06 março 2020

ETERNOS: STEVE DITKO (1927-2018)


   Foi um dos virtuosos arquitetos da Casa das Ideias, mas bateu com a porta quando esta se provou acanhada para as suas convicções. Esquivo como uma sombra de vidro, esculpia totens da cultura popular com o implacável cinzel do Objetivismo. 

Quando, em 2007, o popular apresentador televisivo britânico Jonathan Ross se propôs realizar um documentário sobre Steve Ditko para a BBC Four, sabia que teria de perseguir um fantasma arisco. Avesso a entrevistas (a última remontava a 1968) e aparições públicas, o lendário cocriador do Homem-Aranha e do Doutor Estranho vivia há anos em reclusão voluntária. Qualquer jornalista, fã ou simples curioso que pisasse a soleira da sua porta era, ademais, prontamente enxotado. Nada disso desencorajou, porém, Ross de tentar a sua sorte, confiante que esta tende a bafejar os audazes.
Ao cabo de meses de aturada investigação, Ross localizou finalmente o seu alvo num anónimo edifício de escritórios nova-iorquino. Escoltado pelo seu compatriota Neil Gaiman (outro assumido admirador da obra de Ditko), conseguiu um breve, porém cordial, tête-à-tête com o velho mestre da Arte Sequencial, no seu modesto estúdio.
O que nesse encontro foi discutido permanece até hoje no segredo dos deuses. Fiel aos seus rígidos princípios, Ditko não autorizou a gravação do mesmo e tudo indica que terá exigido máxima discrição aos seus visitantes. Mas nem por isso Ross voltou para casa de mãos vazias. Do ex-parceiro criativo de Stan Lee e Jack Kirby recebeu uma seleção de histórias da sua autoria. Resumindo-se a essa inesperada oferenda o contributo de Ditko para um projeto que, à semelhança de tantos outros, o teria como protagonista omisso.
Uma vez mais, era por meio da sua exuberante obra que Steve Ditko, o eremita, comunicava com o mundo. O homem por trás do artista genial e do filósofo espontâneo, esse, permaneceria um enigma.
Apontado como uma referência no género, o documentário de Ross - apropriadamente intitulado In Search of Steve Ditko (À procura de Steve Ditko) - falhou, previsivelmente, em decifrar o biografado.

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Jonathan Ross, autor do documentário À Procura de Steve Ditko.
A despeito de ter colocado um pouco de si em todas as suas criações - mesmo aquelas alcandoradas a ícones globais - Ditko será para sempre um livro proibido trancado a sete chaves numa biblioteca secreta a que quase ninguém teve acesso. Passagens avulsas, quase sempre encriptadas, foi tudo o que ele alguma vez nos permitiu ler.
Aqui ficam algumas delas, na certeza de que, tal como o próprio Ditko, personagem desconcertante,  suscitarão numerosas interpretações.
Stephen John Ditko Jr. nasceu a 2 de novembro de 1927 em Johnstown, pequena cidade industrial no estado da Pensilvânia martirizada ao longo da sua história por violentas cheias. Segundo filho de uma ninhada de quatro de um humilde casal de imigrantes originários da antiga Checoslováquia - ele mestre carpinteiro numa fábrica de aço local, ela dona de casa - do pai herdou o nome e a paixão pelas histórias aos quadradinhos. Às quais foi apresentado através das tiras do Príncipe Valente à época publicadas nos jornais. Batman e The Spirit seriam, no entanto, os verdadeiros catalisadores do fascínio do pequeno Steve Ditko em relação à 9ª Arte.
A passagem de Ditko pelo liceu coincidiu com a entrada dos EUA na II Guerra Mundial. No auge do conflito, participava no Clube de Ciências e num outro que fabricava modelos em madeira de aviões alemães para serem utilizados nos treinos de observadores aéreos.
Concluído o secundário, em 1945 Ditko alistou-se no Exército, sendo destacado no ano seguinte para a Alemanha sob ocupação aliada, onde o seu talento artístico lhe rendeu o posto de ilustrador num jornal castrense. Durante essa temporada longe de casa, produziu também uma banda desenhada que enviava todos os meses para um dos seus irmãos.

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Postal ilustrado da cidade natal de Steve Ditko e o mestre nos seus tempos de juventude.
De regresso à vida civil e aos EUA, em 1950 Steve Ditko matriculou-se na Cartoonists and Illustrators School (atualmente conhecida como School of Visual Arts), em Nova Iorque. Jerry Robinson, pupilo de Bob Kane e cocriador do Menino-Prodígio, foi o professor que mais influenciou o seu estilo e a sua vontade de abraçar uma carreira como desenhador profissional.
Com Eric Stanton, seu colega de turma e futuro artista e fotógrafo fetichista, Ditko cunharia amizade para a vida. Entre 1958 e 1968, os dois partilharam um estúdio em Manhattan e, ao que consta, ter-se-ão assistido mutuamente nos seus trabalhos (algo que ambos sempre negaram). Stanton terá sido, de resto, uma das raras pessoas que terão conhecido o homem por trás da lenda. Mas também ele levou esse segredo para o túmulo.
Em finais de 1953, então com 26 anos, Steve Ditko conseguiu o seu primeiro trabalho profissional ao ser contratado pela Key Publications para ilustrar um conto de terror intitulado Stretching Things. A história em questão seria, contudo, vendida à Ajax-Farrell, que a publicou em Fantastic Fears nº5.´

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Fantastic Fears nº5  (1954) apadrinhou
 a estreia profissional de Steve Ditko.
Ansioso por fazer parte da indústria dos comics, poucos meses depois Ditko reforçaria o staff do estúdio Crestwood dirigido por Joe Simon e Jack Kirby, a ex-dupla maravilha da Timely. A principal função de Ditko consistia em arte-finalizar os esboços de Mort Meskin, um dos mais talentosos e respeitados artistas da Idade de Ouro.
Quase sem tempo para aquecer o lugar, no trimestre seguinte Ditko migrou para a Charlton Comics. O ano de 1954 marcou, assim, o início da sua longa, porém intermitente, ligação à editora sediada no Connecticut. Que compensava as modestas remunerações com as amplas liberdades criativas concedidas aos seus colaboradores. Prerrogativa que contribuiu sobremodo para o florescimento artístico de Ditko, que por lá viveu uma das suas fases mais prolíficas.
Em menos de um ano, Ditko desenhou 170 páginas e 19 capas para a Charlton. Feito ainda mais notável se levarmos em conta que essa produção frenética coincidiu com um diagnóstico de tuberculose.
Sob os cuidados da mãe, Ditko restabeleceu-se em tempo recorde e, logo no início de 1955, estava pronto para voltar à liça. Contudo, durante a sua convalescença um furacão arrasara as instalações da Charlton. Novamente saudável mas sem emprego, no ano seguinte Ditko bateu à porta da Atlas Comics (sucessora da Timely e antecessora da Marvel), para a qual começou então a desenhar contos de terror publicados em títulos emblemáticos da editora, como Journey into Mystery ou World of Suspense. Dada a sua experiência prévia em histórias desse género, Ditko sentiu-se como peixe na água e depressa se tornou um dos artistas mais requisitados da companhia.
Em 1957, com a crise instalada na indústria dos comics, a Atlas foi forçada a dispensar a maior parte dos seus colaboradores. Ditko não escapou à razia mas teve a ventura de encontrar abrigo na rediviva Charlton. Nessa sua segunda passagem por uma casa que tão bem conhecia, dividiu com o escritor Joe Gill os créditos da criação do Capitão Átomo, herói espacial apresentado ao mundo em março de 1960, no 33º número de Space Adventures.
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Capitão Átomo, o primeiro super-herói criado por Steve Ditko.
Durante essa fase, Ditko desdobrava-se incansavelmente entre a Charlton e a Marvel, à qual aceitara regressar logo em 1958 e onde tinha agora como parceiro criativo Stan Lee. As sofisticadas histórias de suspense da autoria de ambos eram extremamente apreciadas pelos leitores e tinham dado novo elã a títulos clássicos como Strange Tales, Tales to Astonish ou Amazing Fantasy. Incidindo sobre este último a escolha do presidente executivo da Casa das Ideias, Martin Goodman, para acolher um novo super-herói.
Assistia-se, desde meados da década de 50, ao renascimento do género super-heroico e a Marvel teria uma palavra a dizer.  Com Stan Lee e Jack Kirby, Steve Ditko seria o terceiro vértice do triângulo de visionários que reinventaram os super-heróis. Revolução posta em marcha com o Quarteto Fantástico, em 1961, e que prosseguiria agora com a irreverência de um certo Escalador de Paredes.
O Sensacional Homem-Aranha fez a sua vibrante estreia em agosto de 1962, nas páginas de Amazing Fantasy nº15, e logo prendeu os leitores na sua teia. A ideia de apresentar o primeiro super-herói adolescente emancipado da tutela de um adulto partiu de Stan Lee. Tanto a conceção visual da personagem como boa parte da sua caracterização psicológica ficaram, todavia, por conta de Steve Ditko. Que projetou vários traços da sua personalidade no alter ego do herói.
Da aparência franzina ao isolamento social decorrente de uma timidez superlativa, Peter Parker era praticamente um autorretrato de Ditko. A identificação do público nerd com o Homem-Aranha foi instantânea fazendo-o atingir níveis estratosféricos de popularidade apenas comparáveis aos do Super-Homem e Batman.
Diversos dos elementos que compõem o imaginário do Escalador de Paredes, como os lançadores de teias ou o sentido de aranha, tiveram igualmente assinatura de Ditko. O mesmo se podendo dizer acerca dos principais antagonistas do herói, com o Duende Verde à cabeça.
Tudo isto só foi possível graças à aplicação extrema do famoso Método Marvel. A partir de uma sinopse de Stan Lee, Ditko narrava as histórias visualmente cabendo depois ao seu parceiro escrever os respetivos diálogos. Donde a dificuldade em atribuir a cada um deles uma quota-parte na criação do Homem-Aranha.

