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04 novembro 2016

RETROSPETIVA: «HOMEM DE FERRO 2»



  Nas bocas do mundo desde que tornou pública a sua identidade de Homem de Ferro, Tony Stark, traído pela sua tecnologia e refém do próprio ego, continua a ser o mais falho dos heróis. Acuado por poderosos inimigos e com a vida por um fio, sabe que terá de aprender a trabalhar em equipa se quiser sobreviver. O filme, esse,  mesmo sem fazer esquecer o original, superou-o com distinção no teste das bilheteiras.

Título original: Iron Man 2
Ano: 2010
País: EUA
Género: Ação/Aventura/Fantasia
Duração: 125 minutos
Realização: Jon Favreau
Produção: Marvel Studios
Argumento: Justin Theroux
Distribuição: Paramount Pictures
Orçamento: 200 milhões de dólares
Receitas: 623,9 milhões de dólares
Elenco: Robert Downey, Jr. (Tony Stark/Homem de Ferro), Gwyneth Paltrow (Pepper Potts), Don Cheadle (James Rhodes/Máquina de Guerra), Scarlett Johansson (Natalie Rushman/Natasha Romanoff/Viúva Negra), Sam Rockwell (Justin Hammer), Mickey Rourke (Ivan Vanko) e Samuel L. Jackson (Nick Fury)


Desenvolvimento: Imediatamente a seguir à estreia de Iron Man, os Estúdios Marvel anunciaram que estava na calha uma sequela. Em julho de 2008, ao cabo de vários meses de negociações, Jon Favreau assinou contrato para dirigi-la.
Inicialmente, Favreau tinha em mente realizar uma trilogia do Homem de Ferro que teria Obadiah Stane (interpretado por Jeff Bridges no primeiro filme) como vilão de serviço. A ideia era acompanhar a par e passo a sua transformação no Monge de Ferro, um dos inimigos clássicos do herói.
Tratando-se do némesis do Vingador Dourado na banda desenhada, o Mandarim* soaria como uma escolha mais natural. No entanto, após consultar um painel de escritores da Marvel, Favreau percebeu que seria um desperdício usar tão importante personagem logo no início da franquia. Outro ponto que também desde logo ficou assente foi que a SHIELD continuaria a ter um papel fundamental na trama. Que, por recomendação pessoal de Robert Downey Jr. que com ele trabalhara em Tempestade Tropical, ficaria a cargo do argumentista Justin Theraux.
Com a rodagem da sequela em curso, Favreau revelou que nela seria aflorado o alcoolismo de Tony Stark, mas não seria uma adaptação de O Demónio da Garrafa**. Ainda durante a digressão promocional de Iron Man, também Robert Downey Jr. admitira a possibilidade de a sua personagem vir a desenvolver um problema com a bebida devido à sua dificuldade em lidar com a idade e com a pressão mediática depois de expor publicamente a sua identidade de Homem de Ferro. Mais tarde, o ator retomaria as suas considerações sobre o assunto, explicando que o que seria mostrado no segundo filme teria lugar no intervalo de tempo entre a origem do herói e os eventos narrados na saga em questão.

Robert Downey Jr. (esq.) e Jon Favreau, a Dupla Dinâmica da Marvel.

Por sugestão de Shane Black, contratado como consultor de enredo e que substituiria Jon Favreau na direção de Iron Man 3, a conduta de Tony Stark teria como modelo J. Robert Oppenheimer, o "pai" da bomba atómica que mergulhou em profunda depressão ao ver o aterrador fruto do seu trabalho no Projeto Manhattan.
Traçada a trajetória do herói, em janeiro de 2009, Mickey Rourke e Sam Rockwell entraram em negociações com os Estúdios Marvel para interpretarem a parelha de vilões. Se com o segundo tudo deslizou sobre rodas, já no caso do primeiro as coisas estiveram mais tremidas. Rourke esteve quase a recusar o papel. Motivo: o baixo valor do cachê oferecido. 250 mil dólares não passavam de uns trocados para quem estava em alta depois da sua magnífica representação em The Wrestler que, entre outros louvores, lhe valeu uma nomeação para o Óscar de melhor ator.
Enquanto as negociações com Rourke prosseguiam aos solavancos, surgiu outra dor de cabeça para os produtores. Dado como certo no papel de Nick Fury, o mordaz diretor da SHIELD, Samuel L. Jackson exigiu uma revisão dos termos do seu contrato. Apesar destes percalços, ambos os processos negociais chegaram a bom porto. Com Jackson a garantir mesmo a sua participação futura em nove outros filmes. Facto divulgado no mesmo dia em que Scarlett Johansson era também oficialmente confirmada no papel de Viúva Negra***.
Escolhido o elenco, as filmagens arrancaram em março de 2009, terminando precisamente 71 dias depois, em meados de julho desse ano. Embora o grosso das cenas tenha sido rodado nos Estúdios Raleigh, em Hollywood, outras das localizações que lhes serviram de cenário incluíram, por exemplo, a Base Aérea de Edwards, situada em pleno deserto californiano.
À antestreia no mítico El Capitan Theatre de Los Angeles, a 19 de abril de 2010, seguiu-se, nas semanas seguintes, o lançamento do filme em 54 países. Numa jogada de antecipação ao pontapé de saída no Mundial de Futebol que nesse ano se disputava na África do Sul, o calendário da distribuição internacional foi acelerado. Mesmo sem pisar os relvados, com esse drible inteligente o Homem de Ferro iniciava a sua cavalgada imparável à conquista de um outro campeonato: o das bilheteiras.

Jon Favreau e parte do elenco de Homem de Ferro 2
na apresentação publica do filme num hotel de LA.

*Prontuário do Mandarim disponível em http://bdmarveldc.blogspot.pt/2013/05/galeria-de-viloes-mandarim.html
** Leiam aqui a resenha alargada da saga: http://bdmarveldc.blogspot.pt/2016/07/classicos-revisitados-o-demonio-na.html
*** Descubram alguns segredos da Viúva Negra em http://bdmarveldc.blogspot.pt/2012/05/herois-em-acao-viuva-negra.html

Homem de Ferro 2 apresentou ao público Chicote Negro e Máquina de Guerra,
duas das mais icónicas personagens da mitologia do herói.
Enredo: Um pouco por todo o globo, os media fazem eco do alarido causado pela revelação pública de Tony Stark da sua identidade de Homem de Ferro. Algures na Rússia, Ivan Vanko, ainda a chorar a perda do seu pai, Anton Vanko, acompanha as notícias com especial interesse. Dedicando-se em seguida à construção de um minirreator peitoral semelhante ao que mantém vivo o magnata americano.
Seis meses depois, Tony, convertido em celebridade mundial, é aclamado por turbas ululantes de cada vez que, em terra ou no céu, dá um ar da sua graça. Sentindo-se no topo do mundo, o filho do visionário Howard Stark avança com a reconstituição da Expo Stark de Nova Iorque, uma feira tecnológica inaugurada décadas antes pelo seu progenitor. Com esse projeto faraónico, Tony pretende dar continuidade ao legado paterno.
No entanto, apesar de continuar a usar a sofisticadíssima tecnologia do Homem de Ferro para fins pacíficos e em benefício da comunidade, Stark é intimado a comparecer perante um comité no Senado norte-americano. Pela voz do senador Stern, o comité pressiona-o a entregar a sua armadura ao Governo federal para futuras aplicações militares. Tony recusa e, de caminho, humilha publicamente o seu rival Justin Hammer, ao provar que a sua tecnologia está vários anos avançada em relação à da concorrência.

Justin Hammer (Sam Rockwell), o arquirrival de Tony Stark.
Nem tudo são, porém, rosas na vida de Tony Stark. Recentemente, ele fez uma descoberta aterradora: a radiação emanada do núcleo de paládio do seu minirreator peitoral vem-lhe envenenando lentamente o organismo. Convencido de que tem os dias contados, após todas as suas tentativas para encontrar um elemento químico alternativo terem fracassado, Tony decide guardar segredo da sua condição. Mesmo em relação aos que lhe são mais próximos, como a sua eficientíssima assistente pessoal, Pepper Potts, ou o seu fiel amigo e piloto James Rhodes.
É, pois, com estupefação que todos recebem a decisão de Tony de confiar a presidência do seu conglomerado de empresas a Pepper Potts. Contratando para sua nova assistente pessoal a bela e misteriosa Natalie Rushman.
Tony Stark, Iron Man 2 HD wallpaper for Wide 16:10 5:3 Widescreen WHXGA WQXGA WUXGA WXGA WGA ; HD 16:9 High Definition WQHD QWXGA 1080p 900p 720p QHD nHD ; Standard 4:3 5:4 3:2 Fullscreen UXGA XGA SVGA QSXGA SXGA DVGA HVGA HQVGA devices ( Apple PowerBook G4 iPhone 4 3G 3GS iPod Touch ) ; Tablet 1:1 ; iPad 1/2/Mini ; Mobile 4:3 5:3 3:2 5:4 - UXGA XGA SVGA WGA DVGA HVGA HQVGA devices ( Apple PowerBook G4 iPhone 4 3G 3GS iPod Touch ) QSXGA SXGA ;
Um herói confrontado com a própria mortalidade,
Quando. dias depois,  ao volante de um bólide vintage, compete no Grande Prémio Histórico de Fórmula 1 do Mónaco, Tony é brutalmente atacado por Ivan Vanko. Perante uma plateia mortificada, Vanko brande no ar um par de chicotes eletrificados capazes de cortar ao meio o carro conduzido pelo milionário americano. Este recorre a uma armadura sobressalente do Homem de Ferro que transportava consigo numa maleta para passar ao contra-ataque. Vanko acaba derrotado no final da escaramuça, não sem antes danificar severamente o traje do herói.
No momento em que é detido pela polícia monegasca, Vanko proclama, alto e bom som, que a sua intenção era mostrar ao mundo que a invencibilidade do Homem de Ferro não passa de um mito. Ainda combalido, Tony Stark sabe, no seu íntimo, que o vilão esteve muito próximo de derrotá-lo.


