01 julho 2019

CLÁSSICOS DA 9ªARTE: «PARA O HOMEM QUE TEM TUDO»




  No dia do seu aniversário, o Último Filho de Krypton recebe um presente envenenado de um velho inimigo. Preso num transe fatal, Kal-El vive aquele que é o seu mais íntimo desejo. Apenas para descobrir que a fantasia pode ser ainda mais cruel do que a realidade.

Título original: For the Man Who Has Everything...
Editora: Detective Comics (DC)
País: EUA
Autores: Alan Moore (argumento) e Dave Gibbons (arte)
Publicado em: Superman Annual Vol.1 nº11 (agosto de 1985)*
Protagonistas: Super-Homem / Kal-El
Coadjuvantes: Batman, Robin (Jason Todd), Mulher-Maravilha, Mongul, Jor-El, Lyra Ler-Rol, Allura In-Ze, Kara Zor-El, Van-El e Orna Kal-El
Cenários: Fortaleza da Solidão e Krypton (na fantasia do Super-Homem)

*Sucessivamente reeditada ao longo dos anos, em 2006 a história foi selecionada para integrar o volume antológico DC Universe: The Stories of Alan Moore, que compilava alguns dos melhores trabalhos do escritor britânico ao serviço da Editora das Lendas.

Edições em Português 

Sob o título "O Homem que Tinha Tudo", a história foi pela primeira vez apresentada ao público lusófono em maio de 1991, nas páginas de Super Powers nº21, cuja capa era um fac-símile da original. Ainda por terras de Vera Cruz, desde o início deste século vem sendo sucessivamente republicada sob a chancela de diferentes editoras.
A primeira a fazê-lo, logo em 2002, foi a Opera Graphica, numa controversa edição em formato americano mas a preto e branco. Seguiu-se a Panini Comics que, entre 2006 e 2013, a incluiu em três antologias, entre as quais DC 75 anos, coleção lançada no âmbito das comemorações das bodas de diamante da Editora das Lendas e que reunia algumas das suas histórias mais emblemáticas. Por fim, em 2018, a história foi inserta no 63º volume da Coleção DC Comics Graphic Novels, da Eaglemoss.


A edição original (cima) e a controversa republicação
 a preto branco da brasileira Opera Graphica.

