30 outubro 2017

RETROSPETIVA: «X-MEN - DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO»


 Mutantes de duas épocas entrelaçadas procuram desesperadamente reescrever a História a fim de prevenir um distópico porvir. Missão, ainda assim, menos complicada do que o reajustamento da cronologia de uma franquia que faz gala dos seus paradoxos. Mesmo tendo falhado esse objetivo, o filme - vagamente inspirado no clássico epónimo e o primeiro dos X-Men indicado para um Óscar - arrebatou a crítica e os fãs.

Título original: X-Men: Days of Future Past
Ano: 2014
País: EUA
Duração: 131 minutos
Género: Ação/Fantasia/Super-heróis
Produção: 20th Century Fox, Marvel Entertainment e The Donners' Company
Realização: Bryan Singer
Argumento: Simon Kinberg (baseado na obra homónima de Chris Claremont e John Byrne)
Distribuição: 20th Century Fox
Elenco: Hugh Jackman (Logan/Wolverine); James McAvoy e Patrick Stewart (Professor Charles Xavier), Michael Fassbender e Ian McKellen (Erik Lehnsherr/Magneto); Jennifer Lawrence (Raven Darkholme/Mística);  Nicholas Hoult e Kelsey Gremmer (Dr. Hank McCoy/Fera); Halle Berry (Ororo Munroe/Tempestade); Ellen Page (Kitty Pryde/Lince Negro); Shawn Ashmore (Bobby Drake/Homem de Gelo); Peter Dinklage (Bolivar Trask); Evan Peters (Peter Maximoff/Mercúrio); Josh Helman (Major William Stryker); Omar Sy (Bishop); Daniel Cudmore (Piotr Rasputin/Colossus); Fan Bingbing (Blink); Adan Canto (Mancha Solar); Booboo Stewart (Apache); Anna Paquin (Marie/Vampira); Famke Janssen (Jean Grey) e James Marsden (Scott Summers/Ciclope)
Orçamento: 200 milhões de dólares
Receitas globais: 747,9 milhões de dólares


Pré- produção e desenvolvimento

Face aos resultados dececionantes de X-Men 3: The Final Stand (2006), a 20th Century Fox , mesmo sem o assumir publicamente, perspetivou X-Men: First Class (2011) como o capítulo inaugural de uma nova trilogia baseada nos heróis mutantes criados em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby.
As primeiras informações veiculadas apontavam para os regressos de Matthew Vaughn e Bryan Singer. Ao primeiro, que dirigira X-Men: First Class, ficaria novamente reservada a cadeira de realizador. Ao passo que Singer, realizador de X-Men e X-Men 2, vestiria agora a pele de produtor.
Simon Kinberg, coargumentista de X-Men 3 e coprodutor de X-Men: First Class, foi contratado, em novembro de 2011, para escrever o enredo do novo filme. Tendo, para esse efeito, estudado vários clássicos da 7ª Arte que abordavam as viagens no tempo. Casos, por exemplo, de The Terminator ou Back to the Future.
Quando, em outubro de 2012, Vaughn trocou a direção do projeto pela de Kingsman, Singer perfilou-se como a escolha natural para o substituir.


Dança de cadeiras:
Bryan Singer substituiu Matthew Vaughn (cima) na direção do projeto.
Já depois de ter anunciado a data de estreia da película, em agosto de 2012 a Fox confirmou oficialmente o respetivo título: X-Men: Days of Future Past.
Com um orçamento de 200 milhões de dólares, Days of Future Past começou a ser rodado em abril de 2013. Cumprindo o cronograma estipulado, as filmagens ficaram concluídas cinco meses depois, em setembro do mesmo ano. A Cité du Cinema e outras localizações da cidade canadiana de Montreal - como o seu icónico Estado Olímpico - serviram de cenário às gravações. Chris Claremont, coautor da saga original, foi contratado como consultor.
Além de ter sido a segunda produção mais dispendiosa da Fox depois de Avatar (2009), Days of Future Past foi também a primeira longa-metragem dos X-Men filmada em 3D.
A 10 de maio de 2014, o Centro de Convenções Jacob Javits, em Nova Iorque, foi o palco escolhido para acolher a antestreia mundial de X-Men: Days of Future Past. Onze dias depois o filme chegaria às salas de cinema de todo o mundo.