Ivan Vanko, uma ameaça eletrizante.
De volta a Nova Iorque, Tony investiga o passado de Ivan Vanko, descobrindo que ele é filho de Anton Vanko. Físico russo dissidente do regime soviético, Anton ajudara Howard Stark a projetar o primeiro protótipo do minirreator de paládio. Quando Anton tentou lucrar com a invenção de ambos, o pai de Tony usou a sua influência para garantir a deportação do sócio para a União Soviética. Condenando assim Anton a longos anos de degredo no gulag. Antes de morrer, o cientista teve ainda tempo de passar a tecnologia ao filho. E passou-lhe também o ódio visceral ao clã Stark, que Ivan aprendeu a culpar pelo infortúnio do pai.
Impressionado com a prestação de Ivan Vanko, Justin Hammer organiza a sua fuga da cadeia para onde fora enviado após o atentado à vida de Stark no Mónaco. Os dois homens chegam então a acordo para que Vanko desenvolva uma linha de armaduras de combate. As quais Hammer planeia usar para retribuir o vexame que lhe foi imposto publicamente por Stark. Escolhendo como cenário para a sua desforra a Expo Stark.
A descoberta de que o minirreator de Stark fora replicado por outra pessoa, leva à intensificação das pressões governamentais para que ele entregue a sua armadura de Homem de Ferro.
Deprimido pela perspetiva de que não viverá para comemorar o seu próximo aniversário, Tony organiza uma festa de arromba na sua luxuosa cobertura com vista panorâmica sobre a cidade. As coisas acabam, contudo, por se descontrolar quando ele, embriagado e usando o seu traje blindado, coloca em perigo a sua vida e a dos convidados.
Em desespero de causa, James Rhodes veste um modelo antigo da armadura do Homem de Ferro para deter o patrão. Tony reage com agressividade e da luta que se segue resulta a destruição quase total do seu apartamento.
Envergonhado, no dia seguinte Tony é levado à presença de Nick Fury, o diretor da agência de contraterrorismo SHIELD. Depois de revelar-lhe que a sua recém-contratada assistente pessoal é, afinal, uma agente infiltrada chamada Natasha Romanoff, Fury entrega a Tony um velho baú contendo diversos pertences de Howard Stark.
Suspeitando que o pai poderá ter deixado algum tipo de mensagem oculta na maqueta da primeira Expo Stark, Tony descobre que ela encerra, de facto, um diagrama da estrutura atómica de um elemento químico desconhecido. Tudo apontando para que a sua sintetização fora impossibilitada pelas limitações tecnológicas da época em que Howard Stark viveu.
Assessorado pela inteligência artificial JARVIS, Stark constrói em segredo um acelerador de partículas que usa para criar o novo elemento. Adicionando-o depois a uma versão modificada do seu minirreator. E conseguindo dessa forma travar o envenenamento causado pelo paládio.

Stark em pleno processo de criação
 do novo elemento químico que lhe salvará a vida.
Quase sem tempo para respirar de alívio, Tony recebe um telefonema de Ivan Vanko, informando-o de que se encontra livre e desafiando-o para um duelo na Expo Stark.
No certame tecnológico, Justin Hammer apresenta ao público os seus novos droides militares capitaneados por James Rhodes aos comandos de um antigo modelo da armadura do Homem de Ferro.
Irrompendo no recinto da exposição, o Homem de Ferro adverte Rhodes para que não participe naquela farsa que desonra a memória do seu pai. Antes, porém, que os dois homens cheguem a um entendimento, longe dali Ivan Vanko invade os sistemas informáticos e assume o controlo remoto dos droides e do traje blindado de Rhodes. Atacado por todos os lados, o Homem de Ferro procura proteger os inocentes sem ferir o seu amigo prisioneiro na própria armadura.
Enquanto isso, Happy Hogan, o motorista de Tony, acompanha a Viúva Negra até à fábrica de Justin Hammer a fim de deter Ivan Vanko. Este já arrepiara, no entanto, caminho para a Expo Stark, apetrechado com uma nova e mais poderosa versão dos seus chicotes elétricos.
Quando a Viúva Negra devolve por fim o controlo da armadura a Rhodes, este não perde tempo a somar o seu poder de fogo ao do Homem de Ferro contra Vanko. Pressentindo a inevitabilidade da derrota, o vilão aciona o mecanismo de autodestruição do seu aparato, fazendo-se explodir com ele. Face à ausência do respetivo cadáver, fica a dúvida se Vanko terá sobrevivido.

Homem de Ferro e Máquina de Guerra: irmãos de armas.
Encurralada pelas chamas, Pepper Potts é salva no último instante pelo Homem de Ferro. Ainda mal refeita do susto, anuncia-lhe a sua renúncia ao cargo de CEO das Indústrias Stark antes de ser impetuosamente beijada pelo patrão perante o olhar divertido de Rhodes.
No final de uma conferência com outros altos responsáveis da SHIELD, Nick Fury informa Tony Stark de que o Homem de Ferro foi aprovado para participar no programa secreto conhecido apenas como Iniciativa Vingadores. O Governo prefere, todavia, que a armadura seja pilotada por alguém mais confiável. Tony concorda impondo como condição ser o senador Stern a entregar as medalhas que ele e Rhodes irão receber numa cerimónia pública organizada para homenagear os atos heróicos de ambos.
Na tradicional cena pós-créditos, o agente Phil Coulson, outro dos operacionais da SHIELD, reporta a Nick Fury a descoberta de um estranho martelo cravado no centro de uma enorme cratera fumegante. Trata-se do Mjolnir empunhado por Thor, o deus nórdico do trovão, e o próximo a estrelar um filme dos Estúdios Marvel.

Trailer:



Prémios e nomeações: Entre 2010 e 2011, foram várias as nomeações recebidas por Homem de Ferro 2, inclusive por parte da Academia de Hollywood que o colocou entre os candidatos ao Óscar para melhores efeitos visuais. Precisamente a mesma categoria em que seria distinguido no Festival de Cinema de Hollywood. Este seria, aliás, um dos dois únicos prémios arrecadados pelo filme. O outro, um People's Choice Award, assinalou a sua eleição como melhor película de ação de 2011. Um registo bem mais modesto do que o do seu predecessor que, um par de anos antes, averbara cinco galardões em outras tantas categorias, incluindo dois Saturn Awards para melhor ator (Robert Downey, Jr.) e melhor realizador (Jon Favreau).

Curiosidades:


* A personagem de Ivan Vanko, interpretado por Mickey Rourke, é na verdade uma mescla de dois inimigos clássicos do Homem de Ferro: Crimson Dynamo e Whiplash (conhecidos entre o público lusófono como Dínamo Escarlate e Chicote Negro). Criado nos idos de 1963 por Stan Lee e Don Heck, o primeiro debutou em outubro desse ano nas páginas de Strange Tales nº46, sendo apresentado como um brilhante cientista soviético, de sua graça Anton Vanko, que projetou uma armadura de alta tecnologia capaz de ombrear com a do Vingador Dourado. Já o segundo, criação conjunta de Stan Lee e Gene Colan, tinha como identidade civil Mark Scarlotti, um engenheiro eletrónico caído em desgraça nas Indústrias Stark que fez a sua primeira aparição em Tales of Suspense nº97 (janeiro de 1968). Recorde-se que, no filme, Ivan é referido como sendo filho de Anton Vanko;


Dínamo Escarlate (cima) e Chicote Negro:
os dois arqui-inimigos do Homem de Ferro que serviram de matriz a Ivan Vanko.
*Malgrado a sua compleição robusta e o facto de se ter submetido a um exigente programa de preparação física nos meses que antecederam o arranque das filmagens, num primeiro momento Mickey Rourke revelou-se incapaz de manejar com destreza os chicotes metálicos acoplados ao pesado exoesqueleto usado pela sua personagem. Perante a impossibilidade técnica de tornar mais leve o aparato, nas suas subsequentes sessões de treino, o ator passou a envergar coletes especiais que simulavam o traje blindado. À parte isso, vários dos elementos que compõem a caracterização do vilão foram sugeridos pelo próprio Mickey Rourke. Partiu dele, por exemplo, a ideia de Ivan Vanko possuir dentes de ouro e uma catatua como mascote. Adereços que o ator pagou do próprio bolso;
* Terrence Howard foi substituído por Don Cheadle no papel de James Rhodes por razões ainda não cabalmente esclarecidas. A fazer fé na versão do ator, o seu afastamento da franquia ficou a dever-se à tentativa de renegociação contratual levada a cabo pelos Estúdios Marvel com vista a uma redução do seu cachê. Importa notar que Howard fora o elemento mais bem pago no elenco de Iron Man, o que poderá muito bem ter condicionado a sua participação na sequela. Igualmente plausível é a possibilidade de a saída de Howard ter sido uma exigência de Jon Favreau. Logo após a estreia do primeiro capítulo da saga, a revista Entertainment Weekly escrevia que o realizador ficara desagradado com o desempenho do ator, ao ponto de se ter visto na contingência de refilmar ou cortar diversas cenas por ele representadas;
* Numa entrevista à MTV, Don Cheadle confessou que, até à chegada do Homem de Ferro ao grande ecrã em 2008, estava absolutamente convencido que o herói era um robô;
* Natalie Portman, Angelina Jolie, Jessica Biel, Jessica Alba e Gemma Arterton foram algumas das atrizes cogitadas para emprestarem o corpo à Viúva Negra. Correndo em pista própria, Eliza Dushku não se furtou a esforços para obter o papel, levando a cabo uma intensa, porém frustrada, campanha de lóbi. Emily Blunt, por sua vez, só não encarnou a ex-espia do KGB devido à sua indisponibilidade de agenda decorrente da sua participação em As Viagens de Gulliver, cuja rodagem se desenrolou em simultâneo à de Iron Man 2. A escolha final recairia, assim, sobre Scarlett Johansson que, mesmo antes de ser oficialmente confirmada, tingiu o cabelo de ruivo, tal era a sua vontade de interpretar aquela que é uma das mais notórias femmes fatales do Universo Marvel. Consta também que a curvilínea atriz terá tido um breve momento de pânico ao ver pela primeira vez o uniforme que teria de usar no filme. De tão cingida, a roupa fazia lembrar uma segunda pele e Johansson não concebia como poderia alguém mover-se dentro dela;

Scarlett Johansson foi a escolhida para encarnar a Viúva Negra.
*Na tabela periódica, o paládio surge classificado como um metal pesado com reduzida toxicidade. Seria, portanto, altamente improvável que causasse um envenenamento como aquele que, na película, faz perigar a vida de Tony Stark. Com efeito, a ideia de Stark ser envenenado pela própria armadura é uma referência a Mark XVI, o modelo que, na banda desenhada, foi responsável por idêntico problema de saúde, acabando por esse motivo descartado pelo seu usuário;
* Ainda no campo das referências ao material original, a cena que mostra Stark embriagado na sua festa de aniversário homenageia a saga O Demónio na Garrafa (já aqui esmiuçada), na qual os problemas de alcoolismo do milionário são expostos. São também sinalizáveis no enredo alguns pontos de contacto com A Guerra das Armaduras, outra das mais impactantes sagas do repertório do Homem de Ferro, dada à estampa em 1988. Nela, a tecnologia de Stark cai em mãos erradas obrigando desse modo o herói a confiscar todo e qualquer componente por ele fabricado. Campanha que, apesar das boas intenções, rapidamente degenera num conflito aberto que não distingue adversários de aliados;

Iron Man: Armor Wars Prologue
A saga A Guerra das Armaduras serviu de referência
 ao enredo de Homem de Ferro 2.
* A sequência da corrida automobilística no Mónaco em que participava Tony Stark foi na verdade gravada no parque de estacionamento dos Estúdios Downey, na Califórnia. Isto depois de Bernie Ecclestone, o todo-poderoso patrão da Fórmula 1 que havia autorizado a realização das filmagens no circuito do Grande Prémio do principado, ter voltado atrás na sua decisão. Pertencentes a vários colecionadores particulares, na corrida em causa foram utilizados cinco modelos vintage, incluindo um Lotus de 1976;
* Stark cria um novo minirreator peitoral empregando um artefacto que faz lembrar o escudo do Capitão América. Adereço que já fora mostrado de relance no primeiro filme do Vingador Dourado, sinalizando a produção da longa-metragem do Sentinela da Liberdade que chegaria às salas de cinema no ano seguinte. Contudo, contrariamente ao que creem alguns espectadores desavisados, não se tratava do verdadeiro escudo do Capitão América mas sim de uma réplica, visto que o original fora congelado com o herói perto do final da 2ª Guerra Mundial;
* No primeiro rascunho da trama, Ivan Vanko morria às mãos de James Rhodes após ter sobrevivido a uma explosão e de ter tentado assassinar Tony Stark e Pepper Potts. Precavendo a possibilidade de os produtores quererem reutilizar o vilão em películas vindouras, a sequência foi reescrita a fim de apresentar uma situação mais ambígua.