A partir de uma ideia de Stan Lee,
Ditko criou um dos mais icónicos super-heróis de todos os tempos.
Mesmo depois de ter visto reconhecido o seu estatuto de coautor do Escalador de Paredes, Ditko nunca escondeu o seu desconforto com o facto de, durante demasiado tempo, Stan Lee ter reclamado sozinho os louros pela criação daquele que se tornaria o maior símbolo da Marvel e um totem da cultura popular. Vicissitudes que não se repetiriam aquando da criação do Doutor Estranho, conceito totalmente desenvolvido por Ditko para a Casa das Ideias.
Em julho de 1963, o Mago Supremo debutou em Tales of Suspense nº110 e desde logo ficou claro que as suas histórias transbordantes de visões abstratas e espirais de ectoplasma seriam um desafio à imaginação dos leitores. Outrora um brilhante cirurgião com ego obeso, Stephen Strange tivera as suas mãos incapacitadas após um violento acidente rodoviário. Na demanda por uma cura milagrosa, viajou para o Tibete onde encontrou o misterioso Ancião. Sob os auspícios deste, foi iniciado nas artes arcanas e, de regresso a Nova Iorque, assumiu a missão de defender a Terra de ameaças místicas e extradimensionais.
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As aventuras psicadélicas do Doutor Estranho.
O psicadelismo das histórias do Doutor Estranho atraiu a atenção de muitos estudantes universitários e da comunidade hippie que, por aqueles dias, formavam a vanguarda da revolução cultural em curso. Instalando-se entre esses grupos sociais a crença de que as viagens extradimensionais do herói eram uma alegoria para os efeitos do LSD ou de qualquer outro potente alucinogénio. Ditko foi, assim, tomado por um expoente da contracultura que procurava implantar-se. Ledo engano.
Steve Ditko não só não era consumidor de substâncias psicoativas como desprezava profundamente qualquer movimento de massas. Enformado pelos austeros preceitos do Objetivismo - corrente de pensamento que teve a filósofa russa Ayn Rand (1905-1982) como principal impulsionadora - Ditko acreditava que cada indivíduo deve travar apenas a sua própria guerra; uma guerra contra o relativismo moral e outros venenos das sociedade modernas.
À luz dos ensinamentos objetivistas, Ditko via o mundo a preto e branco, sem espaço para áreas cinzentas. Perante o seu olhar, era nítida a fronteira entre Bem e Mal. E poderá muito bem ter sido essa ortodoxia moral a precipitar a sua saída da Casa das Ideias, que assim ficou desfalcada de um dos seus virtuosos arquitetos.
Donos de personalidades contrastantes, Steve Ditko e Stan Lee concordavam apenas em discordar uma do outro. Se "conservador" era um termo lisonjeiro para descrever o primeiro, "liberal" era um adjetivo que assentava ao segundo como um fato feito por medida.
Ditko passara a imbuir os seus valores morais nas histórias do Homem-Aranha e do Doutor Estranho, e as diferenças criativas e ideológicas com Lee aprofundaram-se ao ponto dos dois deixarem de se falar.  Finalmente, em 1966, Ditko abandonou, sem motivo aparente, a Casa das Ideias.
Alguns oficiais do mesmo ofício da privança de ambos apontam, no entanto, uma razão mais prosaica para a zanga. Segundo eles, as divergências de Lee e Ditko acerca da identidade secreta do Duende Verde (revelada após longos meses de suspense) teria sido o verdadeiro pomo da discórdia. Lee escolheu Norman Osborn - pai do melhor amigo de Peter Parker - ao passo que Ditko preferia que o vilão fosse uma personagem aleatória. A visão de Lee acabaria por prevalecer e, em resposta, Ditko terá batido com a porta. Versão nunca confirmada ou desmentida por nenhum dos intervenientes.

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Terá sido a identidade secreta do Duende Verde
 a ditar a saída de Ditko da Casa das Ideias?
Certo é que os anos passados na Marvel corresponderam ao auge da carreira de Steve Ditko, como bem atestam os oito Alley Awards conquistados entre 1962 e 1965. Mas o mestre da Arte Sequencial tinha ainda muito para oferecer a uma panóplia de editoras. As décadas seguintes seriam, com efeito, pautadas pelo seu nomadismo ao mesmo tempo que reforçaria a sua reputação de libertário.
Novamente ao serviço da Charlton, Ditko reencontrou o "seu" Capitão Átomo e reabilitou o Besouro Azul (originalmente detido pela Fox Comics) antes de criar um avatar do Objetivismo. Introduzido em Blue Beetle nº1 (julho de 1967), o Questão era um anti-herói que servia de alter ego a Vic Sage, um obstinado jornalista especializado em expor casos de corrupção. Tal como seu criador, o Questão obedecia a um rígido código moral e era implacável para com os transgressores. Assumindo com frequência o papel de juiz, júri e executor para impor a sua justiça sem rosto.

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Justiça ou vingança?
Eis a Questão.
Malgrado o radicalismo dos seus métodos, o Questão provou ser uma versão amenizada do impiedoso Mr. A. Assim crismado em referência a um dos axiomas de Ayn Rand - "Um A é só um A." - era um cruel vigilante que aterrorizava criminosos nas páginas (a preto e branco, como o mundo em que se movia) do fanzine Witzend, com o qual Ditko aceitara colaborar.
Em comum com a sua contraparte da Charlton, o facto de Mr. A levar a cabo a sua cruzada no duplo papel de jornalista e campeão mascarado da Justiça. Ao mesmo tempo que expressava sem filtros as convicções filosóficas de Ditko, visto que as suas histórias semiclandestinas escapavam ao escrutínio prévio da Comic Code Authority. Da fusão das duas personagens nasceria, duas décadas mais tarde, o insano Rorschach, de Watchmen.

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O crime é uma doença, Mr. A a cura.
Em concomitância com o trabalho desenvolvido sob a égide da Charlton, Ditko colaborava à época com várias editoras menores, transitando por uma multitude de géneros. Warren Publishing, Dell Comics e Tower Comics foram algumas das beneficiárias do seu génio antes da sua surpreendente mudança para a DC, em 1968.
A meteórica passagem de Ditko pela arquirrival da Marvel ficou marcada pela criação de um dos mais bizarros super-heróis de sempre.  Ao visual garrido, o Rastejante (Creeper, no original) somava um insólito poder: uma risada capaz de infligir dor física. Tal como o questão e Mr. A, tinha como identidade civil um destemido repórter chamado Jack Ryder. Destoava, contudo, das anteriores criações de Ditko pela sua personalidade irracional com laivos psicóticos. Alguns historiadores da 9ª Arte identificam a influência do Joker na conceção do Rastejante. Que, apesar do apelo inicial, veria a sua série mensal cancelada ao fim de apenas meia dúzia de números.
Coincidindo com o pico da contestação social à guerra no Vietname, Steve Ditko criou pouco depois uma parelha de heróis com posições assimétricas relativamente ao conflito. Rapina e Columba (Hawk and Dove, em inglês) tinham ainda a particularidade de serem irmãos. Mas enquanto o primeiro se caracterizava pela belicosidade, o segundo era assumidamente pacifista. Dicotomia que refletia na perfeição as profundas divisões que a intervenção militar dos EUA naquele longínquo país asiático suscitavam na sociedade americana. Sendo, ademais, facilmente reconhecíveis as influências objetivistas de Rapina, com cujas posições Ditko claramente se identificava.
Ditko seria no entanto obrigado a abandonar Rapina e Columba ao fim de apenas dois números, por motivos de saúde. A tuberculose que, na década anterior, lhe refreara o ímpeto criativo voltava a tolher-lhe o corpo e o espírito.

