26 dezembro 2015

RETROSPETIVA: «SUPER-HOMEM IV - EM BUSCA DA PAZ»





   Qual destes trabalhos parece ser mais difícil para o Super-Homem? Impor a paz mundial ou salvar uma franquia cinematográfica decadente? Apesar de todos os seus poderes e boa vontade, foi neste último que o herói falhou. Marcando assim a saída pouco airosa do ator que o imortalizou e o início de uma longa travessia do deserto que manteve o Homem de Aço arredado do grande ecrã por quase duas décadas.

Título original: Superman IV - The Quest for Peace
Ano: 1987
País: EUA
Género: Ação/Aventura/Fantasia
Duração: 90 minutos
Produção: Menahem Golan e Yoram Globus
Realização: Sidney J. Furie
Argumento: Lawrence Konner, Mark Rosenthal e Christopher Reeve
Distribuição: Warner Bros. e Cannon Films
Elenco: Christopher Reeve (Super-Homem/Clark Kent), Gene Hackman (Lex Luthor), Margot Kidder (Lois Lane), Jackie Cooper (Perry White), Marc McClure (Jimmy Olsen), Jon Cryer (Lenny Luthor),Sam Wanamaker (David Warfield), Mariel Hemingway (Lacy Warfield) e Mark Pillow (Homem-Nuclear)
Orçamento: 17 milhões de dólares
Receitas: 36,7 milhões de dólares

Herói global, sem deixar de ser um ícone americano.

Desenvolvimento: Em 1983, na esteira dos dececionantes resultados de crítica e de bilheteira obtidos por Superman III, Christopher Reeve e os produtores Alexander e Ilya Salkind concordaram não haver futuro para a franquia. Três anos depois - em consequência do fracasso de Supergirl (1984) - os Salkind venderam os direitos da saga à Cannon Films. 
    A braços na altura com graves problemas de tesouraria, os mandachuvas da Cannon viram nesse negócio a  tábua de salvação do estúdio. Convictos de que poderiam dar um novo impulso à franquia do Homem de Aço, avançaram para a produção de um quarto filme. Não concebiam, no entanto, o projeto sem a participação das principais estrelas do elenco dos seus predecessores. Que, com maior ou menor relutância, lá acederam a assinar contrato. Christopher Reeve foi mesmo o mais difícil de convencer. E só aceitou repetir o papel que o imortalizou junto do grande público a troco de financiamento da Cannon para Street Smart, película de que seria cabeça de cartaz um par de anos depois. Como bónus adicional, o ator foi convidado a acumular as funções de coargumentista da nova aventura cinematográfica do herói que tão bem conhecia.
  Dispondo de um orçamento que ascendia inicialmente a 36 milhões de dólares, a produção pareceu enguiçada desde o começo. Os primeiros problemas surgiram logo na hora de escolher o respetivo realizador. Richard Donner, que dirigira Superman  e parte  substancial de Superman II antes de ser descartado, foi o primeiro a ser sondado. Declinou, no entanto, o convite que lhe foi endereçado por Golan e Globus.
   Seguiu-se então uma abordagem a Richard Lester, o substituto de Donner que assumira a direção de Superman II e Superman III. Porém, a sua resposta foi tirada a papel químico daquela que fora dada pelo seu antecessor. Ou seja, uma rotunda nega.
  Após estas duas tentativas falhadas, a Cannon conseguiu assegurar os serviços de Wes Craven. No entanto, o mestre do cinema de terror, celebrizado por filmes como Pesadelo em Elm Street, mal teve tempo para aquecer a cadeira de realizador. Devido a divergências criativas com Christopher Reeve, Craven acabaria afastado do projeto sem apelo nem agravo.
  A escolha final recairia, assim, sobre o canadiano Sidney J. Furie. Veterano da 7ª arte com uma filmografia extensa e diversificada, tivera o ponto mais alto da sua carreira como realizador em 1966. Ano em que arrebatou um Bafta (homólogos britânicos dos Óscares) na categoria de melhor filme a cores.

Sidney J. Furie (esq.) e Christopher Reeve durante uma pausa nas filmagens.

  Consensualizado o nome do realizador, foi definido o cronograma da produção. No entanto, em vésperas do arranque das filmagens, novo balde de água fria lançado sobre a equipa. Enfrentando cada vez mais sérios problemas de liquidez, a Cannon anunciou a redução do orçamento do projeto para menos de metade (17 milhões de dólares). 
   Em virtude destas severas restrições orçamentais, à produção não restou outro remédio senão cortar nas despesas. Mesmo naquelas que, à partida, deveriam ser intocáveis num projeto do género. Com efeito, uma das medidas mais drásticas - e desastrosas para o resultado final - consistiu na reutilização de efeitos especiais. Sobrevindo ainda a falta de verba para custear filmagens em Nova Iorque, cidade escolhida nos anteriores capítulos da saga para fazer as vezes de Metrópolis.
 Na sua autobiografia publicada em 1999, Christopher Reeve descrevia assim os incontáveis constrangimentos colocados à produção de Superman IV - The Quest for Peace: "Fomos afetados por cortes orçamentais em todos os departamentos. A Cannon tinha na altura aproximadamente trinta projetos em carteira e não reservou qualquer tratamento especial ao nosso.Uma das situações mais caricatas de que me recordo foi quando tivemos de filmar a cena em que o Super-Homem aterra na rua adjacente à sede da ONU, em Nova Iorque. Se houvesse uma cena similar num dos primeiros filmes da saga, ela teria sido gravada no próprio local. Richard Donner teria coreografado centenas de transeuntes e de veículos a circularem, assim como curiosos que assomariam às janelas dos edifícios circundantes para observar o desfile triunfal do herói. Em vez disso, tivemos de rodar a cena em causa num parque industrial na Inglaterra, sob chuva intensa e dispondo apenas de um punhado de figurantes. Para recriar vagamente a atmosfera nova-iorquina, alguém se lembrou de postar um vendedor ambulante de cachorros-quentes com o seu pitoresco carrinho,emoldurados ambos por uns quantos pombos a cirandar pela calçada. Mesmo que a história tivesse sido brilhante, duvido que, dadas as circunstâncias que envolveram a produção, o filme tivesse correspondido às expectativas dos fãs.


Uma das sequências reutilizadas em diversos momentos da película.

   Corroborando esta análise, Jon Cryer contou em entrevista um episódio ocorrido ainda durante a rodagem do filme. De acordo com o ator que representou o desmiolado sobrinho de Lex Luthor, certa vez Christopher Reeve puxou-o para um canto e disse-lhe: "Isto vai ser um desastre total!". Apesar de ter gostado de contracenar com Reeve e Gene Hackman, Cryer sustentava na referida entrevista que, em consequência da falta de verba do estúdio, foi uma película remendada e inacabada aquela que chegou às salas de cinema.
 Outras revelações surpreendentes foram feitas em 2006 por Mark Rosenthal, um dos autores da trama de Superman IV- The Quest for Peace. No seu comentário incluído no DVD do filme, chamou a atenção para a galeria de cenas cortadas. Segundo Rosenthal, esta continha sequências inéditas que, no total, perfariam aproximadamente 85 minutos. Material não utilizado que os responsáveis do projeto esperavam poder servir de base a um quinto capítulo da saga. 
  Numas dessas cenas cortadas, Clark Kent visitava os túmulos dos pais adotivos antes do seu encontro com o empreiteiro a quem tinha a esperança de vender ou arrendar a quinta da família. Noutra, o Super-Homem levava o pequeno Jeremy num passeio orbital, a fim de lhe mostrar que o mundo é realmente o lar de toda a Humanidade. À semelhança, porém, de uma sequência idêntica tendo como intervenientes Lacy Warfield e o Homem-Nuclear, Jeremy não usava qualquer fato protetor nesta sua excursão espacial. Apenas um dos muitos erros grosseiros detetados na montagem do filme. E que ilustram bem o amadorismo que ressumbrava de toda a produção.




Quem precisa de oxígénio para sobreviver no vácuo sideral quando se tem o Super-Homem por perto?

Enredo: Na órbita terrestre, uma equipa de cosmonautas soviéticos é salva pelo Super-Homem depois da sua nave ter sido atingida por detritos espaciais. Feito o resgate, Clark Kent visita Smallville, a pequena cidade do Kansas onde cresceu. Agora que os seus pais adotivos morreram, ele herdou a quinta da família outrora vibrante de vida.
  Num celeiro vazio, Clark esconde a cápsula que o trouxe para o nosso planeta, retirando do seu interior um módulo energético com a forma de um cristal luminescente de cor verde. Este contém uma gravação áudio com a voz de Lara. A mãe biológica do herói adverte-o de que o poder do artefacto apenas poderá ser utilizado uma vez. Renitente em vender a propriedade dos Kents a um empreiteiro com planos para convertê-la num centro comercial, Clark regressa a Metrópolis sem concluir o negócio.
 Chegado ao Planeta Diário, Clark e os restantes repórteres são convocados para uma reunião, na qual são informados da situação de insolvência em que se encontra o jornal. Que é agora propriedade do magnata David Warfield. Este, depois de demitir Perry White, nomeia a própria filha, Lacy, para o cargo de diretora interina. Mas as surpresas não se ficam por aí.
 Apesar da sua timidez superlativa, Clark cai nas boas graças da estonteante Lacy, que não se furta a esforços para seduzi-lo. Após muita insistência da parte da sua nova chefe - e com muito encorajamento de Lois Lane à mistura - o pacato jornalista lá concorda em participar num encontro a quatro com as duas mulheres e o seu alter ego heroico. Encontro esse marcado por todo o tipo de peripécias, com Clark e o Super-Homem a revezarem-se, sem que nenhuma das participantes femininas suspeite do que quer que seja.
   É anunciado entretanto o falhanço de uma cimeira ao mais alto nível entre os EUA e  a URSS. Resultando daí uma nova corrida armamentista e uma escalada de tensão entre as duas superpotências. Com o espectro de uma guerra nuclear a pairar sobre o mundo, Clark questiona-se sobre o papel que o Super-Homem deverá ter na crise.
  Dias depois, chega à redação do Planeta Diário uma angustiada missiva endereçada ao Homem de Aço. O remetente é  um menino chamado Jeremy que escolheu essa via para manifestar a sua preocupação relativamente ao destino da Humanidade. A mensagem termina com um pungente apelo à ajuda do Super-Homem para evitar que o pior aconteça. Sensibilizado pelas palavras da criança, Clark voa até à sua Fortaleza da Solidão, no Ártico, em busca de aconselhamento.
  Questionando Lara e os anciões kryptonianos sobre qual a melhor medida a tomar, Kal-El obtém como resposta um lembrete da sua interdição de interferir no curso da História humana. Sendo-lhe igualmente sugerido que, em derradeira instância, troque a Terra por um planeta onde a guerra faça parte de um passado longínquo.

