08 outubro 2014

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE «CRISE NAS INFINITAS TERRAS»



   No ano em que comemorou meio século de existência, a DC resolveu reunificar a sua cronologia. Sentenciando, assim, à morte um intrincado Multiverso em constante expansão. Nesse novo começo, algumas personagens emblemáticas tiveram a sua mitologia revista, ao passo que outras, pura e simplesmente, deixaram de existir. Nada, porém, voltaria a ser como dantes.

Título original da saga: Crisis on Infinite Earths
Licenciadora: DC Comics
Publicada originalmente em: Crisis on Infinite Earths #1 a 12 (abril de 1985 a março de 1986)*
Argumento: Marv Wolfman
Arte: George Pérez
País: EUA

* Mercê da envergadura e alcance da saga, a mesma teve ramificações em praticamente toda a linha de títulos, à data, publicados pela DC.


Edição brasileira:



Título: Crise nas Infinitas Terras
Data: Maio a julho de 1989 (1ª série)*
Editora: Abril Jovem
Categoria: Série especial em três edições mensais**
Formato: Formatinho económico (13,5 x 19 cm), colorido e com lombada quadrada
Número de páginas: 132 por cada edição
Na minha coleção desde: 2009

* Em 1996 a Abril lançaria uma 2ª série da saga. Em 2003 seria a vez de a Panini Comics publicar uma edição encadernada composta por dois volumes em formato americano.
** A exemplo do que se verificou aquando da publicação do material original nos EUA, também no Brasil as ondas de choque da saga propagaram-se pelos títulos regulares da DC publicados, à data, pela editora Abril: Os Novos Titãs, Superamigos, Super-Homem e Super Powers.


A mãe de todas as crises.

Antecedentes: No período que antecedeu Crisis on Infinite Earths, as publicações da DC enfermavam de incoerências decorrentes de problemas de continuidade. Nenhuma das mais proeminentes personagens da editora dispunha de uma origem consistente. Nem o Super-Homem, o mais antigo dos heróis, era exceção. Retratado como o derradeiro sobrevivente do planeta Krypton, aquando da sua estreia não conseguia voar, sendo as suas habilidades sobre-humanas explicadas pelo facto de ter crescido num mundo com uma gravidade mais fraca. Não tardou, porém, a que o Homem de Aço fosse agraciado com o poder de voo, e que o nosso sol amarelo fosse referenciado como a fonte das suas formidáveis habilidades. Concomitantemente, a sua origem tornou-se mais complexa. Entre as várias alterações introduzidas, ressaltava o facto de o Último Filho de Krypton ter desenvolvido as suas capacidades ainda durante a infância, encetando a sua carreira heroica no início da puberdade como Superboy. Outros sobreviventes da destruição de Krypton foram posteriormente integrados na sua mitologia: Supergirl, Krypto, o Supercão e os habitantes de Kandor, entre outros. Adulterando irremediavelmente o conceito primordial de que Kal-El seria o único kryptoniano em todo o  Universo.
     Também a idade de algumas personagens deu azo a problemas. Sendo Batman um caso paradigmático. Como podia um simples humano, desprovido de quaisquer superpoderes ou habilidades especiais, conservar a sua vitalidade nos anos 1980, estando ativo desde a 2ª Guerra Mundial? Mais paradoxal só mesmo o facto de Dick Grayson (o primeiro Robin) ter demorado o tempo correspondente a 30 anos(!) na vida real para concluir o liceu. Um caso extremo de insucesso escolar...
    Contrassensos como estes estendiam-se a outras personagens, nomeadamente a Flash, Lanterna Verde ou Átomo, cujos poderes e origens amiúde diferiam ao sabor dos caprichos de argumentistas e editores.
    Porém, durante décadas pouco ou nada foi feito por parte dos responsáveis da DC para atar estas pontas soltas. Quis o Destino que a solução para um problema que ganhava proporções preocupantes surgisse sob a forma de uma história do Flash, publicada em 1961. Em setembro desse ano, nas páginas de The Flash #123, numa história intitulada Flash of Two Worlds, o Velocista Escarlate da Idade da Prata (Barry Allen) deu de caras com o seu predecessor da Idade do Ouro (Jay Garrick, popularizado no Brasil como Joel Ciclone). Coexistindo no mesmo espaço e no mesmo tempo, os mundos paralelos eram separados apenas por vibrações moleculares diferentes. Graças à sua supervelocidade (que lhe permitia também atravessar objetos sólidos), Flash conseguia sintonizar-se com as ditas vibrações moleculares, rompendo dessa forma a membrana invisível que apartava ambas as realidades.
     Estava assim dado o primeiro passo para a criação de um Multiverso constituído por uma multitude de Terras paralelas habitadas por heróis diferentes ou por versões alternativas das principais personagens da Editora das Lendas. Uma criação que, todavia, não tardaria a escapar ao controlo dos seus criadores...