Caça aos mutantes.

Enredo: Em 2023, robôs Sentinelas são programados para identificar e exterminar mutantes e seus aliados humanos. Durante um raide na Rússia que praticamente erradica a população local de Homo superiores, Kitty Pryde faz a consciência de Bishop retroceder alguns meses de modo a prevenir a chacina. Apesar de bem-sucedido, o expediente tem eficácia e alcance limitados devido ao seu impacto na fisiologia do viajante temporal.
Após ser contactada telepaticamente pelo Professor Xavier, Kitty reúne-se aos mutantes sobreviventes acantonados num remoto templo chinês. É lá que fica a conhecer a origem dos Sentinelas. Projetados por Bolivar Trask - assassinado por Mística em 1973 - os robôs tornaram-se virtualmente invencíveis graças a uma amostra do ADN da mutante.

Num futuro não muito distante,
 os Homo superiores encaram a ameaça de extinção.
Kitty sugere usar a sua habilidade para enviar alguém ao passado por forma a impedir o assassinato de Trask e, desse modo, alterar o curso da História. Xavier pondera ser ele a viajar no tempo, mas Wolverine voluntaria-se, alegando que o seu fator de cura lhe garantiria maiores hipóteses de sobreviver ao processo.
Logo depois de ter acordado em 1973, Wolverine visita a Mansão X, onde quase já não existem vestígios da Escola para Jovens Sobredotados fundada por Charles Xavier. É lá também que o herói canadiano encontra o seu antigo mentor, com notórios sintomas de alcoolismo e depressão.
Graças a um soro especial desenvolvido pelo Dr. Henry McCoy (o Fera), Xavier recuperou a capacidade de andar. Em contrapartida, os seus poderes psíquicos foram desabilitados pela substância.
Na esperança de que isso lhe permita reencontrar Mística, Xavier concorda em auxiliar Wolverine a resgatar Magneto da prisão especial localizada no subsolo do Pentágono. O que, contudo, só é possível graças à supervelocidade de Mercúrio, o jovem mutante entretanto recrutado para a operação.

Magneto prestes a ser resgatado da prisão especial
onde passara os últimos meses.
Mística descobre que Trask tem vindo a usar mutantes como cobaias para as suas sinistras experiências científicas e resolve matá-lo durante a cerimónia dos Acordos de Paz de Paris que serviriam para  pôr fim à Guerra do Vietname. Sendo, no entanto, impedida de consumar os seus desígnios por Xavier e Magneto. Este resolve matar a ex-amante por forma a certificar-se que o futuro apocalíptico descrito por Wolverine jamais terá lugar.
Ao intervir para salvar a vida de Mística, o Fera acaba por expor-se a si e aos seus companheiros como mutantes.
Tirando proveito da histeria anti-mutante potenciada pelo incidente, Trask consegue persuadir o Presidente Nixon a autorizar o Programa Sentinela. Entretanto, Magneto assume em segredo o controlo dos Sentinelas já construídos.