A braços com um dilema, o Homem de Aço procura aconselhamento junto dos seus ancestrais.

  De volta a Metrópolis, o Homem de Aço procura Lois Lane, a quem também pede conselhos sobre qual a melhor decisão a tomar. Depois de ela lhe dizer que confiará no seu julgamento, o herói apresenta-se perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas. Num discurso emotivo, anuncia a sua intenção de destruir todos os arsenais nucleares existentes, para assim evitar que a Terra sofra destino igual ao do seu mundo natal. Decisão entusiasticamente aplaudida pelos delegados e pelo público nas galerias, onde também se encontram  Lois e o pequeno Jeremy.
   Cumprindo a vontade do herói, nos dias seguintes vários países disparam ogivas nucleares para a órbita terrestre, sendo as mesmas prontamente recolhidas pelo Super-Homem. Depois de acondicioná-las numa gigantesca rede, O Último Filho de Krypton arremessa-as em direção ao Sol, garantindo dessa forma a sua destruição.
 Enquanto isso, Lenny Luthor, o desmiolado sobrinho de Lex Luthor, consegue libertar o tio do campo de trabalhos forçados onde este cumpria a sua longa pena. Reinstalado em Metrópolis, o arqui-inimigo do Super-Homem reúne-se na sua luxuosa cobertura com um triunvirato internacional de traficantes de armas. Exasperados com os prejuízos que a nova empreitada do Homem de Aço lhes está a causar, os homens contratam Luthor para liquidar o herói.
  Sem delongas, o diabólico plano de Luthor é posto em marcha. Disfarçados de turistas, ele e Lenny visitam o Museu do Super-Homem. Aproveitando o ensejo para surripiar um fio de cabelo do herói que estava em exposição. A ideia é usá-lo como matriz genética para a criação de uma duplicata superpoderosa do Homem de Aço. Precisando, para isso, de  lançar a amostra de ADN no Sol, já que é do astro-rei que ele extrai a sua força.
 Agora disfarçado de militar de alta patente, Luthor consegue infiltrar-se numa operação de lançamento de uma ogiva nuclear norte-americana. Quando o míssil disparado atinge a órbita da Terra, é prontamente intercetado pelo Super-Homem. Enquanto o arremessa em direção ao Sol, o herói nem imagina que no seu interior segue a matriz genética concebida por Luthor.
  Quando a detonação ocorre, dá-se um prodigioso fenómeno. Envolto numa pulsante bola de energia, um vulto ganha forma até se transformar no Homem-Nuclear. Voando ao encontro do "pai" em Metrópolis, o poderoso ser é instruído por Luthor a matar o Super-Homem.

Luthor radiante com o seu menino de ouro.
   A violenta refrega entre o Homem de Aço e a criatura levam-nos até aos céus de Nova Iorque. Enquanto tenta impedir que a Estátua da Liberdade esmague a multidão abaixo, o Super-Homem é arranhado pelas garras do seu adversário. Ficando dessa forma infetado pela radiação que emana do Homem-Nuclear. Este, tirando proveito da fraqueza e desnorte do herói, golpeia-o com tanta força que o projeta a grande distância. No final, tudo o que parece restar do Super-Homem é a sua capa drapejante que flutua vagarosamente até ao solo.
   Agora reciclado num tabloide sensacionalista, o Planeta Diário chega às bancas com a manchete Super-Homem Morto?. Revoltada com a abordagem mórbida do jornal ao desaparecimento do seu amado, Lois Lane apresenta o seu pedido de demissão após reclamar para si a posse da capa do herói. Determinada, ela visita de seguida um enfermo Clark Kent, refugiado há dias no seu apartamento. No decurso da conversa entre ambos, Lois proclama o seu amor incondicional ao Super-Homem. Ganhando renovado alento, após a saída de Lois Clark usa o cristal kryptoniano que removera da sua nave para se curar e restaurar os seus superpoderes.
   Enquanto isso, um enfurecido Homem-Nuclear provoca um pandemónio no coração da cidade enquanto exige que tragam à sua presença Lacy Warfield, por quem desenvolveu uma estranha obsessão, Completamente restabelecido, o Super-Homem entra em cena e convence o vilão a segui-lo até ao local onde supostamente a jovem se encontra à sua espera. Em vez disso, o Homem de Aço consegue empurrar o seu antagonista para dentro de um elevador, que se apressa a transportar até à face oculta da Lua.
 Privado da radiação solar, o Homem-Nuclear tem os seus poderes desativados. No entanto, à medida que a luz do astro-rei começa a varrer a superfície do satélite, penetra também no interior do elevador através de pequenas brechas na porta do mesmo. Recuperando a sua pujança, o Homem-Nuclear liberta-se da sua cela improvisada e ataca furiosamente o Super-Homem.

O Homem de Aço prestes a sentir o peso da derrota.
   Novamente sobrepujado, o herói krptoniano é enterrado vivo na superfície lunar pelo seu adversário. Que, sem perda de tempo, voa a supervelocidade até à redação do Planeta Diário para raptar uma apavorada Lacy Warfield.
    Na Lua, o Super-Homem consegue emergir da sua sepultura e usa toda a sua força para deslocar o corpo celeste para fora da sua órbita, objetivando causar um eclipse solar. Fenómeno que anula de imediato os poderes do Homem-Nuclear.
    Após resgatar Lacy, o herói deposita o corpo inerte do vilão no interior da chaminé de uma usina nuclear, pondo assim um ponto final à sua breve existência. Em consequência disso, a rede elétrica nacional regista um súbito pico energético.
   No Planeta Diário, Perry White anuncia a obtenção de um empréstimo que lhe permitiu reaver a sua posição de acionista maioritário, libertando assim o jornal do controlo dos Warfields.
  Numa conferência de imprensa, o Super-Homem declara que os seus desígnios foram apenas parcialmente bem-sucedidos. Encerrando a sua preleção com uma citação atribuída a Winston Churchill: "Haverá paz quando os povos do mundo a desejarem com tal ardor que os seus governantes não poderão negar-lha."
  Devolvendo Luthor à prisão, o Homem de Aço tem ainda tempo para deixar Lenny num reformatório antes de partir para o seu tradicional voo orbital.

Trailer:




Prémios e nomeações: Previsivelmente, este derradeiro capítulo da quadrilogia do Homem de Aço estrelada por Christopher Reeve foi arrasado sem dó nem piedade pela crítica. As duas únicas nomeações que recebeu foram para os Golden Raspberry Awards (prémios que distinguem o que de pior se faz em matéria de cinema), nas categorias de Pior Atriz Secundária (Mariel Hemingway, no papel de Lacy Warfield) e Piores Efeitos Especiais. Sem que, contudo, nenhuma dessas nomeações se traduzisse na atribuição do indesejado galardão. Daryl Hannah, pela sua prestação em Wall Street, e Tubarão IV- A Vingança foram os piores entre os piores nas categorias indicadas.