Cover for Flash #123 (1961)
Flashes de dois mundos na história que, em 1961, lançou as bases para o Multiverso.

     Dentre as centenas de dimensões gémeas catalogadas, destacavam-se as Terras Um, Dois e Três. Sendo a primeira habitada pelas versões da Idade da Prata dos principais heróis e heroínas da DC (Flash Barry Allen, Lanterna Verde Hal Jordan, Gavião Negro Katar Hol, etc). Já a segunda servia de lar às suas respetivas contrapartes com origem na Idade do Ouro (Flash Jay Garrick, Lanterna Verde Alan Scott e os restantes membro da Sociedade da Justiça da América). Despojada de heróis, a terceira era uma espécie de reflexo invertido da primeira, nela pontificando as versões malignas de Super-Homem e companhia, reunidas no Sindicato do Crime da América. Avultavam, além destas, as Terras 4 (criada com o propósito de albergar as personagens adquiridas à Charlton Comics); S (introduzida com idêntica finalidade, mas referente à Família Marvel e demais personagens outrora propriedade da Fawcett Comics); X (onde os Combatentes da Liberdade, oriundos da extinta Quality Comics,combatiam a Alemanha nazi, vencedora da 2ª Guerra Mundial nessa realidade alternativa); Prime (mundo natal da Legião dos Super-Heróis no período pré-Crise e do pérfido Superboy Primordial); Universo de Antimatéria (também designado de Universo do Mal, o único composto por energia negativa e  lar do omnipotente Anti-Monitor).

Universo DC pré-Crise: um somatório de paradoxos.
 
    Citando Bocage, "foi pior a emenda do que o soneto". Para resolver um problema de continuidade, a DC, ao introduzir o conceito de Multiverso, criou um problema cem vezes maior. A uma já de si intrincada tapeçaria, foram, pois, acrescentadas mais pontas soltas e mais nós cegos. À medida que os anos iam passando e as Terras paralelas se iam reproduzindo em progressão aritmética, os leitores ficavam mais e mais confusos. Daí ao seu êxodo foi um pequeno passo.
    Para pôr termo a uma situação que ameaçava tornar-se insustentável, em 1985 (ano em que a Editora das Lendas comemorava o seu 50º aniversário) os mandachuvas da DC resolveram tomar medidas drásticas. A principal das quais consistiu na  reunificação da cronologia da editora, depurando-a de todos os paradoxos e inconsistências que a vinham fazendo perder terreno para a concorrência (leia-se Marvel Comics). A solução estaria encapsulada numa saga épica que assinalaria um novo começo para o Universo DC. E que, se tudo corresse conforme planeado, de caminho serviria para atrair uma nova leva de leitores.
    Marv Wolfman (vide texto anterior) e George Pérez - dupla criativa responsável, um par de anos antes, pelo enorme êxito da série The New Teen Titans -  foram os eleitos para dar forma a esse ambicioso projeto. A eles juntaram-se ainda os ilustradores Jerry Ordway, Mike DeCarlo e Dick Giordano.

 George Pérez (esq.) e Marv Wolfman abraçaram novo desafio.

    Uma das mais grandiosas e impactantes sagas da DC, Crisis on Infinite Earths foi um título inspirado em histórias anteriores envolvendo o contacto entre Terras paralelas incorporadas no chamado Multiverso, como foi o caso de Crisis on Earth-Two e de Crisis on Earth Three. Com efeito, ontem como hoje, a palavra "crise" ocupava lugar de grande destaque no léxico da Editora das Lendas, subjacendo-lhe a ideia de um conflito interdimensional, como aquele que, anos atrás, envolvera a Liga da Justiça da América e a Sociedade de Justiça da América em Crisis on Earth One.