"Mutantes são o inimigo", clama um cartaz das Indústrias Trask.
Novamente confinado a uma cadeira de rodas depois de abandonar o soro que suprimia os seus talentos psíquicos, Xavier socorre-se deles para comunicar com o seu eu mais velho. Que o inspira a manter vivo o seu sonho de uma coexistência harmoniosa entre humanos e mutantes.
Depois de usar Cérebro (o supercomputador que permite a deteção remota de portadores do gene X) para localizar Mística, Xavier e seus aliados rumam a Washington D.C. com o propósito de fazerem abortar os planos da mutante transmorfa para assassinar Trask.
Enquanto Nixon apresenta, com pompa e circunstância, os Sentinelas, Xavier, Fera e Wolverine procuram Mística. Que, disfarçada de agente dos Serviços Secretos, se encontra perigosamente perto do Presidente e de Bolivar Trask.
Antes que Mística consiga agir, Magneto entra em cena controlando os Sentinelas e fazendo levitar um estádio de basebol acima da Casa Branca. Wolverine ataca o mestre do magnetismo mas é prontamente rechaçado, acabando atirado para as águas do rio Potomac.
No meio da confusão instalada, Nixon, Trask e Mística (ainda disfarçada de agente dos Serviços Secretos) procuram abrigo num bunker subterrâneo instalado sob a Sala Oval. O qual é arrancado por Magneto para fora da Casa Branca com a intenção de matar todos os seus ocupantes.


A cerimónia de apresentação dos Sentinelas presidida por Nixon.
No futuro, os Sentinelas invadem o templo que dá guarida aos mutantes, matando vários deles, incluindo Tempestade. Também Magneto é gravemente ferido durante o ataque e a capitulação parece iminente.
Entretanto, no passado, Mística impede Magneto de assassinar Nixon mas não desiste da sua intenção de liquidar Trask. No último instante Xavier consegue demovê-la de o fazer, explicando-lhe que isso apagará os Sentinelas da existência, poupando assim muitas vidas inocentes.
Mística parte com Magneto e Trask é posto atrás das grades por ter tentado vender segredos militares norte-americanos a dignitários vietnamitas.
No presente, Wolverine desperta na Mansão X e encontra todos os outros X-Men vivos e de boa saúde. Sendo, contudo, o único a estar ciente das alterações ocorridas na História.
Numa cena pós-créditos, uma multidão em transe venera com os seus cânticos En Sabah Nur (nome de batismo de Apocalipse) enquanto este faz flutuar pelo ar enormes blocos de pedra que servem para construir uma antiga pirâmide egípcia. Proeza testemunhada à distância pelos seus quatro Cavaleiros.

Trailer:



Versão alternativa

A 14 de julho de 2015, data em que a franquia dos X-Men cumpria o seu 15º aniversário, a 20th Century Fox Home lançou uma versão alternativa de Days of Future Past. Sob o título genérico The Rogue Cut, incluía 17 minutos de cenas cortadas e uma subtrama envolvendo Vampira (Rogue, no original), cuja participação no filme, recorde-se, se resumira a um brevíssimo cameo de poucos segundos.
Em Rogue Cut a narrativa é mais complexa e o papel desempenhado nela por Vampira menos inconsequente. Quando, devido à ação de William Stryker, a consciência de Wolverine balança entre o passado e o futuro - levando-o a ferir acidentalmente Kitty Pryde com as suas garras - o Professor X chama a atenção para a necessidade de Logan dispor de mais tempo no passado. O Homem de Gelo propõe então invadir a antiga Escola Xavier para Jovens Sobredotados, onde Vampira se encontra confinada sob a apertada vigilância dos Sentinelas.
Levada a cabo pelo Professor X, Magneto e Homem de Gelo, a operação de resgate é coroada de êxito, mas apenas os dois primeiros escapam com vida.
A partir do baluarte da resistência mutante, Vampira, embora devastada pela perda do namorado, assume o lugar de Kitty Pryde durante o tempo necessário para que, em 1973, Wolverine consiga alterar o curso da História.

Em Rogue Cut, é Vampira a assegurar
 o sucesso da missão de Wolverine.
Os Sentinelas conseguem, porém, encontrar o esconderijo dos mutantes graças a um dispositivo de localização que um dos robôs havia conseguido colocar no Pássaro Negro (o sofisticado jato dos X-Men) no momento da fuga do comando mutante da Mansão X.
A versão alternativa inclui ainda duas outras cenas: a primeira mostra Mística a visitar a Mansão X enquanto Xavier e Logan dormiam o sono dos justos. Após uma tórrida noite de amor com o Fera, Mística sai furtivamente antes do alvorecer, não sem antes sabotar Cérebro, de modo a evitar que Xavier lhe siga o rasto. Já a segunda mostra como a prisão especial do Pentágono está a ser reparada enquanto recebe um novo recluso. Ninguém menos do que Bolivar Trask.