Mariel Hemingway como Lacy Warfield, papel de que a atriz decerto não se orgulhará.
Curiosidades:

* Segundo Margot Kidder, ela e Christopher Reeve não se falavam fora do set de filmagens. Ainda de acordo com a atriz, a relação pessoal e profissional entre ambos (recorde-se que o casal contracenou nos quatro filmes da saga), deteriorou-se devido ao ego insuflado de Reeve que, desta vez, acumulava as funções de coargumentista. Não obstante, Reeve arrepender-se-ia publicamente da sua participação no projeto, que considerava ter sido uma nódoa na sua filmografia;
*Mark Pillow teve em Homem-Nuclear o seu primeiro e único papel cinematográfico. O vilão - que originalmente estava previsto ter um gémeo - dispôs apenas de onze linhas em todo o filme. O Homem-Nuclear (Nuclear Man, em inglês) trata-se, com efeito, de uma versão moderna de Atom Man, personagem que apareceu pela primeira vez em 1950 no folhetim cinematográfico Atom Man versus Superman, estrelado por Kirk Alyn;

O visual primitivo do Homem-Nuclear.
*Em finais de 1987, a DC Comics lançou a quadrinização oficial de Superman IV-The Quest for Peace. A história, escrita por Bob Rozakis e com arte de Curt Swan, incorporava algumas das cenas cortadas do filme.Numa delas, era retratado o confronto do Super-Homem com um protótipo do Homem-Nuclear, cuja fisionomia fazia lembrar Bizarro (ver prontuário do vilão já publicado neste blogue). Também alguns dos diálogos originais foram alterados, assim como algumas das sequências. Exemplo disso foi a substituição da voz de Lara por uma projeção holográfica de Jor-El na cena em que Clark regressa à Fortaleza da Solidão em busca de um misterioso cristal;

Superman IV:  do cinema para os quadradinhos.
* No filme, o Super-Homem exibe poderes nunca vistos na BD. Manifestando supostas habilidades telecinéticas - já presentes em Superman II - o herói reconstrói parte da Grande Muralha da China com umas misteriosas rajadas óticas. Apesar das dúvidas e especulações suscitadas por esta circunstância, a explicação é do mais prosaico que há. Originalmente, o Homem de Aço reconstruiria manualmente a muralha usando a sua supervelocidade. Cena que obrigaria ao emprego de uma panóplia de efeitos especiais dispendiosos. Dada a falta de verba, a solução passou então pelo famoso "golpe de vista" do herói;
* Em momento algum do filme é feita qualquer referência a Supergirl (1984), spin-off produzido entre Superman III e Superman IV;
* Os 90 minutos de duração de Superman IV- The Quest for Peace fazem dele a segunda fita mais curta da filmografia do Homem de Aço. O primeiro lugar do pódio é ocupado por Superman and the Mole Man (1951), com apenas 58 minutos;
* Julgando ter um blockbuster entre mãos, a Cannon Films ordenou a redução da duração da película por forma a aumentar o número de exibições diárias nos cinemas. As receitas de bilheteira acabariam, contudo, por ficar muito abaixo do esperado;
* Superman IV - The Quest for Peace marcou a pouco airosa despedida de Christopher Reeve na interpretação do herói kryptoniano e o início de um longo exílio cinematográfico do Homem de Aço. Foi preciso esperar 19 anos para testemunhar o regresso do Super-Homem ao grande ecrã. Quinto e último capítulo da franquia, Superman Returns (2006) assumiu-se, porém, como uma sequela direta dos dois primeiros filmes. Fazendo, portanto, tábua rasa dos eventos narrados em Superman III e Superman IV.

Choque de titãs tendo o espectador como vencido antecipado.
Veredito: 30%


   Mesmo tendo sido este um dos filmes com super-heróis que mais marcou a minha infância e pré-adolescência (muito antes da industrialização do género empreendida pelos estúdios Marvel neste século), não há como fugir à inescapável verdade de que Super-Homem IV - Em Busca da Paz foi um fiasco a vários níveis.  
  Fracassou desde logo na intenção de reabilitar uma franquia deixada pelas ruas da amargura após a inusitada abordagem humorística levada a cabo por Richard Lester em Super-Homem III. Apesar da tentativa de restauração da idoneidade do herói, conferindo-lhe o estatuto de protetor global, o enredo, com mais buracos do que um queijo suíço,  acaba por ser inadvertidamente cómico. Surtindo, portanto, um efeito contrário ao desejado. 
  Bem vistas as coisas, a maior ameaça apresentada ao herói na história não é o Homem-Nuclear (que apesar de fazer lembrar um surfista viciado em esteroides, é, ainda assim, menos ridículo do que a sua versão primitiva), mas sim uma gripe(!). Risível, por isso, a cena em que um Clark Kent febril e fungoso recebe a visita de Lois Lane em sua casa, pejada de lenços de papel usados. Sem mencionar as muitas gafes que é possível sinalizar ao longo do filme, como o absurdo passeio orbital de Lacy Warfield, vestida como se de uma ida ao teatro se tratasse.
  Levando em conta os constrangimentos financeiros e de ordem técnica que marcaram a produção, dificilmente o resultado final poderia ter sido diferente. Pressentindo o desastre, o elenco evidencia pouco brio profissional e até Christopher Reeve (acometido de tiques de vedetismo) mal consegue disfarçar o seu cansaço em relação ao papel que, nove anos antes, o catapultara para o estrelato. Um verdadeiro frete para atores mal dirigidos por um realizador incompetente, cuja inépcia não é totalmente camuflada por uma trama inconsistente e por efeitos especiais de quinta categoria. Fatores que colocam Super-Homem IV- Em Busca da Paz no limiar da série B.
  Pouco de positivo haverá, de facto, a destacar neste filme tóxico, espécie de Batman & Robin da franquia do Homem de Aço. Exceção feita ao imortal tema musical de John Williams que o acompanha na despedida. Fim desonroso para uma saga cujos dois primeiros capítulos figuram ainda hoje entre o que de melhor já foi feito dentro do género super-heroico.  

    

16 dezembro 2015

GALERIA DE VILÕES: ESPANTALHO



   Fruto da imaginação dos criadores do Batman, estreou-se em plena Idade do Ouro dos Quadradinhos, mas demorou a afirmar-se como arqui-inimigo do Cavaleiro das Trevas. Mestre na arte de instilar o medo, banqueteia-se com as fobias dos seus adversários e já por diversas vezes submergiu Gotham e o seu soturno guardião em intermináveis pesadelos de insanidade.

Nome original da personagem: Scarecrow
Licenciadora: DC Comics
Criadores: Bob Kane e Bill Finger
Primeira aparição: World's Finest nº3 (setembro de 1941)
Identidade civil: Jonathan Crane
Local de nascimento: Arlen (no estado norte-americano da Geórgia)
Parentes conhecidos: Mary e Marion Keeny (respetivamente, bisavó e avó maternas, ambas falecidas), Karen Keeny (mãe), Gerald Crane (pai) e uma meia-irmã de nome desconhecido
Afiliação: Ex-membro temporário da Tropa Sinestro, fez também parte do Gangue da Injustiça, da Liga da Injustiça, da Sociedade Secreta de Supervilões e da Legião do Mal
Base de operações: Gotham City
Armas, poderes e habilidades: Outrora um brilhante professor de Psicologia, Jonathan Crane especializou-se no estudo do medo. Tirando proveito dos seus amplos conhecimentos de Química, desenvolveu um gás indutor de alucinações aterrorizantes para usar nas suas experiências nesse campo. A máscara que usa serve, pois, tanto para se proteger dos efeitos do próprio gás como para potenciá-los nas suas vítimas. Isso não impediu, contudo, que a sua exposição prolongada à toxina lhe tenha causado lesões cerebrais permanentes. Decorrendo daí uma quase total ausência de medo ou fobias, sendo Batman a única exceção. Uma vez que o Espantalho é viciado no medo, esse facto leva-o a procurar compulsivamente o confronto com o Cavaleiro das Trevas.
  Mesmo não sendo fisicamente intimidante, quando obrigado a travar combates corpo a corpo, o Espantalho pode ser um oponente temível. Muito por culpa de uma espécie de dança violenta por ele executada, e que mais não é do que uma combinação de artes marciais, nomeadamente boxe e kung fu. Visando aumentar a letalidade deste seu singular estilo de luta, o vilão costumava usar uma gadanha. Ocasiões houve também em que amarrou seringas aos dedos das mãos para assim poder injetar a sua toxina do medo nos adversários que ficassem ao seu alcance.
   Num passado recente, o Espantalho, na qualidade de associado da Tropa Sinestro (cuja força motriz é o medo), recebeu temporariamente um anel energético. Essa foi, de resto, a segunda vez em que o vilão esteve prestes a ser incorporado nas fileiras da impiedosa força intergaláctica comandada por Thaal Sinestro. Anos atrás, o Espantalho já fora selecionado para herdar o anel energético de um operacional da Tropa morto em combate. Seria, contudo, impedido de se tornar usuário dessa formidável arma pela ação dos Lanternas Verdes Hal Jordan e John Stewart.

Espanta-morcegos.

Histórico de publicação: No outono de 1941, Bob Kane e Bill Finger (criadores do Batman dois anos antes), introduziram o Espantalho em World's Finest nº3. Essa seria, no entanto, uma das raras aparições da personagem ao longo da chamada Idade do Ouro dos quadradinhos. Apenas em 1967, quando se viviam já os derradeiros dias da Idade da Prata, o Espantalho foi resgatado do limbo. Aconteceu nas páginas de Batman nº189, com o vilão a ser reapresentado como um dos fundadores do Gangue da Injustiça (coletivo vilanesco onde pontificava também a Hera Venenosa). Devendo-se a Gardner Fox (perfil já publicado neste blogue) e a Sheldon Moldoff a reabilitação de uma personagem que parecia sentenciada ao ostracismo.

A estreia do Espantalho em World's Finest nº3 ( setembro de 1941) não teve honras de primeira página.

  Nas décadas seguintes, o Espantalho foi consolidando o seu estatuto de arqui-inimigo do Homem-Morcego, tornado-se presença assídua nas histórias do herói. A exemplo de muitas outras personagens do Universo DC, o vilão teve a sua origem retocada após Crise nas Infinitas Terras (1985-86). Seria no entanto já neste século que seriam revelados mais pormenores sobre o sórdido percurso de vida de Johathan Crane. Na minissérie de 2005, Batman/Scarecrow: Year One, foram exploradas novas premissas e introduzidos elementos inéditos na sua biografia.

A minissérie que reinventou o Espantalho para os nossos tempos.