Universo DC pré-Crise: (quase) nada voltaria a ser como  dantes.
 
    De acordo com o plano editorial inicialmente delineado, foi elaborada uma listagem que claramente definia quais eram as personagens que continuariam a fazer parte do Universo DC, e aquelas que seriam eliminadas. Numa reunião ocorrida fora da sede da editora - e na qual participaram a sua presidente (Jenette Khan), os seus vice-presidentes/editores executivos (Paul Levitz e Dick Giordano) bem como os restantes editores-, foram estabelecidas as linhas-mestras do projeto.
   O caminho para a anunciada revolução começou a ser pavimentado um ano antes do lançamento de Crisis on Infinite Earths. Período ao longo do qual o misterioso Monitor foi sendo gradualmente introduzido nas páginas de vários títulos da DC, invariavelmente dissimulado nas sombras, sugerindo tratar-se de um vilão.
   Incapaz de conciliar o seu trabalho de arte-finalista da saga com as funções de vice-presidente e editor executivo, Dick Giordano, malgrado as suas objeções, foi afastado do projeto, sendo substituído por Jerry Ordway.
  Contrariamente ao que o seu escopo e magnitude fariam prever, a promoção de Crisis on Infinite Earths foi virtualmente nula. Não obstante, a saga viria a revelar-se um estrondoso sucesso a vários níveis, incluindo o do marketing. Ao ser bem sucedida no seu desiderato de produzir um interesse renovado no Universo DC, Crisis on Infinite Earths teve, pois, o mérito de angariar um número considerável de novos leitores. Contrariando dessa forma a posição dominante detida pela Marvel no mercado editorial de comics. Outro dos seus méritos consistiu em desbravar caminho para a revitalização da Editora das Lendas, por intermédio de outras sagas igualmente arrojadas, como Watchmen (de Alan Moore) ou Batman: The Dark Knight Returns (de Frank Miller).
  Crisis on Infinite Earths popularizou ainda o conceito de crossover em larga escala, já antes experimentado pela Marvel através de Contest of Champions (1983) e de Secret Wars (1984). Foi assim inaugurada a tendência de, a cada ano, as duas arquirrivais lançarem uma maxissérie, cujos eventos e consequências são transversais ao respetivo cardápio de títulos regulares.
  No entanto, apesar de todas as suas virtualidades, Crisis on Infinite Earths revelou-se (como se perceberá mais abaixo) uma espécie de paliativo para a doença crónica de que, volvidos todos estes anos, a DC continua a padecer. Significando isto que, aos poucos, o Multiverso seria ressuscitado e, com ele, os velhos problemas de continuidade. Havendo, portanto, a necessidade de, uma e outra vez, repetir a terapêutica, sob a forma de sagas similares.Sempre  com o objetivo último de  atualizar uma cronologia a que é estranho o conceito de linearidade. Exemplos: Zero Hour (1994), Infinite Crisis (2005-06) e Final Crisis (2008-09). Com estas duas últimas a serem apresentadas pela DC como o segundo e terceiro capítulos de uma trilogia inaugurada por Crisis on Infinite Earths. E que, em última análise, serviram de preâmbulo para o projeto The New 52! (2011). Matérias para um próximo post...

Nas suas primeiras aparições, o Monitor foi tomado por uma ameaça.

