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23 abril 2021

CLÁSSICOS DA 9ªARTE: «BATMAN - ASILO ARKHAM»


  Ao transpor os altos portões do Palácio da Loucura, assombrado por males e segredos indizíveis, o Homem-Morcego sente-se como o filho pródigo de volta a casa. Preso nos infernos pessoais dos seus inimigos e à mercê dos seus demónios interiores, ele sabe que a derradeira batalha será travada dentro da própria mente.

Título original: Arkham Asylum: A Serious House on Serious Earth 
Editora: DC
País: Estados Unidos da América
Data de lançamento: Outubro de 1989
Autores: Grant Morrison (argumento) e Dave McKean (ilustrações)
Personagens: Batman, Joker, Duas-Caras, Dr. Charles Cavendish, Maxie Zeus, Espantalho, Máscara Negra, Chapeleiro Louco, Cara-de-Barro, Drª Ruth Adams, Amadeus Arkham, Comissário James Gordon
Cenários: Departamento de Polícia de Gotham City, Asilo Arkham
Edições em português: A primeira edição em língua portuguesa desta obra foi lançada em dezembro de 1990 pela Abril brasileira. Só em 2005, sob os auspícios da Devir, ganharia finalmente uma versão em português europeu. Uma década mais tarde, em 2015, seria reeditada em terras lusas pela Levoir, no quarto volume da coleção 75 Anos do Batman. Todas as edições dadas à estampa nas duas margens do Atlântico adotaram o formato americano, alternando, porém, entre as capas duras e as capas moles. 

A mais recente reedição da obra em Portugal,
lançada pela Levoir em 2020.


Prisão sem grades

"Nos manicómios faltam ainda celas para homens honestos."  
           - Emanuel Wertheimer (filósofo húngaro) - 

Qualquer super-herói que se preze possui uma galeria privada de supervilões, sobrevindo daí a necessidade de um lugar onde possa trancafiá-los longe dos inocentes que jurou proteger. Para o Batman, esse lugar é o Asilo Arkham. Trata-se do mais infame hospital psiquiátrico da banda desenhada - ainda que, durante a maior parte do tempo, mal se diferencie de uma prisão convencional.
Pedra angular do burlesco imaginário do Homem-Morcego, o Asilo Arkham já marcou presença em diferentes segmentos culturais além dos comics. Do cinema à animação, passando pelos jogos de vídeo, o Palácio da Loucura granjeou um estatuto mediático quase tão importante como a própria Gotham City.
A despeito dessa sua proeminência, o Asilo Arkham encerra ainda muitos (e sórdidos) segredos no interior das suas paredes. Segredos sobre os quais vários escritores - com Grant Morrison à cabeça - têm tentado verter alguma luz. Sempre que o fazem, emerge da obscuridade outro capítulo aterrador da história de um lugar que muitos, a começar pelo próprio fundador, acreditam estar amaldiçoado. Passemos, então, em revista alguns deles.
Localizado nos arrabaldes de Gotham City, o Asilo Elizabeth Arkham para Criminosos Insanos - é essa a sua designação oficial, em homenagem à demencial matriarca do clã Arkham - fez a sua primeira aparição em Batman #258 (outubro de 1974). Pese embora um sanatório não identificado tivesse sido previamente referenciado, designadamente em algumas aventuras do Homem-Morcego na Idade de Ouro, foi nessa história, assinada por Dennis O'Neil e Irv Novick, que o Arkham adquiriu canonicidade. 
Da sua lista inicial de residentes VIP fazia parte o Duas-Caras, cuja evasão foi premonitória do embaraçoso historial de fugas, escândalos e motins que manchariam de forma indelével a reputação da instituição. Com efeito, apesar do contínuo influxo de novos pacientes, ficou claro desde o início que praticamente qualquer pessoa poderia escapar dessa espécie de prisão sem grades. Em vez de reclusos, o Arkham parece ter hóspedes que lá permanecem apenas enquanto assim o desejarem.

Duas-Caras foi o primeiro inimigo do Batman a evadir-se do Arkham.

Originalmente, as celas do Arkham eram idênticas às de qualquer prisão. Com o tempo, porém, os internos foram autorizados a personalizá-las. Joker, Duas-Caras e Maxie Zeus foram os primeiros a beneficiar desta prerrogativa, com o Príncipe Palhaço do Crime a optar por decorar a sua com uma gigantesca carta do Coringa e um manequim do Batman.
Boa parte da inspiração por trás do Asilo Arkham derivou de uma cidade homónima do Massachusetts que serve de cenário a numerosas passagens de Mitos de Cthulu, de H.P. Lovecraft. Os pacientes do Arkham espelham, de facto, a filosofia dessa obra literária, na qual a existência de males antigos e poderosos é usada como metáfora para a insignificância da condição humana aos olhos dessas divindades. Um conceito, como se percebe, análogo à eterna luta do Batman contra as forças maléficas que incessantemente flagelam a sua cidade natal; aquelas que ele procura desesperadamente trancar no Asilo Arkham.
Oficialmente inaugurado em 1921, o Asilo Arkham teve como fundador e primeiro administrador Amadeus Arkham. O tenebroso hospital que tantos calafrios causa aos gothamitas começou por ser uma mansão vitoriana, ex-propriedade de Jason Blood. Mestre do Ocultismo, Blood terá aprisionado vários demónios e espíritos malignos nas catacumbas do palácio, antes de vendê-lo. Especula-se que será essa a verdadeira origem da maldição que impende sobre o lugar, desde sempre assombrado pelo caos e pela depravação.
Mesmo após a reconstrução do edifício original - parcialmente destruído durante a fuga em massa instigada por Bane em A Queda do Morcego -, permanecem resquícios da sua arquitetura gótica. Destacando-se as sinistras gárgulas que lhe adornam a fachada e o imponente portão principal que franqueia o acesso à propriedade. 