Fera e Mística: paixão em tons de azul.

Prémios e nomeações

Além da inédita indicação para um Óscar na categoria de Melhores Efeitos Visuais, Days of Future Past recebeu nomeações para dezenas de outros prémios. Arrecadaria, no entanto, apenas quatro. A saber: um Empire Award para Melhor Filme de Ficção Científica, um Saturn Award para Melhor Edição Especial em DVD e dois Visual Effects Society Awards para Melhor Fotografia e Melhores Efeitos Especiais.

Curiosidades

*Quando Wolverine acorda em 1973, a mulher deitada ao seu lado na cama chama-lhe Jimmy. Algumas revisitações recentes da origem do mutante canadiano estabeleceram James Howlett como seu nome de batismo. Logan, por seu turno, corresponde ao apelido herdado do seu pai biológico, Thomas Logan. Originalmente, nessa mesma cena, Logan deveria usar boxers ao sair da cama. Alegando que, na sua Austrália natal, nenhum homem a sério acorda vestido ao lado de uma mulher bonita, Hugh Jackman vetou essa diretriz e brindou a plateia com uma visão do seu traseiro desnudo;
*Halle Berry teve o seu papel como Tempestade substancialmente reduzido em consequência da sua gravidez. Não obstante, o seu nome surge em destaque nos créditos do filme;
*Com o intuito de assegurar a verosimilhança e a exequibilidade do conceito de viagens no tempo na película cuja direção assumiu após a saída de Matthew Vaughn, Bryan Singer discutiu durante duas horas com James Cameron (Exterminador Implacável, Avatar) alguns teoremas da física quântica, mormente a complexa Teoria das Cordas. Singer resumiu desta forma aquela que é a pedra angular do enredo de Days of Future Past: "Até um objeto ser observado, ele é inexistente. Ao viajante do tempo, cuja consciência retrocede até a uma determinada época, eu chamo, portanto, Observador. Enquanto o Observador não regressar ao seu ponto de partida, esse futuro será apenas um cenário em aberto. É por isso que, em teoria, seria possível alterá-lo. No filme, Wolverine é o Observador a quem compete reescrever cirurgicamente o passado para precaver um Amanhã de pesadelo.";
*Na sua audiência no Senado norte-americano, Bolivar Trask lê em voz alta alguns excertos de uma dissertação académica que explica como a emergência do Homo sapiens induziu a extinção do Homem de Neandertal, seu antepassado na escala evolutiva. A referida dissertação fora elaborada por Charles Xavier que, em X-Men: First Class, também lera as mesmas passagens a Mística. Len Wein (cocriador de Wolverine, recentemente falecido) e Chris Claremont (o autor da saga original) são dois dos congressistas que assistem à preleção de Trask;
*Desde The Dark Knight Rises (2012) que nenhum filme de super-heróis reunia um elenco tão sumptuoso. Além de três atrizes oscarizadas (Anna Paquin, Halle Berry e Jennifer Lawrence), Days of Future Past contabilizou ainda cinco nomeados pela Academia de Hollywood: Hugh Jackman, Michael Fassbender, Ellen Page, Michael Lerner e Ian McKellen;

Um elenco que era uma verdadeira constelação.
*Quando aos comandos do projeto estava ainda Matthew Vaughn, caberia ao Fanático a missão de resgatar Magneto da prisão. Escalado para o papel que, em X-Men 3: The Final Stand (2006), pertencera ao britânico Vinnie Jones, Josh Helman acabaria por encarnar o jovem William Stryker depois de Bryan Singer ter decidido colocar Mercúrio no lugar do Fanático. Troca que, curiosamente, só se verificou após a confirmação de que o filho de Magneto também marcaria presença em Vingadores: Era de Ultron (2015). Especula-se que esse poderá ter sido o estratagema encontrado pela Fox para salvaguardar os seus os direitos sobre a personagem;
*Enquanto Magneto faz levitar um estádio inteiro sobre Washington D.C., é possível ver uma pequena Jean Grey de olhos postos no céu, indiferente à multidão espavorida que a rodeia.

