinato de Jason Todd perpetrado pelo Palhaço do Crime ou, mais recentemente, com a aparente morte do seu filho Damian. Em ambos os casos o Homem-Morcego vergou mas não quebrou. É por isso, aliás, que às vezes não resisto a fazer um trocadilho com o título desta saga: A Quebra do Morcego.


Morcego apavorado.
    
   Porque, em bom rigor, é disso que se trata. Da quebra física, psicológica e espiritual do Cavaleiro das Trevas. Tratando-se de um simples homem numa fantasia, era previsível que, mais cedo ou mais tarde, esse dia chegaria. Dos arqui-inimigos de Batman, os mais cotados para conseguirem essa proeza seriam, indubitavelmente, o Joker ou o Espantalho.
   No entanto, à semelhança de Apocalypse em A Morte do Super-Homem, Bane entra de rompante na vida do Cavaleiro das Trevas, apanhando-o totalmente desprevenido. A impreparação de Batman para enfrentar tão implacável antagonista, associada à melancolia que o submergira após o desaparecimento do seu amigo kryptoniano, constituem, pois, os dois principais fatores que explicam a sua derrocada.
   Bane, por sua vez, possui a particularidade de, sendo um assassino implacável, estar, por contraponto a uma parcela substancial de outros inimigos jurados do Cavaleiro das Trevas, na total posse das suas faculdades mentais. Enquanto Joker tem no desejo de caos a força motriz dos seus tresloucados atos, Bane alia inteligência e  força bruta para consumar os seus desígnios de conquista de poder e riqueza. Quase como se de um padrinho da Máfia entupido com esteroides anabolizantes se tratasse.
   Até se cruzar com Bane, Batman era virtualmente invicto. A despeito dos muitos ferimentos físicos que lhe foram sendo infligidos, nunca antes ninguém lhe conseguira alquebrar o espírito. Somente esse facto possibilitou que o  Cruzado Encapuzado fosse humilhado pelo seu mais recente némesis no seu próprio reduto. Essa é, de resto, a cena mais icónica de toda a saga: o momento em que Batman tomba aos pés de Bane em plena Batcaverna.
  Perante este cenário dramático, a pergunta que logo se impôs foi: conseguirá Batman doravante levar de vencida os seus oponentes sem os matar? À qual se somou uma outra: deveriam os criminosos insanos internados no Arkham escaparem impunes das atrocidades por eles perpetradas? No subtexto da saga está patente a ideia de que, porquanto Joker e companhia não jogam de acordo com as regras sociais instituídas, o Departamento de Polícia de Gotham necessita de um vigilante que aja em conformidade com esse quadro.
  Razões mais do que suficientes para que considere A Queda do Morcego uma das melhores histórias de Batman que alguma vez tive o privilégio de ler na minha já vetusta carreira de colecionador de quadradinhos. Sublinhando,todavia, que não estamos em presença de uma narrativa sobre perdas e desgraças, mas sim de uma lição prática de como metabolizar as derrotas, saindo mais forte delas.

13 dezembro 2014

HERÓIS EM AÇÃO: GLADIADOR DOURADO



   Caído em desgraça no século 25, um ex-jogador de futebol americano viajou até à nossa época em busca de fama e fortuna, usando para isso tecnologia roubada e o seu conhecimento de acontecimentos históricos futuros. Apesar desta premissa pouco heroica, o Gladiador Dourado foi um ilustre membro da Liga da Justiça Internacional, tendo inclusivamente liderado a sua encarnação mais recente.

Nome original da personagem: Booster Gold
Primeira aparição: Booster Gold #1 (fevereiro de 1986)
Criador: Dan Jurgens
Licenciadora: Detective Comics (DC)
Identidade civil: Michael Jon Carter
Local de nascimento: Gotham City (século 25)
Parentes conhecidos: Jonar Carter (pai), Ellen Carter (mãe falecida), Michelle Carter (irmã gémea), Rip Hunter (filho) e Rani (filha adotiva).
Afiliação: Ex-membro da Liga da Justiça Internacional, dos Mestres do Tempo, do Conglomerado e da Corporação Gladiador Dourado.
Base de operações: Metrópolis (século 21)
Armas, poderes e habilidades: Destituído de superpoderes genuínos, as habilidades aparentemente meta-humanas do Gladiador Dourado provêm do equipamento que ele surripiou de um museu no futuro. Entre os vários apetrechos que compõem a sua parafernália, destacam-se:
- um anel de voo da Legião dos Super-Heróis do século 31 (que ele, graças à sua poderosa força de vontade e num feito ao alcance de poucos, consegue controlar à distância);
- um visor especial que lhe confere visão infravermelha e telescópica, mas também lhe amplifica a audição;
- um par de braceletes que, além de lhe permitirem disparar rajadas energéticas de intensidade variável, funcionam igualmente como comando integrado e fonte de alimentação do seu traje;
- um traje especial (cuja versão primitiva incluía uma capa) que, entre outras coisas, lhe amplifica as suas capacidades físicas e lhe assegura proteção corporal por via da projeção de um campo de força. O qual , por sua vez, pode também absorver e ejetar massa, tanto na sua forma original como sob a forma de uma amálgama;
- circuitos integrados de deslocamento temporal: em tempos dependente de uma esfera cronal para viajar no tempo, na sua mais recente encarnação saída de Os Novos 52!, o Gladiador Dourado já demonstrou ser capaz de o fazer de forma autónoma. Facto que deriva de uma atualização feita pelo seu filho aos circuitos internos do seu traje. Dessa forma o herói consegue agora não só deslocar-se com maior segurança no fluxo cronológico, como também detetar e reparar quaisquer anomalias no mesmo.
  A estes formidáveis recursos tecnológicos somam-se ainda a sua capacidade atlética, o seu vasto conhecimento historiográfico e o envelhecimento celular retardado resultante da infeção cronal que tempos atrás o acometeu.

Mesmo sem superpoderes, o Gladiador Dourado é um adversário de peso.