    Num vertiginoso mergulho na retorcida psique do vilão, os leitores ficaram a conhecer as raízes profundas da demência do Espantalho, assim como a sua obsessão pelo medo e pela vingança. Consequências diretas dos abusos e humilhações de que ele fora vítima durante a sua infância e puberdade por parte dos seus colegas de escola. Abusos e humilhações esses motivados pelo seu porte desengonçado e pela sua personalidade antissocial.
   Anos mais tarde, esta variante da origem do Espantalho seria, também, objeto de nova revisão. Num conjunto de histórias da autoria de Jeph Loeb e Tim Sale, foi explicado que o pequeno Jonathan Crane fora criado por uma avó fanática religiosa. Essas e outras matizes realçaram ainda mais a natureza sinistra e perturbada daquele que é um dos mais perigosos inimigos do Batman. Estatuto reforçado na mitologia de Os Novos 52, na qual o Espantalho assume substancial protagonismo nas histórias do Cavaleiro das Trevas, surgindo retratado como um psicopata desumano, cujo grau de sadismo é suscetível de rivalizar com o do próprio Joker.

Apesar da sua fobia de corvos, o Espantalho chegou a adotar um como mascote.

Biografia: Nascido fora do matrimónio, Jonathan Crane foi um filho indesejado. Era apenas um recém-nascido quando foi entregue pela mãe aos cuidados da avó materna.O pai, esse, desaparecera da face da terra antes mesmo de o pequeno Jonathan ver pela primeira vez a luz do dia.
   Criado num ambiente de fanatismo religioso, o rapaz sofreu todo o tipo de sevícias físicas e emocionais, sobretudo às mãos da sua bisavó materna. Na capela da família, onde bandos de corvos habitualmente nidificavam, Jonathan era muitas vezes obrigado a vestir um traje contaminado com um químico de fabrico caseiro que enraivecia as aves, induzindo-as a atacá-lo. Profundamente traumatizado por estes macabros rituais, Jonathan desenvolveu uma fobia em relação aos pássaros.
 Dono de uma figura desconchavada a fazer lembrar Ichabod Crane (protagonista do conto The Legend of Sleepy Hollow, originalmente publicado em 1820), na infância Jonathan tornou-se o alvo preferencial das brincadeiras cruéis das outras crianças. Estas tinham por hábito apedrejá-lo e chamar-lhe nomes ofensivos, como Espantalho. Humilhações que germinaram nele um profundo desejo de vingança. Tolhido pelos seus próprios medos, Jonathan nunca tomou, porém, qualquer ação para pôr fim ao seu calvário.
  Na adolescência, Jonathan teve uma paixoneta por Sherry Squires, uma adorável colega de escola. Apenas para descobrir que ela namorava com Bo Griggs, um dos rufiões que mais o tinham arreliado em criança. Ainda assim, Jonathan encheu-se de coragem e convidou a rapariga para ser seu par num baile de máscaras. Sherry assentiu, mas, na verdade, ela e Bo pretendiam pregar-lhe uma cruel partida.
   Sob o falso pretexto de trocarem o primeiro beijo, na tão aguardada noite do baile, Jonathan foi atraído por Sherry para um celeiro escuro. Mascarado de Jack O'Lantern (figura do folclore anglo-saxónico entre nós conhecida como Cavaleiro Sem Cabeça), Bo Griggs surpreendeu o casal e perseguiu um apavorado Jonathan antes de o atingir na nuca com uma abóbora. A transbordar de rancor, o rapaz jurou vingar-se de mais esta infâmia.


 
   Meses depois, na noite do tradicional baile de finalistas, Jonathan vestiu pela primeira vez a sinistra fantasia de espantalho que se tornaria a sua imagem de marca. A ideia era pregar um valente susto a Bo e Sherry. Mas as coisas descontrolaram-se, redundando em tragédia.
   Munido de uma bisnaga de plástico, Jonathan aproximou-se sorrateiramente do carro onde os pombinhos namoravam. Assustado com a súbita aparição daquela aterradora figura, Bo arrancou a toda a brida, o que fez com que o veículo se despistasse, embatendo de seguida numa árvore. Desse acidente resultou a morte de Sherry e a paralisia de Bo. Em vez de sentir-se culpado pelo sucedido, Jonathan descobriu um estranho comprazimento com o medo alheio.
   Nada voltaria a ser como dantes depois daquela noite. Passadas algumas semanas, Jonathan assassinou a sua avó (a bisavó falecera entretanto) usando para o efeito o mesmo produto químico que elas haviam usado para torturá-lo ao longo dos anos.
  Concluído o liceu, Jonathan Crane mudou-se de armas e bagagens para Gotham City, onde estudou Psicologia na universidade local. Aluno brilhante, tornou-se o protegido do conceituado Professor Avram Bramowitz. No entanto, apesar do enorme respeito e admiração que nutria pelo seu mentor, Crane sentia-se frustrado perante a pouca importância que este atribuía à psicologia do medo.
 Em virtude desse facto, Crane empenhou-se em aprofundar os seus conhecimentos na área da Química, graças aos quais desenvolveu pouco tempo depois um potente alucinogéneo que levava as pessoas a enfrentarem os seus maiores medos. Como cobaia para testar os seus efeitos, ele escolheu não outro que o próprio Bramowitz. Com a morte deste, Crane pôde assumir o seu lugar como professor de Psicologia, focando-se no estudo do medo e das fobias.
  Granjeando a fama de excêntrico devido à forma pouco convencional como lecionava, Crane seria demitido na sequência de um inusitado incidente. A fim de  demonstrar a reação do organismo humano num contexto de medo extremo, Crane disparou uma pistola em plena sala de aula. O alvo seria um jarro de flores mas, devido ao ricochete da bala, uma aluna foi atingida de raspão na face. Episódio que comprometeu irremediavelmente a sua carreira académica.
  Não muito tempo depois, Crane regressaria à universidade para chacinar os responsáveis pela sua expulsão. Sem que as autoridades o conseguissem associar ao crime, assumiu entretanto as funções de psiquiatra residente no Asilo Arkam. Instituição para criminosos insanos onde não faltavam cobaias para as suas tenebrosas experiências. Crane adotou entretanto a alcunha com que o tinham ridicularizado na infância: Espantalho.
  Agora transformado no retrato vivo do medo, o Espantalho despertou a atenção de um Batman em início de carreira. Em articulação com o também recém-promovido capitão James Gordon, o Cavaleiro das Trevas vinha investigando a morte do reitor e de quatro lentes da Universidade de Gotham. As pistas levá-lo-iam a Jonathan Crane, que acabou encarcerado no Asilo Arkham.
  Depois de ter integrado o Gangue da Injustiça, a Sociedade Secreta de Supervilões e outras organizações criminosas, nos anos mais recentes o modus operandi do Espantalho desabilitou-o para trabalhar em equipa. Optando antes por firmar alianças pontuais com outros vilões, sempre que tem pela frente adversários de maior envergadura. Apesar de ter o Cavaleiro das Trevas e seus escudeiros como principais inimigos, o Espantalho já enfrentou também, entre outros, a Supergirl e o Monstro do Pântano.

Nas amarras de um pesadelo sem fim.
    
Noutros media: Ocupando desde 2009 a 58ª posição no ranking IGN dos Melhores Vilões De Todos Os Tempos, a influência do Espantalho há muito que exorbitou a banda desenhada. Apenas um ano após a sua repescagem, em 1968 o vilão ganhou vida pela primeira vez no pequeno ecrã. Foi num episódio da série animada The Batman/Superman Hour. Nela, em vez do seu icónico gás do medo, o Espantalho usava uma substância atordoante que guardava em ovos.
  Com mais ou menos preponderância, o vilão foi marcando presença em sucessivas séries de animação com a chancela da DC, quase sempre tendo Batman como cabeça de cartaz. Ainda na TV, uma versão juvenil de Jonathan Crane foi apresentada num episódio da primeira temporada de Gotham, série de ação real que serve de prequela aos filmes do Homem-Morcego. Nos quais o Espantalho também já deu um ar da sua (des)graça. Interpretado pelo ator irlandês Cillian Murphy, o vilão participou em toda a trilogia do Cavaleiro das Trevas dirigida por Christopher Nolan.

Cillian Murphy como Espantalho em Batman Begins (2005).

   A sua estreia cinematográfica poderia, no entanto, ter ocorrido em finais dos anos 90, não fosse pelo cancelamento de Batman Triumphant, aquele que seria o quinto capítulo da franquia do Homem-Morcego iniciada em 1989. Nicholas Cage, Steve Buscemi e Jeff Goldblum foram alguns dos atores equacionados para o papel. Ao que consta, no filme o gás do medo do Espantalho serviria para ressuscitar o Joker (morto na película original).
 Outros pontos altos da carreira do Espantalho fora das histórias aos quadradinhos, correspondem às suas participações em três filmes de animação estrelados pelo Cruzado Encapuzado (entre eles, Batman: Assault on Arkham, lançado apenas em DVD em 2014) e numa dezena de videojogos baseados no universo DC (destacando-se, neste campo, o aclamado Batman: Arkham Asylum de 2009).

Evolução visual do Espantalho nas séries animadas do Batman.


05 dezembro 2015

ETERNOS: PETER DAVID (1956 - ...)




   Cedo se deixou fascinar pelas historietas com super-heróis que lia às escondidas devido à censura paterna. Homem feito, tornou-se um dos mais requisitados escritores da indústria dos quadradinhos, da qual sempre foi muito crítico. Versátil como poucos, a sua influência criativa estende-se à literatura, ao cinema, à televisão e até aos videojogos.