Enredo: Desde a Aurora dos Tempos que Maltus era habitado por uma raça pacífica e altamente evoluída. Entre ela pontificava Krona, reputado cientista que almejava descobrir os segredos da criação do Universo. Para esse efeito concebeu uma sofisticadíssima máquina capaz de gerar um portal no espaço-tempo. Através dele, Krona pôde assistir com os seus próprios olhos ao momento que antecedeu a Criação. Contudo, algo correu mal e a máquina de Krona explodiu. Dessa explosão nasceu o Universo de Antimatéria. A sua simples existência originou uma onda de Mal, responsável pela corrupção de milhares de mundos. Simultaneamente, o nosso Universo foi desdobrado em infinitas dimensões paralelas, dando assim lugar ao Multiverso.
   Sentindo-se responsáveis pela catástrofe, os Maltusianos procuraram meios para erradicar o Mal libertado pela imprudência do seu compatriota. Alguns deles migraram então para o planeta Oa, passando a proteger o Cosmos como os Guardiões do Universo. Entre os vários instrumentos que utilizaram para esse fim, destacam-se os Caçadores Cósmicos e a Tropa dos Lanternas Verdes.
    Entretanto, numa das luas de Oa, nasceu um omnipotente ser que atendia pelo nome de Monitor. Ao mesmo tempo, numa das luas de Qward (um dos planetas do Universo de Antimatéria) ganhava vida a sua antítese: o Anti-Monitor. Pressentindo a presença um do outro, os dois seres empreenderam um titânica batalha que durou um milhão de anos. Até que, após um devastador ataque simultâneo, ambos ficaram em estado catatónico.

Monitor e Anti-Monitor: duas faces da mesma moeda.
 
    Incontáveis eras depois, numa das múltiplas Terras, outro brilhante cientista, Pária, permitiu que a sua obsessão acerca da génese do Universo se sobrepusesse ao mais elementar bom senso. À imagem e semelhança de Krona, desenvolveu uma câmara que lhe permitiria viajar através do continuum espaço-temporal até ao momento da Criação. Ao fazê-lo desencadeou uma imparável reação em cadeia que destruiu tudo à sua passagem. Pária tornou-se, assim, o único sobrevivente do seu malogrado Universo.

Pária, um homem amaldiçoado.

    Como se isso não bastasse, a explosão reverberou por toda a Existência, despertando o Monitor e, claro, o seu émulo malvado. O primeiro, intuindo os insanos planos do segundo, construiu um satélite onde catalogou os heróis e vilões das múltiplas Terras que, chegada a hora, o poderiam ajudar a deter o Anti-Monitor.
    Condenado a marcar presença nos locais onde a destruição está prestes a ocorrer, Pária é acompanhado nessas excursões pelo Monitor. Numa delas, o poderoso ser depara-se com uma jovem chamada Lyla, única sobrevivente de um naufrágio que vitimou toda a sua família. Sensibilizado pela tragédia da rapariga, o Monitor acolhe-a e treina-a para que ela seja a sua Precursora (Harbinger, no original).

Precursora, uma das personagens-chave da saga.

     A fim de aumentar o seu poder por forma a tornar-se o senhor absoluto da Existência, o Anti-Monitor liberta uma gigantesca onda de antimatéria que avança inexoravelmente através do Multiverso. Um dos primeiros mundos a ser aniquilado pela sua ação é a Terra 3. Nessa realidade singular, uma versão alternativa de Lex Luthor era o seu único benfeitor. Nos momentos que antecedem a destruição da Terra 3, os supervilões do Sindicato do Crime lutam, em desespero, pela salvação de um mundo que vezes conta tentaram subjugar.
   Numa sequência parecidíssima com o envio de Kal-El para a Terra ante a iminente destruição de Krypton, Luthor coloca o seu filho bebé numa nave que o levará para um mundo onde poderá crescer em segurança. Ao cruzar o espaço interdimensional, a nave é resgatada pela Precursora que, de seguida, a leva para o satélite do Monitor. Durante a passagem pela fenda vibracional que separa os universos paralelos, a criança torna-se um misto de matéria e de antimatéria, daí resultando uma profunda alteração na sua estrutura molecular. Em consequência disso, o pequeno Alex Luthor passa da infância à idade adulta em poucos dias.
    De uma ponta à outra do Multiverso, as múltiplas Terras têm as suas paisagens redesenhadas pela ação de terramotos, maremotos, furacões, erupções vulcânicas e falhas temporais. Milhares perecem sob os céus escarlates que servem de redoma aos mundos em agonia e que prenunciam o crepúsculo do Multiverso.
A equação do Multiverso.