Asilo Arkham, o Palácio da Loucura.

À crónica incapacidade do Arkham de manter psicopatas presos, acresce a sua desastrosa política de Recursos Humanos. De administradores a terapeutas, foram vários os seus ex-funcionários a regredir para a condição de alienados inimputáveis. 
De tão elevada, a prevalência de inimigos do Batman que integraram outrora a equipa médica do Arkham parece evidenciar que o asilo está a funcionar ao contrário. Em vez de os psiquiatras trabalharem para estabilizar os pacientes, são estes que os empurram para o abismo da insanidade. Casos paradigmáticos desta inversão de papéis são a Drª Harleen Quinzel e o Dr. Jonathan Crane. Ambos promissores profissionais de saúde mental contagiados pela loucura dos seus pacientes, transformaram-se, respetivamente, na Arlequina e no Espantalho.
Perante este quadro perturbador, escusado será dizer que o Arkham falha miseravelmente naquela que deveria ser a sua função primordial: reabilitar criminosos antissociais. À falta de melhor alternativa, é lá, porém, que o Batman continua a depositar os freaks cujo propósito de vida se resume a fazer de Gotham um gigantesco circo de horrores.

Joker, loucura elevada ao seu expoente máximo.


Arquitetos do surreal

"A alma humana é um manicómio de caricaturas."
       - Fernando Pessoa (poeta português) -

Na segunda metade da década de 1980, a indústria dos comics passava por uma profunda transformação. O mote realista dado por O Regresso do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, fora novamente glosado por Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, acrescentando-lhe dose generosa de cinismo. Duas sagas iconoclásticas da DC que, ao mesmo tempo que desconstruíam convenções do género super-heroico, expunham fórmulas narrativas inovadoras e apelativas a audiências mais maduras.
À boleia dessa revolução conceptual, um jovem escriba britânico de pluma incisiva chegou à contracultura, determinado em deixar a sua marca. O seu nome era Grant Morrison e o que propunha era uma espécie de terceira via. Uma que ficaria a meio caminho entre os lugares-comuns das histórias com justiceiros fantasiados e o realismo incensado por Miller e Moore nas respetivas obras.
Arkham Asylum - A Serious House on Serious Earth (subtítulo retirado da última estrofe do poema Church Going, de Philip Larkin) foi a primeira história do Homem-Morcego assinada por Morrison antes de ele se tornar um dos mais prolixos autores da personagem.

Grant Morrison & Dave McKean, a Dupla Dinâmica da Velha Albion.

Após uma longa reflexão acerca da melhor abordagem, Morrison decidiu estabelecer um paralelismo entre a construção da narrativa e a arquitetura de uma casa. Nesse sentido, o passado de Amadeus Arkham seria uma alegoria para as fundações do edifício, ao passo que os símbolos e metáforas invocariam os pisos superiores. De permeio, passagens secretas e corredores labirínticos ligariam segmentos da trama e levariam o leitor a percorrer os recantos do Palácio da Loucura, ele próprio reflexo da psique distorcida dos seus moradores.
Qual arquiteto do surreal, Morrison elegeu como matérias-primas bastas referências a Alice no País das Maravilhas, aos arquétipos Junguianos, ao Tarô e até à Física Quântica. Nessa complexa empreitada teve como sócio outro súbdito de Sua Majestade, o escocês Dave McKean, cuja arte imprimiu um toque abstrato à história. 
O resultado final foi uma obra ímpar na história da 9ª Arte e um dos maiores best-sellers (mais de 600 mil exemplares vendidos) da Editora das Lendas. Ao Batman realista sucedia, assim, o Batman onírico.

Do outro lado do espelho

"Alice: Como sabes que sou louca?
Gato: Só podes ser. Se não fosses, não terias vindo aqui."
            - in  Alice no País das Maravilhas -

Na viragem da década de 1920, o jovem Amadeus Arkham testemunhou, impotente, o declínio mental da sua mãe; estuário de loucura que desaguaria no suicídio. Já adulto, Amadeus fundou o Asilo Arkham, uma instituição psiquiátrica orientada para a reabilitação de criminosos insanos, mantendo-os afastados do sistema penal. 
No presente, é Dia das Mentiras e o Comissário Gordon informa Batman que o Asilo Arkham foi tomado pelos lunáticos, que ameaçam matar todo o pessoal, a menos que o Cavaleiro das Trevas concorde em ir ao encontro deles. Entre os reféns encontram-se Pearl, uma jovem copeira; a Drª Ruth Adams, a nova terapeuta; e o Dr. Cavendish, o atual administrador da instituição. Os amotinados são liderados pelo Joker que, para estimular o Batman a obedecer às suas exigências, mata um dos guardas a sangue-frio. 