Sequela: As astronómicas receitas de bilheteira obtidas por Iron Man 2 garantiram a produção de nova sequela. Após terem concordado em pagar 115 milhões de dólares à Paramount Pictures pela distribuição mundial de um pacote que incluía o terceiro filme do Homem de Ferro e a primeira aventura cinematográfica dos Vingadores, foi com pompa e circunstância que os Estúdios Marvel anunciaram 3 de maio de 2013 como a data de estreia de Iron Man 3 em terras do Tio Sam. Mais uma megaprodução da subsidiária da Walt Disney Company que, além dos principais astros da franquia, contaria com diversas adições de peso ao elenco. como o oscarizado Ben Kingsley. Em contrapartida, Jon Favreau, cedeu, como já vimos, a cadeira de realizador a Shane Black, cuja carreira tivera como ponto alto até aí a autoria do enredo desse clássico da 7ª Arte que é Arma Mortífera (1987).
Apesar de ter sido o mais lucrativo dos três capítulos da saga e de ter caído nas boas graças da generalidade da crítica, Iron Man 3 não encheu as medidas aos fãs, que muito torceram o nariz à interpretação do Mandarim. Facto que, ao que tudo indica, comprometeu a realização de um quarto filme, pese embora exista a forte possibilidade de isso vir a acontecer num futuro próximo. Se ainda com Robert Downey, Jr. no papel principal, só o tempo o dirá...

Mesmo não tendo sido deixado de cócoras pela crítica,
 Iron Man 3 não convenceu os fãs.


Veredito: 68%


Existe uma velhinha tradição (quiçá de origem culinária) lá para os lados de Hollywood: sempre que é preciso reproduzir uma receita de sucesso, o segredo é reforçar-lhe os ingredientes.Por exemplo, se um filme fez furor por conta da espetacularidade das suas cenas de ação, é muito provável que a respetiva sequela inclua ainda mais cenas desse tipo. Seria, pois, algo do género que os produtores de Homem de Ferro 2 teriam em mente.
O problema é que nem a receita é infalível (conforme prova a montanha de sequelas falhadas), nem os ingredientes reforçados neste filme foram os certos. Em vez de servirem uma dose ainda mais abonada da ação e do humor que deixaram o público e a crítica rendidos ao primeiro filme do Vingador Dourado, os responsáveis pelo projeto, quais cozinheiros desastrados, enganaram-se nos condimentos. Acabando assim por empanturrar os espectadores com acepipes (leia-se, personagens e subtramas) à falta de um prato principal (leia-se, enredo) capaz de lhes forrar o estômago.
Com tanta coisa a acontecer a tanta gente ao mesmo tempo, a história perde o foco e o espectador também. Tanto mais que as diversas subtramas não estão ligadas entre si. Sendo precisamente esse o maior defeito de Homem de Ferro 2: a dispersão narrativa. 
Mesmo ficando alguns furos abaixo do original, esta sequela não deixa de ter qualidade suficiente para fazer dela uma referência dentro do seu género. Ficando, contudo, a sensação de que terá servido, essencialmente, para preparar terreno para a película dos Vingadores. Como qualquer filho do meio, Homem de Ferro 2 sofre, portanto, da ausência de um propósito específico e ressente-se disso.
Nada que coloque, porém, em xeque os muitos pontos positivos do filme: Robert Downey Jr. mantém-se impecável na sua interpretação de Tony Stark, conseguindo torná-lo simpático aos olhos do público, apesar do seu irritante narcisismo. Ao som da fantástica banda sonora com a assinatura dos AC/DC, as cenas de ação continuam de cortar a respiração. O mesmo se aplicando aos efeitos visuais. E tanto Scarlett Johansson como Don Cheadle, por via das suas representações de Viúva Negra e Máquina de Combate, trouxeram um acréscimo de qualidade à produção.
No final das contas, Homem de Ferro 2 é um filme divertido que não desilude sem, todavia, conseguir fazer esquecer o original. Servindo-lhe de consolo que, salvas raras exceções (Super-Homem II e Homem-Aranha 2 foram duas delas), raramente as sequelas de super-heróis conseguem ser bem-sucedidas nessa tarefa. Menos ainda quando são temperadas com condimentos indigestos.

Uma franquia ainda em altos voos, mas já a perder gás.






22 outubro 2016

ETERNOS: DENNIS O'NEIL (1939 - ...)




   No que poderá ser visto como um sinal premonitório, o seu nascimento coincidiu com a estreia de Batman, a personagem que mais lhe marcaria a admirável carreira de escritor e editor. Foi, contudo, pela mão de Stan Lee que primeiro se aventurou no género super-heroico. Para cujo amadurecimento contribuiu ao privilegiar temáticas sociais sintonizadas com o espírito da época.

Biografia: Filho de um casal de católicos irlandeses de Saint Louis (Missouri), Dennis O'Neil veio ao mundo a 3 de maio de 1939. Por esses dias chegava também às bancas norte-americanas Detective Comics nº27, edição histórica que assinalou a estreia do Batman. Personagem com a qual o pequeno Denny. como era carinhosamente tratado no meio familiar, desde o primeiro momento parece ter entrelaçado o seu destino. Afinal de contas, décadas depois associaria o seu nome a várias obras capitais do Homem-Morcego.
O gosto pelas histórias aos quadradinhos, esse, tomou-o quando era ainda pessoa de palmo e meio. Nas tardes domingueiras, Denny tinha por hábito acompanhar o pai e o avô em peregrinação à mercearia do bairro onde o clã O'Neil assentara arraiais há largos anos. Além das provisões que serviriam para reabastecer a despensa lá de casa, a lista de compras incluía quase sempre uma banda desenhada que fazia as delícias do petiz dado a leituras.
Mal fora ainda dado o tiro de partida para essa viagem alucinante que foi a década de 1960 quando Dennis O'Neil saiu da Universidade de Saint Louis diplomado em Literatura Inglesa. Formação académica que incluíra, entre outras, a disciplina de Escrita Criativa, na qual ele se sentira como peixe na água.
Das salas de aulas, O'Neil seguiu, sem desvios nem paragens, para as casernas da Marinha dos EUA. Mesmo a tempo de participar no bloqueio naval a Cuba durante a crise dos mísseis soviéticos que, no opressivo outubro de 1962. obrigou o mundo a suster a respiração durante 13 longos dias.
Despida a farda de marinheiro, Dennis O'Neil arranjou emprego num pequeno tabloide do Missouri. Um par de vezes por semana escrevia uma coluna dedicada aos leitores mais jovens. Espaço que, durante os indolentes meses estivais, ele preenchia com revisitações da chamada Idade de Ouro dos quadradinhos. Foi através desses textos que captou a atenção de Roy Thomas, delfim de Stan Lee e seu futuro sucessor à frente dos destinos da Marvel Comics.
Por sugestão de Thomas, Stan Lee convidou Dennis O'Neil a realizar o teste a que se submetiam todos os candidatos a escritores na Casa das Ideias. Consistindo este na inserção de diálogos numa historieta do Quarteto Fantástico em quatro páginas. Tarefa aparentemente simples que servia, no entanto, para separar o trigo do joio numa época em que a Marvel dava cartas no mercado editorial dos super-heróis.

Roy Thomas (esq.) convenceu Stan Lee
a dar uma oportunidade a Dennis O'Neil.
O'Neil, a quem nunca passara pela cabeça ganhar a vida a escrever histórias aos quadradinhos, confessaria numa entrevista dada em 1986 que só aceitou fazer o teste porque tinha as tardes de terça-feira livres. Nas palavras do próprio, ficamos a saber como tudo se passou: «Em vez de, como era meu hábito, me entreter a resolver as palavras cruzadas, naquela tarde matei o tempo a escrever a história que Stan Lee me tinha proposto. Fi-lo, contudo, por brincadeira. Estava longe de imaginar que isso mudaria o curso da minha vida.»
Apesar da ligeireza com que encarou o desafio, a prestação de O'Neil deixou Stan Lee impressionado. Tanto que o então timoneiro da Marvel lhe ofereceu um emprego como argumentista. Convém salientar que, por esses dias, a Casa das Ideias andava em bolandas devido à impossibilidade de Lee continuar a escrever toda a linha de títulos da editora. Mesmo depois de ele ter passado o testemunho a Roy Thomas em alguns deles, era imperiosa a contratação de novos escribas.
Quando deu por si, O'Neil estava a escrever as histórias daquela que era então uma das personagens mais populares da Marvel: o Doutor Estranho, em Strange Tales. Seguir-se-iam passagens meteóricas por títulos secundários como Rawhide Kid e Millie the Model. Mais que não seja, essas experiências serviram para pôr à prova a sua versatilidade narrativa, uma vez que o primeiro era ambientado no Velho Oeste e o segundo possuía um cunho simultaneamente cómico e romântico.

Strange Tales nº148 (1966) trazia uma das primeiras histórias
 do Dr. Estranho da autoria de Dennis O'Neil.
Naquela que terá sido, provavelmente, a sua primeira colaboração com Neal Adams(1), Dennis O'Neil trouxe de volta à vida o Professor X, nas páginas de X-Men nº65. Cada vez mais requisitado, seria chamado de urgência a finalizar uma história do Demolidor deixada a meio por um Stan Lee ansioso por partir de férias.
Passada a euforia inicial, os trabalhos na Marvel começaram a rarear e a Dennis O'Neil não restou outra alternativa que não ir bater à porta da concorrência. Sob o imponente pseudónimo de Sergius O'Shaugnessy, durante cerca de ano e meio escreveu regularmente para a Charlton Comics, onde foi apadrinhado pelo lendário editor Dick Giordano. O mesmo que, quando, em 1968, se mudou de armas e bagagens para a DC Comics, levou consigo um grupo de promissores freelancers, entre os quais Dennis O'Neil.

Thunderbolt foi um dos títulos escritos por O'Neil
 durante a sua passagem pela Charlton Comics.
Ao entrar pela primeira vez na sede da DC, Dennis O'Neil e os seus antigos colegas da Charlton sentiram-se transportados para o passado. Mais precisamente para o interior de uma fotografia tirada em plena década de 50. O vestuário informal dos recém-chegados contrastava flagrantemente com o aprumo dos que lá trabalhavam. Enquanto estes usavam gravatas sobre camisas de um branco imaculado, os primeiros cultivavam um visual hippie, com cabelos compridos e roupas de cores berrantes. Apesar desse choque geracional, a convivência entre as duas tribos foi relativamente pacífica.
Com as vendas em declínio, a DC apostava em sangue novo para recuperar o terreno perdido para a concorrência capitaneada por Stan Lee. A palavra de ordem era "inovar": à criação de novas personagens, deveriam somar-se as abordagens ousadas às consagradas.
Em linha com essas diretrizes, O'Neil começou por assumir os enredos de Beware the Creeper.  Nessa nova série mensal os leitores travaram conhecimento com The Creeper, um bizarro herói acabadinho de sair da prodigiosa imaginação de Steve Ditko (2) e que, no Brasil, ficaria conhecido como Rastejante. A prova de fogo de O'Neil aconteceria, porém, nas páginas de Wonder Woman. E não se pode dizer que ele a tenha superado com distinção.
Em articulação com o artista Mike Sekowsky, O'Neil despojou a Mulher-Maravilha dos seus poderes e uniforme, tornando-a uma amazona proscrita no mundo dos homens. Sob a orientação de um guru cego chamado I Ching, Diana, qual James Bond de saltos altos, vestiria nessa controversa fase a pele de uma agente secreta constantemente enredada em intrigas internacionais. Alterações que não caíram bem junto dos fãs daquela que é a maior heroína do Universo DC, especialmente entre os da velha guarda e os que professavam o feminismo. Dito de outro modo, o tiro saiu pela culatra. Em vez de atrair novos leitores, a pouco ortodoxa abordagem de O'Neil à Princesa Amazona serviu apenas para enxotar mais uns quantos.