Histórico de publicação: Com a particularidade de ter sido a primeira personagem de relevo introduzida na renovada cronologia da DC após Crise nas Infinitas Terras (mais informação sobre aquela que é considerada a mãe de todas as sagas em http://bdmarveldc.blogspot.pt/2014/10/do-fundo-do-bau-crise-nas-infinitas.html), o Gladiador Dourado fez a sua resplandecente estreia no primeiro número do seu próprio título, Booster Gold, em fevereiro de 1986. No ano seguinte, tornou-se presença assídua nas histórias da Liga da Justiça que, sob a égide de Maxwell Lord, adquiriria pouco tempo depois âmbito internacional. Juntamente com outros heróis, como Besouro Azul (com quem formou uma das mais hilárias duplas da história da nona arte), Fogo, Gelo e Guy Gardner (outro dos lanternas verdes da Terra), o Gladiador Dourado fez parte da equipa até ao seu desmantelamento em 1996. Foi, de resto, ele um dos principais expoentes daquela que é, ainda hoje, considerada uma das mais divertidas - e polémicas  - fases do mais emblemático coletivo heroico da Editora das Lendas.

A estreia do Gladiador Dourado em Booster Gold #1 (1986).

   Mais de uma década volvida, em 2007, foi anunciado o lançamento de uma nova série mensal estrelada pelo herói futurista. Inicialmente intitulada All-New Booster Gold, chegaria contudo às bancas simplesmente como Booster Gold. Na esteira dos eventos narrados na saga 52 (tópico para um futuro artigo), numa primeira fase as histórias foram coescritas por Geoff Johns e Jeff Katz, ficando a respetiva arte a cargo de ninguém menos do que o próprio criador da personagem, Dan Jurgens.
   Na altura, o principal enfoque da série incidia sobre a natureza clandestina das excursões cronológicas levadas a cabo pelo Gladiador Dourado. Nela foram também incluídos importantes coadjuvantes, como Rip Hunter, Skeets e alguns antepassados do herói.
   Ao cabo de uma dúzia de edições publicadas, a série viu partir a sua parelha de argumentistas, passando Dan Jurgens a acumular temporariamente as funções de escritor e desenhista. Cedendo entretanto lugar nas primeiras ao veterano Chuck Dixon.

Pertence a Dan Jurgens a "paternidade" do Gladiador Dourado.

   Em maio de 2010, Keith Giffen (autor da supramencionada polémica fase da Liga da Justiça Internacional) foi chamado a assumir Booster Gold. O título passaria, assim, a estar interligado com a minissérie então em curso, Justice League: Generation Lost. Nela, o Gladiador Dourado uniria forças com os seus ex-companheiros de equipa Capitão Átomo, Fogo e Gelo para derrotar um ressuscitado Maxwell Lord. A partir de julho desse ano - e até fevereiro do seguinte - seria também um dos protagonistas- a par do Super-Homem e do Lanterna Verde - da minissérie Time Masters: Vanishing Point. Esta, por sua vez, constituiu um apenso da saga Return of Bruce Wayne, tendo como atrativos adicionais, por um lado, a reintrodução no Universo DC do Flash Reverso - um dos inimigos clássicos do Velocista Escarlate; por outro, o estabelecimento de uma base narrativa para o grande crossover da DC nesse ano: Flashpoint (preâmbulo para Os Novos 52! publicado no Brasil em 2012 pela Panini Comics).

O renovado visual do Gladiador Dourado em Os Novos 52!

Biografia: Michael Jon Carter e a sua irmã gémea Michelle nasceram numa zona pobre e degradada da Gotham City do século 25. Mais precisamente no ano da graça de 2442. No dia do seu quarto aniversário, o pai de ambos, um jogador compulsivo atolado em dívidas, fugiu para parte incerta. Michael e Michelle foram, por isso, criados apenas pela sua dedicada mãe.
  Atleta de exceção, no final da adolescência Michael conseguiu uma bolsa universitária devido à sua condição de jogador de futebol americano. Facto que lhe valeu a alcunha de Booster (dentre as traduções possíveis do termo, "propulsor" será porventura a mais adequada) e o levou a acalentar a esperança de futuramente vir a ser contratado por algum dos grande clubes nacionais. Entre outras coisas, isso permitir-lhe-ia financiar o tratamento médico de que a sua mãe - a braços com uma doença debilitante - necessitava mas que a sua família não tinha como custear.
   Revelando ter herdado do pai a apetência pelo jogo, Michael envolveu-se num esquema de apostas ilegais e de resultados combinados, chegando mesmo a perder propositadamente algumas partidas. Foi, contudo, dessa forma que conseguiu reunir dinheiro suficiente para pagar o tratamento médico de que a sua mãe tanto precisava. No entanto, logo após a cura da sua progenitora, Michael foi preso sob a acusação de jogo ilegal e viciação de resultados. Um desgosto que partiu o coração da sua mãe e envergonhou a sua irmã.
  Cumprida a pena de prisão, Michael saiu em liberdade e conseguiu um emprego como vigilante no Museu Espacial de Metrópolis, local onde viu pela primeira vez imagens e gravações dos principais heróis do século 20.Inspirado pelas suas aventuras e façanhas, resolveu dar num novo rumo à sua vida, tornando-se ele próprio um super-herói. Com esse objetivo em vista, roubou alguns artefactos expostos no museu (ver listagem completa na rubrica "Armas, poderes e habilidades"), além de um robô de segurança chamado Skeets ,que se tornaria daí em diante seu fiel serviçal. Assenhorou-se ainda de  uma esfera cronal que usou para recuar no tempo até aos finais do século 20. Já no passado, adotou inicialmente o nome Goldstar. Depois, usou o seu conhecimento da história futura para salvar a vida do presidente dos EUA quando este foi alvo de uma tentativa de assassinato. Devido a uma confusão semântica, na cerimónia a que teve depois direito na Casa Branca, acabou por ser apresentado como Gladiador Dourado. Nome que ficou e que ele usaria doravante também como marca comercial.
  Obcecado com autopromoção e lucro, o Gladiador Dourado não se limitou, com efeito, a empreender uma carreira heroica. Em paralelo a esta, lançou-se no mundo dos negócios fundando em Metrópolis uma corporação que se dedicava essencialmente à comercialização de merchandising inspirado no próprio Gladiador. Traços de personalidade que irritam solenemente alguns dos seus pares, com Batman à cabeça. Nada que tire, porém, o sono ao herói vindo do futuro, que não vê motivo para não juntar o útil ao agradável. Porque não há de, afinal, o combate ao crime ser uma atividade lucrativa?
  Integrado nas fileiras da Liga da Justiça Internacional (LJI), o Gladiador Dourado logo estabeleceu uma forte amizade com o Besouro Azul. Ambos seriam, aliás, responsáveis por um extenso rol de embaraços e prejuízos causados à equipa então sob os auspícios de Maxwell Lord. A título exemplificativo, em determinada altura os dois estarolas consideraram perfeitamente razoável a ideia da construção de um casino numa ilha viva...