The Creeper by Steve Ditko

Duas séries da DC com a assinatura de Steve Ditko
 tiveram existência efémera.
Ditko recuperaria a saúde mas não o fulgor profissional de outrora. Ao longo das décadas seguintes, à medida que principiava a sua quarentena social autoimposta, deambularia por dezenas de editoras abraçando quase sempre projetos experimentais e de curta duração.
Ao serviço da DC, por exemplo, criou, em 1977 (ano do seu regresso), o Homem Mutável (Shade, The Changing Man), um herói alienígena com uma veste especial que lhe distorcia a aparência em função das emoções circundantes. Ditko tinha grandes planos para o néofito mas as dificuldades financeiras que a Editora das Lendas enfrentou a partir de 1978 obrigou ao cancelamento precoce da respetiva série.
Seria, porém, aquando da sua passagem pela defunta Pacific Comics que Ditko conceberia uma das suas mais desconcertantes e obscuras personagens. Com o improvável poder de desaparecer em pleno ar deixando para trás esboços cartunescos de si próprio, Missing Man é geralmente percecionado como uma representação caricatural do próprio Ditko. Cuja obra nimbada pela cintilante luz da genialidade encerra os únicos vestígios da sua passagem pelo mundo.

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Shade, o Homem Mutável.

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Missing Man. Uma caricatura de Ditko?
Solteiro inveterado e sem descendência biológica conhecida, não existe qualquer indício de uma ligação íntima de Ditko a qualquer outro ser humano. Will Eisner, seu velho compincha, declarou certa vez ter conhecido o filho de Ditko mas é quase certo que o terá confundido com um sobrinho.
De permeio, Ditko ensaiou repetidos regressos à Marvel. A cada um deles sentindo-se mais um fantasma que assombrava a Casa das Ideias que ajudara a pôr de pé e onde vivera alguns dos seus dias mais felizes.
Cada vez mais entrincheirado no seu fundamentalismo objetivista, sepultou velhas amizades (como aquela que o unia a Dick Giordano, que levara consigo para a DC) e recusou todo e qualquer projeto que colidisse com as suas ideias.
Cidadão mental de uma época distante, o presente afigurava-se a Ditko como uma distopia futurista. E por isso rejeitava o mundo moderno e tudo aquilo que ele tinha para oferecer. Nas suas histórias abundavam ainda personagens de chapéu e gabardina que pareciam saídas diretamente dos anos 1950.
Mesmo quando os trabalhos começaram a rarear e a subsistência era uma luta diária, Ditko recusou vender a arte original que lhe teria rendido boa maquia. Do mesmo modo que nunca reclamou um cêntimo dos lucros astronómicos gerados pelas adaptações do Homem-Aranha e do Doutor Estranho ao cinema. Fama e fortuna nada significavam para ele. A prová-lo, o facto de, em 1987, ter recusado o Comic-Con Inkpot Award com o qual fora distinguido à revelia.
No fatídico dia 29 de junho de 2018, em vésperas de cumprir o seu 91º aniversário, Steve Ditko foi encontrado sem vida pela Polícia no interior do seu modesto apartamento, em Nova Iorque. Curiosamente, poucos meses antes de também Stan Lee se despedir do mundo terreno.
No entanto, por contraste com a celeuma mediática em torno do óbito de Lee, a morte de Ditko pouco mais foi do que uma nota de rodapé na generalidade da imprensa.
Para a posteridade ficam as palavras pronunciadas numa das suas últimas entrevistas, concedida algures na década de 1960: "Steve Ditko é uma marca comercial. O meu trabalho é tudo o precisam conhecer sobre mim. É por ele que quero ser lembrado." O mundo fez-lhe a vontade.

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A criatura chora a morte do criador.

Agradecimento muito especial ao meu bom amigo Emerson Andrade, autor da montagem que abre este artigo, que espero estar à altura do seu talento e expectativas.

Nota 1: Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
Nota 2: Artigos sobre a Timely Comics, Charlton Comics e Homem-Aranha disponíveis para leitura complementar.































31 janeiro 2020

GALERIA DE VILÕES: MAGNETO


  Sem concessões. Sem misericórdia. É assim que o Mestre do Magnetismo faz avançar a sua revolução mutante, mesmo se pela frente tem os pupilos de um velho amigo. Terrorista racial ou libertador de uma minoria oprimida, será sempre um dos homens mais perigosos à face da Terra.

Denominação original: Magneto 
Editora: Marvel Comics
Criadores: Stan Lee (história) e Jack Kirby (arte conceptual)
Estreia: X-Men nº1 (setembro de 1963)
Identidade civil: Max Eisenhardt (vulgo Erik Magnus Lehnsherr) 
Espécie: Homo superior
Local de nascimento: Nuremberga, Alemanha
Parentes conhecidos: Jakob e Edie Eisenhardt (pais, falecidos); Ruth Eisenhardt (irmã, falecida); Magda Eisenhardt (esposa, presumivelmente falecida); Anya Eisenhardt (filha, falecida); Lorna Dane / Polaris (filha); Joseph (clone, falecido)
Ocupação: Ex-carpinteiro, ex-caçador de Nazis, ex-terrorista internacional e ex-docente do Instituto Xavier, continua a ser um obstinado ativista dos direitos cívicos da população mutante.
Base operacional: A ilha senciente de Krakoa, localizada algures no Pacífico Sul, serve presentemente de quartel-general a Magneto que, no passado, esteve sediado em diferentes geografias. Do Asteroide M a Genosha, passando pela Terra Selvagem e pela Mansão X, foram muitas as infraestruturas e territórios a acolherem as suas atividades subversivas. Consta que disporá ainda de várias bases secretas espalhadas pelo globo, inclusive na Antártida. 
Afiliações: Ex-agente da Mossad; ex-líder e fundador da Irmandade de Mutantes; ex-líder dos Acólitos; ex-professor dos Novos Mutantes; ex-membro do Clube do Inferno;  ex-líder do Conselho Regente de Genosha e ex-membro do Quinteto Fénix, Magneto copreside atualmente com o seu velho amigo Charles Xavier ao Governo de Krakoa.
Némesis: X-Men e qualquer inimigo declarado dos mutantes.
Poderes e parafernália: O incrível poder mutante de Magneto confere-lhe controlo absoluto sobre todas as formas de magnetismo. Graças ao qual consegue manipular, a seu bel-prazer, qualquer metal, mesmo os virtualmente indestrutíveis. Como ficou, de resto, demonstrado quando o Mestre do Magnetismo extraiu o adamantium que revestia o esqueleto de Wolverine, quase matando o X-Man no processo.
Embora se desconheça a quantidade máxima de massa que Magneto consegue manipular de uma só vez, ele já ergueu sem esforço no ar submarinos nucleares de centenas de toneladas. Também já foi visto a usar os seus poderes para mover montanhas, desviar o curso de rios, desencadear terramotos e travar divisões blindadas de exércitos. O Mestre do Magnetismo está igualmente capacitado a manipular campos gravitacionais, o que lhe possibilita voar a distâncias e velocidades consideráveis.
O seu impressionante catálogo de habilidades inclui ainda a criação de poderosos campos de força magnéticos para sua proteção ou de terceiros; a projeção de rajadas elétricas e a geração de gigantescos pulsos eletromagnéticos suscetíveis de causarem devastação à escala planetária. Montar ou desmontar armas e maquinarias em questão de segundos é outra das suas especialidades.
Apesar da habilidade primária de Magneto radicar no seu controlo sobre o magnetismo, ele consegue igualmente manipular qualquer forma de energia do espectro eletromagnético. A saber: ondas de rádio, luz ultravioleta, raios gama, etc.