Biografia: Peter Allen David (PAD, para os amigos) nasceu há 59 anos em Fort Meade, no estado norte-americano do Maryland. De ascendência judaica, em meados da década de 1930, o seu pai e avós paternos procuraram refúgio nos EUA, para escaparem ao antissemitismo que alastrava então na sua Alemanha natal dominada pelos nazis.
   O mais velho de três irmãos, Peter começou a interessar-se por banda desenhada por volta dos cinco anos de idade. Tinha por hábito ler títulos da Harvey Comics, principalmente Casper e Wendy, aquando das suas visitas ocasionais ao barbeiro. Mais ao menos por essa altura, através da popular série televisiva Adventures of Superman (protagonizada por George Reeves), descobriu o fabuloso mundo dos super-heróis. Elegeria, de resto, o Homem de Aço como sua personagem favorita.
  Fascinado, o pequeno Peter enfrentou, porém, a desaprovação paterna relativamente a esse tipo de publicações. Personagens com aparências monstruosas, como o Hulk ou o Coisa, eram consideradas más influências pelo seu genitor. Consequentemente, a Peter não restou outro remédio senão ler à socapa os comics que tanto adorava.
  Antes ainda de obter autorização parental para ler estórias com super-heróis, Peter tornou-se admirador incondicional da arte de John Buscema. Seria, contudo, de outro desenhador lendário que conseguiria um autógrafo. Aconteceu em Nova Iorque, em meados de 1971, quando visitou pela primeira vez uma convenção de quadradinhos. Naquele que foi o seu primeiro encontro com um profissional da 9ª arte, Peter teve o privilégio de estar cara a cara com ninguém menos do que Jack Kirby.
  Outra das paixões precoces de Peter, herdada do seu pai (jornalista e crítico de cinema), foi a escrita. Por volta dos doze anos, ele começou a acalentar o sonho de vir a ser repórter ou escritor profissional. Objetivo que, ao longo do seu percurso de vida, nunca perdeu de vista.
  Na adolescência, enquanto frequentava o liceu de Verona (uma pacata cidade de Nova Jérsia), Peter foi perdendo aos poucos o interesse pelas histórias aos quadradinhos, que lhe pareciam agora demasiado pueris.
  Redescobriria, porém, a sua paixão por esse material em meados de 1975, quando lhe chegou às mãos um exemplar de Giant-Size X-Men nº1. Edição histórica onde era apresentada a nova fase da equipa mutante, da autoria de Len Wein (perfil já publicado neste blogue) e Dave Cockrum. Peter era por esses dias caloiro do curso de Jornalismo da Universidade de Nova Iorque, o qual concluiria anos depois e que seria preponderante para as suas aspirações literárias.

O novo começo dos X-Men levou Peter David a reencontrar a magia dos super-heróis.

  Outro episódio capital na sua vida ocorreria pouco tempo depois. Numa sessão de autógrafos com Stephen King, Peter confidenciou ao aclamado mestre do suspense a sua ambição de vir a ser um profissional da escrita. Em troca, recebeu de King a seguinte dedicatória assinada : "Boa sorte para a tua carreira de escritor". Palavras de encorajamento que Peter ainda hoje faz questão de inscrever nos livros de fãs que acalentam o mesmo sonho.
  Além de Stephen King, Peter David cita como suas principais referências literárias Arthur Conan Doyle, Neil Gaiman, Edgar Rice Burroughs e Harlan Ellison. Reconhecendo ser este último cujo estilo de escrita procura mimetizar nas suas obras. A despeito destas influências, a prosa de Peter possui algumas especificidades. Regra geral, o seu tecido narrativo é alinhavado com elementos da vida real, costurado com referências da cultura popular e arrematado com humor mordaz.
  Árduo foi, no entanto, o caminho que Peter David teve de calcorrear antes de consumar as suas veleidades de literato. Com efeito, os primeiros passos no movediço terreno das letras foram dados na qualidade de repórter. Ao serviço do Philadelphia Bulletin, em 1974 fez a cobertura jornalística da Convenção Mundial de Ficção Científica que nesse ano teve como palco a cidade de Washington.
   Sentindo-se pouco realizado profissionalmente, em paralelo à sua incipiente carreira como jornalista, Peter arriscou aventurar-se nos meandros da ficção literária. Muitos dos seus trabalhos acabaram, porém, rejeitados. Contrariedades que o levaram a colocar temporariamente na prateleira o seu projeto de vir a ganhar a vida como escritor.
  Durante esse parêntesis de quase uma década, Peter trabalhou numa pequena editora livreira, passou pela revista Playboy e quis o Destino que acabasse como assistente de vendas da Marvel Comics. Funções para as quais foi contratado por Carol B. Kalish, sob cujas ordens trabalharia ao longo de aproximadamente cinco anos. Seria, de resto, pela mão da sua chefe que, em 1985, Peter se estrearia como escritor de banda desenhada. Estreia particularmente auspiciosa, atendendo ao fragoroso sucesso da saga A Morte de Jean DeWolff (ver texto anterior).

A obra de estreia de Peter David como profissional da 9ª arte.
 
   Antes disso, Peter tentara já a sua sorte, submetendo algumas histórias da sua autoria - nomeadamente, do Cavaleiro da Lua - à apreciação de Dennis  O´Neil (à época, escritor de Iron Man e Daredevil). Tentativas que resultaram, porém, infrutíferas.
   Mesmo o seu primeiro êxito como argumentista não foi isento de dissabores. Acusado de usar o seu cargo no Departamento de Vendas para promover a saga da sua autoria, Peter pôs fim ao presumível conflito de interesses, recusando-se a discutir assuntos editoriais durante o horário de expediente. Atribuindo a esta sua decisão a débil prestação comercial de A Morte de Jean DeWolff, apesar da reação positiva dos leitores e da crítica.
   Meses após a sua demissão de Peter Parker, The Spectacular Spider-Man, Peter David foi convidado a assumir The Incredible Hulk. Título mensal que lutava então pela sobrevivência e que, por esse motivo, mais ninguém aceitaria escrever. No entanto, onde outros veriam um degredo, Peter viu uma segunda oportunidade para mostrar o seu valor. Não hesitando, por isso, em agarrá-la com ambas as mãos. Tanto mais que, devido ao declínio da personagem, ele beneficiaria de total liberdade para fazer o que bem entendesse com ela. Devido à densidade dos seus enredos, foi algures nesta fase que Peter deixou de usar o famoso Método Marvel (que consiste, essencialmente, numa sinopse alargada) para produzi-los.
  Assim, durante a dúzia de anos em que escreveu as histórias do Hulk, Peter explorou com mestria os distúrbios de personalidade que caracterizavam o amargurado Golias Esmeralda. Em linha com essa abordagem psicanalítica - e numa homenagem aos primórdios da personagem -, criou também uma versão cinzenta do Hulk - menos poderosa, porém mais inteligente do que a tradicional. Revisitando o passado familiar de Bruce Banner, Peter estabeleceu que o alter ego do Gigante Verde fora vítima de um pai abusivo na infância. Premissa já anteriormente aflorada por Bill Mantlo, numa história publicada em The Incredible Hulk nº312 (outubro de 1985) e recuperada em 2003, na longa-metragem dirigida por Ang Lee.
  Peter David teve, portanto, o condão de transformar um título decadente num best-seller da Casa das Ideias. A cereja no cimo do bolo surgiria em 1992, sob a forma de um Eisner Award pelo seu trabalho em The Incredible Hulk. Entretanto, o seu currículo foi sendo enriquecido com outros projetos bem-sucedidos, como Wolverine, X-Factor e Spider-Man 2009 (conceito de que foi coautor).

Pela pena de David, o Incrível Hulk viveu uma das suas melhores fases

  Tamanho sucesso despertou a cobiça da concorrência. Aliciado pela DC Comics, acabaria por aceitar mudar-se para a Editora das Lendas em meados dos anos 90, já depois de ter abandonado Spider-Man 2099 em protesto pela demissão do editor Joey Cavalieri.
   Esta não foi, aliás, a única vez em que Peter assumiu posições de rutura. Em diversas ocasiões expressou opiniões críticas relativamente à indústria dos comics. Reagindo, por outro lado, com veemência às pressões editoriais a que foi sujeito. Cansado de lhe ser exigido que reescrevesse as suas histórias de molde a que estas acomodassem eventos de outros títulos, por mais que uma vez Peter bateu com a porta. Um bom exemplo foi quando abandonou abruptamente X-Factor devido a esse tipo de exigências por parte dos seus editores. Ou quando, em resultado de alegadas divergências criativas, interrompeu o seu trabalho em Aquaman.
  Na sua mira esteve também a forma, por ele considerada pouco digna, como os escritores são tratados pelas editoras. Cujas estratégias de marketing, baseadas essencialmente no lançamento de trade paperbacks em prejuízo dos títulos mensais, ele também questionou publicamente.
 Houve ainda mais dois aspetos que lhe mereceram duras críticas: o frequente desrespeito pela continuidade das personagens, por um lado; e a forma leviana como estas são mortas e posteriormente ressuscitadas, por outro. Tudo circunstâncias que o tornaram uma figura incómoda aos olhos de alguns.

X-Factor: o grupo de heróis mutantes a quem Peter David deu um novo fôlego.

