03 maio 2018

RETROSPETIVA: «SUPERGIRL»


  Primeira super-heroína adaptada ao cinema, à Rapariga de Aço exigiu-se que, de um fôlego, salvasse o último vestígio de Krypton e a decadente franquia herdada do primo. Apenas uma dessas hercúleas missões foi, porém, coroada de êxito num filme em que, pela sua frescura e talento, a protagonista foi a única aposta ganha.
  
Título original: Supergirl
Ano: 1984
País: Reino Unido
Duração: 105 minutos (versão norte-americana) / 124 minutos (versão internacional)
Género: Ação/Aventura/Ficção científica
Produção: Timothy Burrill e Ilya Salkind
Realização: Jeannot Szwarc 
Argumento: David Odell 
Distribuição: TriStar Pictures (Reino Unido) / Columbia-EMI-Warner (EUA)
Elenco: Helen Slater (Kara Zor-El/Linda Lee/Supergirl); Faye Dunaway (Selena); Peter O'Toole (Zaltar); Hart Bochner (Ethan); Mia Farrow (Alura In-Ze); Brenda Vaccaro (Bianca); Peter Cook (Nigel); Simon Ward (Zor-El); Marc McClure (Jimmy Olsen) e Maureen Teefy (Lucy Lane)
Orçamento: 35 milhões de dólares
Receitas (EUA): 14,3 milhões de dólares

Anatomia de um clássico fracassado

Quando, a meio da década de 1970, os produtores Alexander e Ilya Salkind negociaram a aquisição dos direitos de adaptação do Superman ao cinema, acharam prudente incluir os da Supergirl no pacote. Com a visão que fez deles marajás de Hollywood, os Salkinds acautelaram dessa forma a possibilidade de alguma sequela ou spin-off vir a ser realizado.
Em virtude das reações negativas da crítica e do dececionante desempenho comercial de Superman III em 1983, no ano seguinte os Salkinds resolveram apostar numa longa-metragem protagonizada pela prima do Homem de Aço. A ideia seria refrescar uma franquia que começava a evidenciar sinais de decadência.
Apesar da ligação familiar entre as duas personagens, os produtores consideravam que o novo projeto exploraria uma área totalmente diversa daquela que estivera na base da até aí bem-sucedida saga cinematográfica do Último Filho de Krypton.

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Ilya (esq.) e Alexander Salkind.
Os produtores da Super-franquia são pai e filho.
Richard Lester, que dirigira Superman III e fora chamado a completar Superman II após a demissão de Richard Donner, foi o primeiro realizador a ser sondado pelos Salkinds. Perante o desinteresse de Lester em associar-se ao projeto, os produtores estudaram várias alternativas, acabando a escolha final por recair em Jeannot Szwark.
Com uma carreira construída essencialmente no pequeno ecrã, o cineasta gaulês fora recomendado pelo próprio Christopher Reeve que, em 1980, trabalhara às suas ordens no filme Somewhere in Time (Algures no Tempo).
A banda sonora, essa, teve a assinatura do veterano Jerry Goldsmith, que fez questão de homenagear algumas das memoráveis partituras compostas por John Williams para os dois primeiros filmes do Superman.

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Jeannot Szwark foi o eleito para dirigir
 a primeira longa-metragem
 protagonizada por uma super-heroína.
Assim, dentre um lote de oito anónimas finalistas, a eleita seria a novata Helen Slater. À data com 19 anos, Slater participara apenas num episódio especial da série televisiva ABC Afterschool e nunca antes fizera cinema. O seu papel como Supergirl marcaria, portanto, a sua estreia absoluta no grande ecrã.
Centenas de atrizes foram, entretanto, testadas para o papel principal, com destaque para Brooke Shields (a ninfeta de Lagoa Azul) e Melanie Griffith que, aos 26 anos, contava já com vários filmes de sucesso no currículo. Apesar de a primeira ser a favorita de Alexander Salkind, Ilya e Szwark preferiram apostar numa ilustre desconhecida, mantendo-se fiéis à mesma política que levara à descoberta de Christopher Reeve durante as audições para Superman.
Nos primeiros testes de ecrã que realizou, Helen Slater usou um figurino em tudo semelhante ao uniforme que, por aqueles dias, a Supergirl usava na banda desenhada. Refletindo o estilo dos anos 80, o modelo em causa incluía, por exemplo, uma fita de cabelo vermelha.
Dada a natureza datada desse visual, os produtores acabaram por descartá-lo, optando antes por um  de linhas mais modernas. E, sem o saberem, forneceram a inspiração para a indumentária de Matriz, a Supergirl genérica inserida em 1988 na continuidade da DC após a morte da original em Crise nas Infinitas Terras.