Irreverência britânica

Coincidindo com o aumento de popularidade dos super-heróis em terras de Sua Majestade, desde a viragem da década de 1980 que Alan Moore era uma estrela em ascensão na indústria de quadradinhos britânica. Tanto a divisão local da Marvel Comics como a Quality Communications e a Fleetway requisitavam regularmente os seus serviços de argumentista para alguns dos seus principais títulos. Para esta última, por exemplo, Moore escreveu durante essa fase mais de meia centena de histórias publicadas em 2000 A.D., magazine de ficção científica no qual, em 1977, o Juiz Dredd fizera a sua estreia.
Em várias dessas ocasiões, as tramas de Moore haviam sido ilustradas pelo seu compatriota David Gibbons. Ambos faziam uma avaliação deveras positiva dessas colaborações, mas o talento de Gibbons foi o primeiro a chamar a atenção do outro lado do Atlântico. Logo em 1982, a DC Comics, na pessoa de Len Wein (à data, editor e argumentista de Green Lantern) contratou-o para desenhar a série mensal do Gladiador Esmeralda.
No ano seguinte, seria a vez de Moore, novamente por intermédio de Len Wein, ser cooptado para assumir os argumentos de Swamp Thing, cujas vendas vinham afundando a pique. Recebendo carta de alforria para levar a cabo as alterações que julgasse necessárias para reverter a situação, Moore não só fez disparar as vendas da série do Monstro do Pântano como, a par de artistas como Rick Veitch, reinventou a personagem, introduzindo temáticas inéditas nas suas tramas. Ao abordar, de forma experimental, questões sociais e ecológicas, Swamp Thing depressa concitou a atenção do público e da crítica, transformando o que parecia ser um caso perdido na nova coqueluche da Editora das Lendas.
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Alan Moore (esq.) e Dave Gibbons celebrando
 o lançamento de Watchmen,a obra que os imortalizou na história da Nona Arte.
Mesmo durante a fase em que assinava as histórias do Monstro do Pântano, Moore submeteu aos seus editores diversas propostas envolvendo personagens como o Caçador de Marte (consta que seria ele o protagonista original de For the Man Who Has Everything...) e os Desafiadores do Desconhecido (conceito desenvolvido por Jack Kirby após a sua zanga com a Marvel). Propostas essas que, invariavelmente, acabaram rejeitadas dada a circunstância de outros escritores estarem já a desenvolver projetos com as personagens cobiçadas por Moore.
Quando, no início de 1985, o Editor-Executivo e Vice-Presidente da DC, Dick Giordano, aprovou por fim o projeto que viria a ser consubstanciado na ovacionada minissérie Watchmen, Moore e Gibbons (autores da ideia) começaram de pronto a trabalhar na planificação das histórias.
Pouco depois, Julius Schwartz, o então todo-poderoso editor dos títulos do Homem de Aço, sondou Gibbons sobre a sua disponibilidade para desenhar uma história do herói. Gibbons declarou-se disponível, mas quis saber qual o escritor com quem iria trabalhar. Quando Schwartz lhe disse que poderia escolher o seu parceiro criativo, Gibbons imediatamente sugeriu Alan Moore.
Sem delongas, a Dupla Dinâmica da Velha Albion deitou mãos à obra e For the Man Who Has Everything... começou a ganhar forma. Levando em consideração duas importantes mudanças ocorridas na continuidade então estabelecida: 1) Em agosto de 1979, mais de duas décadas após a sua inclusão na mitologia do Super-Homem, Kandor - cidade kryptoniana miniaturizada por Brainiac antes da implosão do planeta- havia finalmente revertido ao tamanho normal, em Superman nº338; 2) Em março de 1983, Jason Todd, um órfão com passado de delinquência juvenil, sucedera a Dick Grayson como Robin, sendo agora ele quem acolitava o Cavaleiro das Trevas.
De referir ainda que os sucessivos êxitos de Moore e Gibbons impeliram a DC a contratar outros escribas britânicos para produzirem histórias de apelo similar. Grant Morrison, Neil Gaiman e Peter Milligan fizeram parte dessa armada britânica que, nos anos imediatos, aportaria na ex-colónia para revolucionar a forma de escrever banda desenhada. E que, no início dos anos 90, constituiriam o núcleo duro de Vertigo, a linha adulta da Editora das Lendas entretanto encerrada.

Enredo

No exterior da Fortaleza da Solidão, algures no Círculo Polar Ártico, a Mulher-Maravilha reúne-se à Dupla Dinâmica. É o aniversário do Super-Homem e os seus amigos trouxeram-lhe presentes especiais. Ao adentrar na estrutura kryptoniana, o trio depara-se, porém, com o anfitrião em estado catatónico e envolvido pelos tentáculos de uma grande planta alienígena presa ao seu peito.
Batman analisa rapidamente a situação e deduz que o presente envenenado terá chegado pelo canal de teletransporte, enviado por um dos muitos mundos agradecidos pela ajuda do Super-Homem, e que ignorava os efeitos nocivos da planta. Nesse instante, Mongul entra em cena e revela ter sido ele o responsável pelo envio da Clemência Negra. Assim se chama a misteriosa planta que, na realidade, é um organismo simbiótico. Uma vez acoplada ao seu hospedeiro, a Clemência Negra consome-lhe a força vital ao mesmo tempo que o infunde num sonho vívido baseado no seu desejo mais íntimo.
Durante a sua breve explanação, e perante a estupefação dos seus interlocutores, Mongul usa um par de gigantescas manoplas para tocar na Clemência Negra sem ser afetado por ela.