Batman não tem como escapar ao jogo mortal do  Joker.

Por sua vez, o Duas-Caras soçobrou ainda mais na sua demência como resultado da bem-intencionada, porém desadequada, terapia ministrada pela Drª Adams. Desde que ela lhe confiscou a sua moeda riscada, substituindo-a por um dado de seis faces e, depois, por um baralho de Tarô, Harvey Dent ficou incapaz de tomar mesmo as decisões mais simples, como ir à casa de banho. 
Chegado ao Arkham, Batman é coagido a jogar às escondidas com os seus inimigos. O Joker concede-lhe uma hora para percorrer os corredores labirínticos e encontrar uma saída antes que ele e os restantes pacientes vão no seu encalço. Previsivelmente, o Palhaço do Crime faz batota, encurtando o tempo para apenas dez minutos. 
À medida que penetra nas lúgubre entranhas do Arkham, Batman luta contra o seu subconsciente, onde a loucura se insinua. Enredado em delírios, o herói encontra, por fim, um compartimento secreto no alto de uma das torres do asilo; uma divisão intocada desde a época em que a propriedade serviu como residência familiar do clã Arkham. 

Sem a sua moeda, Duas-Caras é um destroço humano.

Lá dentro, Batman encontra o Dr. Cavendish trajando um vestido de noiva e com uma elegante navalha com cabo de madrepérola encostada à garganta da Drª Adams. Perante a perplexidade do Homem-Morcego, Cavendish revela ter sido a ele orquestrar o motim e ordena-lhe que leia uma entrada assinalada no diário secreto de Amadeus Arkham. 
Ao lê-la, Batman descobre que aquela divisão secreta fora o quarto de Elizabeth Arkham. Durante muitos anos, a mãe de Amadeus Arkham acreditou ser atormentada por uma criatura sobrenatural, chamando constantemente o filho para protegê-la. No dia em que Amadeus teve, finalmente, um vislumbre da criatura - um grande morcego adejando, qual espectro da morte - ele usou uma navalha com cabo de madrepérola para degolar a mãe, libertando-a, assim, do seu sofrimento. No entanto, Amadeus bloqueou essa memória, atribuindo a morte da progenitora ao suicídio. 
A memória suprimida reemergiria, porém, dos recessos do subconsciente de Amadeus quando, anos mais tarde, a sua esposa e filha foram brutalmente assassinadas por um dos seus ex-pacientes. Profundamente traumatizado, Amadeus enfiou o vestido de noiva da mãe e, ajoelhado sobre o sangue da sua família morta, jurou esconjurar o espírito maligno que ele acreditava assombrar a casa. 
Mesmo depois de ter sido encarcerado no próprio manicómio, Amadeus continuou a sua desvairada missão, riscando com as próprias unhas - e até ao dia da sua morte - as palavras de um feitiço no chão e nas paredes da sua cela.

Amadeus Arkham devotou a vida
 a caçar o demónio que enlouqueceu a sua mãe.

Ao descobrir por acaso os diários de Amadeus Arkham, a navalha e o vestido, Cavendish convenceu-se que estaria destinado a terminar o trabalho do seu antecessor. No 1º de abril, data em que a família de Amadeus foi assassinada, ele orquestrou um motim no Arkham para atrair Batman a uma cilada mortal. 
Convicto de que o Homem-Morcego é o espírito que levara Elizabeth Arkham à loucura, Cavendish acusa-o de, ao trazer mais almas insanas, alimentar o mal que habita o asilo. Na refrega que se segue, Batman é ferido e Cavendish deixa cair a navalha, que acaba nas mãos da Drª Adams. Reagindo instintivamente, ela corta a garganta de Cavendish, que sangra até morrer.
No seu caminho de volta, Batman derrota o monstruoso Crocodilo num violento mano a mano. De machado em riste, o Homem-Morcego despedaça, em seguida,  a porta da frente do hospício, proclamando que os pacientes estão livres. 
Enquanto o Joker se oferece para lhe abreviar o sofrimento, Batman devolve a moeda ao Duas-Caras, afirmando que lhe cabe decidir o seu destino. O vilão aquiesce antes de anunciar que, se a moeda cair com a face riscada para cima, o Morcego será morto. Caso contrário, ele poderá ir em paz.

Batman coloca o seu destino nas mãos do Duas-Caras.

Duas-Caras lança a moeda ao ar e declara o Batman livre. Em tom chocarreiro, Joker despede-se do seu inimigo de estimação, dizendo-lhe que, se a vida se tornar insuportável lá fora, haverá sempre uma cela confortável à sua espera no Arkham.
Ao mesmo tempo que Batman desaparece na noite, os prisioneiros regressam calmamente às suas celas. Todos, exceto Duas-Caras. O vilão fita a Lua antes de revelar a moeda com a face riscada para cima na palma da sua mão. Pela primeira vez, ele ignorou a sorte ditada pela sua moeda, aplicando dessa forma uma sentença de vida ao seu velho inimigo. 
Depois de derrubar uma pilha de cartas de Tarô, Duas-Caras recita uma passagem de Alice no País das Maravilhas: "Quem se importa contigo? Não és nada além de um baralho de cartas."