Foto de família da Liga da Justiça Internacional.
Em pé, da esquerda para a direita.: Capitão Átomo, Soviete Supremo, Batman, Caçador de Marte e Guy Gardner.
Em baixo (pela mesma ordem): Maxwell Lord, Gladiador Dourado, Besouro Azul (com Oberon à frente), Senhor Milagre e Canário Negro.
   Cansado de não ser levado a sério pelos seus companheiros de equipa, o Gladiador Dourado abandonou temporariamente a LJI e formou o Conglomerado (espécie de sociedade de heróis de aluguer). Não tardaria, porém, a regressar, bem a tempo de enfrentar uma das mais poderosas ameaças com que a Liga alguma vez se deparara: Apocalypse. Foi ele, de resto, quem assim batizou o monstro que seria o verdugo do Super-Homem. Durante a batalha, o Gladiador Dourado teve o seu traje destruído por Apocalypse, quase morrendo às mãos da criatura.
   Com maior ou menor destaque, o Gladiador Dourado participou em praticamente todas as sagas de maior envergadura produzidas pela DC na última década. Casos de, por ordem cronológica, Infinite Crisis (2005-06), 52 (2006-07), One Year Later (2007-08), Brightest Day (2010-11), Flashpoint (2011) e The New 52 (2011 até ao presente). Na renovada cronologia da DC saída desta última, ele surgiu como o improvável líder da nova encarnação da Liga da Justiça Internacional. Funções para as quais foi escolhido pela ONU e que levou muito a sério, empenhando-se em ser um herói digno desse nome.
  Todavia, malgrado os esforços do Gladiador Dourado e o apoio manifestado por Batman à sua liderança, a nova LJI teve vida curta, sendo desmantelada após ter sido alvo de sucessivos ataques terroristas que vitimaram alguns dos seus membros.
  Entretanto, uma versão futura do herói alertou-o para a catástrofe que resultará do romance entre o Super-Homem e a Mulher-Maravilha. Instantes depois de ter recebido este aviso, o Gladiador Dourado desapareceu sem deixar rasto. Recentemente, porém, reapareceu na Gotham City do século 19, persistindo o mistério em redor desse facto.

Ação promocional falhada do Gladiador Dourado.

Legado: Desde a sua origem, diversas personagens proeminentes do Universo DC insinuaram que ao Gladiador Dourado estará reservado um destino muito mais grandioso do que ele imagina. Logo na saga Millennium (publicada originalmente nos EUA em 1988, e pela editora Abril no Brasil no ano seguinte),  a Precursora revela ao Caçador de Marte que o Gladiador Dourado é um dos Escolhidos.Devendo, por isso, ser protegido a todo o custo. Quase um quarto de século depois, em 52, Rip Hunter afirma que o momento em que o Gladiador Dourado salvou o multiverso da destruição será recordado no futuro como a "aurora dourada" .
  Mais tarde, na revitalizada série Booster Gold, o mesmo Rip Hunter refere-se ao legado heroico do Gladiador Dourado. É igualmente revelado que ele treinará o maior dos Mestres do Tempo, sendo simultaneamente o pai do próprio Rip.
  Devido à complexa dinâmica das viagens através do fluxo cronológico, a versão futura do Gladiador Dourado - operando com a sua esposa a partir de uma época desconhecida - monitoriza atentamente a trajetória do seu eu passado, bem como a do seu filho, assegurando dessa forma que ambos cumprem os respetivos destinos manifestos. No entanto, em virtude de um fenómeno denominado "paradoxo de predestinação", o Gladiador Dourado do futuro demonstra ser um Mestre do Tempo mais experiente do que o seu descendente. É ainda sugerido que a sua empreitada consiste em "podar" as linhas temporais divergentes em cada um dos universos que compõem o multiverso, por forma a preservar a coerência e harmonia cronológicas.

Um nómada cronológico cujo heroísmo reverbera pelas eras.
     
Noutros media: Apesar de uma modesta 173ª posição na lista das 200 melhores personagens de sempre dos quadradinhos compilada pela revista Wizard, o Gladiador Dourado obteve um respeitável 59º lugar no Top 100 dos maiores super-heróis de todos os tempos organizado pelo site IGN. Fora da banda desenhada, a sua estreia ocorreu em 2006 quando integrou o elenco da Liga da Justiça que estrelou nesse ano a série animada Justice League Unlimited. Na esteira dessa sua participação, marcou posteriormente presença em episódios avulsos de mais um par de produções do género: Legion of Super-Heroes (2006) e Batman: the Brave and the Bold (2008-2011). A sua relevância em ambas foi, contudo, diminuta.
  Ainda no pequeno ecrã, em 2011 o Gladiador Dourado participou no 18º episódio da 10ª temporada de Smallville, interpretado por Eric Martsolf. Numa adaptação bastante fiel ao conceito original, a personagem é retratada como um egocêntrico ávido de fama e glória proveniente do futuro, que viaja para a nossa época para se tornar uma celebridade. Razão pela qual ostenta os logotipos de vários patrocinadores no seu uniforme.
  Em 2013, o canal SyFy encomendou à Berlanti Productions uma série real do Gladiador Dourado, ao estilo de Arrow e The Flash. Projeto que, até ao momento, continua na gaveta. O mesmo sucedendo com o filme baseado no herói cuja produção foi nesse mesmo ano anunciada por David S. Goyer (argumentista, entre outros, da mais recente trilogia do Cavaleiro das Trevas).

Eric Martsolf deu vida ao Gladiador Dourado em Smallville.
 

08 dezembro 2014

GALERIA DE VILÕES: ULTRON



  Anos atrás, o Vingador fundador Hank Pym criou a sofisticada inteligência artificial conhecida como Ultron. Espécie de Frankenstein cibernético, logo a criatura se virou contra o seu criador. Ao tornar-se senciente, o robô classificou a humanidade como uma praga e empreendeu um meticuloso programa de extermínio.O qual porá em prática na sequela de Os Vingadores...