O início da polémica fase da Princesa Amazona
que trouxe amargos de boca a O'Neil.
Felizmente, as coisas correram-lhe um pouco mais de feição no outro título cujas histórias assumira em simultâneo. Ao introduzir temas políticos e sociais em Justice League, de uma penada O'Neil cativou um público mais maduro e testou uma fórmula que se revelaria de sucesso em Green Lantern/Green Arrow, a série que o consagraria. Causaria, porém, algum burburinho a sua decisão de desfalcar  a Liga da Justiça da Mulher-Maravilha e do Caçador de Marte, dois dos seus membros fundadores. Uma vez mais, nada voltaria a ser igual após a passagem de O'Neil. Como ficaria bem demonstrado no seu próximo projeto.
Tendo como ponto de partida a redefinição do visual do Arqueiro Verde levada a cabo, meses antes, por Neal Adams em The Brave and the Bold, Dennis O´Neil virou do avesso a vida do herói. De playboy milionário com síndrome de Robin dos Bosques, Oliver Queen passou a vigilante urbano falido e com tendências esquerdistas.
Sempre imbuídas de uma forte consciência social, as histórias do Arqueiro Verde depressa se tornaram a nova coqueluche da DC, vendendo como pãezinhos quentes. E culminando com a sua inclusão em Green Lantern/Green Arrow, título que, desde a Idade do Ouro, tinha como único cabeça de cartaz o Lanterna Verde, agora obrigado a dividir o palco com outro justiceiro em tons esmeralda.
Esta aclamada fase do Arqueiro Verde teria como ponto alto a história Snowbirds Don't Fly, publicada nos números 85 e 86 de Green Lantern/Green Arrow.
Numa altura em que o consumo de drogas ilícitas fora apontado como o inimigo nº1 dos EUA pelo presidente Nixon, os leitores foram surpreendidos pela revelação de que Roy Harper (vulgo Speedy/Ricardito), o jovem protegido e parceiro de Oliver Queen no combate ao crime era, afinal, um heroinómano. Provavelmente a melhor história de sempre do Arqueiro Verde, foi aplaudida de pé pela crítica e valeu uma mão cheia de prémios aos seus autores (ver texto seguinte).

A chocante revelação sobre a toxicodependência de Roy Harper
em Green Lantern/Green Arrow nº85 (1971).
Fama e glória que, como o próprio admitiria mais tarde, teve efeitos nocivos na vida de Dennis O'Neil: «Da noite para o dia, vi-me arrancado da total obscuridade e colocado debaixo dos holofotes mediáticos. O meu nome passou a aparecer em jornais como o The New York Times e choviam convites para participar em talk shows. Claro que toda essa exposição mexeu com a minha cabeça. Tornei-me uma pessoa diferente; uma pessoa que, olhando para trás, reconheço que nunca deveria existido. Por causa dela, deteriorei o meu casamento, perdi amizades e adquiri maus hábitos. Foram tempos complicados em que, a bem dizer, apenas me conseguia relacionar com a minha máquina de escrever.»
Ainda em 1971 deu-se outra importante mudança na carreira de Dennis O'Neil. Supervisionado por Julius Schwartz, assumiria nesse ano as histórias do Batman. A interpretação que fez do herói, retratando-o como um indivíduo obsessivo-compulsivo e ávido de vingança, devolveu-o às suas raízes e viria a influenciar todas as suas versões subsequentes. De The Dark Knight Returns a Batman: Year One, passando por Batman: The Killing Joke, a todas a obra de O'Neil serviu de matriz. Até porque foi ele o primeiro a estudar a fundo a psique da personagem. Concluindo, entre outras coisas, que era Bruce Wayne quem servia de disfarce ao Cavaleiro das Trevas, e não o inverso.
Além de um sortido memorável de sagas do Homem-Morcego, a dupla criativa composta por Dennis O'Neil e Neal Adams (entretanto reunida) introduziu novos vilões e revitalizou outros. Assim, ao mesmo tempo que surgiam R'as e Talia al Ghul (esta última criada a meias com o artista Bob Brown), o Joker e o Duas-Caras recuperavam protagonismo no microcosmos do Batman. Cuja popularidade entre os leitores disparou em flecha, após anos de estiolamento narrativo que o haviam descaracterizado.

O regresso do Joker foi um dos pontos altos fase do Batman
 produzida pela Dupla Dinâmica Dennis O'Neil/ Neal Adams
Apostado em dar um novo elã aos títulos do Super-Homem, Julius Schwartz, recém-nomeado seu editor, considerou Dennis O'Neil a escolha natural para escrever essa nova fase do herói. Entre as diversas alterações introduzidas nesse período à mitologia do Homem de Aço  - desenhado ainda pelo eterno Curt Swan(3) - , a mais surpreendente foi a  eliminação da kryptonita e, por inerência, da sua maior fraqueza.
Paralelamente, O'Neil teve ainda tempo e energia para revitalizar duas personagens da Idade do Ouro cuja propriedade intelectual fora entretanto adquirida pela DC: Capitão Marvel/Shazam e O Sombra. A sua maior extravagância seria, contudo, Superman versus Muhammad Ali, álbum gigante lançado em 1978, e  que contou uma vez mais com a arte de Neal Adams. Com este a elegê-lo como a sua colaboração favorita com O'Neil.

Super-Homem versus Muhammad Ali: o combate do século
 e uma das maiores excentricidades da história da DC.
Já não como um escritor novato mas com o rótulo de celebridade colado à pele, em 1980, após uma década ao serviço da DC, Dennis O'Neil regressou à Casa das Ideias. Fê-lo pela porta grande mas sem qualquer intenção de dormir à sombra dos louros. Ao longo dos cinco anos que por lá ficou, deixou a sua impressão digital nos diversos títulos cujas tramas lhe foram confiadas. Em Iron Man, por exemplo, ressuscitou o demónio na garrafa que tanto havia atormentado Tony Stark ao mesmo tempo que presenteava o herói com a icónica armadura de Centurião Prateado.
Seria, porém, enquanto editor de Daredevil que O'Neil alcançaria o seu maior mérito. Mal assumiu o cargo, tratou logo de se desenvencilhar do argumentista Roger McKenzie para que Frank Miller pudesse escrever e desenhar as aventuras do Homem Sem Medo. Decisão que o à época editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, classificaria como determinante para evitar o mais do que expectável cancelamento de uma série que estrebuchava nas águas pantanosas em que caíra.
Apesar dessa sua intervenção providencial, Dennis O'Neil tinha uma visão muito própria do seu papel enquanto editor. Se dele dependesse, o seu trabalho seria invisível para os leitores e o seu nome não surgiria creditado nas histórias por ele editadas.
Até o Homem Sem Medo deve a sua sobrevivência a Dennis O'Neil.

De volta à DC em 1986, Dennis O'Neil passaria a acumular as funções de escritor e editor dos títulos do Batman até 2000. Sob a sua batuta, o Cavaleiro das Trevas voltaria a viver dias de glória. Seria nessa fase que despontariam obras capitais como Knightfall (A Queda do Morcego), Batman: Sword of Azrael (A Espada de Azrael) ou Batman: Birth of Demon (Batman: O Nascimento do Demónio). Todas elas saídas da pena de Dennis O'Neil, todas elas momentos definidores na vida do herói.
Embora sempre sob o signo do morcego, O'Neil seria igualmente responsável pelas histórias do Questão, que fizeram furor no início da década de 1990, e coautor da saga  Armageddon 2001 (4).

The Sword of Azrael foi um dos êxitos que marcou
 o regresso de Dennis O'Neil à Editora das Lendas.
Alquimista das letras, as proezas literárias de Dennis O'Neil não se circunscrevem à banda desenhada. Com uma extensa obra publicada, o seu repertório inclui vários romances, contos e guiões televisivos. São também da sua autoria as novelizações dos filmes Batman Begins e The Dark Knight.
Em finais dos anos 1990, O'Neil, sempre em busca de novos desafios, aventurou-se no ensino. Na prestigiada School of Visual Arts, sediada em Manhattan, ministrou um curso de escrita criativa direcionado para os comics. Como assistente teve John Ostrander, seu colega de ofício e velho conhecido da Editora das Lendas.
Casado com Marifran O'Neil, sua companheira desde os tempos de juventude, Dennis é pai do cineasta Lawrence O'Neil notabilizado pelo seu filme de 1997, Breast Men.
Afastado dos quadradinhos a que esteve ligado durante mais de quatro décadas, divide atualmente o seu tempo entra a vida familiar e as suas responsabilidades como diretor da The Hero's Initiative. Rede de beneficência que presta auxílio financeiro e cuidados médicos a antigos profissionais dos quadradinhos cujas vidas, por um motivo ou por outro, saíram dos eixos.
Julgando por este gesto de enorme generosidade e humanismo, o brilho da carreira deste grande senhor da 9ª Arte só empalidece perante o do seu coração de ouro.

Dennis O'Neil e Neal Adams (esq.) lado a lado
 num painel de conferências na Comic Con de San Diego.

1) Perfil de Neal Adams disponível em http://bdmarveldc.blogspot.pt/2014/06/eternos-neal-adams-1941.html

2) Perfil de Steve Ditko disponível em http://bdmarveldc.blogspot.pt/2012/03/eternos-steve-ditko.html

3) Perfil de Curt Swan disponível em http://bdmarveldc.blogspot.pt/2013/07/eternos-curt-swan-1920-1996.html

4) Leiam aqui a resenha de Armagedoon 2001 http://bdmarveldc.blogspot.pt/2013/05/do-fundo-do-bau.html

Prémios e distinções: Lenda viva da 9ª Arte, Dennis O'Neil desde cedo obteve o reconhecimento da indústria dos quadradinhos. Rendido à sua sofisticação narrativa, logo na edição inaugural do concurso, em 1970, o júri dos Shazam Awards distinguiu-o com três desses cobiçados galardões. Para quem não sabe, são o equivalente bedéfilo dos Óscares da Academia de Hollywood.
Pelo primoroso trabalho desenvolvido em Green Lantern/Green Arrow, O'Neil venceu nas categorias de melhor escritor, melhor história individual e melhor série regular. Dividindo o prémio nestas duas últimas com Neal Adams, seu parceiro criativo no título que basculou ambos ao estrelato. Cenário que se repetiria no ano seguinte quando a parelha arrecadou novo Shazam Award por conta de Snowbirds D'ont Fly, ainda hoje considerada uma das melhores histórias alguma vez produzidas com a chancela da DC.
Nesse memorável ano de 1971, Dennis O'Neil conquistou ainda dois Goethe Awards, novamente na categoria de melhor escritor e de melhor história individual e, uma vez mais, a meias com Neal Adams neste último segmento. Um par de anos volvidos, em 1973, O'Neil seria outra vez nomeado para melhor escritor, mas dessa feita não teve de arranjar espaço na prateleira lá de casa pois voltou de mãos a abanar. Algo que não aconteceria em 2014, quando viu a sua fulgurante carreira distinguida por um Eisner Award.
A maior honraria a adornar o seu invejável currículo foi-lhe, no entanto, concedida em 1985. Ano em que a DC incluiu o seu nome em Fifty Who Made DC Great, livro de ouro que pretendia render homenagem à meia centena de individualidades cujo contributo mais engrandeceu a Editora das Lendas.