Magneto ripping the adamantium from Wolverine's bones
O adamantium no corpo de Wolverine
 tornou-o presa fácil para o Mestre do Magnetismo.
Mesmo para telepatas tão poderosos como o Professor X ou Emma Frost, a mente de Magneto é uma fortaleza semi-inexpugnável. Várias explicações para esta sua invulgar resistência a investidas psíquicas foram já aventadas. Sendo a mais plausível aquela que teoriza que isso se deverá a algum tipo de interferência causada na telepatia pelos seus poderes eletromagnéticos. Muito mais do que um simples adereço, o seu capacete especial confere-lhe proteção eficaz contra ataques e sondagens mentais. Há quem, por outro lado, especule que Magneto possa possuir habilidades telepáticas latentes.
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Magneto resiste a uma potente investida telepática do Professor X.
Com reconhecidas competências em áreas tão diversificadas como a Robótica, a Física de Partículas ou a Bioengenharia, Magneto é senhor de um dos maiores intelectos da Terra. No seu currículo tem a construção de estações orbitais, a criação de formas de vida inteligentes e o desenvolvimento de sofisticados aparatos para efeitos diversos. Uma das suas mais brilhantes invenções nesse campo permitia-lhe anular os poderes de qualquer mutante - exceto, obviamente, os seus.
Poliglota, Magneto é fluente em alemão, hebraico, polaco e em vários outros idiomas. Certa vez, logrou mesmo decifrar a língua de uma antiga civilização há muito extinta.
À sua vasta experiência em combate, Magneto alia a sua mestria estratégica. A combinação dessas duas valências já lhe permitiu sair vitorioso de combates travados com os X-Men e os Vingadores.
Apesar de ser um adolescente durante o Holocausto, Magneto conserva a aparência de um homem de meia-idade no auge da forma física. Cortesia do processo de rejuvenescimento que em tempos lhe foi aplicado pelo Alto Evolucionário.
Devido ao seu treino militar, o Mestre do Magnetismo possui medianas aptidões no combate corpo a corpo. Quando em presença de um adversário mais forte, recorre aos seus poderes mutantes para incrementar as suas capacidades físicas.
O traje envergado por Magneto é na verdade uma espécie de armadura confecionada a partir de uma amálgama de ligas metálicas ultraleves e ultrarresistentes. Serve para protegê-lo, por exemplo, das balas de borracha que os seus campos de força magnéticos são incapazes de suster.
Por tudo o acima descrito, Magneto concorre a vários superlativos, designadamente o de mutante mais poderoso do mundo e inimigo nº1 da Humanidade.

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Nem o poder combinado dos X-Men intimida o Mestre do Magnetismo.
Fraquezas: A extensão e eficácia dos poderes de Magneto dependem diretamente da sua condição física. Quando ferido ou debilitado, o corpo do vilão é incapaz de resistir ao enorme esforço requerido pela manipulação da energia magnética.
Outro constrangimento ao potencial do Mestre do Magnetismo sobrevém da sua propensão para a depressão e outras patologias do foro psíquico, especificamente bipolaridade. Dada a prevalência destas condições no seu historial clínico, presume-se que serão efeitos colaterais de uma utilização desregrada das suas habilidades mutantes.
Magneto kneels before Cyclops on Utopia
Por vezes Magneto cede ao peso dos seus ideais.

Messias mutante

Magneto, o mais icónico dos supervilões mutantes, foi criado por Stan Lee e Jack Kirby para apadrinhar o batismo de fogo dos pupilos do Professor X, em X-Men nº1 (setembro de 1963). No entanto, Stan Lee nunca considerou o Mestre do Magnetismo um genuíno expoente de malignidade.
Para o saudoso arquiteto da Casa das Ideias, Magneto, vítima de preconceito e violência desde tenra idade, tornara-se ele próprio preconceituoso e violento. Com a diferença de não ser indefeso, uma vez que possui o poder para revidar contra os seus algozes.
«Eu nunca vi Magneto como um vilão», explicava Lee quando questionado sobre a moralidade da sua criação, acrescentando: «Ele limitava-se a retribuir a intolerância e o ódio dos humanos normais em relação aos mutantes. Ele tentava proteger os seus semelhantes e, como a sociedade não os respeitava, Magneto decidiu dar uma lição à sociedade. Claro que ele era uma ameaça, mas havia alguma nobreza na sua causa.»

Magneto apresentou-se ao mundo em X-Men nº1 (1963).
Com a luta pelos direitos cívicos dos negros como pano de fundo, as histórias dos X-Men pretendiam ser alegorias para as tensões raciais que, à época, fraturavam a sociedade americana. Nesse sentido, Martin Luther King Jr. e Malcom X serviram, respetivamente, de modelos à caracterização de Charles Xavier e Magneto.
Enquanto o primeiro - replicando a doutrina inclusiva de Luther King - acalentava o ideal de uma coexistência harmoniosa entre humanos e mutantes, o segundo - alinhado com as políticas separatistas de Malcom X - pugnava pela plena emancipação da sua raça. No fundo, malgrado as suas visões antagónicas de uma causa comum, os dois homens - na ficção como no mundo real - representavam as duas faces da mesma moeda.
Com efeito, a turbulenta amizade entre Charles Xavier e Magneto é uma pedra angular na vida dos dois homens. Sabe-se, no entanto, que Stan Lee ponderou inicialmente apresentá-los como irmãos, de molde a conferir maior dramatismo à relação entre ambos.

As filosofias opostas de Martin Luther King e Malcom X
 inspiraram Stan Lee a criar o Professor X e Magneto.
Nas suas aparições iniciais Magneto era retratado como um aspirante a tiranete, impelido pelo seu desejo de punir a Humanidade pelas suas atrocidades. Com o tempo, porém, ser-lhe-ia aplicado o mesmo processo de humanização de que foram alvo tantos outros vilões do Universo Marvel. No âmbito desse protocolo modificativo, foi-lhe atribuído o estatuto de sobrevivente do Holocausto empenhado em garantir que os mutantes, apenas por terem nascido diferentes, não sofreriam as mesmas sevícias que os judeus e outras minorias.
A face mais radical da revolução mutante, Magneto acredita que o Homo superior está predestinado a herdar o planeta, percecionando dessa forma o Homo sapiens como um estorvo nocivo à evolução da espécie humana.
Como qualquer messias, Magneto dispõe de apóstolos e julga-se investido de uma missão sagrada. No caso, a de assegurar, por todos os meios necessários, a sobrevivência e supremacia da sua raça num mundo que lhe é hostil.
Por cada mutante - amigo ou inimigo - morto às mãos de humanos, crescem a culpa e a raiva do Mestre do Magnetismo. A mesma raiva que reserva para os mutantes colaboracionistas e para todo e qualquer inimigo da sua causa. Como qualquer fanático que se preze, Magneto rege-se pelo velho mantra "Quem não está comigo, está contra mim." E tem sido assim, sem concessões nem misericórdia, que tem liderado os seus seguidores rumo ao alvorecer de uma nova era.

Complexo de messias.

Sobrevivente do Holocausto

Max Eisenhardt, o homem que o mundo aprenderia a temer como Magneto, nasceu nos anos terminais da década de 1920, no seio de uma família de judeus alemães de classe média. O seu pai, Jakob Eisenhardt, era um veterano condecorado da I Guerra Mundial e um orgulhoso patriota.
Após a ascensão de Hitler ao poder, o clã Eisenhardt sobreviveu às políticas discriminatórias emanadas das Leis de Nuremberga, bem como à fatídica Noite de Cristal. Quando o ar na Alemanha se tornou irrespirável para os judeus e outras minorias, Jakob fugiu com a família para a Polónia. Acabariam no entanto capturados pelas tropas germânicas durante a invasão e subsequente ocupação do país.
Enviada para o gueto de Varsóvia, a família Eisenhardt lograria escapar pouco tempo depois. Apenas para voltar a ser capturada pelas forças nazis, que resolveram fazer dela um exemplo para os restantes judeus. Os pais e a irmã de Max foram sumariamente executados e enterrados numa vala comum. A provável manifestação precoce dos seus dons mutantes salvou o rapaz de idêntico destino.
Sozinho no mundo, Max foi transferido para o campo de concentração de Auschwitz, onde foi nomeado Sonderkommando. Entre outras funções, competia-lhe a macabra tarefa de sepultar as vítimas das câmaras de gás. Essas sinistras memórias definiriam para sempre o seu caráter.
Foi também durante a sua passagem por Auschwitz que Max reencontrou Magda, a rapariga cigana por quem se enamorara na infância. Tal como os demais sobreviventes do campo, o casal seria libertado pelo Exército Vermelho, nos primeiros meses de 1945.