   Seguindo as diretivas do seu mentor, Precursora reúne o primeiro lote de heróis e vilões de diferentes mundos e épocas. A sua missão: defender a qualquer custo os cinco dispositivos colocados pelo Monitor em outras tantas realidades com vista a impedir o avanço da onda de antimatéria lançada pela sua contraparte maligna.
    Vários elementos do contingente ao serviço do Monitor são feridos nas escaramuças que os opõem às forças do Anti-Monitor. Enquanto isso, heróis de vários mundos esforçam-se por tentar acudir às populações em pânico. Imparável, a Crise chega às Terras 1 e 2, disseminando-se por todas as épocas. Os seus efeitos fazem-se sentir até mesmo no século XXX, com a Legião dos Super-Heróis a combater as hordas invasoras do Anti-Monitor.
    Enquanto Flash (Barry Allen) corre freneticamente através das várias linhas temporais tentando alertar para a catástrofe iminente, Precursora, dominada pelo Anti-Monitor, assassina o Monitor. Este, contudo, previra a sua morte às mãos da sua protegida. Razão pela qual, ao perecer, a criatura liberta a energia necessária à ativação dos dispositivos por ele implantados em cinco realidades distintas.
    Contida a onda de antimatéria, o Universo volta ser único e indivisível como era nos alvores da Existência. Forma-se então um limbo, espécie de sub-universo onde as Terras 1 e 2 estão separadas somente por uma vibração que diminui a cada instante que passa. Ditando a iminente fusão e consequente aniquilação de ambas.
    Todos os heróis das Terras 1 e 2 são convocados para tentar salvar também as outras três Terras remanescentes (S,X  e 4). Enfrentam, contudo, enormes dificuldades, pois, manipulados pelo Pirata Psíquico, os heróis desses mundos tudo fazem para impedi-los de serem bem-sucedidos nesse desígnio. 


Pirata Psíquico.

     Longe dali, o Anti-Monitor ataca o satélite do seu falecido némesis. Num gesto de bravura, a Precursora faz-se explodir no interior da estrutura, sobrevivendo por um triz. Salvas da destruição, as Terras S, X e 4 juntam-se às Terras 1 e 2 no limbo.

Anti-Monitor, o artífice do ocaso do Multiverso.    
 
    Inspirados pela coragem da Precursora, diversos heróis de outras tantas realidades convergem, através de um túnel gerado por Alex Luthor, para o Universo de Antimatéria. Objetivo: tomar de assalto a fortaleza do Anti-Monitor e destruir as máquinas que estão a causar a desaceleração da vibração que separa as Terras. Um a um, porém, os heróis tombam. Apenas a Doutora Luz e o Super-Homem logram alcançar as máquinas. Quando este último se prepara para as destruir, o Anti-Monitor emerge das trevas e derruba-o. A Doutora Luz tenta em vão travar a criatura. Uma enfurecida Supergirl ataca então o Anti-Monitor. Mesmo sabendo que isso lhe custará a vida, ela abre brechas no traje de contenção do vilão, fazendo com que a sua energia se comece a dispersar.
   Num breve momento de desatenção em que ordena à Doutora Luz que leve o primo para um lugar seguro, a heroína kryptoniana é ceifada por uma rajada de antimatéria emitida pelo Anti-Monitor, que, de seguida, se põe em fuga. Num dos momentos mais emocionantes da saga, Supergirl morre nos braços  do Super-Homem. Não sem antes lhe pedir que não chore, pois foi ele quem lhe ensinou o valor da coragem.

A morte da Supergirl é um dos capítulos mais trágicos da saga.
   
    A fusão das Terras é travada, mas foi alto o preço a pagar. Aproveitando a comoção em torno da morte da Supergirl, o Anti-Monitor, já recuperado, inicia a construção de um canhão de antimatéria. Quando a arma está pronta a ser disparada, Flash (Barry Allen) usa a sua supervelocidade para desligar a sua fonte de energia, provocando dessa forma uma retroalimentação que destrói o canhão. No entanto, na sua corrida desenfreada o Velocista Escarlate começa a viajar no tempo e o seu corpo começa a desintegrar-se, até nada mais restar do que pó.

Flash fez o sacrifício supremo em prol da sobrevivência do que restava do Multiverso.