Dennis O'Neil exibe o Eisner Award  que lhe foi atribuído em 2014.

Notas finais:

*Dennis O'Neil, Archie Goodwin e Mike Carlin foram três dos antigos editores da DC a serem parodiados em The Batman Adventures, título mensal baseado na série televisiva Batman: The Animated Series, cuja publicação se iniciou em 1992.
Nas histórias eles eram apresentados como um bando de supervilões desastrados liderados pelo imperturbável The Perfesser. Suposto génio do crime inseparável do seu cachimbo e propenso a engendrar as mais mirabolantes golpadas, a pitoresca personagem servia de avatar a Dennis O'Neil.
Sempre absorto em pensamentos, The Perfesser esquecia-se amiúde de transmitir informações vitais aos seus cúmplices para a execução dos golpes que ele próprio arquitetava. Mesmo sem a interferência do Cruzado Encapuzado, os planos da quadrilha iam muitas vezes por água abaixo devido à incompetência do seu líder. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando após planeamento minucioso do assalto a um hotel, ao chegarem ao local os três patetas depararam-se com um edifício vazio e sem nada para roubar. Tudo porque The Perfesser, do alto da sua infinita sabedoria, se tinha esquecido que o mesmo fora abandonado há uma dúzia de anos...

The Perfesser, o génio do crime que parodiava
 Dennis O'Neil em The Batman Adventures.

No entanto, apesar da sua aparente inépcia, The Perfesser provou, em pelo menos uma ocasião, ser mais inteligente do que o próprio Batman. Desafiados a decifrar um intrincado enigma em três partes fornecido pelo Charada, levou a melhor sobre o pretenso melhor detetive do mundo;
* Num registo mais sério, em 2008 Dennis O'Neil emprestou a sua voz aos comentários incluídos na edição em DVD de Batman: Gotham Knight, antologia de seis curtas-metragens do Homem-Morcego produzidas ao estilo anime.
* Na sua segunda passagem pela Marvel, na primeira metade da década de 80 do século passado, Dennis O'Neil esteve diretamente envolvido na conceção dos Transformers. É-lhe, de resto, atribuída a escolha do nome Optimus Prime, líder dos Autobots;
*Sob o pseudónimo Jim Dennis, O'Neil escreveu várias novelas protagonizadas por Richard Dragon, um mestre das artes marciais, transformado em personagem de BD pela DC, a partir de 1974;
*Entre o extenso rol de personagens criadas por Dennis O'Neil ao longo da sua vetusta carreira, algumas tornaram-se proeminentes na mitologia das respetivas licenciadoras. Casos, por exemplo, do Lanterna Verde John Stewart e de Arzael na DC, ou Madame Teia e Obadiah Stane (vulgo Monge de Ferro) na Marvel.
*Foi também o "arquiteto" do famigerado Asilo Arkham, instituição psiquiátrica destinada a acolher criminosos demenciais, como o Joker, o Espantalho e tantos outros.


John Stewart (cima) e Monge de Ferro,
 duas das mais carismáticas personagens criadas por Dennis O'Neil.

22 julho 2016

ETERNOS: BOB LAYTON (1953 - ... )



  Teve um dos pontos mais altos da sua trepidante carreira na sua passagem pelas estórias do Homem de Ferro, a quem ajudou a restituir o fulgor de outrora. Visionário também no mundo dos negócios, fez prosperar uma pequena editora falida e revolucionou o circuito de distribuição de comics antes de rumar à Meca do cinema.

Biografia e carreira: Mesmo depois de ter trocado a Nona pela Sétima Arte, aos 63 anos Robert "Bob" Layton continua a ser um dos mais venerados autores de banda desenhada com super-heróis, tendo no Homem de Ferro a sua personagem-talismã. Conhecido pela sua astúcia e polivalência, erigiu uma sólida carreira ao serviço dos gigantes da indústria de quadradinhos norte-americana.Com cujas produções teve contacto ainda em tenra idade e cujas potencialidades de negócio começou a explorar numa fase igualmente precoce da sua vida.
Bob contava apenas quatro anos de idade quando foi alfabetizado pela sua irmã mais velha que, cansada de ler-lhe vezes sem conta a mesma edição de Showcase (almanaque de referência da DC Comics, muito popular nos anos 50 e 60 do último século), o ensinou pacientemente a juntar as primeiras letras.
Mal concluiu o liceu, Bob tornou-se uma espécie de traficante de revistas aos quadradinhos, vendendo-as a outros jovens nas imediações do edifício de apartamentos em Indianápolis onde residia com a família. Foi graças a esta pequena negociata que, em 1973, travou conhecimento com Roger Stern. À época, o futuro romancista e escritor de algumas das personagens de proa da Marvel e da DC trabalhava numa estação de rádio local. Deste encontro fortuito nasceu uma proveitosa sinergia que alçaria ambos a voos mais altos.
Com efeito, pouco tempo depois de os seus caminhos se terem cruzado, Bob Layton e Roger Stern lançaram um fanzine que logo os colocaria na berlinda. Sob o pomposo título Contemporary Pictorial Literature (Literatura Pictórica Contemporânea), mais não era, contudo, do que uma publicação amadorística dedicada à Nona Arte, material muito comum ao longo de toda a década de 1970. Sobressaindo, porém, o CPL pela sua elevada qualidade, tanto a nível gráfico como textual.
Vendido uma vez mais à porta da casa de Bob, foi muito por conta das apelativas capas por ele ilustradas que o CPL se tornou um fenómeno de popularidade, obrigando a sucessivos aumentos de tiragem. Sobremaneira apreciados pelos fãs - que, de quando em vez, eram convidados a participarem no projeto - eram também os artigos da lavra de Roger Stern.

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Capa de CPL nº17 (1975) com arte de Paul Gulacy,
outro dos virtuosos que  lá se deu a conhecer.

Tamanho furor não passou despercebido aos mandachuvas da Charlton Comics que, intuindo o virtuosismo dos jovens autores do CPL, os convidou a produzirem e publicarem o lendário Charlton Bullseye. Magazine a preto e branco que, entre 1975 e 1976, serviria essencialmente para divulgar material inédito da editora, indo dessa forma ao encontro de iniciativas análogas por parte da Marvel e da DC.
Entre os vários nomes que se tornariam sonantes nos meandros dos quadradinhos depois de terem engalanado as páginas do CPL com o seu talento, destaque para John Byrne, então um jovem desenhador freelancer a tentar afirmar-se na Charlton Comics.
Azougado como poucos, Bob Layton soube retirar grandes benefícios desta parceria com aquela que, à época, era uma das mais importantes editoras a operar no mercado dos comics. Desde logo porque foi graças a ela que foi apresentado a Wallace Wood, um dos mais prestigiados cartunistas estadunidenses do século transato, de quem se tornaria aprendiz. Esse aprendizado com tão insigne mestre abrir-lhe-ia as portas da Charlton, companhia da qual Bob assumiria vários dos seus títulos de charneira.

O primeiro número do Charlton Bullseye
foi lançado em janeiro de 1975.
Ainda que com alguma sorte e batota à mistura, também as portas da Casa das Ideias se entreabririam entretanto para Bob Layton. Entre as incumbências inerentes ao seu tirocínio com Wallace Wood, incluía-se a ocasional entrega de trabalhos do seu precetor nos estúdios nova-iorquinos da Marvel Comics. Tendo sido precisamente numa dessas visitas à sede da editora que era ainda capitaneada por Stan Lee que, com o arrojo que lhe é característico, Bob se atirou de cabeça para não deixar escapar a oportunidade em que lá inesperadamente tropeçou.
Recuperemos o relato na primeira pessoa de como tudo se passou: «Certo dia, estava eu na sede da Marvel para entregar alguns trabalhos do Woody (diminutivo pelo qual Wallace Wood é afetuosamente tratado no seu círculo de amizades) e resolvi aproveitar a oportunidade para mostrar parte do meu portfólio a quem se dispusesse a vê-lo. Ao passar pelo gabinete do diretor artístico, não pude deixar de ouvir John Romita a barafustar ao telefone. Percebi que ele tentava desesperadamente encontrar alguém que arte-finalizasse os esboços de George Tuska para a próxima edição de Iron Man. Como um perfeito idiota, enfiei a cabeça através da porta entreaberta do gabinete e, sem parar para pensar que isso seria humanamente impossível, dei comigo a dizer que conseguiria ter o trabalho pronto nos quatro ou cinco dias de que disporia para fazê-lo. Claro que era pura gabarolice minha, mas eu queria mesmo muito trabalhar para a Marvel. Para meu espanto, Romita estendeu-me as páginas inacabadas, dizendo-me: "Mostra-me do que és capaz, miúdo."»


Bob Layton teve no Homem de Ferro
 a sua personagem-talismã.
À alegria inicial por ter conseguido o seu primeiro trabalho para a Marvel seguiu-se o pânico de não conseguir tê-lo pronto a tempo. A procura frenética de Bob por ajuda levou-o a bater à porta do Continuity Associates, conceituado estúdio de ilustradores freelancers fundado em 1971 pela dupla Dick Giordano / Neal Adams e que, ao longo dos anos, se afirmou como um autêntico viveiro de talentos. Walt Simonson, Howard Chaykin e Jim Starlin foram apenas alguns dos que nele tiveram a rampa de lançamento para carreiras de estratosférico sucesso na indústria dos quadradinhos.
Apesar das adversidades iniciais, Bob Layton conseguiu, graças a essa providencial ajuda, entregar o trabalho dentro do prazo estabelecido. Proeza que lhe valeu o estatuto de arte-finalista residente de Champions, na altura uma das coqueluches editoriais da Casa das Ideias. Bob soube-o de uma forma invulgar: no mês seguinte, recebeu na sua morada um grosso envelope almofadado contendo os esboços de uma historieta completa dos Campeões, a primeira equipa de super-heróis Marvel a eleger Los Angeles como base de operações.
Seria, contudo, meteórica esta primeira passagem de Bob Layton pela Casa das Ideias. Ao cabo de apenas alguns meses, foi brindado com uma proposta irrecusável por parte da DC: um contrato de exclusividade com duração anual a troco de um salário chorudo. Período durante o qual Bob arte-finalizou títulos como All Star Comics e DC Special, além do número inaugural da série Star Hunters, escrita por David Michelinie. Pelo meio, participou na conceção da versão moderna da Caçadora (The Huntress, no original), heroína com raízes na Idade do Ouro dos Quadradinhos.
Bob Layton e David Michelinie voltariam a trabalhar juntos, aquando do regresso do primeiro à Casa das Ideias. Os dois firmariam, de resto, uma profícua parceria criativa, principiando a sua colaboração em Iron Man nº116 (novembro de 1978). Título que, antes da chegada dos novos autores, andava pelas ruas da amargura sempre assombrado pelo espectro negro do cancelamento iminente.
Sob a batuta de ambos (e, também, de John Romita, Jr, que a eles se juntou), a série regular do Homem de Ferro ganhou novo fôlego, tornando-se mesmo um best-seller. Circunstância para a qual contribuiu em grande medida o êxito retumbante da saga Demon in a Bottle (vide texto anterior). Para regozijo dos leitores, a arrojada abordagem de Layton e Michelinie  trouxe uma lufada de ar fresco às histórias bafientas de um herói que parecia condenado ao inexorável declínio.
Sempre em articulação com o seu parceiro criativo, Bob Layton ajudou a criar um naipe de influentes coadjuvantes para as histórias do Vingador Dourado, nele avultando James Rhodes, o braço-direito de Tony Stark que, anos mais tarde, passaria a atuar como Máquina de Guerra (War Machine). Este e outros conceitos da sua autoria têm vindo, aliás, a marcar presença nas produções dos Estúdios Marvel, com especial incidência, naturalmente, na franquia cinematográfica do Homem de Ferro.