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Os poderes de Max Eisenhardt garantiram-lhe
 a sobrevivência num campo da morte nazi.
Finda a II Guerra Mundial, Max e Magda instalaram-se na cidade ucraniana de Vinnytsia. Max adotou o nome Magnus e Magda deu à luz a filha de ambos, Anya. ´
Para garantir o sustento da família, Magnus trabalhava como carpinteiro e, apesar da vida humilde que levavam, todos eram felizes. Tudo mudaria na noite em que Magnus, ao regressar da cidade, foi atacado por desconhecidos. Numa reação instintiva de autopreservação, os seus latentes poderes magnéticos liquidaram os agressores.
Mais tarde nessa noite, a casa de Magnus foi incendiada por uma turba enfurecida e a pequena Anya pereceu no incêndio. Tomado pela raiva e pela dor, Magnus usou os seus recém-descobertos poderes para chacinar os atacantes perante a sua horrorizada cara-metade.  Em pânico, Magda fugiu para a floresta para nunca mais ser vista.

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Memórias agridoces do Mestre do Magnetismo:
em cima, momentos felizes em família;
em baixo, Magnus chora a morte da filha.
Novamente sozinho no mundo e de coração entrevado, Magnus - agora respondendo pelo nome Erik Lehnsherr - viveu os anos seguintes incógnito entre a comunidade cigana local. Foi também sob essa identidade que viajou até Israel, onde trabalhou como voluntário num hospital psiquiátrico em Haifa.
Num obséquio do destino, foi lá que travou amizade com Charles Xavier, um jovem e idealista académico nascido em terras do Tio Sam. Noite após noite, os dois jogavam xadrez e debatiam o impacto das mutações genéticas no futuro da Humanidade. Apesar dessa afinidade, ambos guardavam sigilo da sua condição de mutantes.
Quando um comando da HIDRA tomou de assalto o hospital para raptar uma paciente, Erik e Charles viram-se forçados a fazer uso das suas habilidades magnéticas e telepáticas para repelirem o ataque. No rescaldo da batalha, com os seus segredos expostos, os dois amigos perceberam que defendiam pontos de vista inconciliáveis no que ao papel dos mutantes na sociedade dizia respeito, seguindo a partir desse momento caminhos separados.
Ironicamente, as mesmas ideias que os apartaram, voltariam a reuni-los anos mais tarde, ainda que em lados opostos da barricada.
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Charles Xavier e Magneto partilham a paixão pelo xadrez.
Mas apenas um deles quer fazer xeque-mate à Humanidade.
Durante esse ínterim, Erik, ao serviço da Mossad, caçou criminosos de guerra nazis. Colaboração que seria interrompida quando os serviços secretos israelitas assassinaram uma jovem por quem Erik se afeiçoara.
As traumáticas experiências vivenciadas por Erik durante o Holocausto moldaram a sua perceção da vulnerabilidade da comunidade mutante inserida em sociedades intolerantes e preconceituosas. Determinado em proteger os seus semelhantes do mesmo tipo de atrocidades que haviam sido impostas aos judeus, Erik abraçou métodos radicais e violentos.
Por acreditar que o Homo superior se tornaria, a breve trecho, a espécie dominante no planeta, Erik lutava pela criação de um etno-Estado onde todos os mutantes pudessem viver em paz e segurança. Consistindo a alternativa em conquistar o mundo e escravizar a Humanidade.
Na sua primeira aparição como Magneto, Erik atacou Cape Citadel, uma base militar instalada na Florida. Apesar de ter sido detido pelos X-Men (pupilos do seu velho amigo Charles Xavier), o Mestre do Magnetismo não mais concederia tréguas na sua guerra contra a Humanidade.
Terrorista racial aos olhos de uns, messias aos olhos de outros, depressa ganhou a reputação de homem mais perigoso à face da Terra, passando a planear as suas ações subversivas a partir do Asteroide M, uma sofisticada estação orbital que ele próprio construiu.
À criação dos X-Men e ao ideal de coexistência pacífica acalentado por Xavier, respondeu Magneto com a formação da Irmandade de Mutantes ao serviço da sua campanha supremacista. Sempre que a própria sobrevivência do Homo superior era posta em causa, as duas fações punham de lado as suas diferenças e uniam forças para enfrentarem a ameaça comum.
Magneto concretizou brevemente o seu sonho de liderar um etno-Estado quando, no início deste século, a ONU o reconheceu como soberano de Genosha. Para essa nação insular na costa oriental africana convergiram mutantes de todo mundo em busca de um lar. Apesar de hoje  restarem apenas escombros fumegantes dessa utopia que fez florescer as esperanças de toda uma raça, o Mestre do Magnetismo não chora o seu fim, orgulhando-se antes por ela existido.

The Mutant Brotherhood
Magneto e a sua Irmandade de Mutantes.

Miscelânea

*Rei Cinzento, Peregrino Branco, Erik, o Vermelho e Líder são outros dos cognomes tradicionalmente associados a Magneto;
*Homo superior foi o termo cunhado por Magneto para designar cientificamente os mutantes, a subespécie com poderes inatos que ele perceciona como o próximo estágio evolutivo da Humanidade;
*A cor encarnada dos paramentos do Mestre do Magnetismo pretende simbolizar o sangue derramado pelos mutantes às mãos daqueles que os temem e odeiam. Magneto faz-se habitualmente acompanhar de um arquivo holográfico contendo os nomes de numerosos representantes da sua espécie vítimas de mortes violentas e crimes de ódio;

O traje de Magneto invoca o de antigo um rei guerreiro
disposto a morrer pelo seu povo.
*Eisenhardt significa "coração de aço" em Alemão, apelido deveras apropriado para uma personagem com as idiossincrasias de Magneto;
*Conforme mostrado em X-Men nº161 (setembro de 1982), o número de identificação originalmente tatuado no antebraço de Magneto era 214782. Tratou-se, no entanto, de um erro por parte do artista da história que, ignorando o funcionamento do sistema de numeração implementado em Auschwitz, lhe atribuiu um número demasiado elevado, levando em conta que o clã Eisenhardt integrou a primeira leva de prisioneiros a serem admitidos no infame campo de extermínio Nazi. Em agosto de 2004, um retcon apresentado em Excalibur Vol.3 nº2 atribuiu a Max Eisenhardt o número 24005;
*Aquando da formação da Irmandade de Mutantes, Magneto fez notar aos seus apaniguados que os seus sentimentos pessoais eram insignificantes por comparação com a grandeza da causa por que se batiam. Apesar da sua retórica, era frequente o Mestre do Magnetismo deixar-se dominar pela raiva em relação aos algozes do seu povo;
*Num dos primeiros embates entre as duas fações rivais, a Irmandade de Mutantes capturou o Anjo e os X-Men fizeram o Sapo prisioneiro. Perante o dilema apresentado, Magneto mostrou-se prontamente disposto a sacrificar o seu subordinado porquanto considerava o seu refém mais valioso do que o "tolo saltitante" que o bajulava. Certa vez, o Mestre do Magnetismo ponderou também enviar Mercúrio num ataque suicida à Mansão X. Numa outra ocasião ainda, ameaçou matar a Feiticeira Escarlate se esta lhe desobedecesse. Demonstrações de insensibilidade e fanatismo que levaram o Mestre Mental a afirmar que Magneto é totalmente desprovido de emoções;
*Durante muito tempo, a paternidade dos gémeos Pietro e Wanda Maximoff (Mercúrio e Feiticeira Escarlate) foi atribuída a Magneto. Eventos recentes desmentiram, porém, essa relação familiar. Lorna Dane (a heroína mutante Polaris) é agora a única filha reconhecida do Mestre do Magnetismo, cujas habilidades herdou parcialmente;

Polaris, a herdeira de Magneto.
*Com o intuito de prevenir acusações de antissemitismo, a Marvel ponderou alterar a etnia de Magneto antes de voltar a apresentá-lo como um vilão sanguinário. A ideia do Mestre do Magnetismo ser cigano não colheu juntos do público e a sua origem clássica, embora retocada, acabaria por prevalecer;
*Doutor Polaris e Doutor Diabólico (Doctor Diehard, no original) são os dois supervilões da DC aos quais Magneto serviu de inspiração;

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Um dos pastiches de Magneto criados pela Distinta Concorrente.
*Desde 2011 que Magneto encabeça a lista dos cem melhores vilões da banda desenhada organizada pelo site IGN. Igualmente honroso é o nono lugar que ocupa no ranking das 200 melhores personagens de todos os tempos elaborado pela revista Wizard.
*Foi num episódio de Fantastic Four, série animada de 1978, que Magneto fez a sua transição para o segmento audiovisual. Apesar de possuir poderes idênticos aos da sua versão canónica, o vilão não era um mutante. No cinema, a estreia do Mestre do Magnetismo remonta a 2000, ano de lançamento da primeira longa-metragem dos X-Men (já aqui revisitada). Originalmente interpretado por Ian McKellen, o papel foi herdado por Michael Fassbender, em 2014. Personagem charneira na franquia dos Filhos do Átomo, o futuro de Magneto, bem como o dos próprios X-Men, permanece incerto no Universo Cinematográfico Marvel após a aquisição da Fox pela Disney.
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A primeira aparição de Magneto fora da banda desenhada.