Os amigos do Super-Homem deparam-se com uma cena perturbadora
antes de serem surpreendidos por Mongul (baixo).
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Paralelamente, é mostrado o que se desenrola no subconsciente do Homem de Aço: um simples homem de família, Kal-El vive feliz em Krypton, que nunca foi destruído. Casado com a ex-atriz Lyla Ler-Rol e pai de dois filhos, Van e Orna, Kal trabalha no Instituto de Geologia de Kryptonopolis, a capital do planeta e sua cidade natal.
De volta à Fortaleza da Solidão, a Mulher-Maravilha investe sobre Mongul - cujo poder excede o seu - enquanto Batman e Robin procuram desesperadamente libertar o Homem de Aço. Devido a essa interferência, a sua fantasia começa a adquirir tons mais sombrios.
Ao regressar a casa no dia do seu aniversário, Kal-El tem um festa-surpresa à sua espera. Nela estão presentes quase todos os seus entes queridos. Todos menos um: o seu pai, Jor-El.
Depois de as suas previsões catastrofistas acerca da iminente destruição de Krypton se terem revelado infundadas, Jor-El fora expulso do Conselho Científico e caíra em desgraça junto da opinião pública. E ainda mais isolado e amargurado ficara após a morte da sua esposa, Lara (mãe de Kal), vítima de uma moléstia incurável. Nem mesmo o recente falecimento do seu irmão, Zor-El, tinha servido para reconciliar Jor-El com a sua cunhada, Allura, e com a sua sobrinha, Kara.
No dia seguinte, Kal desloca-se ao laboratório do pai e encontra-o reunido com duas eminências pardas de Krypton: Lor-Em, líder de uma seita religiosa autodenominada Espada de Rao, e Dax-Ar, oficial de elevada patente do exército kryptoniano. Os três conspiram com vista à instauração de uma teocracia em Krypton, encabeçada por Lor-Em.

Kal-El não aprova as novas companhias do pai.

Após a saída dos comparsas de Jor-El, Kal tem uma acesa discussão com o pai. Que se insurge contra o que considera ser a deterioração dos valores da sociedade kryptoniana, a braços com a xenofobia e o tráfico de estupefacientes em larga escala. De nada adiantando Kal fazer notar ao pai que a sua associação com extremistas servirá somente para desbaratar o pouco prestígio que ainda lhe resta.
A altercação entre ambos metaforiza, aliás, a polarização da sociedade kryptoniana cujas bases vêm sendo sacudidas pela crescente convulsão política e social. Vive-se um clima de pré-guerra civil e um dos pomos da discórdia é a Zona Fantasma, a prisão extradimensional projetada por Jor-El para acomodar, a título perpétuo, criminosos irrecuperáveis.
Considerada um sistema desumano, a Zona Fantasma enfrentava uma onda de contestação, contribuindo sobremaneira para a impopularidade da Casa de El. Em consequência dessa animosidade para com os seus representantes, Kara Zor-El é brutalmente agredida por um grupo de manifestantes que usam Jax-Ur, um dos mais perigosos prisioneiros da Zona Fantasma, como mártir e símbolo.
Com a prima a lutar pela vida numa cama de hospital, Kal. temendo pela segurança da sua família, decide abandonar Kryptonopolis. Antes de partir, tem ainda tempo para testemunhar as escaramuças entre membros da Espada de Rao e manifestantes anti-Zona Fantasma nas ruas da cidade.
De visita à cratera de Kandor, Kal, cada vez mais consciente de que algo está errado, expressa o seu amor ao filho momentos antes de este se desvanecer como uma miragem nos seus braços. Esta dolorosa revelação coincide com o momento em que Batman consegue, por fim, arrancar a Clemência Negra do torso do Super-Homem. Ato contínuo, a planta atraca-se ao Homem-Morcego, submergindo-o num devaneio que dá forma ao seu mais profundo desejo.
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Kal-El despede-se do filho que nunca teve..
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Batman vive também o seu maior desejo.
Na fantasia de Batman, Thomas Wayne consegue desarmar o assaltante que cortara o caminho à sua família no Beco do Crime naquela fatídica noite em que o pequeno Bruce ficara órfão. Graças ao afeto e orientação dos pais, Bruce leva uma vida normal, chegando mesmo a casar e a ter uma filha.
Entretanto, dá-se o violento despertar do Super-Homem. Enfurecido pelo ataque da Clemência Negra e pela perda da sua família imaginária, ataca selvaticamente Mongul, que estava prestes a matar a Mulher-Maravilha tombada a seus pés.
Enquanto Super-Homem e Mongul se digladiam, destruindo secções inteiras da Fortaleza da Solidão e interferindo com os sismógrafos, Robin enfia as manoplas esquecidas pelo vilão e remove, a custo, a Clemência Negra do peito de Batman.