Máquina de Guerra (cima) e Caçadora:
duas cocriações de Bob Layton .
Em setembro de 1982, após a sua saída de Iron Man seguida de fugazes passagens (sempre na qualidade de capista) por títulos como Captain America, The Incredible Hulk ou Micronauts, Bob Layton assumiu a sua primeira empreitada a solo. Nada menos do que a primeira minissérie da Marvel.
Apostado em não deixar os seus créditos por mãos alheias, Bob escreveu e ilustrou os quatro volumes de Hercules: Prince of Power, cujo sucesso, malgrado o seu improvável protagonista, excedeu mesmo as expectativas mais otimistas. Valendo-lhe assim novo e aliciante desafio: desenhar a linha de brinquedos da Mattel que estaria na origem de Secret Wars (saga emblemática da Marvel publicada nos idos de 1984).

Hercules: Prince of Power marcou a estreia a solo
 de Bob Layton na Marvel.
Cada vez mais requisitado, em fevereiro de 1986 Bob Layton foi o escolhido para reviver os X-Men originais em X-Factor, escrevendo os cinco primeiros números da série. Exatamente um ano depois, reuniu-se com David Michelinie em Iron Man. Dessa segunda incursão da parelha por um título que muito se ressentira da sua saída, resultou outra saga antológica do Homem de Ferro: Armor Wars (Guerra das Armaduras).

O regresso triunfal dos X-Men originais
 em X-Factor nº1 (1986).

Era ainda a década de 1990 uma nascitura quando Bob Layton trocou a segurança da Marvel pela incerteza da Valiant (Voyager Communications, Inc). Fundada em 1989, esta pequena editora independente encontrava-se em situação financeira aflitiva caminhando a passos largos para a insolvência. Nada que demovesse, ainda assim, Bob de acumular os cargos de editor-chefe, coproprietário e vice-presidente executivo.
Herdando da anterior administração um passivo que ascendia aos 4 milhões de dólares, Bob logrou a façanha de, em apenas um par de anos, tirar as contas da empresa do vermelho para passar a apresentar lucros na ordem dos 30 milhões de dólares. Num abir e fechar de olhos, a Valiant passou de uma pequena editora detentora de uma quota de mercado residual para uma pujante empresa capaz de fazer sombra à Marvel e à DC.
Na base deste fulgurante sucesso da rediviva Valiant, esteve, entre outros fatores, o lançamento de um jogo de vídeo desenvolvido a partir de conceitos idealizados por Bob Layton. Com 1,5 milhões de unidades vendidas, Turok, Dinosaur Hunter foi um maná muito cobiçado pela concorrência.

O fenómeno de vendas que salvou a Valiant da bancarrota.
Em 1994, já depois de, no ano anterior, Bob Layton ter sido votado pelos leitores da revista Wizard Editor do Ano, a Valiant foi adquirida pela Acclaim Entertainment por uns astronómicos 65 milhões de dólares. Bob conservou, apesar disso, o cargo de vice-presidente executivo por mais dois anos. Momento em que, por vontade própria, resolveu abandoná-lo para desfrutar de uma espécie de reforma antecipada na Flórida.
Incapaz de se manter afastado por muito tempo daquilo que mais gosta de fazer, entre 1997 e 1998, Bob Layton escreveu e arte-finalizou uma dúzia de edições de Doctor Tomorrow, a mais recente aposta da Acclaim Entertainment (nome pelo qual era agora conhecida a Valiant), cujos esboços estavam a cargo do veterano Dick Giordano. A residir também na Flórida, este tornar-se-ia uma espécie de mentor de Bob nos anos que antecederam a fundação da Future Comics. Projeto que, além deles, teve como impulsionadores David Michelinie e Allen Berrebi.
Do peculiar repertório da Future Comics faziam parte Deathmask, Metallix, Peacekeeper e Freemind. Sendo este último escrito, editado e arte-finalizado por Bob Layton. Que, provando uma vez mais ser um homem de visão, quis revolucionar o circuito de distribuição desse tipo de material, fazendo da sua companhia uma pioneira do comércio digital. Descartando intermediários, a Future Comics - fazendo jus ao nome - apostou forte na Internet para captar clientes, vendendo-lhes diretamente as sua publicações.
Os proventos do negócios ficaram no entanto aquém do esperado. Vergada pelas severas pressões de tesouraria, no verão de 2002 a Future Comics viu-se compelida a assinar contrato com a Diamond Comics Distribution, a maior distribuidora de quadradinhos a nível mundial. Mudança de paradigma que não obstou à falência da companhia pouco tempo depois. À semelhança de tantos outros visionários, Bob Layton testemunhou, impotente, o lento ocaso de um sonho à frente do seu tempo.

Freemind foi uma das apostas editoriais
 da Future Comics.
Deixando para trás um impressionante lastro na História da Nona Arte, num passado recente Bob Layton deu uma guinada na sua vida profissional ao trocar os quadradinhos pelo cinema. Atualmente a residir em Hollywood, tem firmado créditos como guionista, empenhado-se em desenvolver novas ideias e conceitos a serem transpostos tanto ao grande como ao pequeno ecrã.
Longe de se sentir deslocado na feérica Meca da Sétima Arte, Bob - que, ao longo da sua carreira ligada à banda desenhada, privara com argumentistas e cineastas de renome, como George Romero (Night of the Living Dead) - tem prestado igualmente serviços de consultoria de guiões.
No entanto, de momento, a sua grande aposta é o filme Shumbler, uma comédia de terror da Odyssey Pictures que o creditará como cocriador, coargumentista e produtor executivo. Demonstrando uma admirável capacidade de trabalho, Bob escreve em paralelo o enredo de Mettle, longa-metragem ainda em fase de pré-produção que terá Edward James Olmos - nomeado para o Óscar de Melhor Ator em 1988 - como realizador.
Mesmo por estes dias arredado dos quadradinhos, Bob Layton será sempre uma figura incontornável para inúmeros consumidores desse produto cultural que ele ajudou a prestigiar, deixando a sua marca indelével em todas as personagens que perfilhou ao longo dos anos. Nalguns casos dando-lhes a notoriedade merecida, noutros devolvendo-lhes o glamour perdido. Mas tratando-as sempre com o carinho e respeito que um pai extremoso dedica aos filhos. Os leitores agradecem e jamais o esquecerão.

Voltará algum dia Bob Layton  às histórias do Homem de Ferro?




09 julho 2016

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE: « O DEMÓNIO NA GARRAFA»





  A atravessar uma profunda crise existencial, Tony Stark contempla o abismo no fundo de cada garrafa esvaziada. Enquanto vacila na batalha contra o seu demónio interior, um misterioso inimigo conspira nas sombras para desacreditar publicamente o Homem de Ferro. São estas as empolgantes premissas de uma saga antológica do Vingador Dourado, cujo enorme impacto surpreende até hoje os seus autores.

Título original: Demon in a Bottle
Autores: David Michelinie & Bob Layton (história) e John Romita, Jr. (esboços)
Licenciadora: Marvel Comics
Títulos abrangidos: The Invencible Iron Man nº120 a 128
Data de publicação: Março a novembro de 1979 (EUA)
Protagonistas: Tony Stark/Homem de Ferro (Iron Man), Jim Rhodes e Bethany Cabe
Coadjuvantes: Bambi Aborgast, Arthur Pithins, Ling McPherson, Scott Lang/Homem-Formiga II (Ant-Man), Os Vingadores (The Avengers), Ed Koch, Embaixador Sergei Kotznin e S.H.I.E.L.D.
Vilões: Justin Hammer. Jonas Hale, Namor, o Príncipe Submarino (The Sub-Mariner), Phillip Barnett, Derretedor (Melter), Nevasca (Blizzard), Chicote Negro (Whiplash), Besouro (Beetle), Mago das Águas (Water Wizard), Estilete (Stiletto), Constritor (Constrictor), Espião Mestre (Spy-Master), Discus, Homem-Sapo (Leap-Frog), Porco-Espinho (Porcupine) e Matadora (Man-Killer)
Cenários principais: Atlântico Sul, diversos pontos da cidade de Nova Iorque, ilha artificial de Justin Hammer (estacionada algures no Mediterrâneo), Atlantic City e Mónaco
Edições em Português: Foi sob a égide da Abril brasileira que esta saga foi pela primeira vez apresentada aos leitores lusófonos. Que, ao longo de nove meses (entre fevereiro e outubro de 1985) puderam vibrar com a trama espraiada pelas páginas de Heróis da TV (do nº68 ao 76, com dois hiatos nos números 69 e 71). 

Heróis da TV nº76 (outubro de 1985) trouxe
 o emocionante desfecho da saga O Demónio na Garrafa.

Já este século, a história teve direito a duas republicações por outras tantas editoras de Terras Tupiniquins, ambas no formato de volume único. A primeira, datada de junho de 2008, foi lançada pela Panini sob o título Os Maiores Clássicos do Homem de Ferro nº1. Ao passo que a segunda, com a chancela da Salvat, chegou aos escaparates brasileiros em setembro de 2014, inaugurando a Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel


As duas republicações da saga lançadas
 pela Panini e pela Salvat, respetivamente em 2008 e 2014.