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No cinema, o  britânico Ian McKellen e o germânico Michael Fassbender
 vêm-se revezando no papel de Magneto.

Nota: Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.

09 janeiro 2020

RETROSPETIVA: «BATMAN»

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  Gotham City, a bicentenária capital da corrupção, serve de arena ao duelo mortal entre o Homem-Morcego e o Palhaço do Crime, com centenas de vidas inocentes em jogo. Na viragem da década de 80, um filme com o toque burlesco de Tim Burton relançou a Bat-Mania e revolucionou todo um género.

Título original: Batman
Ano: 1989
País: Estados Unidos da América
Duração: 126 minutos
Género: Ação, Aventura e Super-Heróis
Produção: Warner Bros. Pictures e Guber-Peters Company
Realização: Tim Burton
Argumento: Sam Hamm e Warren Skaaren
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Elenco: Michael Keaton (Bruce Wayne / Batman); Jack Nicholson (Jack Napier / Joker); Kim Basinger (Vicky Vale); Robert Wuhl (Alexander Knox); Michael Gough (Alfred); Pat Hingle (Comissário Gordon); Billy Dee Williams (Harvey Dent); Jack Palance (Carl Grissom); Jerry Hall (Alicia); Tracey Walter (Bob); William Hootkins (Tenente Eckhardt) e Lee Wallace (Mayor Borg)
Orçamento: 35 milhões de dólares
Receitas: 411,5 milhões de dólares

Anatomia de um clássico

Com uns quantos percalços de permeio, a longa-metragem do Cavaleiro das Trevas esteve em desenvolvimento durante uma década. A reboque do êxito de Superman, The Movie no ano anterior, as primeiras ideias começaram a ser gizadas em 1979. Em outubro desse ano,  enquanto na banda desenhada - efeito de algum estiolamento criativo - a popularidade do Batman mirrava de mês para mês, o produtor Michael E. Uslan adquiriu à DC Comics os respetivos direitos cinematográficos. Coincidência ou não, pouco tempo antes a estação televisiva CBS publicitara a sua intenção de produzir um telefilme cómico intitulado Batman in Outer Space, com o propósito de reviver o espírito kitsch da série dos anos 60.
Michael Uslan tinha de facto em mente algo muito diferente. Ambicionava apresentar ao público uma versão séria e definitiva do Batman consentânea com o conceito imaginado em 1939 por Bob Kane e Bill Finger: um justiceiro sombrio e atormentado que caçava criminosos a coberto da noite.

E Uslan
Michael Uslan foi o artífice do filme do Batman.
Nos meses seguintes, Uslan bateu à porta de vários estúdios de Hollywood, esbarrando no desinteresse destes em produzir um projeto com aquelas características. Columbia Pictures e United Artists foram duas das companhias que rejeitaram a proposta.
Embora naturalmente desapontado, Uslan recusou-se a deitar a toalha ao chão. Decidiu então escrever ele próprio um argumento. Intitulada Return of the Batman (O Regresso do Batman), a história serviria para melhor apresentar a sua visão da personagem aos responsáveis dos estúdios. Apenas para ser novamente brindado com a indiferença destes. Importa ter presente que naquela época os filmes de super-heróis eram ainda um género menor apelativo apenas para nichos restritos do público.
A sorte de Uslan começou a mudar no verão de 1980. Durante a Comic Art Convention de Nova Iorque, a Warner Bros. aceitou o seu projeto, na expectativa de conseguir replicar o sucesso da franquia do Homem de Aço, cujo segundo filme estrearia no final desse mesmo ano.
Apesar desse pequeno avanço, o projeto continuaria a aboborar nos três anos seguintes. Em 1983, Tom Mankiewicz escreveu um novo argumento com foco nas origens do Batman e de Dick Grayson, o primeiro Robin a acolitar o Cavaleiro das Trevas.  Joker e Rupert Thorne (um implacável barão do crime introduzido em 1977 no cânone do Batman) seriam os vilões e Silver St. Cloud o interesse romântico de Bruce Wayne.
Esta nova versão do enredo era baseada em Batman: Strange Apparitions, minissérie saída da pena de Steve Englehart e publicada originalmente entre maio de 1977 e outubro de 1978 em Detective Comics, um dos títulos mensais estrelados pelo Homem-Morcego.

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Silver St. Cloud (cima) e Rupert Thorne
seriam personagens-chave no enredo original
de Batman.
Marshall Rogers, um dos ilustradores da referida minissérie, foi contratado para desenvolver a arte conceptual. Tudo parecia agora bem encaminhado, em especial após o anúncio de maio de 1985 como data de lançamento do filme, cujo orçamento ascenderia aos 20 milhões de dólares.
Tom  Mankiewicz queria um ator desconhecido para Batman (o que não impediu que nomes sonantes como Mel Gibson e Kevin Costner fossem equacionados), William Holden para Comissário Gordon, David Niven para Alfred Pennyworth e Peter O'Toole como Pinguim. Contudo, as mortes repentinas dos dois primeiros deitaram por terra tais pretensões.
Sucessivamente reescrito (nove vezes por outros tanto autores), o argumento de Mankiewicz continuou no entanto a servir de base ao desenvolvimento da película. Na banda desenhada, as ovacionadas obras O Regresso do Cavaleiro das Trevas e A Piada Mortal (já aqui esmiuçadas) tinham devolvido ao Batman o seu fulgor de outrora. Facto que encorajou a Warner Bros. a apostar numa adaptação cinematográfica do herói.
Após o sucesso financeiro de Pee-wee's Big Adventure (1985), a Warner Bros. contratou Tim Burton para dirigir o projeto. Uma escolha de alto risco, atendendo à inexperiência do realizador cujo currículo, à data, se resumia ao filme citado e duas curtas-metragens.

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Tim Burton foi a surpreendente escolha para dirigir Batman.
Em março de 1986, Steve Englehart foi incumbido de aplicar novo tratamento ao argumento de Tom Mankiewicz. Joker e Rupert Thorne mantiveram o seu estatuto de antagonistas, ao passo que a participação do Pinguim foi reduzida a um cameo. Silver St. Cloud e Dick Grayson seriam os coadjuvantes principais numa história que impressionou os executivos da Warner. Englehart considerava, porém, excessivo o número de personagens, pelo que removeu o Pinguim e Dick Grayson da trama.
Paralelamente, Tim Burton confiou a Sam Hamm (um aficionado da Nona Arte) a missão de escrever um guião alternativo. Hamm optou por não apresentar uma típica história de origem, privilegiando antes os flashbacks para desvendar o mistério em redor desta. Segundo ele, ninguém queria ver Bruce Wayne a treinar para se transformar no Batman...
Hamm substituiu também Silver St. Cloud por Vicky Vale (um dos mais duradouros interesses amorosos de Bruce Wayne) e Rupert Thorne pela sua própria criação, Carl Grissom. Numa revisão posterior, Dick Grayson seria igualmente suprimido da trama.
Apesar do entusiasmo suscitado pelo argumento de Hamm, a Warner Bros. estava agora menos disposta a avançar com o projeto, que parecia destinado a voltar à estaca zero. Durante esse novo impasse, o enredo de Hamm foi contrabandeado em várias lojas de comics americanas.

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O argumento de Batman teve a assinatura de Sam Hamm.
O ponto de viragem definitivo deu-se na primavera de 1988. O sucesso de Beetlejuice (Os Fantasmas Divertem-se), dirigido por Tim Burton e protagonizado por Michael Keaton, foi determinante para a Warner Bros. dar finalmente luz verde ao filme do Batman. A ideia era lançá-lo no ano seguinte enquadrado pelas comemorações do cinquentenário do herói. Sem tempo a perder, o projeto entrou em velocidade de cruzeiro.
Em meio à atmosfera de expectativa gerada por essa informação, rebentou uma aguerrida controvérsia. Quando os fãs do Cavaleiro das Trevas descobriram que seria Tim Burton a dirigir o filme, e que  seria Michael Keaton (veterano de comédias) a emprestar o seu franzino corpo ao guardião de Gotham, as reações negativas não se fizeram esperar. Motivadas, essencialmente, pelo receio de que o filme viesse a mimetizar o histrionismo da série televisiva com Adam West.