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Apontamentos

*Em 2004, uma edição especial lançada para assinalar o 15º aniversário de Batman - Asilo Arkham continha extensas anotações de Grant Morrison, explicando as influências, o simbolismo e as referências culturais da obra. Na última dessas anotações, o autor considera a história um rebuscado pesadelo simbólico fabricado pelo subconsciente do Batman, sugerindo desse modo o caráter apócrifo dos eventos nela narrados;
*No supramencionado volume, Morrison evoca também um episódio pouco edificante. Sem o seu consentimento, o primeiro rascunho da história foi revisto por vários dos seus pares. A apreciação foi unânime: simbolismo pesado, conceito pretensioso e elementos de terror psicológico risíveis. À laia de dedicatória, Morrison escreveu: "Quem é que se está a rir agora, parvalhões?";
*Morrison criticou a escolha de Dave McKean para ilustrar a sua história. Grande admirador do trabalho de Brian Bolland em A Piada Mortal, teria preferido que tivesse sido ele o seu parceiro criativo;
*Batman - Asilo Arkham é amplamente celebrado pelo trabalho de lettering executado por Gaspar Saladino, atribuindo a cada personagem uma fonte personalizada nos seus diálogos. A prática de tratamentos personalizados de letras generalizou-se pouco tempo depois, especialmente na linha Vertigo, da DC;


As letras respingadas a vermelho simbolizam
 o fluxo caótico emanado do Palhaço do Crime.

*Durante a sua preparação para o papel de Joker em O Cavaleiro das Trevas (2008), Heath Ledger recebeu uma cópia de Batman - Asilo Arkham como referência para a sua interpretação. Segundo consta, Ledger terá ficado fascinado com a história, ao ponto de relê-la repetidas vezes;
*O aclamado jogo de vídeo Arkham Asylum (2009) é vagamente baseado na obra de Grant Morrison e Dave McKean. Embora considerada inadaptável pelo seu diretor criativo, a atmosfera do conto foi a principal influência do jogo;
*Na lista das 25 melhores sagas de sempre do Batman divulgada pelo IGN, Batman - Asilo Arkham, surge classificada em 4º lugar, atrás de Piada Mortal, O Regresso do Cavaleiro das Trevas e Ano Um (todas já aqui esmiuçadas).

Vale a pena ler?

Estamos em presença de uma história menos objetiva e muito mais densa do que é apanágio da DC. Em momento algum isso significa, porém, decréscimo de qualidade. Apesar do simbolismo que a permeia, a trama é coerente, abordando uma problemática deveras fascinante: não sendo vitalício, o contrato que nos vincula à racionalidade poderá ser inopinadamente revogado por meio do acionamento da cláusula de insanidade. Mesmo o homem mais sensato poderá, por isso, despencar no negro abismo da sua mente. Bastará que ceda ao peso avassalador da realidade ou à dor de uma tragédia na periferia da vida.
O vulto difuso - quase um borrão em forma de morcego saído de um teste de Rorschach - escolhido pelos autores para representar o Batman é uma metáfora para essa fragilidade da psique humana. Bruce Wayne, Harvey Dent, Amadeus Arkham ou o próprio Joker são pessoas como outras quaisquer. A única coisa que os aparta da "normalidade" é o lado para o qual a sombra de cada um deles aponta. A passagem em que Batman confessa ter medo de entrar no Arkham e sentir-se em casa é fortíssima, e estabelece claramente a ideia de Morrison de manter o protagonista em perpétuo conflito - desta vez, consigo próprio. 
Nem sempre de fácil interpretação, a simbologia de Morrison é um espetáculo à parte. Referências a Jung, Freud, Lewis Carroll e outros autores e conceitos notáveis ajudam a percecionar o Asilo Arkham como um organismo vivo, espécie de monstro arquitetónico que se alimenta do caos e depravação dos seus residentes. Qualquer um que transponha os seus altos portões, incorre numa viagem sem retorno.
Em complemento a tudo isso, a arte de Dave McKean, impressionista e complexa, quase torna palpável o aluvião de delírios nonsense que fomentam a claustrofobia do leitor, arrastado para dentro de um pesadelo sufocante. Dada a importância da estética, esta é uma daquelas histórias que carecem ser lidas a um ritmo mais vagaroso, porquanto só assim se pode apreciar devidamente os quadros surrealistas que preenchem cada página.
A ler de mente aberta, mas não em demasia porque nunca se sabe o que poderá entrar...

Serão Batman e Joker as duas faces da mesma moeda?




*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Prontuários do Joker, Duas-Caras e Espantalho disponíveis para leitura complementar.




