  Entre as várias controvérsias em que Peter David se foi envolvendo ao longo dos anos, sobressai aquela que o opôs em 1993 a Todd McFarlane (com quem trabalhara em Hulk). E que teve o seu clímax num debate organizado no âmbito da Comic Con de Filadélfia em outubro desse ano. Numa altura em que a Image Comics se tentava afirmar no competitivo mercado editorial norte-americano, McFarlane acusava os meios de comunicação social e o próprio Peter David de discriminarem a empresa de que fora cofundador. Após uma acalorada troca de argumentos, o júri acabou por dar razão a Peter David.
  Visceralmente adverso a qualquer forma de censura, o escritor entrou várias vezes em rota de colisão com instâncias ligadas à indústria dos quadradinhos. O seu alvo predileto parece ser, no entanto, a Comics Code Authority. A entidade que regula a ética das licenciadoras foi por ele várias vezes acusada de práticas censórias. Complementarmente, Peter David é um dos promotores do Comic Book Legal Defense Fund. Trata-se de um fundo criado com o objetivo de prestar auxílio financeiro a autores e distribuidores em dificuldades.
  No campo político, a Peter David (liberal assumido) são também conhecidas posições bem vincadas. Adepto de causas sociais fraturantes preconiza, por exemplo, a admissão de homossexuais nas Forças Armadas estadunidenses, a abolição da pena capital e um controlo mais restrito ao porte de armas por parte de civis. Foi ainda um feroz opositor da Guerra do Iraque e da administração Bush.
   De volta aos quadradinhos, ao serviço da DC, Peter teve em Supergirl o seu trabalho mais notável. Ao reinventar a origem e os poderes da prima do Homem de Aço, transformou a sua série mensal num fenómeno de popularidade. Proeza posteriormente repetida com  Aquaman, Star Trek e Young Justice. De facto, à medida que ia dando novo elã a títulos moribundos ou com pouca expressão no respetivo universo editorial, Peter ganhava a fama de "milagreiro" e um lugar cativo no altar da 9ª arte.


A personalidade fragmentada da Supergirl de Peter David...


...e a sua conversão num avatar angélico de asas flamejantes.

  Além das gigantes Marvel e DC, Peter David colaborou também com editoras de menor dimensão. Entre 1999 e 2004, por exemplo, escreveu diversos números de The Spy, série de espionagem dedicada ao público juvenil editada pela Dark Horse Comics. Pelo meio, teve ainda tempo para, a meias com a segunda mulher, escrever os quatro volumes da minissérie Negima para a Del Rey Manga.
 Pela primeira vez em quase duas décadas,  Peter David volta a ser  responsável pelos enredos de dois títulos em simultâneo: X-Factor e Spider-Man 2099 (escritos por si desde julho de 2014). Nada que tire o sono a um dos mais versáteis e prolíficos autores de banda desenhada da atualidade, cuja influência se estende a outras áreas de entretenimento.
  No campo literário, Peter David soma mais de meia centena de obras publicadas, algumas das quais figuraram na conceituada lista de best-sellers do New  York Times. Apesar da sua preferência pela ficção científica, o seu repertório abrange uma grande variedade de géneros. Onde não faltam as novelizações de filmes com super-heróis. Nesta categoria, destacam-se The Rocketeer, Batman Forever e Hulk.
  Na TV, Peter foi cocriador de Space Cases, uma popular série de ficção científica cujas duas temporadas - antes do cancelamento ditado por cortes orçamentais -  foram transmitidas pelo canal Nickelodeon, entre 1996 e 1997. Outros trabalhos de relevo para o pequeno ecrã incluem os enredos de alguns episódios de Babylon 5 e da sua sucessora, Crusade.

Space Cases, a série televisiva de ficção científica de que Peter David foi coautor.

  Foram igualmente da sua autoria os guiões de dois jogos de vídeo que fizeram furor entre os fãs desse divertimento: Shadow Complex (2009) e Spider-Man: Edge of Time (2011).
 Finalmente, para o cinema, escreveu vários argumentos para filmes produzidos pela Full Moon Entertainment. Um dos quais, o western futurista Oblivion, foi eleito vencedor na categoria de Terror e Fantasia pelo júri do Festival Internacional de Houston, na sua edição de 1994.
  Sem surpresas, tão multifacetada obra rendeu-lhe ao longo  dos anos uma panóplia de prémios e outras distinções. Além do já mencionado Eisner Award, o seu currículo é abrilhantado, também, por galardões internacionais. Em 1995 viu ser-lhe atribuído um Haxtur Award (Espanha) e, no ano seguinte, arrebatou um OZCon (Austrália), ambos na categoria de Melhor Escritor. Sendo esses, porém, apenas alguns dos títulos mais prestigiosos que pontificam no seu impressionante palmarés.
   Escriba incansável, Peter David é também um homem de família. Casado em segundas núpcias desde 2001 com a também escritora Kathleen O'Shea, o casal reside atualmente em Suffolk County, um pitoresco subúrbio de Nova Iorque. Do seu primeiro matrimónio (com Myra Kasman, que conhecera em 1977 numa convenção de trekkies), Peter tem três filhas. A que se juntou uma quarta, fruto do seu enlace com Kathleen. E à qual deu nome de Caroline, em homenagem à sua velha amiga Carol Kalish a quem deve, recorde-se, a sua entrada no mundo dos quadradinhos.
   Peter fez saber em várias ocasiões que, quando trabalha num determinado projeto, tem sempre em mente uma pessoa ou um conjunto de pessoas a quem gostaria de dedicá-lo. Foi assim, por exemplo, com Supergirl, título escrito a pensar nas suas filhas. Já The Incredible Hulk foi  um tributo à sua primeira esposa, que o encorajara a aceitar esse desafio. Note-se, a este propósito, a ironia de a personagem que catapultou Peter David para o estrelato ter sido justamente uma daquelas que motivaram a interdição paterna nos seus tempos de menino. Acrescentando, à guisa de curiosidade, a mágoa que o escritor guarda devido ao facto de nunca ter tido oportunidade de trabalhar com Batman, Drácula ou Tarzan.
   Adivinhando-se-lhe ainda muitos anos de atividade literária  - apesar de alguns problemas de saúde diagnosticados - é bem possível que, num futuro próximo, Peter David venha a colmatar essas lacunas no seu repertório.Reforçando assim o seu estatuto de grande expoente da cultura pop.

Peter David é presença assídua nas Comic Cons. Para quando a sua vinda a Portugal?

    


    





19 novembro 2015

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE: « A MORTE DE JEAN DEWOLFF»




   Na peugada do assassino da sua mais valorosa aliada, um transtornado Homem-Aranha enreda-se numa teia de mistérios e segredos desconcertantes. Logo descobrindo, porém, que esse foi apenas o prelúdio de uma macabra história escrita com o sangue de inocentes. 
  Obra de estreia de Peter David como profissional dos quadradinhos, esta saga ocupa um lugar de destaque na memorabilia do herói aracnídeo.


Título original da saga:  The Death of Jean DeWolff
Data de publicação: Outubro de 1985 a janeiro de 1986
Licenciadora: Marvel Comics
Autores: Peter David (enredo) e Rich Buckler (arte)
Títulos abrangidos: Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº 107-110
Personagens principais: Homem-Aranha, Devorador de Pecados, Jean DeWolff, Demolidor, J. Jonah Jameson, Betty Brant, Emil Gregg, Tia May e Ernie Popchik

Edição brasileira


A primeira metade da saga foi publicada em Homem-Aranha nº87.

Editora: Abril*
Publicado em: Homem-Aranha (1ª série) nº87 e 88 (setembro-outubro de 1990)
Formato: Formatinho (13,5 x 19cm), colorido e com lombada agrafada
Na minha coleção desde: 1991

*Sob os auspícios da Panini Comics, em março de 2013, foi lançada a compilação da saga num volume com 172 páginas e em formato americano.

Edição encadernada da Panini (2013).

Conceção e desenvolvimento: Recém-chegado à indústria dos comics, Peter David foi incumbido pelo então editor da linha de títulos do Homem-Aranha, Jim Owsley (pseudónimo de Christopher Priest), de escrever uma saga que desse um safanão ao herói e aos fãs. Owsley pretendia uma história que incluísse o assassinato da Capitã Jean DeWolff e uma série de acobertamentos feitos no interior do departamento policial nova-iorquino. Ficando desse modo patente que partiu de Owsley, e não de David, a ideia de matar aquela que era uma habitué das aventuras do Escalador de Paredes desde meados dos anos 70.
  Sem pudores, Jim Owsley assumiu a autoria moral do "crime" numa entrevista concedida a uma publicação especializada em quadradinhos: "O tom caprichoso de Spectacular Spider-Man há muito que deixara de agradar-me. Foi por isso que não hesitei em enxotar Al Milgrom, trazendo para o seu lugar o brilhante Peter David. Embora ele fosse um novato no meio, desde o primeiro momento reconheci as suas potencialidades enquanto escritor. Sabia, no entanto, que a minha aposta só seria bem-sucedida se ele fosse adjuvado por um artista de qualidade. Quando pensei num nome, o de Rich Buckler foi o que mais me entusiasmou. Com ele e David à frente de Spectacular Spider-Man, a série adquiriu um registo mais adulto, passando a abordar temas mais complexos.
  À premissa proposta por Owsley, David juntou elementos da sua autoria. O escritor pretendia produzir uma história na qual o Homem-Aranha seria levado ao limite enquanto enfrentava um vilão capaz de cometer atos hediondos. Outro aspeto que ele pretendia explorar eram as diferenças filosóficas entre o herói aracnídeo e o Demolidor.
  Esses e outros pormenores foram incorporados na trama durante uma reunião de Owsley e David em casa deste último, a qual se prolongou até de madrugada. Ficando igualmente estipulado que a história seria composta por quatro capítulos.