Conceção e desenvolvimento: Na viragem da década de 70 do século passado, era este, em pinceladas largas, o quadro  da indústria dos comics estadunidenses: de um lado, tínhamos a DC  a explorar o mistério, a magia e o fantástico; do outro, a Marvel seguia à risca os sábios ensinamentos de Stan Lee para que se privilegiasse a natureza humana das personagens, apresentando-as como seres falhos, a braços com os seus próprios dilemas e angústias, pois só assim seria possível os leitores identificarem-se com elas.
Em linha com essas orientações, David Michelinie resolveu centrar a trama, cujo esqueleto vinha há semanas montando, numa batalha pessoal travada por Tony Stark contra um inimigo, desgraçadamente, bem real: o álcool. Importa desde logo ter presente que, à época, o tema do alcoolismo era ainda um tabu social. Ademais, não obstante a progressiva adultização do género super-heroístico que vinha fazendo escola desde o dealbar dos anos 1960, este continuava a ser perspetivado como um produto cultural destinado, essencialmente, a um público menor de idade.
Havia, portanto, o sério risco de a história gerar controvérsia. Algo que, de facto, acabaria por se verificar. Surtindo, porém, o efeito contrário ao temido pelos editores da Marvel. Em vez de chocar sensibilidades, Demon in a Bottle despertou consciências e captou toda uma gesta de leitores adultos, ávidos de enredos maduros e infundidos de realismo. Atributos narrativos que eram já a imagem de marca da Casa das Ideias, permitindo-lhe desse modo continuar a acentuar a diferença relativamente à arquirrival.
A despeito de tudo isso, o êxito de Demon in a Bottle apanhou desprevenidos os seus autores. Em 2008, em vésperas do 30º aniversário do lançamento da saga nos EUA, Bob Layton continuava a não esconder a sua perplexidade: "Nunca foi nossa intenção produzir algo relevante. Éramos pagos, basicamente, para escrever o próximo episódio  de Iron Man. Foi por mero acaso que escolhemos o alcoolismo como mau da fita. Podia ter sido o Doutor Destino ou qualquer outro vilão clássico. Mas tanto eu como o David Michelinie considerámos interessante o conceito de o Homem de Ferro ser transformado no seu próprio inimigo. Naquele mês o génio maligno saltou, literalmente, da garrafa. Bem vistas as coisas, o que normalmente derruba as pessoas por mais poderosas que elas sejam? Ganância, sexo, drogas e álcool. Deste cardápio pecaminoso optámos pelo álcool, como poderíamos ter escolhido qualquer uma das outras opções. Foi apenas isto. Nunca nos passou pela cabeça que a história se tornasse memorável."




David Michelinie & Bob Layton (cima) e John Romita, Jr. :
 a dream team que arvorou o Homem de Ferro aos píncaros da popularidade,

No entanto, Demon in a Bottle conquistou por mérito próprio um lugar de destaque na memorabilia da Casa das Ideias. Considerada pela generalidade da crítica especializada como uma das melhores sagas da editora, arrebatou em 1980 o Eagle Award para melhor arco de histórias individual. Galardão que premiava tanto o enredo inteligente de David Michelinie e Bob Layton, como o notável trabalho artístico de John Romita, Jr. Não sendo, portanto, de admirar que a saga continue ainda hoje a influenciar os escribas que vão desfilando a sua verve pelas páginas de Iron Man.
Abrangendo os números 120 a 128 de The Invencible Iron Man , Demon in a Bottle correspondia originalmente ao título do epílogo da saga. Refira-se, à laia de curiosidade, que quando foi lançada a respetiva compilação, em 1984 e 1989, o título genérico escolhido foi The Power of Iron Man. Designação que, indo ao encontro da preferência dos fãs, daria lugar em posteriores reedições ao icónico Demon in a Bottle.

Iron Man Vol 1 123
Aperta-se o cerco ao Vingador Dourado em Iron Man nº123 (junho de 1979).

Quem era Bethany Cabe?




O mais recente interesse romântico de Tony Stark surgira pela primeira vez em dezembro de 1978 no número 117 de Iron Man. Criação conjunta de David Michelinie, Bob Layton e John Romita, Jr., foi apresentada como a charmosa viúva de um adido diplomático da República Federal Alemã em terras do Tio Sam chamado Alexander van Tilburg. Esposa-troféu, Bethany Cabe viveu um matrimónio infeliz devido à dependência de drogas do marido que ela tentou, em vão, combater. Facto que, pouco tempo depois, esteve na origem da separação do casal.
Após a morte de Alexander num acidente de viação, Bethany recriminou-se por tê-lo abandonado em vez de permanecer ao seu lado para, juntos, o libertarem do vício que destruíra o casamento de ambos. Na esteira deste trágico episódio na sua história pessoal, Bethany jurou a si mesma que jamais voltaria a ficar dependente de quem quer que fosse.Resoluta, foi treinada pelos melhores agentes policiais e lutadores de rua da Costa Leste, tornando-se uma das mais requisitadas guarda-costas de celebridades, diplomatas e até de membros da realeza. Com a sua amiga e associada Ling McPherson fundou a empresa de segurança pessoal Cabe & McPherson.
Os caminhos de Bethany Cabe e Tony Stark cruzaram-se pela primeira vez em Nova Iorque durante uma receção oficial realizada na Embaixada da República da Carnélia (nação fictícia localizada no Leste europeu). Bethany desempenhava então as funções de guarda-costas do novo embaixador carneliano na ONU.
Passando por cima da velha máxima que desaconselha a mistura de negócios com prazer, Bethany e Tony envolveram-se romanticamente pouco tempo depois de o milionário ter contratado a Cabe & McPherson como especialistas de segurança da Stark Internacional.
Quando Tony começou a beber em excesso, Bethany temeu estar a reviver o pesadelo do seu casamento com Alexsander Van Tilburg, e tudo fez para prevenir idêntico desfecho para o seu novo relacionamento.

O que movia Justin Hammer?



Igualmente fruto da prodigiosa imaginação da dupla Michelinie/Latyon, Justin Hammer foi propositadamente concebido para ser o antagonista principal de Tony Stark nesta saga do Vingador Dourado. Nesse sentido, a sua estreia ocorreu em Iron Man nº120 (edição datada de março de 1979). E logo o velhaco mostrou ao que vinha.
Barão da indústria nascido na Velha Albion, dirigia com pulso férreo - e sem qualquer vestígio detetável de ética - um conglomerado de negócios internacionais. Que tinha no fabrico e comercialização de armas o seu ramo mais lucrativo.
Concorrentes diretas da Stark Internacional, as Indústrias Hammer  dominavam o mercado de armamento desde que Tony dele se retirara tempos atrás. Após  anos de guerra surda marcados por alguns episódios de espionagem industrial, os dois conglomerados entraram em acesa disputa pelo licenciamento de unidades de produção em território carneliano.
Consciente de que o Homem de Ferro era um símbolo vivo do poderio tecnológico da Stark Internacional  e uma peça-chave da sua segurança ( mas ignorando que ele e Tony eram a mesma pessoa), Hammer incumbiu os seus engenheiros de arranjarem forma de interferir com o funcionamento do traje blindado do herói.
Quando essa missão foi coroada de êxito, o vilão passou a poder controlar remotamente a armadura do Homem de Ferro. Foi assim, aliás, que ativou o sistema de armamento do traje para assassinar publicamente o embaixador carneliano nas Nações Unidas, incriminando o Vingador Dourado. Incidente diplomático que causou graves danos reputacionais à companhia de Tony Stark.
Paralelamente, Justin Hammer financiava e apetrechava com a sua parafernália tecnológica um contingente de super-criminosos. Os mesmos que não se fez rogado em usar para tentar neutralizar o Homem de Ferro. Saber-se-ia mais tarde que o patrocínio de Hammer tinha como contrapartida metade dos proventos obtidos pelos seus seu asseclas nos crimes por eles praticados.
Em paradeiro incerto após o desenlace da saga, Justin Hammer ressurgiria, uma e outra vez, para atormentar Tony Stark e a sua persona heroica. Consolidando, assim, o seu estatuto de arqui-inimigo de ambos.

A invencibilidade  do Homem de Ferro posta à prova.

Enredo: Após uma estadia em França, Tony Stark viaja a bordo de um avião com destino a Nova Iorque. O seu estado de espírito não podia, porém, ser mais taciturno. Acaba de descobrir que os seus pretensos aliados da SHIELD vêm adquirindo em segredo ações da Stark Internacional, objetivando assumir o controlo da companhia. Com os nervos em franja, o milionário bebe vários vermutes de enfiada.
Subitamente, uma das asas da aeronave é atingida por um tanque militar arremessado a grande altitude. Instalado o pânico entre os restantes passageiros, Tony aproveita o pandemónio para se esgueirar até uma das portas de emergência. Depois de abri-la, salta no vazio carregando apenas a sua pasta de executivo onde guarda a armadura do Homem de Ferro. Vestindo o traje em pleno ar, apressa-se a travar a queda do avião, guiando-o para uma suave amaragem.
Equipas de socorro confluem entretanto para o local, bem como um pequeno destacamento militar. Enquanto os passageiros são resgatados em segurança do interior do aparelho, o Homem de Ferro é escoltado por soldados até uma base militar instalada numa ilha próxima dali. Pela voz do seu comandante. o herói fica a saber que o tanque que atingira o avião fora arremessado por Namor, o Príncipe Submarino. Facto ocorrido quando os militares tentavam remover um residente da ilha que protestava contra a sua utilização como aterro tóxico.
Furioso com a irracionalidade de Namor, o Homem de Ferro parte no seu encalço e os dois envolvem-se numa violenta escaramuça subaquática. Durante a qual as lentes vedantes do capacete do Vingador Dourado se abrem inopinadamente, deixando a água entrar. Prestes a afogar-se dentro do próprio traje, Tony consegue, no último instante, retificar o problema.
Por fim, o Homem de Ferro e o Príncipe Submarino percebem que os soldados são na verdade mercenários a soldo da Corporação Roxxon, uma multinacional petrolífera interessada na exploração das jazidas de vibranium (metal fictício extremamente raro com propriedades isolantes) existentes na ilha.
Juntando forças, os dois titãs desbaratam facilmente o contingente de mercenários. Que conseguem, ainda assim, escapar depois de terem feito deflagrar potentes cargas explosivas plantadas em diversos pontos estratégicos da ilha. Causando o seu afundamento e consequente eliminação de quaisquer vestígios das operações de mineração que lá tinham sido efetuadas.

Choque de titãs a abrir a saga em Iron Man nº120 (março de 1979).
Na sua jornada de volta a terra firme, o Homem de Ferro é surpreendido por uma súbita avaria da sua armadura, desta feita afetando o seu sistema de voo. Voando de forma descontrolada durante alguns minutos, o herói acaba por despenhar-se no solo, saindo contudo ileso do acidente.
A milhares de quilómetros dali, comodamente instalado na sua base flutuante estacionada em águas mediterrânicas, Justin Hammer exulta com os resultados dos seus testes de controlo remoto do traje blindado daquele que supõe ser um mero empregado de Tony Stark.
Intrigado com o sucedido, nessa mesma noite o milionário analisa minuciosamente a armadura do Homem de Ferro no seu laboratório. E mais intrigado fica com o diagnóstico obtido: nenhuma anomalia detetada.
Na noite seguinte, de visita a um casino em Atlantic City na companhia de Bethany Cabe (a sua mais recente conquista amorosa), Tony Stark e os demais visitantes são surpreendidos por uma tentativa de assalto levada a cabo por um trio de super-criminosos composto por Nevasca, Derretedor e Chicote Negro.
Enquanto a quadrilha tenta arrombar o cofre do casino, Tony aproveita uma vez mais o pânico instalado para se transformar no Homem de Ferro. Os vilões, no entanto, não se deixam intimidar e o Vingador Dourado fica à mercê dos seus poderes combinados. Ouvindo-os comentar entre si que um tal Hammer lhes ordenara que não o matassem.
Antes que consiga, porém, processar esta informação, o Vingador Dourado é salvo in extremis pela corajosa e eficiente intervenção de Bethany Cabe. Com um disparo certeiro, a rapariga corta ao meio o chicote do Chicote Negro quando se ele preparava para desferir um golpe potencialmente fatal no herói.
Uma vez subjugados os agressores, Bethany critica severamente a inépcia do Homem de Ferro em proteger Tony Stark. Após trocar rapidamente de roupa, o milionário volta descontraidamente para junto da sua acompanhante para que possam ambos continuar a desfrutar do serão.
No dia seguinte, Tony recebe e aceita o convite das Nações Unidas para que o Homem de Ferro represente a Stark Internacional na assinatura do tratado de adesão da República da Carnélia à organização. Consternado, o milionário monitoriza, em paralelo, a aquisição hostil de que a sua companhia vem sendo alvo por parte de testas-de-ferro ao serviço da SHIELD.
No final de uma cerimónia cheia de pompa e circunstância, o Homem de Ferro e o embaixador carneliano, Sergei Kotznin, posam para os fotógrafos na sede da ONU. Sem que nada o fizesse prever, o raio repulsor da luva do herói encostada às costas do diplomata é repentinamente ativado. Perante uma vasta plateia horrorizada, o Vingador Dourado comete um homicídio a sangue-frio.