24 agosto 2017

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE: «BATMAN - TERRA DE NINGUÉM»


 Ainda em choque após a passagem do cortejo de horrores que a estropiou, Gotham City vê-se transformada numa imensa Terra de Ninguém retalhada por malfeitores. Em meio à anarquia e ao desespero, Batman e seu aliados lutam, numa frente desunida, para manter vivo o espírito da cidade mártir.
 Última grande saga do Homem-Morcego no século XX, inseriu personagens icónicas e influenciou a trama de O Cavaleiro das Trevas Renasce.

Título original: No Man's Land
Licenciadora: Detective Comics (DC)
País: EUA
Data de publicação: Janeiro a dezembro de 1999
Argumento: Greg Rucka, Jordan B. Gorfinkel, Chuck Dixon, Scott Beatty, Paul Dini, Bob Gale, Devin K. Grayson, Kelley Puckett, Larry Hama e Bronwyn Carlton
Arte: Greg Land, Andy Kuhn, Alex Maleev, Dale Eaglesham, Frank Teran, Phil Winslade, Damion Scott, Dan Jurgens, Mike Deodato, Tom Morgan, Mat Broome e Sergio Cariello
Categoria: Crossover
Séries mensais abrangidas: Azrael, Batman, Batman Chronicles, Batman: Shadow of the Bat, Catwoman, Detective Comics, Legends of the Dark Knight, Nightwing e Robin
Guia de leitura: http://batmanytb.com/comics/storyarcs/nomansland.php
Heróis: Batman, Robin, Asa Noturna, Batgirl, Oráculo, Azrael, Caçadora, Comissário Gordon, Harvey Bullock e Renee Montoya
Vilões: Joker, Pinguim, Duas-Caras, Espantalho, Bane, Máscara Negra, Ventríloquo, Crocodilo, Chapeleiro Louco, Lince, Talião, Senhor Frio, Cara de Barro, Senhor Zsasz, Arlequina e Lex Luthor
Coadjuvantes: Leslie Thompkins, Sarah Essen, David Cain, Hera Venenosa, Mulher-Gato e Superman
Cenários: Gotham City

Batman impotente perante o martírio da sua cidade.

Histórico de publicação

Obra de grande envergadura e alcance, Batman: No Man's Land foi a última saga do Cavaleiro das Trevas produzida no século passado. Estendeu-se por todo o ano de 1999 e abarcou por completo o catálogo de títulos mensais do herói, incluindo alguns spin-offs e edições especiais.
No total, a saga e respetivas ramificações abrangeram 80 edições mensais, 4 volumes especiais e uma graphic novel (Batman: Harley Quinn, que introduziu Arlequina no universo canónico da DC). Tudo somado, foram mais de 400 páginas e um vastíssimo rol de personagens. Números deveras apreciáveis a refletir a monumentalidade de uma história com lugar de destaque na memorabilia recente do Cavaleiro das Trevas.
Devido à sua considerável extensão, a trama primária de No Man's Land foi segmentada em vários arcos autónomos que nela entroncavam. Seguindo a estratégia editorial aplicada aos crossovers envolvendo as séries periódicas do Superman, a coerência narrativa da saga foi possibilitada através da interligação dos diversos títulos estrelados pelo Batman. Desse modo, cada capítulo da história apresentado num deles tinha sequência direta noutro. Com a vantagem adicional de assim se reduzir o tempo de espera dos leitores que, em vez de um mês, teriam de aguardar apenas uma semana pelos desenvolvimentos da intriga.

O primeiro dos 5 volumes antológicos de No Man's Land.
Contudo, por oposição ao que era prática comum em iniciativas editoriais análogas centradas no Homem de Aço, em que cada equipa criativa era responsável apenas por um título, em No Man´s Land, os seus autores (capitaneados por Greg Rucka, o principal artífice da saga) mantiveram-se envolvidos do princípio ao fim.
À publicação avulsa de No Man's Land seguiu-se, entre 1999 e 2001, o lançamento de uma antologia composta por 5 volumes de capa dura, que compilava o núcleo da saga. Levando em atenção o elevado número de edições não coligidas, em 2011 a DC lançaria nova compilação, desta feita contendo a versão integral da história. Que, logo em 2000, tivera direito, também, a adaptação literária no formato de uma novela da autoria de Greg Rucka (ver Noutros Segmentos Culturais).
Ainda inédita em terras lusas, a primeira edição na língua de Camões de No Man's Land ficou a cargo da brasileira Abril que, entre 2000 e 2001, a publicou, sob o título Terra de Ninguém, nas páginas de Batman e Batman: Vigilantes de Gotham.
No ano passado seria a vez da Eaglemoss reeditar Terra de Ninguém no Brasil, numa coleção especial de 6 volumes encadernados que apenas podiam ser encomendados online. Como bónus, a compilação incluía Cataclismo (Cataclysm, em inglês). Recorde-se que essa, a par de Contagion e Legacy, foi uma das sagas a montante dos eventos originalmente narrados em No Man's Land.
A coletânea da Eaglemoss incluía Cataclismo,
 a saga que preludiou Terra de Ninguém.