Uma Jean Grey de palmo e meio
assiste às proezas de Magneto.

Diferenças em relação à BD

Obra capital no repertório dos Filhos do Átomo, Days of Future Past granjeou há muito o estatuto de clássico da 9ª Arte de leitura obrigatória para qualquer "bedéfilo".
Publicada originalmente em janeiro e fevereiro de 1981, nos números 141 e 142 de The Uncanny X-Men, a história teve o cunho de Chris Claremont* e John Byrne**, o binómio criativo responsável  por aquela que é quase unanimemente considerada a fase áurea dos heróis mutantes.
Antes da sua transposição ao grande ecrã, Days of Future Past tivera já direito a duas adaptações televisivas em outras tantas séries animadas dos X-Men: X-Men (1992-97) e Wolverine and the X-Men (2009).
No entanto, se essas adaptações prévias tiveram na fidelidade ao conceito original o seu eixo comum, o mesmo não se poderá dizer da sua versão cinematográfica.
Tantas são, de facto, as discrepâncias relativamente à saga original que, quanto muito, poderá considerar-se que o filme é vagamente inspirado nela.
De tão extensa que é a lista, limito-me, por isso, a identificar apenas algumas das diferenças fundamentais relacionadas com o protagonista, a trama e o desfecho desta.

A capa de Uncanny X-Men nº141 (1981)
 ocupa lugar de relevo na iconografia da 9ª Arte.
Comecemos então pelo protagonista. Na história original, esse posto cabe a Kitty Pryde. É a sua consciência que é enviada para o passado com a missão de alertar os X-Men para o lúgubre futuro que os espera. O facto de ela ser, à época, a novata da equipa foi preponderante para a escolha de Kitty. Ademais, a ausência de bloqueios mentais facilitaria a leitura dos seus pensamentos por parte do Professor X, fornecendo ao líder dos X-Men uma visão mais nítida do porvir.
No filme, como sabemos, é Wolverine a viajar ao passado. E há uma boa razão para isso: o seu fator de cura torna-o o único capaz de suportar os danos cerebrais decorrentes de passar longos períodos de tempo com a consciência numa época diferente.
No que à trama diz respeito, na história original Kitty Pryde regressa aos anos 1980 (e não a 1973) para prevenir os X-Men para as consequências catastróficas do assassinato do Senador Robert Kelly, o promotor político de uma virulenta campanha anti-mutante.  Crime cometido por Sina, da Irmandade de Mutantes, e que motivaria o Governo dos EUA a autorizar a produção em massa dos Sentinelas, já velhos conhecidos dos X-Men.
Apesar da premissa comum, no filme é a morte do Major William Stryker às mãos de Mística  a pôr em marcha essa trágica cadeia de eventos.
Também o tratamento aplicado pelos Sentinelas aos mutantes é um aspeto pouco explorado na película. Na BD os robôs de Trask promovem uma segregação entre humanos que podem procriar, humanos portadores do gene X latente (proibidos de se reproduzirem) e Homo superiores. A estes últimos restam duas opções: o extermínio ou o confinamento em campos de concentração onde são obrigados a usar colares inibidores de poder. Sendo este o único elemento presente no filme, no qual pouco mais é revelado acerca do destino dado aos mutantes capturados.