Uma das imagens mais marcantes de toda a saga.
Interrogado pela Polícia, o Homem de Ferro clama inocência, justificando o sucedido com uma avaria no seu traje. Apesar do perturbado herói ser mandado em liberdade, Tony Stark é intimado pelo gabinete do mayor a entregar a armadura do seu empregado para inspeção. De coração pesado, o milionário aquiesce e nos dias que se seguem refugia-se cada vez mais no álcool.
Depois de entregar uma armadura inoperacional às autoridades, Tony e Bethany têm uma acalorada discussão sobre o papel do Homem de Ferro na Stark Internacional. Para aquietar o espírito, Tony procura uma vez mais conforto na bebida.
Ainda ébrio, o milionário desloca-se como Homem de Ferro à mansão dos Vingadores. A pedido destes, ele concorda em abandonar temporariamente a liderança da equipa. Aproveitando para receber uma lições de combate corpo a corpo com o Capitão América, precavendo assim a possibilidade de a sua armadura voltar a falhar.
É também esse o motivo que leva Tony a contratar Scott Lang (o segundo Homem-Formiga) para uma arriscada missão: infiltrar-se na prisão para onde foi levado Chicote Negro e arrancar-lhe informações sobre o seu misterioso empregador.
Na posse de novos dados sobre o seu némesis, Tony, acompanhado por Jim Rhodes (seu piloto e amigo), ruma ao principado do Mónaco. Seguindo uma pista fornecida pelo Chicote Negro, os dois localizam o esconderijo de Justin Hammer. Sendo, no entanto, atacados e deixados fora de combate pelos mercenários ao serviço deste antes que consigam penetrar nas instalações.
Abandonado numa praia deserta, Jim Rhodes é detido pela polícia monegasca e levado para interrogatório. Tony, por sua vez, acorda na sumptuosa villa de Justin Hammer, com quem fica finalmente mano a mano.
O vilão revela-lhe ser ele o responsável pelas recentes avarias na armadura do Homem de Ferro que, entre outras coisas, resultaram na morte do embaixador carneliano. Questionado por Tony sobre os motivos de tanto rancor em relação a si, Hammer explica-lhe que tudo se resume a uma vingança. Na origem da qual estivera um suposto favorecimento da Stark Internacional num lucrativo negócio na República da Carnélia em que as Indústrias Hammer também eram parte interessada.
Apostado em causar o maior prejuízo possível ao conglomerado de Stark, Hammer ordenara aos seus engenheiros que sabotassem os circuitos internos da armadura do Homem de Ferro, obtendo controlo remoto sobre ela.

Justin Hammer. o rosto por trás do infortúnio de Tony Stark.
Aproveitando uma distração momentânea dos seus captores, Tony consegue escapulir-se e escala um dos altos muros que cercam a propriedade. Apenas para descobrir que esta é na verdade uma ilha artificial sem escapatória possível.
Novamente feito prisioneiro, Tony consegue no entanto evadir-se depois de ludibriar um dos guardas. Alertado da fuga, Hammer convoca o seu contingente particular de supervilões (constituído por Discus, Matadora, Constritor, Besouro, Mago das Águas, Estilete, Porco-Espinho e Homem-Sapo) para localizar e recapturar Stark. Este recupera entretanto a sua pasta de executivo contendo a armadura do Homem de Ferro que lhe fora confiscada pelos esbirros de Hammer. Trocando rapidamente de roupa, o herói derrota sem apelo nem agravo os criminosos fantasiados e segue na peugada do vilão.
Persuadida da veracidade do relato apresentado por Jim Rhodes, a polícia monegasca envia uma esquadrilha de helicópteros armados para atacar a base flutuante de Hammer. O vilão consegue contudo escapar e o Homem de Ferro usa todo o poder da sua armadura para afundar a ilha.
Apesar desta vitória, uma vez regressado a casa, Tony Stark continua a embriagar-se com cada vez maior frequência. Certa noite, ao chegar à mansão dos Vingadores com uma acompanhante de ocasião, destrata o mordomo Jarvis. Que, logo ao raiar do dia, lhe apresenta a sua carta de demissão.
Continuando a beber para esquecer os problemas, Tony é confrontado por Bethany Cabe. Que lhe confidencia como a toxicodependência do seu ex-marido destruíra o seu casamento e, em última análise, o matara. Emocionado com o dramático relato da namorada, Tony admite o seu problema com a bebida e pede-lhe ajuda para enfrentá-lo.

Quando os problemas apertavam, Tony Stark bebia coragem líquida.
Com resultados desastrosos.

Empenhado em reparar os seus erros, o primeiro passo de Tony é apresentar um sentido pedido de desculpas a Jarvis. O mordomo, comovido, aceita regressar ao serviço. Não sem antes lhe confidenciar que, por ter a mãe gravemente doente e julgando-se desempregado, se vira na contingência de penhorar o seu pequeno lote de ações da Stark Internacional para financiar o tratamento médico requerido.
Receando que as ações acabem em mãos erradas, Tony tenta debalde reavê-las. Dessa frustração resulta um impulso quase irreprimível de voltar a beber. Apanhado em flagrante por Bethany Cabe, ele consegue resistir à tentação e mantém o seu demónio interior preso dentro da garrafa.

Lado a lado, passo a passo,
Tony e Bethany vencem a batalha contra o vício.
Apontamentos: 

* Casino Fatale (título do quarto episódio da saga, publicado em Iron Man nº123) é, provavelmente, uma referência à novela de Ian Fleming - Casino Royale -  e ao filme homónimo de James Bond que, em 2006, estreou nas salas de cinema de todo o mundo;
* A carta de demissão apresentada por Jarvis no penúltimo capítulo da história contém duas gafes. A primeira das quais está relacionada com o apelido do fiel mordomo dos Vingadores, que nela surge ilegível. Em consequência disso, seria mais tarde estabelecido que o nome próprio da personagem seria Edwin, assim promovendo Jarvis a apelido. O segundo equívoco suscitado pela citada missiva prende-se com o facto de David Michelinie nunca ter tido a intenção de incluí-la na história. Isto porque, conforme seria explicado na secção de correspondência de Iron Man nº130, a carta foi adaptada de uma minuta oficial da Marvel;

Jarvis apresenta a Tony Stark
a sua polémica carta de demissão.

* Na derradeira página de Iron Man nº128, é legível a inscrição "So Long JR!" num pedaço de papel espalhado sobre a secretária de Tony Stark. Foi a forma que a restante equipa criativa encontrou de se despedir de John Romita, Jr. que, nessa edição, dizia adeus às histórias do Vingador Dourado;
* No fundo da garrafa de uísque retratada na capa dessa mesma edição é possível ler "Coming Soon Jeremy Bingham", numa alusão ao artista que sucederia a Romita a partir do 131º número da série regular do Homem de Ferro;
* Jon Favreau, realizador de Iron Man (2008) e Iron Man 2 (2010), observou que a cena neste último na qual Tony emborca copo atrás de copo numa festa - motivando dessa forma a intervenção de James Rhodes - foi inspirada em elementos de Demon in a Bottle. Saga que o seu sucessor na franquia, Shane Black, quis adaptar em Iron Man 3. Não tendo, contudo, recebido o aval dos Estúdios Marvel, preocupados em não ferir a suscetibilidade do seu público infanto-juvenil.

Também no cinema Tony Stark provou
 ter uma relação problemática com o álcool.

Vale a pena ler?

Não é fácil sentirmos compaixão por uma personagem como Tony Stark. Rico, inteligente, sempre rodeado de belas mulheres e um dos mais formidáveis super-heróis, ele parece ter o mundo na palma da mão. E, na maior parte das vezes, age como se o tivesse.
Provavelmente, o leitor comum sentirá maior empatia por personagens mais terra a terra como Peter Parker e o seu alter ego aracnídeo. Ambos travando - tal como a maior parte de nós, simples mortais - uma luta diária para superar os seus problemas financeiros e os seus dramas pessoais.
Antes mesmo de ser transformado num ícone da cultura pop deste século por via da sua participação no Universo Cinematográfico Marvel, Tony Stark sempre dividiu opiniões. São, pois, tantos os que o admiram como o visionário tecnológico que é como os que desprezam o seu caráter enviesado de playboy mimado. Basta ter presente, por exemplo, o papel por ele desempenhado em Civil War (refiro-me à saga original, não ao filme nela vagamente inspirado). À conta dele, não falta por aí quem, até hoje, o considere um escroque da pior laia.
Entre outros méritos, Demon in a Bottle serviu, desde logo, para injetar uma substancial dose de realismo nas histórias do Homem de Ferro. Mas também para amenizar o perfil egocêntrico e fanfarrão de Tony Stark.
Ao lidar com as consequência do alcoolismo, o habitualmente inabalável Stark toma dolorosa consciência das suas fraquezas. Que armadura alguma, por mais sofisticada que seja, poderá esconder. Habituado a enfrentar os mais poderosos oponentes, ele vê-se assim obrigado a travar uma árdua batalha contra si mesmo.
Desse fascinante duelo ao espelho resulta uma valiosa lição: um verdadeiro herói é aquele que tem coragem para combater os seus demónios interiores. Ao expor este seu lado mais humano, Tony Stark conquistou a simpatia de muitos leitores que passaram a vê-lo com outros olhos. Inclusive este humilde escriba que nunca teve em grande conta o homem dentro da reluzente armadura dessa espécie de cavaleiro andante dos tempos modernos.
À semelhança de Bruce Wayne e Batman, sempre perspetivei Tony Stark e o Homem de Ferro como duas entidades distintas. Com a diferença de que, no primeiro caso, é Batman quem se disfarça de Bruce Wayne. Já Stark criou a sua persona heroica para compensar as suas falhas de caráter.
Por conta da cativante intriga desenvolvida pela dupla Michelinie/Layton, da soberba arte de Romita, Jr. e da coragem da Marvel Comics em ter abordado um tema tão delicado numa época de ideias menos arejadas, Demon in a Bottle é, sem sombra de dúvida, um clássico da Nona Arte que merece ser (re)descoberto.


De que vale uma armadura
se o inimigo se acoita dentro de nós?