    Tudo parece encaminhar-se para um desfecho feliz. A fusão das Terras está controlada, mas subsistem ainda algumas ameaças. Sendo a maior aquela que é representada pelos supervilões. Kid Flash é convocado pela Precursora e pelo Flash original (Jay Garrick), porque a sua supervelocidade é necessária para ativar a Esteira Cósmica, dispositivo que permite o trânsito entre as várias dimensões paralelas. A ideia era cooptar heróis de diferentes mundos para enfrentarem as forças malignas.
   Chegados aos planetas sitiados pelos supervilões, os heróis combatem-nos em todas a frentes. O enigmático Espectro materializa-se nos campos de batalha e anuncia que o Anti-Monitor ainda vive.Segundo ele, está iminente a destruição do que resta do Multiverso. Para impedi-la, será necessário mudar o curso da História. O que só será possível através da cooperação entre heróis e vilões.

Vilões ao ataque.

    Selada essa aliança espúria, os primeiros são enviados para a Aurora dos Tempos, ao passo que os segundos seguem para o exato momento em que Krona ativa o seu equipamento para observar o nascimento do Universo. Os vilões, contudo, são malsucedidos na sua missão de impedir Krona. Já a força combinada dos heróis e do Espectro consegue derrotar o Anti-Monitor. É, no entanto, operada uma dramática mudança: o que outrora nasceu sob a forma de múltiplos universos, ressurge agora como um só Universo.Nele existindo uma única Terra.
    Nessa Terra renascida estão reunidos elementos das restantes cinco Terras que haviam sobrevivido à Crise. Ninguém se recorda da versão envelhecida do Super-Homem oriunda da Terra 2. Este Homem de Aço de uma realidade alternativa encontra-se com o Super-Homem da Terra 1, Flash (Jay Garrick) e Kid Flash e pede-lhes ajuda para ativar a Esteira Cósmica, na esperança de poder regressar a casa. Tudo o que encontram, porém, é o Nada absoluto. Para evitar que caia em mãos erradas, o dispositivo é destruído.
    Algum tempo depois, os heróis da nova Terra são convocados pela Precursora, que lhes explica os contornos da nova realidade: nela, só existiu uma versão de cada um deles (um só Batman, um só Super-Homem e por aí fora). Também o facto de apenas os heróis terem memória dos eventos ocorridos durante a Crise é esclarecido: só eles estiveram presentes na Aurora dos Tempos.

Anti-Monitor versus Espectro: choque de titãs.

      De repente, a Terra é envolvida por trevas. É o Anti-Monitor que leva o planeta para o seu Universo de Antimatéria. Convocados pela Precursora, os mais poderosos heróis são enviados para os domínios do vilão através de um portal gerado por Alex Luthor. A muito custo, eles conseguem levar de vencida a criatura. Cujo fim definitivo só é possível graças à intervenção de Darkseid, que usa Alex Luthor como um catalisador para os seus formidáveis raios ómega. Sem o poder do seu soberano, o Universo de Antimatéria começa a autodestruir-se. Antes, porém, que isso aconteça, Alex Luthor abre um portal para outra dimensão, partindo para parte incerta na companhia do Super-Homem da Terra 2 e do Superboy Primordial. Facto que só seria cabalmente esclarecido, duas década depois, nas páginas da sequela Infinite Crisis (Crise Infinita, maxissérie publicada no Brasil pela Panini Comics em 2006/07, e sobre qual a seu tempo escreverei).
    No epílogo da saga, Wally West abandona a identidade de Kid Flash para se tornar o novo Flash, sucedendo assim ao seu mentor Barry Allen. Numa cela acolchoada no Asilo Arkham, as palavras balbuciadas pelo Pirata Psíquico ecoam pela eternidade: "Sou o único a lembrar-me das Terras infinitas. Sou o único a conhecer a verdade e nunca a esquecerei. Mundos morreram; mundos nasceram. E nada será como dantes...".