Lápides com os nomes de X-Men
 testemunham o genocídio mutante na saga original.
Previsivelmente, todas estas divergências conduzem a desfechos distintos para as duas versões da mesma história. Enquanto na BD os X-Men chegam a tempo de evitar o assassinato do Senador Kelly - daí resultando um acirrado conflito com a Irmandade de Mutantes - no filme é Mística quem, ironicamente, impede Magneto de cometer uma chacina.
Todas estas licenças poéticas não deturpam, ainda assim, a essência e o escopo da saga que serviu de base ao enredo da película. Algo que por si só é digno de louvor, atendendo ao ror de adaptações que, de tão heterodoxas, deixam irreconhecíveis as respetivas matrizes.

*http://bdmarveldc.blogspot.pt/search?q=chris+claremont
**http://bdmarveldc.blogspot.pt/2015/01/eternos-john-byrne-1950.html

Veredito: 70%

Ironia das ironias: Days of Future Past foi escolhido pelos mandachuvas da Fox porque a história permitiria atar as muitas pontas soltas na cronologia de uma franquia que, recorde-se, além dos X-Men integra também Wolverine e Deadpool.
Ora, o filme não só falhou redondamente em resolver este ponto problemático como ainda acrescentou mais uns quantos fios emaranhados a um novelo que poucos se atreverão a tentar desembaraçar. Alguns exemplos: além de ficar intangível, Kitty Pryde parece ter descoberto da noite para o dia possuir a habilidade de enviar consciências alheias de volta no tempo; o Professor X regressou do além-túmulo depois de ter sido assassinado por Jean Grey em X-Men 3; e também Wolverine recuperou as suas garras de adamantium perdidas no seu segundo filme a solo.
Para nenhuma destas inconsistências é aventada qualquer justificação. O que não deixa de causar estranheza se consideramos que o enredo de Days of Future Past ambicionava conectar a trilogia original dos X-Men, os dois filmes de Wolverine e ainda X-Men: First Class.
Se fizermos vista grossa a estes pecadilhos cronológicos e nos focarmos na trama, o núcleo futurista é uma das suas mais-valias. O peso dramático de um mundo pós-apocalíptico é sentido perfeitamente pelo espectador e as cenas de combate com os Sentinelas são soberbas.
Perante essa atmosfera sufocante, é mais do que bem-vindo o alívio cómico proporcionado pelas sequências protagonizadas por Mercúrio. Sendo, de resto, muito interessante a forma como as duas perceções - do próprio e dos outros - da sua supervelocidade foram mostradas. Curioso notar, a este propósito, como Evan Peters emprestou o seu carisma a uma personagem que nunca o possuiu na BD.

O impagável Mercúrio em ação.
Apesar do natural destaque concedido a Wolverine na trama, ele é um falso protagonista. Pela primeira vez na franquia, Charles Xavier é o coração e a alma da história. E o resultado é sensacional, muito por conta da magistral representação de James McAvoy.
Quase sempre retratado como um rochedo inabalável nas suas convicções, desta feita o mentor dos X-Men debate-se com uma crise de fé. Ficando bem patente o quanto esse seu estado de alma se reflete na comunidade Homo superior e, por irradiação, no mundo inteiro.
Outro ponto positivo do filme é, aliás, a ausência de maniqueísmo: as retaliações de humanos e mutantes afiguram-se justificáveis e inevitáveis porque, no fundo, todos estão errados. Cabendo dessa forma a Charles Xavier a ingrata missão de se assumir como o fiel de uma balança que pende cada vez mais para o ódio inter-espécies.
Boa parte desses e de outros méritos da produção devem ser atribuídos a Bryan Singer, cineasta que já deu sobejas provas do seu amor ao género super-heroico e do seu profundo conhecimento do universo dos X-Men.
De facto, mais importante do que a estética ou a cronologia, é o conteúdo social, moral e filosófico que sempre esteve no cerne das melhores histórias dos Filhos do Átomo. E é por isso que as imperfeições de Days of Future Past merecem ser perdoadas.