A escolha de Michael Keaton para fazer de Batman deixou os fãs
à beira de um ataque de nervos.
Nos meses seguintes, os escritórios da Warner Bros. foram inundados com 50 mil cartas de fãs furiosos com a escolha de Keaton para o papel principal. Sam Hamm e Michael Uslan também não viram a escolha com bons olhos. Por contraponto à euforia com que foi recebida a notícia de que o Joker seria interpretado por Jack Nicholson.
Nicholson apresentou, porém, um caderno de exigências antes de assinar o seu contrato. Entre outras coisas, o ator exigiu ser cabeça de cartaz, receber uma percentagem das receitas de bilheteira e definir o seu próprio cronograma para a gravação das suas cenas.
Sean Young (Blade Runner) foi a primeira atriz escalada para o papel de Vicky Vale, mas um acidente de equitação nas vésperas do arranque das filmagens deixou-a incapacitada. Dada a urgência em encontrar uma substituta adequada, a escolha recairia sobre Kim Basinger, com disponibilidade imediata para integrar o elenco.

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Sean Young quase vestiu a pele de Vicky Vale.
Nada disto tranquilizou, porém, os fãs. Para contrariar os rumores negativos acerca da produção, Bob Kane, cocriador do Batman, foi contratado como consultor criativo. Curiosamente, Kane também começara por torcer o nariz à escolha de Michael Keaton para interpretar a sua criação suprema.
O enorme interesse mediático suscitado pela produção demoveu Tim Burton de rodar o filme nos estúdios da Warner Bros, em Los Angeles. A fim de prevenir eventuais atos de espionagem, as filmagens foram transferidas para o Reino Unido. Mais concretamente, para os Estúdios Pinewood, nos arrabaldes londrinos.
Apesar do secretismo em torno da produção, a polícia britânica seria chamada na sequência do furto de duas bobines (contendo cerca de 20 minutos de filmagens). Material que, de resto, nunca seria recuperado. Também o diretor de marketing seria aliciado por desconhecidos com uma avultada soma em dinheiro a troco das primeiras imagens de Jack Nicholson como Joker.
Além dos constantes achaques de Tim Burton, a produção ficou marcada por uma apreciável derrapagem orçamental estimada entre os 5 e os 15 milhões de dólares. Acrescendo ainda a greve dos guionistas de Hollywood que terá prejudicado a qualidade do enredo. Com Sam Hamm impedido de retocá-lo devido à sua adesão ao boicote, coube a Warren Skaaren (argumentista de Beetlejuice) executar essa tarefa. Foi, aliás, da sua autoria uma das cenas mais controversas do filme, na qual Alfred concede a Vicky Vale acesso à Bat-Caverna.
Depois de já ter colaborado com Tim Burton em Pee-wee's Big Adventure e Beetlejuice, Danny Elfman foi o eleito para compor a banda sonora da película. Nela seriam também incluídas canções de Prince, apesar dos protestos de Tim Burton. O cineasta considerava a música de Prince demasiado comercial para um projeto autoral como Batman.
Concluída a rodagem em janeiro de 1989, Batman chegaria às salas de cinema americanas em junho desse ano. Verdadeiro fenómeno de bilheteira, foi o segundo filme mais rentável de 1989 (superado apenas por Indiana Jones e a Grande Cruzada) e relançou a Bat-Mania à escala planetária.
As Bodas de Ouro do Homem-Morcego ganharam, assim, um brilho especial e os fãs puderam dormir descansados.

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De roupa a guloseimas, passando por cereais de pequeno-almoço,
a Bat-Mania instalou-se um pouco por todo o lado.

Enredo

Num beco esconso de Gotham City, um incauto casal de turistas e o seu filho são assaltados à mão armada. Minutos depois, quando os dois meliantes dividem entre si o produto do roubo no telhado de um edifício próximo, são atacados por um sinistra figura vestida de negro que invoca um morcego gigante.
Apesar das omissões da Polícia, Alexander Knox, astuto repórter do Gotham Globe, prossegue a sua investigação sobre a presumível existência de um vigilante fantasiado de morcego, cujos avistamentos têm sido cada vez mais frequentes.

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A sombra do morcego paira sobre Gotham City.
Numa conferência de imprensa na escadaria da Câmara Municipal, o mayor Borg apresenta aos jornalistas Harvey Dent, o novo Promotor público. Em vésperas do bicentenário da fundação de Gotham City, ambos comprometem-se a limpar o crime e a corrupção que maculam a reputação da cidade.
De regresso à redação do Gotham Globe, Knox depara-se com Vicky Vale, a nova fotógrafa do jornal. Une-os a curiosidade de descobrir quem é o misterioso "homem-morcego" que assombra a noite de Gotham. Knox confidencia à colega o seu plano para se infiltrar na festa beneficente que terá lugar na Mansão Wayne. A ideia é confrontar o Comissário Gordon com os rumores sobre a existência de um ficheiro sobre o Batman.
Inquieto com a possibilidade de o novo Promotor descobrir as suas ligações sujas à Axis Chemicals, o barão do crime Carl Grissom encarrega Jack Napier, o seu sádico lugar-tenente, de invadir a fábrica e destruir a documentação comprometedora.

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Carl Grissom tem em Jack Napier o seu braço-direito.
Nessa mesma noite, Knox e Vicky Vale comparecem ao evento beneficente na Mansão Wayne. Questionado por Knox, o Comissário Gordon nega a existência de um vigilante à solta nas ruas de Gotham. Vicky, por sua vez, trava casualmente conhecimento com o discreto anfitrião, Bruce Wayne. A amena cavaqueira entre ambos é, porém, subitamente interrompida quando Alfred, o mordomo de Bruce, requisita a presença do patrão para cuidar de outro assunto.
Num centro de comando secreto instalado no subsolo da Mansão Wayne, Bruce analisa as gravações de videovigilância que mostram a saída apressada do Comissário Gordon depois de ser informado que estava em curso uma operação policial não-autorizada na Axis Chemicals.
Na fábrica, Jack Napier intui ter caído numa emboscada e pede aos seus homens para ficarem alerta. Com o Tenente Eckhardt no comando, a Polícia invade as instalações. Em meio à troca de tiros que se segue, Napier é encurralado por Batman e acaba acidentalmente por cair numa tina de produtos químicos.
No dia seguinte, a morte do lugar-tenente de Carl Grissom é descrita como suicídio. Knox suspeita, todavia, da responsabilidade de Batman pela mesma e pede ajuda a Vicky para o ajudar na investigação. Mas a jovem tem outros planos.
Surpreendentemente, Jack Napier sobreviveu e arrastou-se até ao consultório clandestino de um cirurgião a soldo da Máfia. Malgrado os esforços do médico, os químicos deixaram Jack deformado e desfiguraram-lhe o rosto, que exibe agora um sorriso permanente.
Na sua luxuosa cobertura, Carl Grissom é surpreendido pela aparição de Napier, que o assassina a sangue frio após ter deduzido que fora o ex-patrão quem o denunciara à Polícia. Tudo porque Jack andava a dormir com a amante de Grissom, a escultural Alicia. Jack Napier morreu nessa noite e no seu lugar nasceu Joker, o Palhaço do Crime.
Enquanto isso, Bruce e Vicky desfrutam de um serão tranquilo na Mansão Wayne. Cada vez mais intrigada pelo misterioso milionário, a jovem convida-o para sair mas ele recusa a pretexto de uma suposta viagem de negócios.

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Bruce Wayne e Vicky Vale vivem um romance atribulado.
Num conclave com o sindicato do crime, Joker informa os presentes que, devido à inesperada partida de Carl Grissom, será doravante ele a dirigir os negócios. Não hesitando em eletrocutar um dos seus associados quando este questiona o novo regime.Apesar dessa demonstração de força, no dia seguinte um dos chefes do crime anuncia publicamente que Carl Grissom lhe confiou o controlo do seu império. Ato contínuo, o Joker aparece e mata o rival antes de sair rapidamente de cena, sob o olhar embasbacado de Bruce Wayne. Também escondida nas imediações, Vicky Vale é, sem que se aperceba, fotografada por um dos asseclas do Palhaço do Crime. Que logo desenvolve uma obsessão pela bela fotógrafa.
Com a fábrica abandonada da Axis Chemicals a servir-lhe de esconderijo, Joker desenvolve em segredo o Smilex. Trata-te de um químico que, quando combinado com qualquer produto de higiene ou cosmética, se torna letal. Um pouco por toda a cidade, dezenas de vítimas sucumbem aos seus efeitos e o pânico instala-se.
Dias depois, Vicky Vale recebe um convite de Bruce Wayne para almoçar no Museu de Arte. Apenas para descobrir que se tratava de um engodo do Joker para atraí-la. Aterrorizada pelo vilão, Vicky é salva por Batman após uma espetacular entrada pela claraboia do edifício.