O violento despertar do Homem de Aço.
Prestes a desferir um golpe fatal no seu oponente, o Homem de Aço distrai-se momentaneamente ao entrever as estátuas dos seus pais kryptonianos. Mongul aproveita o ensejo para contra-atacar com ferocidade, deixando o herói à sua mercê. Antes que possa, no entanto, assestar a estocada final, o vilão é surpreendido pela presença de Robin.
Através de um buraco no teto, o Menino-Prodígio deixa cair a Clemência Negra sobre Mongul. Imediatamente capturado pela planta, o vilão extasia-se com o seu maior sonho: após assassinar o Super-Homem e vários outros heróis, conquista a Terra e, em seguida, todo o Universo.
Com os seus aliados ainda a recomporem-se, o Super-Homem informa-os do seu plano para se desenvencilhar de Mongul. Um plano que consiste em soltar a criatura no âmago de um buraco negro do outro lado da galáxia.
Chegado o momento de desembrulhar os presentes, o Homem de Aço agradece gentilmente a réplica de Kandor fabricada pelas joalheiras da Ilha Paraíso e ofertada pela Mulher-Maravilha. Sem que ninguém se aperceba, o herói voa a supervelocidade para esconder a sua própria réplica da Cidade Engarrafada guardada numa divisão adjacente, poupando assim a amiga ao embaraço.
Batman, por sua vez, pretendia presenteá-lo com uma nova espécie de rosa criada em laboratório e batizada de Krypton. A flor havia sido, porém, destruída durante a refrega com Mongul. Fleumático, o Super-Homem reconhece que talvez tenha sido melhor assim, antes de pedir que alguém prepare café enquanto ele arruma a casa.

Super-Homem usa a sua supervelocidade para esconder a sua réplica de Kandor
antes de receber a oferenda da Princesa Amazona.

Apontamentos 

*Superman Annual nº11 foi o penúltimo fascículo da primeira série desse título icónico do Homem de Aço, publicado de forma interpolada entre 1960 e 1986. Ao contrário do que o título sugere, a série teve periodicidade variável: de quadrimestral em 1961 passou a semestral em 1962 e novamente a anual no ano seguinte;
*Aclamada pelos leitores e pela crítica, em 1986 For the Man Who Has Everything... foi nomeada para o Kirby Award na categoria de Melhor História Individual e ocupa a 4ª posição na lista das cem melhores histórias de todos os tempos elaborada pela revista Wizard;
*Apesar de ser um dos melhores contos do Super-Homem e uma obra representativa da chamada Idade de Bronze (1970-1986), For the Man Who Has Everything... foi desconsiderada na continuidade pós-Crise nas Infinitas Terras. O que não impediu o escritor Geoff Johns de, já este século, recuperar a Clemência Negra para as histórias do Lanterna Verde;
*A par de Reign of the Supermen (O Regresso do Super-Homem, arco de histórias já aqui esmiuçado), For the Man Who Has Everything... alcandorou Mongul a arqui-inimigo do Homem de Aço; um dos poucos a conseguirem bater-se de igual para igual com o kryptoniano. Até então, Mongul (prontuário disponível neste blogue) era apenas mais um vilão intergaláctico com sonhos de conquista;

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Mongul é um dos mais formidáveis inimigos do Super-Homem.
*A história inclui também aquela que, com elevada quota de probabilidade, terá sido a primeira referência explícita à data de aniversário do Homem de Aço. Especula-se que a escolha de 29 de fevereiro terá sido uma brincadeira de Alan Moore para explicar a jovialidade do herói, que apenas celebraria o seu aniversário a cada quatro anos. Certo é que essa data seria consagrada pela DC, por altura das comemorações dos 50 anos do Super-Homem;
*Uma das mais belas e famosas atrizes de Krypton, Lyla Ler-Rol fizera a sua única aparição em Superman nº141 (novembro de 1960). Numa história típica da Idade de Prata (1956-1970), o Homem de Aço, com recurso à viagem no tempo, revisitava o seu planeta natal semanas antes da sua destruição. Tempo suficiente para Kal-El se enamorar e ficar noivo de Lyla. O casamento acabaria, contudo, por não se consumar. Lyla é também uma das várias coadjuvantes do Homem de Aço com as inicias LL;