Prelúdio

Devastada por um sismo de magnitude 7.6 na escala de Richter depois de ter enfrentado uma violenta epidemia de Ébola lançada pela Ordem de São Dumas, Gotham City anseia pela reabilitação. Em vez disso, suportado por uma controversa deliberação do Congresso, o Governo federal ordena que a cidade seja colocada sob quarentena por tempo indeterminado.
Uma vez evacuada parte da população, as pontes que ligam Gotham ao continente são dinamitadas e os militares erguem barricadas nas restantes vias de acesso com o intuito de impedir a entrada ou saída de pessoas.
Isolada do mundo, Gotham converte-se numa imensa Terra de Ninguém disputada por diversas fações criminosas. Entregues a si próprios, os sobreviventes que se recusaram a abandonar a cidade podem apenas contar com a proteção da Bat-Família e de um pequeno contingente policial chefiado pelo Comissário Gordon.

A destruição da Bat-caverna após o terramoto que arrasou Gotham.
Enredo

Ao tomar conhecimento do protocolo de evacuação e quarentena prestes a ser implementado em Gotham City, Bruce Wayne apressa-se a viajar para Washington com o propósito de usar a sua influência para tentar reverter a medida e assegurar que a cidade continuará a receber assistência por parte das autoridades. Estas mantêm-se, porém, irredutíveis, e os esforços do milionário acabam por redundar em fracasso.
Perante a prolongada ausência do Batman, o Comissário Gordon conclui que também o herói terá virado costas a Gotham. Amargurado pela presumida deserção do seu velho aliado, Gordon recusa-se a pronunciar sequer o nome do Cavaleiro das Trevas e chama a si a missão de proteger os cidadãos de bem que, por motivos diversos, desobedeceram à ordem de evacuação.

Gordon e os seus homens levam a sério o lema "Proteger e servir".

Disfarçada de Batgirl e apoiada por Oráculo, também a Caçadora patrulha as ruas da cidade procurando restaurar alguma ordem. Cedo percebe que os meliantes a  temem mais agora que ostenta o símbolo do morcego. Tirando proveito dessa vantagem, a heroína reclama uma parcela de território para si, colocando os respetivos habitantes sob sua proteção.
Ao regressar por fim a Gotham, Batman autoriza a Caçadora a continuar a portar o manto da Batgirl e pede-lhe ajuda para expulsar alguns dos bandos criminosos que vêm aterrorizando a população. À medida que aumenta o número de zonas da cidade sob o controlo da Bat-Família cresce também a esperança no coração dos cidadãos. Contudo, quando o Duas-Caras e seus asseclas invadem os domínios do Homem-Morcego, a Caçadora falha em repeli-los. Envergonhada, a heroína considera-se indigna do legado da Batgirl e reassume a sua identidade original.

Batman, Caçadora e Oráculo:
o Morcego e as Aves de Rapina unidos na defesa do que resta do seu habitat.
Ainda desavindos, Batman e o Comissário Gordon prosseguem, em paralelo, as suas lutas pela libertação de Gotham. Cada território reconquistado aos malfeitores com a ajuda das milícias populares formadas entretanto é assinalado com grafítis. A mensagem é clara e eficaz: criminosos não são bem-vindos.
Esse ímpeto libertador acaba, contudo, refreado por uma cisão nas fileiras policiais. Em protesto contra a suposta maciez dos métodos de Gordon, William Petit, um belicoso tenente da SWAT, decide comandar o seu próprio esquadrão. Cujas ações brutais, inspiradas pelo militarismo do seu líder, repugnam Gordon profundamente.
Gotham recebe entretanto a inesperada visita do Superman. Determinado a contrariar a anarquia que por lá grassa, o Homem de Aço logo percebe que essa seria uma missão mais espinhosa do que ele previra e bate em retirada. Regressando, todavia, mais tarde como Clark Kent para visitar Batman e ensinar os gothamitas a tirarem o melhor proveito possível da agricultura que lhes vai garantindo o sustento numa cidade cuja economia colapsou.

Inspirado pelo seu patrono, o povo de Gotham luta pela sua cidade.
O pai de Tim Drake (Robin) descobre que o filho se encontra em Gotham. Julgando que o rapaz lá terá permanecido por causa de algum tipo de aposta ou desafio, solicita uma operação de resgate junto das autoridades. Ao fazê-lo, atrai a atenção mediática, o que faz crescer entre a opinião pública o apoio à revitalização da cidade condenada.
Alheio a esta guinada no curso dos acontecimentos, o Comissário Gordon forja uma aliança provisória com o Duas-Caras a fim de recuperar um setor vital da cidade. Traído pelo vilão, Gordon fica sob a mira de David Cain, o assassino profissional contratado pelo Duas-Caras para liquidar o antigo comandante do DPGC.
Gordon é, no entanto, salvo in extremis por Cassandra Cain, a filha de David Cain, por ele treinada para ser uma arma humana. Recrutada por Oráculo, a jovem, que tem no mutismo a sua marca distintiva, torna-se a nova portadora do manto da Batgirl e junta-se à Bat-Família na defesa de Gotham.
Capturado pelo Duas-Caras, Gordon é novamente salvo da morte certa por uma mulher. Graças à astúcia e persuasão da detetive Renee Montoya, sua antiga subordinada, o Comissário sobrevive a mais um dia.
Dá-se então o reencontro de Gordon com o Batman. Após uma longa e tensa conversa entre ambos, o Cavaleiro das Trevas, apostado em restaurar a confiança do seu velho aliado, remove a máscara. Gordon, porém, recusa-se a olhar para a face exposta do herói. Sanadas as divergências, os dois concordam em unir forças para reconquistar Gotham.