Jim Owsley (em cima)  e Peter David: parceiros no crime.

  Jim Owsley recorda assim o final impactante do terceiro capítulo da saga: "Uma sequência tão intensa que chegámos a considerar a sua exclusão. Eu próprio fiquei assustado com ela. Imaginam a reação das mamãs suburbanas que haviam comprado aquela edição para os seus rapazinhos? Qual seria a cara delas ao perceberem que o Devorador de Pecados fazia explodir as entranhas de Betty Brant com um disparo da sua arma?"
  Afirmando ter-se inspirado numa antiga tradição inglesa para conceber a personagem (ver prontuário infra), Peter David explica que não foi aleatória a escolha da persona civil do Devorador de Pecados. Segundo ele, "Stan (diminutivo de Stanley) é um nome simpático para os leitores depois de décadas de associação com Stan Lee. Além disso, retratei Stanley Carter como judeu. Isaac Asimov disse certa vez que se queremos introduzir um vilão cujas intenções maliciosas devem ser dissimuladas, nada como fazê-lo judeu e pô-lo a falar com frases invertidas. Isso fará lembrar o Mestre Yoda (da saga cinemática Guerra das Estrelas), levando a que os leitores o percecionem como uma personagem amistosa".
  David lauda também o trabalho de Rich Buckler, cujo traço denso e dinâmico fez a história pulsar de vida: "Buckler conseguiu imprimir a dose ideal de realismo na trama. Foi quase como se o Homem-Aranha estivesse a participar num episódio de Hill Street Blues (série policial dos anos 80 que, em Portugal, foi traduzida como Balada de Hill Street).


Rich Buckler, o terceiro atirador.


Curiosidades:

* No terceiro capítulo da saga, existe uma cena em que o Rei do Crime dita uma carta na qual responde ao contacto efetuado por uma assassina profissional, identificada como "Senhorita C.B. Kalish". Trata-se de uma private joke envolvendo Carol B. Kalish, à época Diretora Comercial da Marvel Comics e velha amiga de Peter David. Foi, com efeito, pela mão dela que o escritor deu os primeiros passos nos meandros da 9ª arte;
* Na primeira página do quarto (e último) capítulo da trama, os flashbacks em que o Homem-Aranha rememora o fugaz romance que teve na juventude com Betty Brant são, na verdade, reproduções de painéis incluídos em algumas das primeiras histórias do herói, publicadas no início dos anos 60 em Amazing Spider-Man.

O lado lunar do Escalador de Paredes vem à tona na saga.


Quem era Jean DeWolff?


   
   Personagem idealizada por Bill Mantlo e Sal Buscema, a Capitã Jean DeWolff fez a sua primeira aparição em agosto de 1976, nas páginas de Marvel Team-Up nº48. Nos anos que precederam a sua morte, foi coadjuvante no portfólio de títulos estrelados pelo Escalador de Paredes.
  Filha de Phillip DeWolff, um antigo inspetor da Polícia nova-iorquina, Jean resolveu seguir as pisadas do pai, apesar das objeções deste. Após muito trabalho árduo, alcançou a patente de capitã no Departamento de Polícia de Nova Iorque (DPNI). Inteligente e obstinada, destacou-se também pelo seu gosto por visuais retro inspirados nos anos 30.
  Quando investigava uma série de atentados à bomba, a capitã DeWolff conheceu o Homem-Aranha, de quem se tornaria admiradora e aliada. Tornando-se, assim, uma exceção no seio de um  DPNI tradicionalmente hostil ao Escalador de Paredes, muito por conta dos virulentos editoriais do Clarim Diário.
  Na sequência da morte da capitã DeWolff às mãos do próprio namorado (Stanley Carter, vulgo Devorador de Pecados), o Homem-Aranha descobriu que ela colecionara fotos e recortes de jornais onde ele aparecia. Levando o herói a concluir que os sentimentos que ela nutria em relação à sua pessoa eram mais calorosos do que ele imaginava. Descoberta que deixou ainda mais abalado o Escalador de Paredes.


Quem era o Devorador de Pecados?



  O vilão responsável pela morte de Jean DeWolff (Sin-Eater,no original) debutou em outubro de 1985, nas páginas de Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº107. De seu nome verdadeiro Stanley Carter, trata-se de um conceito desenvolvido conjuntamente por Peter David e Rich Buckler, com base no folclore inglês.
  Em certas regiões do Reino Unido (e também nas montanhas Ozark, nos EUA), sempre que alguém morre, os seus entes queridos depositam frutos e outros alimentos no peito do cadáver. De acordo com esta tradição pagã, o ritual servirá para absorver os pecados do defunto. Cabendo, assim, ao Devorador de Pecados (geralmente um mendigo) comer as oferendas, assegurando dessa forma a absolvição dos pecados cometidos em vida pelo malogrado.
  Antes de se voluntariar como cobaia para uma droga experimental, o agente da SHIELD Stanley Carter já estava familiarizado com esta tradição. Inoculada no organismo humano, a substância em causa dotava os seus usuários de capacidades físicas sobre-humanas, designadamente força, resistência e reflexos amplificados. Considerado demasiado perigoso pelo Governo norte-americano (um dos efeitos colaterais da droga era a demência das cobaias), o programa recebeu ordem de encerramento. Decisão que Carter interiorizou como um abuso de autoridade, motivando a sua renúncia.
  Carter foi submetido a testes antes de regressar à vida civil, não tendo sido detetados vestígios da droga no seu organismo. Alguns comportamentos seus indiciavam, porém, uma sanidade mental precária e uma crescente propensão para a violência.
 Pouco tempo depois, Carter ingressou no Departamento de Polícia de Nova Iorque, passando a desempenhar funções como detetive. Quando o seu parceiro foi abatido num tiroteio com um bando de delinquentes juvenis, Carter tornou-se obcecado com a ideia de liquidar indivíduos que abusavam da sua autoridade para deixar impunes os criminosos.
  Decidido a "absorver" os pecados do mundo, Carter tencionava executar juízes que aplicavam sentenças irrisórias a malfeitores, advogados que os defendiam em tribunal mesmo conscientes da sua culpabilidade e até mesmo os padres que escutavam as suas confissões e mantinham sigilo delas. Com esse objetivo em vista, ele adquiriu uma espingarda e improvisou um disfarce para ocultar a sua verdadeira identidade. Nascia assim o Devorador de Pecados, cuja primeira vítima foi a Capitã Jean DeWolff, namorada de Stanley Carter. Ironicamente, seria ele o detetive designado para investigar o homicídio. Circunstância que o levou a trabalhar em conjunto com o Homem-Aranha.

Capa de Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº109 (1985).

Enredo: Após capturar os meliantes que haviam agredido Ernie Popchik, um dos residentes no lar de idosos gerido pela Tia May, o Homem-Aranha fica mortificado ao descobrir que a Capitã Jean DeWolff, sua amiga e aliada de longa data, fora morta durante o sono. Transtornado, o herói interpela o detetive encarregue da investigação do caso, o Sargento Stanley "Stan" Carter. Este revela-lhe alguns pormenores sobre o crime: DeWolff terá sido baleada à queima-roupa por uma espingarda de canos sobrepostos e o seu distintivo terá sido roubado pelo assassino.
 Entretanto, Matthew Murdock (vulgo, Demolidor) é designado como advogado oficioso dos agressores de Ernie Popchik, conseguindo que os jovens sejam libertados sem caução. Desagradado com a conduta desordeira dos seus clientes, Matt confidencia ao juiz Horace Rosenthal (seu antigo mentor) os seus receios em relação ao serviço pro bono que vem prestando. Durante a conversa entre ambos, Matt pressente a presença de um intruso armado nos aposentos do juiz. Quando este sai da sala, o Devorador de Pecados assoma e abre fogo sobre Matt. Ao ouvir o estrépito dos disparos, Rosenthal regressa à sala e é executado a sangue-frio pelo Devorador de Pecados, que de imediato se põe em fuga.

O momento da descoberta do cadáver da Capitã DeWolff.