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Super-Homem e Lyla Ler-Rol no primeiro encontro de ambos.
*Asa Noturna e Pássaro Flamejante (Nightwing e Flamebird no original) são outros dos elementos da Idade de Prata referenciados na trama. Tratam-se das identidades heroicas assumidas, respetivamente, por Super-Homem e Jimmy Olsen aquando das suas regulares visitas à cidade engarrafada de Kandor durante esse período editorial; 
*No seu ensaio Alan Moore´s Writing for Comics (Avatar Press, 2003), o polémico escriba britânico revelou que pretendia incluir a Supergirl na história, mas teve de substituí-la pela Mulher-Maravilha após ter sido informado da morte iminente da Última Prima de Krypton em Crise nas Infinitas Terras;
*O beijo trocado por Super-Homem e Mulher-Maravilha na ponta final da história sugere que, mesmo antes do romance vivido por ambos em Os Novos 52, a sua relação exorbitava a amizade platónica;
*Em 2004, quase vinte anos após a sua primeira publicação, For the Man Who Has Everything... serviu de mote a um episódio homónimo da primeira temporada de Justice League Unlimited, série animada da Liga da Justiça. A despeito das muitas licenças poéticas (como a omissão de Robin e de alguns trechos mais sombrios), Alan Moore, contrariamente ao que vem sendo seu apanágio, aprovou a adaptação. Mais recentemente, em 2016, um episódio da temporada inaugural de Supergirl (For the Girl Who Has Everything) foi também vagamente inspirado na história saída da pena de Moore.
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Kal-El à mercê de Mongul e da Clemência Negra em Justice League Unlimited.
Vale a pena ler?

Um dos melhores contos do Super-Homem alguma vez escritos, For the Man Who Has Everything... é, outrossim, uma obra-prima da 9ª Arte. O facto de ter sido produzida no período pré-Crise nas Infinitas Terras comprova ainda que as boas ideias não estavam esgotadas; eram os autores que tinham perdido o arrojo de outros tempos. Nesse sentido, a pirotecnia verbal de Alan Moore, polemista consagrado que continua a polarizar opiniões, foi uma pedrada no charco em que o Homem de Aço chapinhava há já um bom tempo.
De todas as histórias já escritas do Último Filho de Krypton, esta será, porventura, aquela que melhor aborda o conflito interno que o atormenta. Se o seu planeta natal não tivesse sido destruído e ele não tivesse sido enviado ainda bebé para um lugar aonde nunca iria, a sua vida teria sido totalmente diferente. Não teria assumido o papel de maior campeão do seu mundo adotivo e, por conseguinte, não teria enfrentado tantos e tão poderosos inimigos. Dito de outro modo, sobre os seus ombros não recairia o destino da Humanidade.
Escrita com mestria, a história conta com personagens bem definidas e maravilhosas referências à Idade de Prata, da qual Moore é um confesso nostálgico. Com a arte de Gibbons a torná-la ainda mais impactante ao retratar eficazmente a raiva do protagonista (algo raramente conseguido até então). Uma das sequências mais memoráveis é, precisamente, aquela em que o Super-Homem tenta incinerar Mongul com a sua visão de calor. Não por acaso, é ainda hoje considerada uma das mais intensas na história da banda desenhada.
For the Man Who Has Everything... é também um bom exemplo de como uma equipa criativa competente pode impor um registo adulto a uma história de super-heróis sem diminuir o glamour e a grandeza das personagens.
Com um final surpreendente, desenhos de excelente caracterização e expressionismo, ação e detalhismo em cada quadro, esta é, inquestionavelmente, uma obra capital no vastíssimo repertório do Homem de Aço. E que encerra uma pungente lição de humanismo: até o homem que tem tudo precisa de amigos, porquanto são eles o seu maior tesouro.

A fúria do último escuteiro.




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