Nome original da personagem: Ultron
Primeira aparição: Avengers #55 (agosto de 1968)
Criadores: Roy Thomas (história) e John Buscema (arte)
Licenciadora: Marvel Comics
Local de nascimento: Laboratório de Hank Pym sediado em Cresskill, Nova Jérsia.
Parentes conhecidos: Hank Pym (responsável pela sua criação e programação, aos olhos do robô o cientista é o seu pai); Janet Van Dyne (devido ao seu casamento com Pym à data da conceção de Ultron, a Vespa foi catalogada como mãe); Jocasta (criada por Ultron para ser sua consorte); Visão (outra criação do robô, que o considera seu primogénito). Ultron considera também membros da sua linhagem todos aqueles que, em algum momento, estabeleceram uma relação de parentesco com o Visão. Casos, entre outros, da Feiticeira Escarlate (ex-mulher do androide) ou de Magnum (espécie de meio-irmão do Visão).
Afiliação: Ex-membro da Legião Letal, dos Filhos de Yinsen e dos Mestres do Terror.
Base de operações: Móvel
Armas, poderes e habilidades: Apesar de a aparência e dos poderes de Ultron terem variado ao longo dos anos, algumas das suas habilidades mantiveram-se inalteradas. Dentre elas destacam-se a força, resistência e reflexos sobre-humanos, assim como a sua capacidade de voo a velocidades subsónicas. Entre muitos outros recursos, a sua parafernália ofensiva inclui armamento de plasma e rajadas concussivas de intensidade variável disparadas através das suas manoplas e sensores óticos. Na suas versões mais recentes, o robô criado por Hank Pym é igualmente dotado de uma espécie de raio hipnótico que lhe permite exercer controlo mental sobre as suas vítimas ou implantar nelas comandos subliminares. Para se energizar, Ultron desenvolveu a capacidade de converter radiação eletromagnética em eletricidade.
  O  intelecto cibernético de Ultron confere-lhe uma formidável capacidade analítica e de processamento de informação em larga escala. Talentos que fazem dele um exímio estrategista e um perito tecnológico (permitindo-lhe, assim, produzir servos robóticos ou proceder a autorreparações).
  Alimentado por um pequeno reator nuclear interno, o exoesqueleto de Ultron é composto principalmente por adamantium. A primeira referência a este metal fictício e virtualmente indestrutível surgiu, de resto, a propósito da couraça que recobre o vilão, numa história publicada em julho de 1969 nas páginas de Avengers #66.
  Ultron consegue controlar remotamente outras máquinas, incluindo os mais sofisticados computadores e um exército de robôs criados à sua imagem (exceto pela ausência de adamantium nas respetivas couraças, substituído por aço ou outros metais).

Ultron tem pouco pontos fracos.
Fraquezas: Para fins de reconstrução ou de modificação da sua forma física, Ultron está apetrechado com um modelador molecular, suscetível de tornar mais maleável o adamantium que reveste os seus circuitos internos. No entanto, os efeitos do dispositivo não se estendem ao exoesqueleto do vilão, sendo portanto praticamente impossível desativá-lo a partir do exterior. Até ao momento, a  única forma conhecida de o conseguir é por intermédio da magia do caos conjurada pela Feiticeira Escarlate.
 Outra das vulnerabilidades do robô reside nas suas partes revestidas por outro material que não adamantium. Significando isto que Ultron pode, ironicamente, ser derrotado por insetos. Melhor dizendo, por adversários com poderes de encolhimento, como são os casos da Vespa ou do Homem-Formiga.

Visual clássico de Ultron.

Biografia e histórico de publicação: Ainda sem nome atribuído, Ultron fez uma breve aparição em Avengers #54 (1968), com a sua estreia oficial a ter lugar no número seguinte desse título. Criação de Roy Thomas e John Buscema, tanto o seu visual como os seus poderes foram fortemente influenciados por Mechano, um obscuro vilão que marcou presença numa edição do título Captain Video. Facto, de resto, assumido pelo próprio Roy Thomas.

Mechano, a anónima personagem que serviu de inspiração à criação de Ultron.

Roy Thomas e John Buscema (foto infra) dividiram a paternidade de Ultron.


   Na sua primeira aparição na qualidade de personagem não identificada, Ultron liderou a ofensiva dos Mestres do Terror contra os Vingadores. De caminho, hipnotizou Jarvis, o fiel mordomo do grupo, para que este fosse seu cúmplice.
   Em Avengers #55 (agosto de 1968), o robô foi apresentado como Ultron 5, o Autómato Vivo, pese embora a sua origem e motivações permanecessem ainda um mistério. Numa sequência retrospetiva mostrada nos números 57 e 58 da série, foi revelado que o robô fora o criador do Visão, a quem tencionava usar como cavalo de Troia para neutralizar os Vingadores. Contudo, o androide - que recebera os padrões cerebrais de Wonder Man (conhecido como Magnum entre o público lusófono) - destruiu o seu criador com o auxílio dos seus companheiros de equipa.

Visão, o androide criado por Ultron para destruir os Vingadores, acabou por se tornar um deles.

  Flashbacks posteriores revelariam que Ultron era, na verdade, uma inteligência artificial concebida por Hank Pym (notabilizado, entre outras identidades, como Homem-Formiga, um dos Vingadores fundadores). Apesar de ter recebido os padrões cerebrais do seu criador, logo o robô adquiriu consciência e vontade próprias, rebelando-se contra Pym. Decorrente desse facto, Ultron, numa variante cibernética do incensado complexo de Édipo, desenvolveu um ódio obsessivo pelo seu "pai" ao mesmo tempo que manifestava um vago interesse romântico pela Vespa (à época, esposa de Pym).
  Depois de se ter reconfigurado sucessivas vezes, Ultron logrou hipnotizar Pym, apagando da mente do cientista todas as memórias referentes à sua existência.
 Menos de um ano volvido, em julho de 1969, o perverso robô reapareceu em Avengers #66. Autodenominando-se agora Ultron 6, ostentava já o exoesqueleto recoberto de adamantium, que o tornava virtualmente invulnerável e que seria daí em diante a sua imagem de marca. Obstinado em exterminar a humanidade - por ele catalogada como uma praga -, viu novamente os seus planos gorados pela ação dos Vingadores.