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De cima para  baixo:
O uniforme da Supergirl na BD no início dos anos 80.
Helen Slater testa um protótipo nele baseado.
O figurino oficial.
O visual de Matriz.

Como beleza e talento na representação não bastam quando toca a emprestar corpo a um super-herói (ou, no caso, a uma super-heroína), Helen Slater teve de submeter-se a um rigoroso programa de treino ministrado por Alf Joint, o mesmo preparador físico que, meia dúzia de anos antes, transformara o franzino Christopher Reeve no Homem de Aço.
Christopher Reeve que, de resto, declinou o convite para participar no filme da Supergirl. Presença que, segundo admitiria o próprio Jeannot Szwark, teria contribuído para uma maior visibilidade e credibilidade da produção.
Definido o restante elenco (no qual pontificavam a oscarizada Faye Dunaway e outros astros de primeira grandeza como Peter O'Toole), as filmagens decorreram quase exclusivamente nos londrinos Pinewood Studios, prolongando-se por todo o verão de 1983.
Ainda que a película tenha sido financiada na íntegra pelos Salkinds, a Warner Bros, detentora dos respetivos direitos de distribuição, teve uma palavra a dizer. Com efeito, da rodagem à edição tudo foi feito sob a apertada supervisão da gigante de entretenimento proprietária da DC Comics.

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Faye Dunaway e Helen Slater.: a diva e a debutante.
No entanto, apenas duas semanas antes da estreia de Supergirl (inicialmente programada para julho de 1984, o que só viria a acontecer no Reino Unido e Japão), a Warner Bros. desligou-se da produção devido à prestação insatisfatória de Superman III e ao diferendo com os Salkinds acerca da data de lançamento.
Nos meses seguintes o filme ficou a aboborar numa qualquer prateleira até que a TriStar Picutres se propôs lançá-lo em novembro. Por ser esse o mês em que se celebra o Dia de Ação de Graças, um dos mais importantes feriados do calendário litúrgico norte-americano, fora sempre essa a data preferida dos Salkinds.
A TriStar impôs, contudo, como condição uma nova edição do filme. Totalmente arbitrários, os cortes levados a cabo resultaram num encolhimento da respetiva duração (de 124 minutos passou para 105 minutos) em prejuízo das interpretações de Helen Slater e Faye Dunaway.
Algumas das cenas eliminadas - que, durante largos anos, permaneceram inéditas nos EUA -  continham momentos e diálogos importantes quer para a caracterização das protagonistas quer para o desenrolar da trama.
Um bom exemplo foi o da sequência conhecida como "O Ballet Voador", por sinal uma das mais magistralmente coreografadas de todo o filme.
Ao chegar ao nosso planeta, Kara fica surpreendida ao descobrir ser capaz de fazer praticamente qualquer coisa, incluindo voar. A cena em questão serviria para demonstrar que, além do legado nominal, os seus poderes eram similares aos do Superman. Ora nada disso foi visto pelos espectadores norte-americanos, originando alguma confusão entre os menos versados na mitologia do Homem de Aço.
Também as cenas ambientadas na Zona Fantasma eram originalmente mais longas e dramáticas. Numa delas, a heroína dava provas de grande altruísmo ao  expressar a sua vontade de imolar a própria vida para pôr fim ao reinado sombrio de Selena.
Antes de serem restauradas na primeira edição em DVD (2000), muitas das cenas cortadas haviam já sido incluídas na adaptação oficial de Supergirl aos quadradinhos lançada em 1985 pela DC Comics - e publicada nesse mesmo ano pela Abril em Terras Tupiniquins .