       
Repercussões: Crisis on Infinite Earths dividiu a história da DC em pré-Crise e pós-Crise. Com o primeiro período a ser ignorado em favor do segundo. Exceção feita a um punhado de personagens (e aos leitores mais antigos, como eu) ninguém se recorda dos eventos ocorridos durante a saga. Todavia, as alterações por ela introduzidas não foram implementadas de forma consistente. Diversas personagens viram, com efeito, as suas origens tornarem-se incongruentes em resultado dessas alterações ou da revitalização de outras personagens. Um bom exemplo é a história da Poderosa (Power Girl, no original). Na cronologia pré-Crise, ela era prima do Super-Homem. Com a reformulação da mitologia do Homem de Aço a ter como pedra angular o facto de ele ser o Último Filho de Krypton, como explicar a existência da Poderosa que, ao contrário da Supergirl, sobrevivera à Crise? A solução encontrada foi retratá-la como uma descendente de um antigo mago atlante, que, pela similitude de poderes, acreditava ter um grau de parentesco com o herói kryptoniano. Outro caso bicudo foi o de Donna Troy (a primeira Moça-Maravilha). Originalmente, tratava-se de uma órfã que fora adotada pela Mulher-Maravilha. Porém, com a eliminação desta da nova cronologia da Editora das Lendas, a primeira só ressurgiria um ano depois do final da Crise. Com direito a uma nova e rebuscada origem. E estes são apenas alguns exemplos dos paradoxos que perduraram durante os anos subsequentes à Crise.
      Recapitulemos, pois, de forma resumida, o antes e o depois da Crise nas Infinitas Terras:

Pré-Crise

* Existência de múltiplas Terras paralelas, mundos que ocupavam o mesmo lugar na realidade, mas vibrando em diferentes frequências;
*Alguns destes mundos dispunham das suas próprias versões de heróis, como Super-Homem, Batman ou a Mulher-Maravilha;
* Super-Homem era extremamente poderoso quando comparado com as suas versões mais recentes. Não era o único sobrevivente de Krypton e os seus poderes atingiram a maturidade ainda na infância, empreendendo a sua carreira heroica como Superboy (cujos feitos inspiraram a fundação da Legião dos Super-Heróis, mil anos no futuro);

Deixou de haver lugar para o Superboy no Universo DC pós-Crise. Mas por pouco tempo...

* Entre os membros fundadores da Liga da Justiça estavam Super-Homem, Batman e Mulher-Maravilha;
* O Robin Jason Todd era menos impulsivo do que a sua versão posterior morta às mãos do Joker, tendo a sua origem muitos pontos em comum com a do seu antecessor (Dick Grayson);
* Na Terra S, a Família Marvel incluía também os Tenentes Marvel;
* O Capitão Átomo não possuía pele metálica;
*Existia uma grande diversidade de kryptonitas, a cada uma delas correspondendo um efeito diferente sobre os kryptonianos a elas expostos;
* Na Terra 2 a Mulher-Maravilha tinha uma filha chamada Fúria, ao passo que a Caçadora era fruto do amor entre Batman e a Mulher-Gato ( conceitos reciclados no âmbito de The New 52!).

Pós-Crise

*Passaram a existir somente dois universos: um positivo, outro negativo (este último um legado do Anti-Monitor);
* Foram eliminadas as versões alternativas das personagens;
* O Super-Homem, além de ter visto os seus poderes substancialmente reduzidos, nunca foi Superboy. Este é atualmente Conner Kent, um clone do Homem de Aço;
*Batman, Mulher-Maravilha e Super-Homem não fizeram parte da formação original da Liga da Justiça;
* A Caçadora é filha de um patrão da Máfia italiana;
* A Canário Negro dos nossos dias é filha da Canário Negro original;
* Batman, Robin, Caçadora, Mulher-Maravilha e Super-Homem foram apagados da cronologia da Sociedade da Justiça da América;
* Ultraman (contraparte maligna do Super-Homem na antiga Terra 3) é agora o tenente Clark Kent, do Universo Negativo (onde reina o Sindicato do Crime);

Poderosa (em 1º plano) e Caçadora tiveram as suas origens revistas.

     Não obstante todas as alterações e correções introduzidas pela saga, o conceito de universos paralelos continua, ainda hoje, a despertar um enorme fascínio nos argumentistas e editores da DC. Prova disso é o renascimento da Terra 2, já no âmbito de The New 52!. Não sendo,pois, de estranhar que, ciclicamente, a Editora das Lendas sinta  necessidade de reestruturar a sua cronologia. Com cada uma dessas atualizações a serem sucessivamente apresentadas como definitivas...

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