  Alertado pelo rebuliço causado pelo atentado, o Homem-Aranha acorre ao local, deparando-se com o Devorador de Pecados. Sem hesitar, o vilão dispara sobre o Escalador de Paredes, que facilmente se esquiva das balas. Pior sorte têm, contudo, alguns transeuntes que circulavam no exterior do tribunal, feridos pelas balas perdidas.
  Enquanto luta com o seu atacante, o Homem-Aranha apercebe-se que este tem na sua posse o distintivo policial da falecida Capitã DeWolff. Deduzindo de imediato que está em presença do assassino da sua amiga. Contudo, ao ver a Tia May desfalecida na calçada, o herói aracnídeo permite a fuga do Devorador de Pecados.
  Depois de obter autorização do Sargento Carter para revistar o apartamento de DeWolff, o Homem-Aranha não descobre quaisquer pistas ou indícios. Encontra, no entanto, fotos e recortes de jornais onde ele aparece. Ficando dessa forma claro que DeWolff tinha um interesse romântico no herói. Facto que o deixa ainda mais consternado.
  Pela boca do próprio Carter, o Escalador de Paredes fica a par do seu passado como agente da SHIELD e do folclore associado ao Devorador de Pecados.
  No dia seguinte, durante o funeral do juiz Rosenthal, Matt Murdock consegue identificar, algures entres os presentes, a batida cardíaca do Devorador de Pecados. É, porém, incapaz de reconhecê-lo.
   Nessa mesma noite, o Devorador de Pecados executa a tiro o padre que havia conduzido as exéquias da Capitã DeWolff.
   Devido à vaga de mortes atribuída ao Devorador de Pecados, é montado um circo mediático, aproveitado pelo Reverendo Jackson Tulliver para acicatar a opinião pública. Paralelamente, o Homem-Aranha e o Demolidor procuram no submundo do crime nova-iorquino pistas sobre a verdadeira identidade do assassino da Capitã DeWolff. As suas investigações são, todavia, infrutíferas.
   Dias depois, o Devorador de Pecados irrompe na redação do Clarim Diário, exigindo falar com J. Jonah Jameson. Este encontrava-se, no entanto, ausente em férias. Momentaneamente distraído por Joe Robertson (editor-chefe do jornal), o vilão é alvejado por uma máquina de escrever arremessada por Peter Parker.
  Inanimado, o Devorador de Pecados é desmascarado, sendo identificado como Emil Gregg. Este não tem, no entanto, qualquer lembrança de ser o autor dos homicídios que lhe são imputados. Alega, ainda assim, que vozes lhe haviam ordenado que os cometesse.
   Chegado entretanto ao local, o Demolidor assiste à confissão de Gregg, não reconhecendo, contudo, o seu ritmo cardíaco. Assumindo, portanto, tratar-se de um impostor. Perante o ceticismo do Homem-Aranha, o Diabo da Guarda convida-o a acompanhá-lo numa busca ao apartamento de Gregg.
  No apartamento supostamente propriedade de Gregg, os dois heróis encontram a arma e o traje usados pelos Devorador de Pecados, bem como um gravador contendo registos áudio do vilão. Rapidamente concluem ser aquela a origem das vozes que, presumivelmente, atormentariam Gregg. No entanto, a revelação mais chocante surge sob a forma de correspondência destinada ao verdadeiro proprietário do imóvel: Stanley Carter.
   Ao darem pela falta de uma segunda arma no armário onde o Devorador de Pecados guardava o seu arsenal, o Homem-Aranha e o Demolidor concluem que ele terá usado Gregg como engodo, enquanto se dirigia a casa de JJ. Jameson para o matar. Dada a grande distância que os separava da morada e o avanço levado pelo Devorador de Pecados, seria impossível os heróis chegarem a tempo de impedir o crime.
  Em desespero, o Homem-Aranha telefona para o Clarim Diário e consegue obter o número de telefone de JJJ. Sem perder tempo, o Cabeça de Teia efetua a chamada, atendida por Betty Brant (secretária pessoal de Jameson e primeira namorada de Peter). No entanto, antes que o Homem-Aranha possa avisá-la, ouve-se o som de um disparo em fundo.

Uma das sequências mais dramáticas da saga: a pretensa execução sumária de Betty Brant.


  Convencido de que Betty estaria morta, o herói aracnídeo ruma rapidamente à morada de Jameson. Embora aterrorizada, a rapariga está, no entanto, viva e ilesa. Facto, ainda assim, insuficiente para aplacar a fúria homérica do Escalador de Paredes, que espanca violentamente o Devorador de Pecados, mesmo depois de ele ter perdido os sentidos.
  Chegado ao local, o Demolidor evita a custo que o Homem-Aranha faça justiça pelas próprias mãos.
  Stan Carter é preso e a notícia de que o Devorador de Pecados era um agente policial deixa a comunidade em choque. Enquanto isso, Ernie Popchik, armado com o seu velho revólver, atira sobre três meliantes que o ameaçam no interior de uma carruagem de metro.
 A Polícia é informada pela SHIELD de que Carter fora submetido a tratamentos com uma droga experimental. Circunstância que explica tanto as suas capacidades sobre-humanas como as suas atividades como Devorador de Pecados.
 Dias depois, os planos das autoridades para transferirem em segredo o Devorador de Pecados para a Ilha Riker chegam ao conhecimento dos media. Uma turba enfurecida concentra-se diante da esquadra onde ele se encontra detido e tenta linchá-lo. O Demolidor intervém, mas acaba ele próprio agredido pela multidão.Tanto ele como o Devorador de Pecados são salvos, in extremis, pelo Homem-Aranha.
  Depois de Stan Carter ter sido finalmente transportado para a penitenciária, o Demolidor repreende o Escalador de Paredes pelo seu desrespeito pelo sistema judicial. Oferecendo de seguida os seus serviços de advogado para, em regime pro bono, defender Popchik em tribunal.

O Demolidor impede o Homem-Aranha de sujar as mãos de sangue.

Ramificações:

* O enredo de A Morte de Jean DeWolff incluía uma intriga secundária envolvendo um ladrão vestido de Pai Natal. Esta narrativa paralela seria posteriormente retomada em Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº112 (março de 1986). Edição em que é igualmente revelado que Ernie Popchik fora libertado da prisão após ter sido absolvido por um júri. Na edição seguinte, Popchik, acossado pelos jornalistas, regressa ao lar de terceira idade gerido pela Tia May. No entanto, ele e os restantes residentes são feitos reféns pelos delinquentes que ele alvejara numa carruagem de metro. O Homem-Aranha intervém e consegue subjugar três dos quatro meliantes, sendo o quarto abatido pela Polícia. Sentindo-se culpado pelo sucedido, Popchik parte para local incerto;
*Peter David trouxe de volta o Devorador de Pecados num arco de histórias publicado, entre janeiro e março de 1988, nos números 134,135 e 136 de Peter Parker, The Spectacular Spider-Man. Ambientada cerca de um ano depois dos eventos narrados em A Morte de Jean DeWolff, esta espécie de sequela informal  explorava a origem do vilão e a sua tentativa de reabilitação.Sob custódia da SHIELD, Stan Carter é sujeito a psicoterapia e a um programa de desintoxicação para purgar a droga do seu organismo. Após a sua libertação, Stan sente grandes dificuldades de reinserção social, pois continua a ser assombrado por visões dos crimes que perpetrou como Devorador de Pecados. Sucumbindo por fim à sua demência, Carter volta a vestir o seu velho disfarce e, brandindo uma arma descarregada, irrompe numa esquadra de polícia, acabando abatido pelos agentes no local. Peter David descreveu este trágico epílogo como um ato de misericórdia para com Stanley Carter;
*Em The Amazing Spider-Man nº300 (maio de 1988), os leitores ficaram a saber que o repórter do Daily Globe, Eddie Brock, escrevera um artigo no qual expunha Emil Gregg como o suposto alter ego do Devorador de Pecados. A revelação de que Stan Carter era a verdadeira identidade do vilão motivou a demissão de Brock e o seu subsequente divórcio. O rancor que Brock passou a nutrir relativamente ao Homem-Aranha (que culpava pelos seus reveses), serviria de catalisador para a sua transformação em Venom.


Eddie Brock sucedeu a Peter Parker como hospedeiro do simbionte alienígena.



Vale a pena a ler?

   Há 30 anos, o panorama dos quadradinhos com super-heróis e a forma como estes eram perspetivados pelos leitores eram substancialmente diferentes dos atuais. Se nos dias que correm a ocorrência de mortes nas páginas deste tipo de publicações se tornou comezinha, à época era uma raridade. Facto que, em larga medida, explica o profundo impacto produzido por esta saga.
 Conforme observou Peter David, a história torneava as convenções instituídas na indústria dos comics. Um dos aspetos em que mais notoriamente o faz reside no fim indigno da Capitã DeWolff. Em vez da tradicional morte gloriosa no clímax de uma batalha épica, a personagem é cobardemente assassinada durante o sono.
  Outra singularidade que destoa dos padrões da época consiste em termos um antagonista que não se insere no paradigma clássico do supervilão dotado de capacidades sobre-humanas. No seu lugar, temos um vigilante mentalmente perturbado que não olha a meios para cumprir a missão crucial de que se julga investido. 
  Este é, aliás, um dos pontos mais fortes da  saga. Através das ações tresloucadas do Devorador de Pecados, o leitor é convidado a questionar-se sobre os perigos do vigilantismo. Conceito que, convém lembrar, alberga qualquer um que, substituindo-se ao sistema judicial, resolve fazer justiça pelas próprias mãos. Ainda que com outros matizes, é precisamente isso que os chamados super-heróis fazem. Levando, assim, a um questionamento das suas ações. Potenciado na trama pelo descontrolo emocional do Homem-Aranha, que quase o leva a tirar a vida ao assassino da sua amiga. Se isso tivesse acontecido, o que o distinguiria, afinal, do vilão?
  De assinalar também que, à data de publicação desta saga, os dilemas morais costumavam andar arredados das páginas dos títulos Marvel e DC. Salvos raras exceções, as historietas neles apresentadas não abordavam temas complexos (na verdade, os seus autores fugiam deles como do tifo); tão-pouco se caracterizavam pelo realismo (por contraponto ao culto que dele se faz presentemente). 
  Tudo motivos, portanto, para que A Morte de Jean DeWolff tenha sido uma pedrada no charco, cujos círculos concêntricos chegaram até ao presente. Tanto assim que, transcorridas três décadas, ela continua a ser considerada uma das melhores histórias de sempre do Escalador de Paredes. Estatuto corroborado, com efeito, pelas críticas assaz favoráveis que recebeu por parte de reputadas publicações, como a Wizard e o Comics Bulletin. E tudo graças à genialidade de um debutante na nona arte...
     
Amizade interrompida.