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A adaptação oficial de Supergirl
aos quadradinhos
 incluía a versão estendida do filme.
Foi, no entanto, uma versão amputada(para não dizer vandalizada) da película aquela que chegou aos cinemas americanos em novembro de 1984. Apesar de Supergirl ter liderado o box office no seu fim de semana de estreia, (arrecadando uns razoáveis 8,4 milhões de dólares), as receitas de bilheteira cairiam a pique nas semanas seguintes, convertendo-o no capítulo menos rentável de toda a Super-franquia.
Somadas ao fraco desempenho comercial, as críticas soezes que, de forma desapiedada, fustigaram o filme durante as nove semanas em que se manteve em cartaz, surtiram efeito idêntico ao da exposição prolongada à kryptonita, ditando a morte prematura de Supergirl.
Mercê de todas as vicissitudes acima descritas, a primeira aventura da Rapariga de Aço no cinema seria também a última. Caindo assim por terra o sonho dos Salkinds de iniciarem uma nova franquia que se queria tão lucrativa como havia sido a do Homem de Aço.

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Um dos mais icónicos  posteres promocionais do filme.
Sinopse

A fruir dos últimos dias de uma adolescência despreocupada, Kara Zor-El vive com os pais, Zor-El e Alura, em Argo City, uma colónia perdida que sobreviveu à destruição de Krypton.
Encravada num recesso do espaço inter-dimensional, Argo City tem como principal fonte de energia o Omegahedron. Essa pequena esfera pulsante, fruto da mais avançada tecnologia kryptoniana, consegue, entre outras coisas, manipular matéria a nível molecular e gerar energia ilimitada.
Um belo dia, Zaltar, o precetor de Kara, mostra-lhe o Omegahedron, que havia requisitado sem o consentimento do conselho governativo da cidade. Quando um pequeno construto voador criado por Kara se descontrola e abre um buraco na redoma que protege Argo City, o Omegahedron é sugado pelo vácuo espacial.
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Zaltar mostra a Kara o potencial do Omegahedron.
Ciente de que, sem o Omegahedron, Argo City estará sentenciada a uma morte agonizante, Kara, para grande aflição dos seus pais, voluntaria-se para recuperá-lo. Para isso, terá de viajar através do espaço inter-dimensional a bordo do paraquedas binário projetado por Zaltar.
Durante a sua vertiginosa jornada até à Terra, Kara transforma-se na Supergirl e fica maravilhada com os formidáveis poderes que lhe são concedidos pelo nosso sol amarelo.
O Omegahedron foi, entretanto, encontrado por Selena, uma bruxa sedenta de poder e ansiosa por libertar-se da influência de Nigel, um feiticeiro dos tempos modernos de quem é, simultaneamente, discípula e concubina.
Mesmo sem saber do que se trata, ou qual a origem do Omegahedron, Selena intui o seu imenso poder e depressa descobre que ele lhe permite conjurar feitiços verdadeiramente eficazes.
Longe dali, a Supergirl segue no encalço do Omegahedron. Após ter escapado a uma tentativa de violação por parte de dois camionistas, a jovem toma consciência dos perigos de um mundo que não é o seu e resolve agir disfarçada.
Apresentando-se como prima de Clark Kent (alter ego do Superman), Kara assume a identidade de Linda Lee e matricula-se no colégio feminino de Midvale. É lá que trava amizade com Lucy Lane, a irmã mais nova de Lois Lane, de quem herdou o espírito irrequieto e aventureiro.
Enquanto se tenta integrar com a ajuda de Lucy e do seu namorado, Jimmy Olsen, Linda conhece também Ethan, o apolíneo zelador da escola por quem de pronto se enamora.