Gordon recusa-se a conhecer
a verdadeira face do Cavaleiro das Trevas.
Com o auxílio de Lucius Fox, o diretor-executivo das Indústrias Wayne, Batman consegue captar a atenção de Lex Luthor. Pouco tempo depois, o magnata de Metrópolis chega a Gotham para apresentar o seu megalómano plano de requalificação urbana.
Quando o Joker tenta sabotar as obras em curso, é rechaçado por Bane, cujos préstimos Luthor garantira a troco da promessa de lhe pagar o suficiente para comprar a sua ilha natal. Apesar do seu desejo de vingança em relação ao Batman, Bane é convencido pelo seu némesis a abandonar Gotham antes de ser atraiçoado por Luthor.
Cedendo à pressão mediática e popular, o Governo federal anuncia o levantamento da quarentena imposta a Gotham, ordenando, em simultâneo, a imediata reabertura das vias de acesso à cidade. Que, assim, volta a fazer oficialmente parte dos EUA.
Findo o pesadelo, Gordon e os seus homens são condecorados mas, no dia de Natal, a base do tenente Petit é atacada pela quadrilha do Joker. Petit sucumbe ao ataque e a Caçadora, que tentara impedir a carnificina, sobrevive por um triz.

Luthor chega a Gotham com muitas promessas na bagagem.
O Palhaço do Crime ordena então o rapto de todos os bebés de Gotham. Ao descobrir por acaso que as crianças estavam escondidas numa estação de polícia devoluta, Sarah Essen, a esposa de Gordon, aventura-se a resgatá-las, mas acaba assassinada pelo Joker.
Destroçado pela morte da sua cara-metade, Gordon só a muito custo resiste ao impulso de fazer justiça pelas próprias mãos. Batman persuade-o a poupar a vida do Palhaço do Crime, pois só assim o espírito de Gotham poderá perdurar.
Apesar disso, Gordon não hesita em premir o gatilho quando o Joker lhe pergunta, de forma trocista, se ele tem um filho. O disparo atinge o joelho do vilão que, indiferente à dor, solta gargalhadas histéricas ao perceber a ironia da situação. Por causa dele, Barbara Gordon (filha do Comissário, primeira Batgirl  e atual Oráculo), estava há anos presa a uma cadeira de rodas(1).


Depois da filha, a mãe:
o clã Gordon continua a ser vítima da crueldade do Joker.
Intuindo a dor que dilacera a alma de Gordon naquele momento, Batman reconforta o seu velho amigo. Ambos sabem que, mais do que nunca, Gotham precisará que se eles mantenham fortes e unidos.
Luthor, por sua vez, vê expostas as suas verdadeiras intenções: destruir os registos prediais de modo a poder depois reclamar a propriedade de boa parte de Gotham com recurso a nomes falsos e a testas de ferro.
Seguindo uma pista anónima, Lucius Fox localiza os documentos originais e, ingenuamente, notifica Luthor do achado. Fingindo-se surpreendido, Luthor tenta matar o diretor-executivo das Indústrias Wayne, mas é impedido por Batman (a verdadeira fonte de Fox). Depois de dizer a Luthor que Gotham não está à venda,  o Cruzado da Capa intima o magnata a abandonar a cidade.
Enquanto, um pouco por toda a cidade, multidões eufóricas celebram o Ano Novo, Gordon despede-se da sua malograda esposa. Noutro ponto do cemitério, Batman deposita um ramo de rosas sobre o túmulo dos seus pais antes de partir para nova patrulha noturna na cidade que jurou defender das trevas que constantemente a assediam.

O renascimento da esperança numa cidade
que resiste teimosamente ao contínuo assédio das forças das trevas.
Apontamentos

*Terra de Ninguém serviu para estabelecer as bases da complexa relação entre Renee Montoya e o Duas-Caras. Um (quase) romance proibido entre uma agente da Lei e um senhor do crime, cuja evolução os leitores puderam acompanhar em Gotham Central, série mensal lançada em fevereiro de 2003 e centrada no conturbado quotidiano da força policial gothamita;
*Outra detetive do DPGC, Deborah Tiegel, foi uma das duas benfeitoras que ficaram para trás para poderem tratar dos animais deixados à sua sorte no zoológico de Gotham;
*Por questões éticas, a Liga da Justiça não interveio em Gotham, apesar de o ter feito para impedir que forças externas conquistassem a cidade. Importa esclarecer, a este propósito, que Batman é extremamente zeloso do seu território. Ao ponto, por exemplo, de o próprio Hal Jordan, um dos Lanternas Verdes responsáveis pelo Setor Espacial 2814, ter de requerer autorização prévia para entrar em Gotham;
*Arlequina, a histriónica compagnon de route do Joker, e Cassandra Cain, a enigmática adolescente que viria a ser a terceira Batgirl(2), foram introduzidas em Terra de Ninguém. Apesar de ambas se terem tornado icónicas, apenas no caso da segunda se tratou verdadeiramente de uma estreia, visto que a primeira fizera o seu debute em 1992, num episódio de Batman: The Animated Series. Além de consagrar Arlequina como personagem canónica no Universo DC, a saga serviu também para apresentá-la a Hera Venenosa, de quem se tornaria íntima;