A estreia oficial de Ultron em Avengers #55 (1968) não teve direito a destaque na capa.

   Depois disso, os leitores tiveram de esperar cinco anos - mais precisamente até setembro de 1974 - para verem Ultron voltar a dar um ar da sua graça nas páginas de Avengers. Num crossover dos Vingadores com o Quarteto Fantástico (publicado em Avengers #127 e Fantastic Four #150), o redivivo vilão - reconstruído por Maximus, o irmão demente de Raio Negro, soberano dos Inumanos  - irrompeu no casamento de Cristalys e Mercúrio. Após uma violenta refrega com as duas equipas de heróis e com alguns Inumanos, o robô -entretanto renomeado Ultron 7- foi novamente destruído.
   A sua aparição seguinte data de julho de 1977, em Avengers #161. Nessa edição e na subsequente, a oitava versão de Ultron foi responsável pela criação de Jocasta, numa história a fazer lembrar o clássico da 7ª arte A Noiva de Frankenstein, uma vez que o robô desejava ardentemente uma companheira para mitigar a sua solidão. Escassos meses após esses eventos, em Abril de 1978, os Vingadores enfrentaram e levaram novamente a melhor sobre Ultron. Publicada em Avengers #170 e 171, a história em questão contou com a participação especial da Miss Marvel.

Ultron e Jocasta: amor cibernético.

    A década seguinte principiou com o regresso triunfal de Ultron. Logo em 1980, nos números 201 e 202 de Avengers, a maligna criação de Hank Pym voltou a atormentar os maiores campeões da Terra. Depois de ter controlado mentalmente alguns dos membros da equipa, o robô acabou, como sempre, derrotado e desmantelado.
    Durante a saga Secret Wars (1984-85), o robô foi reconstruído por Beyonder e enviado por ele para o planeta onde as fações heroica e vilanesca se digladiavam numa guerra sem quartel  orquestrada pelo omnipotente ser. Na senda de uma breve batalha com o Coisa, Ultron acabaria uma vez mais destruído. Contudo, o pedregoso membro do Quarteto Fantástico teve a infeliz ideia de, à laia de troféu, trazer a cabeça do robô para a Terra. A qual acabaria esquecida e abandonada pelo Coisa quando este foi convocado para enfrentar uma invasão alienígena.
   Algum tempo depois, uma nova versão - a 12ª - de Ultron surgiu mancomunada com o Ceifador (Grim Reaper no original) e seus comparsas numa cabala para liquidar Magnum - Vingador e irmão mais novo do Ceifador. Embora o conclave vilanesco tenha capitulado diante dos Vingadores da Costa Oeste, Ultron estabeleceu uma incipiente relação afetiva com o seu "pai", Hank Pym. Num esforço para se humanizar, o robô passou a referir-se a si mesmo como Ultron Mark 12. No entanto, depois de se autorreconstruir, Ultron 11 lançou um feroz ataque contra Pym e o seu gémeo robótico. Graças à ajuda de Magnum, Pym e Ultron 12 conseguiram derrotar o vilão. De seguida, Ultron 12 optou por desativar-se, não sem antes se declarar satisfeito por ter salvo a vida ao seu criador.

Criador e criatura: Hank Pym e Ultron,

   Em meados dos anos 1990, combinando todas as anteriores personalidades do robô, o Doutor Destino reconstruiu Ultron, acreditando que essa miscelânea o tornaria subserviente a si. Em vez disso, a carcaça cibernética do vilão passou a abrigar uma dúzia de personalidades conflituantes. Daí resultando um grau de insanidade que culminou com a automutilação levada a cabo por Ultron 12 numa tentativa desesperada para remover alguns dos seus alter egos. O Demolidor e os Inumanos Karnak e Gorgon lograram destruir o vilão danificando severamente os cabos desprotegidos localizados no seu pescoço.
  Na esteira desses acontecimentos, surgiu uma nova versão de Ultron, prontamente detida pelos Vingadores da Costa Oeste. Após escapar do seu cativeiro, o robô procurou obter uma nova forma de vibranium (outro dos metais fictícios do Universo Marvel) chamada Nuform. Tendo, contudo, sido travado pela forças combinadas do Homem de Ferro, do Homem-Aranha e do Pantera Negra.
  Não levou muito tempo para que Ultron 13 se evadisse e se reconfigurasse sob o epíteto de Ultron Superior (Ultimate Ultron no original). Capturando Harpia (Mockingbird), o robô usou os padrões cerebrais da Vingadora na criação de uma nova consorte a que deu o nome de Alkhema. Ambos acabariam, porém, por ser lançados no espaço pelo Visão.
   O casal robótico retornaria entretanto à Terra com o propósito de desencadear um inverno vulcânico (planeando para esse efeito plantar potentes bombas nos núcleos de diversos vulcões espalhados pelo globo). Detidos pelos Vingadores da Costa Oeste, Alkhema rebelou-se contra Ultron, acabando por abandoná-lo. Quase em simultâneo, uma outra versão do robô era descoberta pelo Visão. Infetado por emoções humanas, Ultron 15 padecia de sintomas análogos aos do alcoolismo, acelerando dessa forma a sua deterioração física. Sob a tutela do Visão, Ultron 15 e uma ressuscitada Jocasta partiram numa jornada à descoberta do mundo.

Uma das mais recentes versões de Ultron.
   Já neste século, os Vingadores descobriram que todas as criações de Ultron (Visão, Jocasta e Alkhema) estavam subconscientemente compelidas a reconstruir o seu criador devido a um programa secretamente instalado em cada uma delas. Assim, quando se propunha a gerar uma nova gama de biossintozoides, Alkhema reconstruiu involuntariamente Ultron.  Com a diferença de que nesta versão -a 18ª - o robô era revestido de aço em vez do tradicional adamantium. Razão pela qual acabaria destruído na explosão da base subterrânea da sua antiga companheira. Contudo, a cabeça de Ultron foi recuperada por uma das sintozoides sobreviventes, uma rapariga artificial chamada Antígona.
  Pouco tempo depois, uma bizarra versão do robô - a cabeça decepada de Ultron 18 acoplada num modelo antigo do seu exoesqueleto -  lideraria o culto conhecido como Filhos de Yinsen numa tentativa de conquistar o mundo por via da religião. Os seus planos seriam, no entanto, frustrado pelo Homem de Ferro.
   Em junho de 2007, a Marvel lançou um novo título estrelado pelos Vingadores. Num arco de histórias que se prolongou pelos seis primeiros números de Mighty Avengers, Ultron, sob a forma de um programa de computador, estabeleceu uma interface com a armadura do Homem de Ferro que, por seu turno, integrava a biologia de Tony Stark. Facto que permitiu a Ultron transformar o Vingador Dourado numa nova versão de si próprio, à qual atribuiu a forma humana da Vespa, embora recoberta por uma pele metálica. Nascia assim a primeira encarnação feminina de Ultron.