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Linda Lee e Lucy Lane tornam-se amigas inseparáveis.
Sem o saber, Ethan captou também a atenção de Selena, a agora autoproclamada "Princesa da Terra". Resoluta em fazer dele seu consorte, a vilã droga Ethan com uma poção do amor que o fará apaixonar-se pela primeira pessoa que vir quando voltar a si.
Para azar de Selena, Ethan recobra a consciência quando ela está ausente e, após escapulir-se do covil da bruxa, vagueia sem rumo pelas ruas da cidade.
Furiosa, Selena faz uso dos seus recém-adquiridos poderes mágicos para animar uma escavadora com a qual pretende recapturar o seu objeto de desejo. À sua passagem o veículo desgovernado deixa um rasto de destruição obrigando à intervenção da Supergirl.
Quando a ameaça é por fim debelada, a Rapariga de Aço, já sob o disfarce de Linda Lee, resgata Ethan que, assim, se perde de amores por ela, passando a cortejá-la de todas as formas possíveis e imagináveis.
Culminado uma série de ferozes recontros entre ambas, Selena usa o Omegahedron para lançar a Supergirl na Zona Fantasma, o purgatório onde, outrora, eram aprisionados os piores criminosos de Krypton. Privada dos seus poderes, a heroína perambula pela paisagem desolada e quase se afoga num pântano. É, no entanto, salva no último instante por Zaltar, que ali se exilara para expiar os seus pecados.
Graças ao sacrifício supremo do seu antigo precetor, a Supergirl consegue escapar da Zona Fantasma e regressar à Terra através de um espelho. Com o seus poderes restaurados, a heroína confronta uma vez mais Selena. Que, por sua vez, usa o Omegahedron para invocar um gigantesco demónio das sombras.

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Kara chora a morte do seu mentor.
Prestes a ser subjugada pelo monstro, a Rapariga de Aço ouve a voz etérea de Zaltar exortando-a a lutar. Nigel, por seu turno, revela-lhe que a única maneira de derrotar Selena será virando contra ela o demónio das sombras.
Agindo com rapidez e precisão, Supergirl usa a sua supervelocidade para gerar um enorme redemoinho, cuja força centrípeta suga a bruxa e o demónio para a Zona Fantasma.
Finalmente livre do feitiço de Selena, Ethan declara o seu amor por Linda Lee, mesmo sabendo que ela e Supergirl são uma só pessoa, e que os dois nunca poderão ficar juntos.
A cena final do filme mostra a Supergirl a voar em direção a uma Argo City escurecida que prontamente se ilumina graças à energia emanada pelo Omegahedron.

Trailer



Curiosidades

*À semelhança do que se verificara no primeiro filme do Superman com Christopher Reeve, em Supergirl o cachê pago à atriz que interpretou a vilã (Faye Dunaway) foi consideravelmente superior ao recebido pela protagonista. A atuação de Dunaway seria, contudo, arrasada pela crítica, valendo-lhe mesmo uma nomeação para a Framboesa de Ouro de Pior Atriz. Por contraste, a novata Helen Slater ficou muito perto de conquistar um Saturn Award na categoria de melhor atriz;
*O primeiro poster promocional do filme mostrava. erradamente, a Estátua da Liberdade a segurar a tocha na mão esquerda;

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A Estátua da Liberdade virou canhota
num dos cartazes oficiais de Supergirl.