Terra de Ninguém assinalou a estreia
 de Arlequina e Cassandra Cain no universo DC.
*Em consequência do brutal assassínio da suas esposa às mãos do Joker no epílogo da saga, o Comissário Gordon antecipou a sua reforma, abandonando, ainda que temporariamente, o DPGC;
*Apesar das suas ações pouco filantrópicas, a forma como Lex Luthor ajudou a resolver a crise em Gotham City granjeou-lhe o apoio popular necessário para impulsionar a sua candidatura à Casa Branca no ano seguinte. Eleição que, recorde-se, o magnata venceria com confortável margem.

Noutros segmentos culturais: À boleia do sucesso comercial de No Man's Land, a DC lançou, em 2000, uma novela epónima da autoria de Greg Rucka. A despeito da sua fidelidade à narrativa original, a versão literária suprimiu no entanto duas personagens importantes: Azrael e Superman. Em 2011, sob a chancela da GraphicAudio, a obra seria republicada em formato de audiolivro. Além de um elenco criteriosamente escolhido, esta nova edição incluía também efeitos sonoros e temas musicais.
Ao longo da primeira década deste século, registaram-se duas tentativas frustradas de adaptação televisiva de No Man's Land, ambas remetendo para séries animadas do Batman. Chegou a ser produzida alguma arte conceptual mas os projetos acabaram por nunca receber luz verde por parte da Warner Bros. Motivo: os seus executivos consideraram a história demasiado violenta e sombria para uma audiência maioritariamente composta por crianças e adolescentes.

A adaptação literária de No Man's Land.
Seria, pois, preciso esperar até 2012 para ver alguns elementos de No Man's Land transpostos ao cinema. Nesse ano, a saga seria uma das três a influenciar a trama de The Dark Knight Rises, o capítulo final da trilogia do Cavaleiro das Trevas com a assinatura de Christopher Nolan (ver texto anterior). Apesar da ausência de catástrofes naturais, o isolamento de Gotham no filme é resultado do sequestro levado a cabo por Bane e a Liga dos Assassinos.
A influência de No Man's Land no enredo de The Dark Knigh Rises é notória também noutros aspetos. Ambas as histórias são ambientadas no inverno e em ambas Batman regressa a Gotham após uma ausência involuntária.
No entanto, por contraponto ao que sucede na saga original, no filme a cidade fica consideravelmente mais despovoada após a evacuação. E, chegado o momento de retomá-la, os civis mantêm-se à margem, ficando implícito que Gotham é uma cidade pela qual não vale a pena lutar. Por outro lado, a agenda de John Daggett - que, na película, faz as vezes de Lex Luthor - é menos ambiciosa, na medida em que objetiva apenas a tomada das Indústrias Wayne, em vez da aquisição pura e simples da cidade. Outra diferença crucial reside no facto de Daggett acabar morto por Bane.Que, por sua vez, também não sobrevive aos eventos por ele desencadeados.

Vale a pena ler?

Mesmo não sendo uma das minhas sagas preferidas do Batman, admito que a premissa de Terra de Ninguém é interessante.
Vários anos antes de o furacão Katrina ter arrasado Nova Orleães, expondo a incapacidade do Governo americano em prestar auxílio aos sobreviventes, esta fábula do Cavaleiro das Trevas assumiu um tom sinistramente profético.
Seja qual for o contexto - real ou ficcional - o colapso da lei e da ordem que antecede a irrupção da anarquia possibilita sempre leituras díspares sobre a moralidade das ações humanas perante a ausência de autoridade. É, pois, esse o grande apelo da intriga porfiada por Greg Rucka e companhia. O que não impede que, por conta da sua extensão, a história se torne a espaços maçadora.
Nota negativa também para a variedade de estilos artísticos, que oscilam entre a excelência e a mediocridade. A fazer lembrar, de resto, o que acontecera em sagas anteriores da Editora das Lendas, nomeadamente em A Morte do Super-Homem (serei o único a detestar o traço de Jon Bogdanove?).
Apesar da ambição (alguns dirão "megalomania") que lhe subjaz, Terra de Ninguém não é uma obra incontornável. É essencialmente recomendada para iniciantes que, de uma assentada, terão oportunidade de ficar a conhecer as figuras-chave da mitologia do Homem-Morcego.

Uma Terra de Ninguém demasiado pequena
 para acomodar tantas personagens.

Referências:

1)http://bdmarveldc.blogspot.pt/2016/09/classicos-revisitados-piada-mortal.html
2)http://bdmarveldc.blogspot.pt/2016/09/heroinas-em-acao-batgirl.html