Janet Van Dyne (a Vespa) serviu de modelo à única encarnação feminina de Ultron.

  Para reverter o processo e libertar Tony Stark, foi necessária a utilização de um complexo vírus informático desenvolvido por um agente secreto Skrull que, à data, se fazia passar por Hank Pym. Este não foi, contudo, o fim de Ultron, cuja consciência foi lançada para os confins do espaço sideral. Por lá permanecendo nos meses seguintes sob a forma de ondas de rádio até ser resgatado por uma espécie cibernética conhecida apenas como a Falange, e que tentava estabelecer contacto com uma raça aparentada. Sob o comando do robô, a Falange invadiria depois o espaço Kree, com Ultron a apoderar-se do corpo de Adam Warlock na esperança de alcançar dessa forma a perfeição tecno-orgânica.
   Mais recentemente, na saga Age of Ultron (Era de Ultron, já publicada no Brasil pela Panini Comics e que servirá de premissa ao segundo filme dos Vingadores), após regressar à Terra, o robô colocou em marcha um programa de extermínio da humanidade ao mesmo tempo que remodelava o planeta à sua imagem. Enquanto o punhado de heróis remanescentes procurava desesperadamente uma forma de derrotá-lo, foi revelado que ele se encontrava no futuro - a salvo, portanto, de qualquer ataque - usando um indefeso Visão como veículo para a punição que pretendia infligir aos humanos. Após duas viagens ao passado a fim de evitar que Hank Pym construísse Ultron, foi por fim encontrada uma forma de detê-lo sem alterar drasticamente a realidade futura.
O crepúsculo dos derradeiros protetores da humanidade em  Era de Ultron.   

Noutros media: Ultron figura no 189º lugar da lista dos 200 Melhores Vilões de Sempre compilada pela revista Wizard, precisamente o mesmo que ocupa no ranking das 200 Melhores Personagens de Todos os Tempos organizado pela mesma publicação especializada em comics e seus derivados. Já no Top 100 dos Melhores Vilões selecionados pelo site IGN, o maléfico robô queda-se numa notável 23ª posição, atestando assim a sua popularidade dentro e fora dos quadradinhos.
  A estreia de Ultron no pequeno ecrã ocorreu por via da sua participação regular na série animada Avengers: United They Stand, exibida nos EUA pelo canal Fox, entre outubro de 1999 e fevereiro de 2000. No seu currículo televisivo incluem-se também  participações noutras duas séries do género: The Super Hero Squad Show e The Avengers: Earth's Mightiest Heroes. 
   Ainda no campo da animação, Ultron marcou presença em Next Avengers: Heroes of Tomorrow, longa-metragem de 2008 com lançamento direto em DVD. No próximo ano, o maléfico robô será o antagonista dos Vingadores no aguardado segundo capítulo das aventuras  cinematográficas dos maiores heróis da Terra. Sabe-se que o ator James Spader lhe emprestará a voz e que, nesta versão, Ultron terá sido obra de Tony Stark, e não de Hank Pym.

Em Avengers 2: Age of Ultron, o vilão robótico gaba-se de não ter cordas a prendê-lo.



24 novembro 2014

EM CARTAZ: «CATWOMAN»




  O que estava previsto ser um spin-off de Batman Regressa, ainda com Tim Burton na cadeira de realizador e Michelle Pfeiffer como protagonista, transformou-se em algo completamente diferente: um filme apresentando uma versão alternativa da Mulher-Gato, com pouca ou nenhuma ligação ao universo do Homem-Morcego.

Título original: Catwoman
Ano: 2004
País: EUA
Duração: 104 minutos
Realização: Pitof
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Argumento: John Brancato, Michael Ferris e John Rogers
Elenco: Halle Berry (Patience Phillips/Mulher-Gato), Benjamin Bratt (detetive Tom Lone), Sharon Stone (Laurel Hedare), Lambert Wilson (George Hedare), Frances Conroy (Ophelia Powers) e Alex Borstein (Sally)
Orçamento: 100 milhões de dólares
Receitas:  82 milhões de dólares

Gata em telhado de zinco.

Produção: Em junho de 1993, ao mesmo tempo que a Warner Bros. avançava para a produção de um terceiro capítulo cinematográfico do Homem-Morcego, um filme a solo da Mulher-Gato era anunciado. Michelle Pfeiffer - que no ano anterior interpretara a personagem em Batman  Regressa - foi dada como certa para reassumir o papel. O mesmo sucedendo com Tim Burton, a quem voltaria a estar reservada a cadeira de realizador. No entanto, no início de 1994, Burton viu-se perante um dilema artístico: dirigir uma película com forte pendor comercial estrelada por uma charmosa ladra de moral ambígua saída dos quadradinhos ou assumir a direção da adaptação ao grande ecrã de um dos mais célebres contos de Edgar Allan Poe (The Fall of the House of Usher)?
   Precisamente no mesmo dia (16 de junho de 1995) em que chegava às salas de cinema de todo o mundo Batman Forever (Batman Para Sempre,em Portugal; Batman Eternamente, no Brasil), o argumentista Daniel Waters (um dos autores do enredo de Batman Regressa) entregou aos responsáveis da Warner o guião para o spin-off da Mulher-Gato.
   Por esta altura os produtores continuavam a cortejar Tim Burton para que este dirigisse a película. Numa entrevista concedida em agosto desse ano, Michelle Pfeiffer reiterou, por sua vez, o seu interesse em participar no projeto. Ressalvando, contudo, que as suas prioridades seriam revistas devido ao facto de ter sido mãe recentemente, bem como em função de outros compromissos profissionais entretanto assumidos.

Michelle Pfeiffer, a inesquecível Mulher-Gato de Batman Regressa (1992).