*Na gravação da cena em que a Supergirl sai a voar do lago foi utilizada uma fotografia de Helen Slater colada num recorte de madeira. Já a produção do genérico de abertura cifrou-se em um milhão de dólares;
*Único filme baseado no Universo DC a não ser distribuído pela Warner Bros, Supergirl nunca foi incluído em qualquer antologia da saga cinematográfica do Superman, apesar de dela ser oficialmente parte integrante;
*Criação de Otto Binder e Al Plastino, Supergirl fez a sua primeira aparição em maio de 1959, nas páginas de Action Comics nº252 (fiquem a saber mais em http://bdmarveldc.blogspot.pt/2014/02/heroinas-em-acao-supergirl.html). Um quarto de século após a sua estreia na banda desenhada, tornar-se-ia a primeira super-heroína de língua inglesa a protagonizar o seu próprio filme;
*Nos quadradinhos, Argo City escapa à destruição de Krypton graças à genialidade científica de Zor-El (pai de Kara), que prepara antecipadamente a cidade para sobreviver à iminente implosão do planeta. Nessa versão clássica da sua origem, Kara nasce vários anos após o seu primo, Kal-El, ter sido enviado para a Terra;
*Em 2017, 33 anos após o advento da Rapariga de Aço aos cinemas, a personagem Selena ganhou estatuto canónico ao ser introduzida em Supergirl nº10. Uma ironia considerando que, apenas dois meses antes do lançamento do filme, a DC Comics havia inopinadamente cancelado a série mensal da heroína. Como se isso não bastasse, em 1985 removeria a Supergirl da sua continuidade após  sua morte às mãos do Antimonitor num dos capítulos mais dramáticos da saga Crise nas Infinitas Terras;
*Dada a ausência do Superman no filme, coube a Jimmy Olsen fazer a ponte com a saga original. Marc McClure foi, aliás, o único ator a fazer o pleno de participações nas cinco produções que compõem a franquia;

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Marc McClure marcou presença em todos os filmes da Super-família.
*Num dos rascunhos iniciais do enredo estava prevista a participação do Superman. O herói marcaria presença em duas cenas: na primeira daria as boas-vindas à prima no momento da sua chegada ao nosso mundo; na segunda seria salvo por ela depois de ter perdido os seus poderes e de ter envelhecido precocemente por causa da magia de Selena. Apesar de nada disto se ter concretizado, o Homem de Aço é duplamente referenciado na película. Através de um noticiário escutado atentamente por Selena, ficamos a saber que o herói se encontra temporariamente ausente da Terra em missão de paz numa galáxia distante. Na parede do quarto partilhado por Linda Lee e Lucy Lane, está também colado um poster do Superman;
*Superman e Supergirl encontraram-se no mundo real. Helen Slater e Christopher Reeve combinaram encontrar-se certa noite em Nova Iorque para discutirem o significado de interpretar um super-herói. Enquanto conversavam sentados num banco do Central Park foram surpreendidos pelas sirenes dos bombeiros que acorriam a um incêndio nas redondezas. Percebendo a ironia da situação, Reeve, segundo relatou a própria Helen Slater, terá gracejado: "Parece que é a nossa noite de folga";
*Atualmente com 56 anos de idade, em 2001 Helen Slater retomou contacto com o Universo DC ao interpretar Lara - a mãe kryptoniana do Superman - em três episódios de Smallville. Já na série televisiva da Supergirl no ar desde 2015, coube-lhe o papel de Eliza Danvers, mãe adotiva de Kara;

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Helen Slater no papel de mãe adotiva
 da atual Supergirl (Melissa Benoist).
*Tanto na adaptação oficial de Supergirl aos quadradinhos como na novela posteriormente editada, fica claro que decorreram vários anos entre o momento da partida de Kara de Argo City e a sua chegada à Terra. Devido ao desejo dos produtores de usarem Helen Slater desde o início, esse elemento foi omitido do filme;
*Quando Linda Lee e Lucy Lane se encontram pela primeira vez, a irmã mais nova de Lois Lane estava ler uma revista do Hulk, propriedade da rival Marvel Comics. Este é, de resto, um dos muitos easter eggs plantados ao longo do filme que convido os meus sagazes leitores a descobrirem.

Veredito: 62%

Logo a seguir à Mulher-Maravilha, Supergirl ocupa o segundo lugar no meu pódio de super-heroínas favoritas. Dada a minha elevada estima pela prima do Homem de Aço, seria o primeiro a zurzir o seu filme se este fosse realmente tão mau como o pintaram.
Mais frustrante do que o fraco apuro de bilheteira, foi o linchamento de que Supergirl foi sendo vítima ao longo dos anos quer por parte da crítica dita especializada quer por parte de pretensos fãs. Acredito até que, neste como em tantos outros casos, esses ataques virulentos terão partido de quem nunca viu o filme ou prefira os da concorrência.
Infelizmente, essa é uma prática consagrada que tem vindo a ganhar maior expressão nos últimos anos, mercê da rivalidade entre os Universos Estendidos da Marvel e da DC. E que, em última instância, serve, essencialmente, para condicionar o julgamento dos mais desavisados. Tendo como efeito colateral a morte prematura de franquias em favor da prosperidade de outras.
Em todo o caso, não há como negar certos aspetos negativos de Supergirl. Trama incoerente, interpretações sofríveis e vilões insípidos são alguns dos problemas mais frequentemente apontados a um filme que, não obstante, possui também pontos positivos que importa realçar.
O maior trunfo de Supergirl é, sem sombra de dúvida, a sua protagonista. Tal como Christopher Reeve foi O Superman sem, contudo, deixar de ser convincente no papel de Clark Kent, Helen Slater também teve o condão de ser duplamente competente na sua interpretação. Sem prejuízo da graciosidade da Rapariga de Aço, a jovem atriz transmitiu na perfeição a ingenuidade de Linda Lee.
Helen Slater partilha, de resto, com Christopher Reeve o dom de usar uma roupa espampanante sem parecer ridícula. Isto apesar de ter disposto de menos tempo para aprimorar esse talento do que a sua contraparte masculina.

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Helen Slater foi uma aposta ganha como Supergirl.
Mesmo à luz dos padrões técnicos atuais, os efeitos especiais de Supergirl - numa época que não existia CGI - são bastante aceitáveis. Ao contrário, por exemplo, de Superman IV, a produção não olhou a despesas nesse capítulo, possibilitando dessa forma sequências de rara beleza como o "ballet voador" de Kara aquando da sua chegada ao nosso planeta.
Outro dos pontos positivos do filme é o desenvolvimento de alguns conceitos herdados da saga original. Caso, por exemplo, da Zona Fantasma cuja representação consistira até esse momento num espelho rodopiante.
Em Supergirl conseguimos finalmente espreitar o que se esconde por trás do espelho. Contudo, a estética da Zona Fantasma poderia ter sido ainda mais fascinante se o realizador não tivesse desistido da ideia de filmar as respetivas cenas a preto em branco, o que teria reforçado a natureza etérea desse território povoado pelos mais perigosos malfeitores de Krypton.
Também o recurso à magia foi uma jogada de mestre. A par da kryptonita, essa é outra das vulnerabilidades dos kryptonianos. Como os argumentistas já tinham usado e abusado das pedras verdes nos filmes do Homem de Aço, desta feita deitaram mão às artes arcanas para dificultar a vida à heroína.
O único problema desta opção foi não ter sido devidamente explanada na trama. Por conseguinte, não deverá ter faltado quem tenha achado patético ver uma heroína capaz de dobrar barras de aço com as mãos a ser afetada por bruxarias de uma aprendiz de feiticeira.
Estranho foi também que, para salvar uma franquia em declínio, os produtores tenham laborado nos mesmos erros que ditaram o fracasso de Superman III. Embora mais doseado, o histrionismo está presente em Supergirl, sobretudo em cenas envolvendo os vilões - já de si caricaturais.
Por mais que essa vertente cómica seja apreciada pelo público em geral, os verdadeiros fãs de super-heróis não vão ao cinema para ver os seus ídolos fazerem umas palhaçadas. Fazem-no para recapturar alguma da inocência perdida da infância e em busca de um salutar escapismo à amoralidade do mundo real, onde é cada vez mais difusa a fronteira entre o certo e o errado.
Duas raridades nos filmes de super-heróis mais recentes mas que podem ser encontradas em Supergirl, esse clássico injustiçado que merece ser visto com um olhar menos cínico.

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De certo modo, a Supergirl continua cativa na Zona Fantasma
 para onde os críticos a atiraram.