   Os anos foram passando e o projeto foi relegado para uma espécie de purgatório. Já com Burton e Pfeiffer desvinculados dele, em 2001 Ashley Judd foi a eleita para ser a próxima Mulher-Gato. Por motivos nunca devidamente esclarecidos, a atriz acabaria, todavia, por desistir do papel algum tempo depois.
    Halle Berry, à data uma das mais requisitadas atrizes de Hollywood depois de ter sido oscarizada pelo seu desempenho em Monster's Ball (Depois do Ódio), foi a senhora que se seguiu. Berry não era, de resto, uma estreante em matéria de participações em produções deste género. Entre 2000 e 2003 encarnara Tempestade em X-Men e X-Men 2 (papel que repetiria em 2006 com X-Men 3 e, já este ano, em X-Men- Dias de um Futuro Esquecido).
    A conceção do novo traje de Mulher-Gato ficou a cargo de Angus Strathie, estilista galardoado em 2001 com um Óscar Para Melhor Guarda-Roupa pelo glamoroso figurino criado para Moulin Rouge. Também o realizador Pitof, os produtores e a própria Halle Berry tiveram uma palavra a dizer nesse processo.
   Strathie explicou mais tarde que a ideia era criar uma indumentária o mais realística e ergonómica possível, que ao mesmo tempo representasse a metamorfose ocorrida na protagonista: de mulher insegura e reprimida a vingadora sensual.
   Devido à elevada exigência física do seu papel, Halle Berry iniciou em junho de 2003 um programa de treino intensivo que, entre outas valências, incluía aulas de capoeira (arte marcial brasileira) e de manejamento do chicote - usado como arma pela sua personagem. Trabalhou ainda com uma coreógrafa, que lhe ensinou a pensar e a mover-se como um gato.
  Meses depois, as filmagens arrancaram tendo como cenários a baixa de Los Angeles, Winnipeg e Vancouver (ambas no Canadá), além dos estúdios da Lions Gate e da Warner Bros.

Um dos mais icónicos posters promocionais de Catwoman.

Enredo: Patience Phillips é uma tímida designer ao serviço de uma companhia de cosméticos chamada Hedare Beauty. Apesar dos seus incansáveis esforços para agradar aos outros, Patience tem em Sally a sua única amiga.
  Em vésperas do lançamento de um novo e milagroso creme capaz de reverter os efeitos do envelhecimento, Patience visita a fábrica onde o mesmo está a ser produzido. Inadvertidamente, ela acaba por escutar uma acalorada discussão entre um dos cientistas da marca e Laurel Hedare, a esposa do proprietário. Em causa estavam os efeitos nocivos decorrentes da utilização do creme.
    Surpreendida por guardas da segurança, Patience fica aterrada ao perceber que estes receberam ordens para liquidá-la. Em pânico, a jovem procura escapulir-se por uma conduta. A qual é, no entanto, selada e de seguida inundada pelos guardas.    
   Em consequência disso, Patience morre afogada e o seu corpo dá à costa a alguns quilómetros do local onde foi assassinada. Sendo, porém, inexplicavelmente reanimada por um misterioso gato egípcio, que horas antes se materializara no apartamento da jovem. Na sequência desses eventos, Patience desenvolve habilidades felinas e um insaciável desejo de vingança.

Patience Phillips era uma jovem tímida com afinidade com gatos.
 
  Por intermédio de Ophelia Powers,a excêntrica dona do gato que a devolveu ao mundo dos vivos, Patience descobre que, no antigo Egito, esses animais eram usados como mensageiros pela deusa Bast. Não demora, por isso, a consciencializar-se de que se transformou numa espécie de avatar da divindade, cujos poderes felinos são ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição.
   Passando a usar um disfarce inspirado na sua nova condição de mulher-gato, Patience mescla-se à noite enquanto procura pistas que a conduzam a quem ordenou o seu assassinato. As suas investigações levam-na até ao Dr. Ivan Slavicky, o cientista que discutia com Laurel Hedare naquela noite fatídica. Acaba,porém, por se deparar com o cadáver de Slavicky, sendo injustamente incriminada pela sua morte.
  Suspeitando ser George Hedare - o proprietário da Hedare Beauty - o responsável por ambos os homicídios, a Mulher-Gato vai ao encontro de Laurel e pede-lhe para ficar atenta às movimentações do marido. No entanto, ao confrontar o ex-patrão, este afiança-lhe nada saber sobre quaisquer efeitos secundários potencialmente perigosos do novo creme produzido pela sua empresa.
   Mais tarde nessa noite, Laurel assassina George, depois de lhe revelar ter sido ela quem matou o Dr. Slavicky e quem ordenou a execução de Patience Phillips. Tudo porque o marido a descartara como modelo das campanhas publicitárias da marca, e porque o cientista declarara a sua intenção de destruir a fórmula do novo creme. Já Patience tivera o azar de estar no local errado, à hora errada.

Gatas assanhadas.
   Ardilosa, Laurel contacta a Mulher-Gato pedindo-lhe que venha ao seu encontro. A heroína acede e acaba novamente incriminada por um homicídio que não cometeu, sendo levada sob custódia policial. Antes, porém, Laurel havia-lhe revelado os efeitos secundários causados pelo creme antienvelhecimento: usado em contínuo, deixa a pele do usuário dura como mármore; aplicado de uma forma não continuada, provoca desintegração celular acelerada. Não obstante, Laurel tenciona lançar o novo produto no mercado no dia seguinte.
    Após escapar às autoridades, a Mulher-Gato ruma ao escritório de Laurel para a confrontar, acusando-a pela morte de Patience Phillips. Durante a encarniçada luta que se segue, a Mulher-Gato arranha o rosto da vilã. Esta desequilibra-se e cai por uma janela, conseguindo agarrar-se in extremis a um cano aparafusado à parede do edifício. A Mulher-Gato apressa-se a acudir-lhe, estendendo o braço para que Laurel o agarre e ela a possa içar. Contudo, ao ver o reflexo da sua pele deteriorada no vidro da janela, Laurel fica horrorizada e opta por se deixar cair para a morte.
   Mesmo depois de ter sido inocentada dos crimes que lhe eram imputados, Patience opta por manter-se incógnita e à margem da Lei, desfrutando da sua recém-adquirida liberdade como Mulher-Gato.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=ePgLOVNMSTo


À espera de um tigela de leite morno.

Curiosidades: 
* 43 gatos (na sua maioria provenientes de abrigos para animais abandonados) foram treinados para o filme. Entre eles destacou-se um espécime de Bengala - branco e laranja -, ao qual Halle Berry se afeiçoou ao ponto de o adotar uma vez concluídas as filmagens. Facto que gerou alguma controvérsia na medida em que o felino em questão foi confundido por alguns media com um filhote de tigre;
*Uma das razões que levou Michelle Pfeiffer a recusar repetir o papel de Mulher-Gato foi o desconforto causado pelo fato que usou em Batman Regressa (1992). Uma foto sua surge, no entanto, numa cena do filme, sendo referida como um dos anteriores avatares da deusa Bast;
*Segundo consta, enquanto gravava uma das suas cenas, Sharon Stone recebeu uma chamada no seu telemóvel, a qual prontamente atendeu, para exasperação do restante staff;
* O papel de Ophelia Powers foi inicialmente oferecido a Julie Newmar, uma das três atrizes que vestiram a pele da Mulher-Gato na série televisiva de Batman, em finais dos anos 1960. Na qual pontificou também Eartha Kitt, a primeira atriz negra a dar vida à personagem;
* Halle Berry teve de receber assistência hospitalar depois de ter embatido com uma peça de equipamento durante a rodagem de uma sequência de perseguição em que não usou o seu duplo (um perito em artes marciais havaiano);
* Foram necessários nove dias para gravar a principal cena de luta entre a Mulher-Gato e Laurel Hedare;
* Apenas um mês antes da estreia oficial da película, várias cenas tiveram de ser regravadas por força das reações negativas ao primeiro trailer divulgado. O segundo trailer entretanto lançado não incluía qualquer diálogo;
As 6 atrizes que encarnaram a Mulher-Gato no cinema e na TV.
Em cima (da esq. para a dir.): Lee Meriwether (Batman, o filme de 1966), Michelle Pfeiffer (Batman Regressa1992) e Eartha Kitt (3ª temporada da série televisiva Batman, de 1966).
Em baixo (pela mesma ordem): Anne Hathaway (Cavaleiro das Trevas Renasce, 2012), Julie Newmar (1ª e 2ª temporadas da série televisiva de 1966) e Halle Berry (Catwoman, 2004).
Prémios e nomeações: Fazendo eco das críticas demolidoras recebidas aquando da sua estreia, Catwoman foi agraciado com vários Golden Raspberries (vulgo Razzies, espécie de anti-Óscares) em categorias tão diversificadas como Pior Atriz Principal (Halle Berry), Pior Atriz Secundária (Sharon Stone), Pior Argumento (consultar ficha técnica acima), Pior Realizador (Pitof) e Pior Casal de Protagonistas (Halle Berry e Benjamin Bratt). Nada que intimidasse Halle Berry, que fez questão de comparecer pessoalmente - e munida do seu Óscar de Melhor Atriz, recebido em 2001 por Monster's Ball - à cerimónia de entrega dos pouco prestigiantes prémios. No seu discurso de "vitória", a atriz não escondeu a sua amargura: "Em primeiro lugar, quero agradecer à Warner Bros. Muito obrigado por me terem posto num filme de merda. Era tudo o que a minha carreira precisava!".
   Bill Muller, crítico de cinema do Arizona Republic, foi mais longe ao sugerir que Berry (a primeira atriz afro-americana a ser contemplada com a tão cobiçada estatueta dourada) deveria, a título de penalização pela sua deplorável atuação em Catwoman, restituir o seu Óscar à Academia de Hollywood.

Halle Berry teve poucos motivos para sorrir após a estreia de Catwoman.

Veredito: 18%

    Mesmo à distância de uma década, a avaliação que fiz inicialmente de Catwoman mantém-se: trata-se de um mau filme sobre Halle Berry. Melhor dizendo, sobre os - inegáveis - atributos físicos da atriz. Tudo o mais é secundário. Exceto o enredo; esse é terciário.
   Cada movimento de câmara, cada sequência, cada plano parecem ter como única preocupação pôr em evidência a sensualidade de  Halle Berry vestida como uma dominatrix. Autêntico convite ao onanismo e voyeurismo de uma parcela considerável do público masculino heterossexual - e, em especial, dos espectadores adeptos do S&M -, o filme pouco mais tem para oferecer.
   Num verão em que teve como principal concorrente o soberbo Homem-Aranha 2, Catwoman surgiu como um filme insípido e datado. De tão previsível e desinspirada, a história torna-se soporífera. Facto para que contribui inegavelmente a atroz interpretação de Halle Berry, ganhando apenas na comparação com a da sua antagonista - uma monocórdica Sharon Stone que, claramente, preferia estar a fazer outra coisa qualquer. Do restante elenco nem valerá a pena falar, composto que é por autênticos canastrões.
   Outra das deficiências desta película é a quase total ausência de referências à mitologia de Batman. Dada a ausência da arquitetura neogótica adotada por Tim Burton nos dois filmes do Homem-Morcego por si realizados, é lícito concluir que a trama de Catwoman se desenrola numa cidade que não Gotham City. Esta, no entanto, em momento algum é identificada...
   Podemos até ir mais longe afirmando, em última análise, que a película gira em torno de uma impostora, visto que a Mulher-Gato nela retratada não é Selina Kyle. Estamos, pois, em presença de uma lastimável fraude. Motivo pelo qual a DC Comics relutou em assumir a sua paternidade.
  Intuía-se, porém, o desastre tendo em conta que o melhor que a Warner conseguiu desencantar para substituir Tim Burton foi uma mediocridade gaulesa praticamente sem currículo e aparentemente desprovida de apelido. Pitof soa a nome de palhaço. O que, por si só, deveria ter sido encarado como um mau presságio.
   Pelo seu charme e carisma, a verdadeira Mulher-Gato merece brilhar num filme próprio. De preferência, dirigido por um cineasta competente e sem a insossa Anne Hathaway (Cavaleiro das Trevas Renasce). Depois de Julie Newmar nos anos 1960 e de Michelle Pfeiffer em 1992, continua por encontrar a Mulher-Gato do século XXI.
Apesar das garras, esta Mulher-Gato arranha pouco.