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O Palhaço do Crime corteja Vicky Vale.
A bordo do potente Batmobile, Vicky participa numa alucinante perseguição pelas ruas de Gotham. Segue-se uma fuga apeada e uma breve escaramuça de Batman com os capangas do Joker. Quando o herói fica momentaneamente inconsciente, um dos bandidos tentar remover-lhe a máscara. Do alto de uma plataforma suspensa, Vicky fotografa o momento, na esperança de descobrir a verdadeira identidade do Batman.
Depois de voltar a si e de se desembaraçar dos homens do Joker, Batman vai ao encontro de Vicky e leva-a até à Bat-Caverna. Lá, o Homem-Morcego entrega a Vicky um ficheiro contendo informações sobre como neutralizar os efeitos do Smilex antes de se apoderar do rolo fotográfico da jovem.
Com as informações cedidas pelo Batman a circularem na comunicação social, Vicky recebe a visita de Bruce Wayne no seu apartamento. Embora disposto a revelar-lhe o seu segredo, o milionário é interrompido pela súbita aparição do Palhaço do Crime e do seu séquito. A fim de desviar a atenção do Joker, Bruce provoca-o e acaba baleado à queima-roupa. Antes de premir o gatilho, o vilão brinda Wayne com o seu mantra: "Alguma vez dançaste com o Diabo sob o pálido luar?"
Acode então à memória de Bruce - que escapou ileso graças a uma bandeja metálica usada como colete antibala - a fatídica noite em que os seus pais foram assassinado por alguém que proferira aquelas mesmas palavras.

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Os destinos de Jack Napier e Bruce Wayne ficaram entrelaçados.
Em nova conferência de imprensa, o mayor Borg anuncia o cancelamento das celebrações do Bicentenário por não estarem reunidas as condições de segurança. A transmissão televisiva é, contudo, subitamente interrompida pelo Joker. Que, por sua vez, anuncia que irá organizar uma grandiosa festa nessa noite na qual distribuirá 20 milhões de dólares. Terminando a sua alocução com um desafio ao Batman para um mano a mano.
Longe dali, Bruce Wayne acompanha a par e passo os acontecimentos a partir da Bat-Caverna. Após ser surpreendido pela visita de Vicky Vale, sai para se vingar do homem que lhe roubou a infância.

Batman a postos para a batalha.
Batman começa por mandar o Batmobile destruir a fábrica da Axis Chemicals, mas logo percebe que as instalações estão desertas.
Simultaneamente, pelas ruas de Gotham começa a desfilar a ruidosa parada encabeçada pelo Joker, que incluí vários balões gigantes. Para delírio da multidão, o Palhaço do Crime distribui dinheiro a rodos. Quando as pessoas percebem que se tratam, afinal,  de notas falsas, o Joker ordena que seja libertado o gás tóxico armazenado nos balões. Ato contínuo, dezenas de pessoas sucumbem aos efeitos da substância.
Batman cruza os céus aos comandos do seu Batwing e leva os balões para longe, salvando centenas de vidas inocentes. Ao tentar alvejar o Joker, acaba abatido pelo disparo de um revólver gigante. Vicky corre para os destroços fumegantes do avião, mas é raptada pelo Palhaço do Crime. Ambos sobem então as enormes escadarias que conduzem ao telhado de uma imponente catedral.
Embora ferido, Batman parte no encalço de Joker e de Vicky, derrotando pelo caminho os asseclas do vilão. Por fim, o Homem-Morcego e o Palhaço do Crime confrontam-se no campanário. Joker cai mas consegue arrastar consigo Batman e Vicky, deixando-os a balançar perigosamente na beirada da catedral.
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Mano a mano entre o Homem-Morcego e o Palhaço do Crime.
Gotham é pequena demais para os dois.
Quando Joker está prestes a escapar à boleia da escada de corda de um helicóptero, Batman usa um gancho para o prender a uma gárgula, cujo peso provoca a queda do vilão para a morte.
No rescaldo da batalha, os homens do Joker são capturados pela Polícia e Gotham regressa lentamente à normalidade. O Comissário Gordon recebe também de Batman um sinal luminoso que deverá ser ligado sempre que a cidade precisar da sua ajuda.
Perto dali, Vicky Vale é transportada de limusina para a Mansão Wayne, com Alfred a alertá-la para o previsível atraso do patrão. Que, nesse preciso momento, observa do alto de um edifício o Bat-sinal que ilumina o céu noturno de Gotham.

Trailer: 


Prémios e nomeações


Ao conquistar o Óscar para Melhor Direção Artística, Batman tornou-se o segundo filme de super-heróis (depois de Superman, The Movie em 1979) a ser distinguido pela Academia de Hollywood. A esse prestigioso galardão averbou mais oito, quase todos em categorias técnicas. Destaque, por exemplo, para o People Choice's Award para Melhor Filme e para o Grammy para Melhor Composição Instrumental. 
Muita elogiada pela crítica, a atuação de Jack Nicholson rendeu-lhe diversas indicações para Melhor Ator. Também Tim Burton foi nomeado para Melhor Realizador, mas um e outro voltaram para casa de mãos a abanar.

Curiosidades


*Criação de Bob Kane e Bill Finger, Batman estreou-se em maio de 1939, nas páginas de Detective Comics nº27. Menos de um ano depois, em abril de 1940, seria a vez de Joker entrar em cena na edição inaugural de Batman, o primeiro título mensal do herói. Embora imediatamente transformados em arqui-inimigos, no grande ecrã o primeiro confronto entre ambos só aconteceria em 1966. Ano de lançamento de Batman, a primeira longa-metragem do Homem-Morcego - que, contudo, já tivera direito, nos anos 1940, a duas séries cinematográficas. Rodado no intervalo entre as duas primeiras temporadas da série televisiva homónima, o filme funcionou na prática como uma espécie de episódio alargado desta. Adam West e Cesar Romero deram vida, respetivamente, ao Cruzado Encapuzado e ao Palhaço do Crime nesse primeiro duelo em Technicolor;

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Titulada Batman, o Invencível  em Portugal,
a primeira longa-metragem do Homem-Morcego
foi lançada em 1966.

*Então com 61 anos, Adam West expressou, em várias entrevistas posteriores à estreia de Batman, o seu desapontamento por não lhe ter sido concedida a oportunidade de repetir o papel que, duas décadas antes, o celebrizara. Na sua autobiografia editada em 1994, West desmentiu ainda os rumores de que teria sido sondado para interpretar Thomas Wayne na película de Tim Burton. Acrescentando que, mesmo que tal convite tivesse existido, ele tê-lo-ia declinado sem pensar duas vezes;
*Face às hesitações de Jack Nicholson, o papel de Joker foi oferecido a Robin Williams. Quando os produtores o informaram desse facto, Nicholson resolveu aceitá-lo e Williams foi descartado. Ressentido, o ator recusaria interpretar o Charada em Batman Forever (1995), bem como participar em qualquer produção da Warner Bros. enquanto o estúdio não lhe apresentasse um pedido de desculpas formal:
*Tim Curry, John Lithgow, Ray Liotta, James Woods e David Bowie foram outros dos atores cogitados para o papel de Joker. O segundo arrependeu-se amargamente de ter pedido para ser excluído da lista;
*Ao contrário de Jack Nicholson (assumido fã de histórias de super-heróis e, em especial, das do Batman), nem Tim Burton nem Michael Keaton estavam familiarizados com a mitologia do Homem-Morcego. Para suprir essa lacuna, o produtor executivo Michael Uslan providenciou-lhes material de referência da personagem. A Burton foram dadas a ler todas as histórias do herói anteriores à introdução de Robin. Keaton, por sua vez, teve na saga The Dark Knight Returns (O Regresso do Cavaleiro das Trevas) a sua principal fonte de inspiração para o papel. Cuja preparação incluiu, também, uma temporada sozinho em Londres nas semanas que antecederam o início das filmagens;

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A origem do Joker no filme foi fortemente influenciada
 por A Piada Mortal, de Alan Moore. Obra muito louvada pelo
próprio Tim Burton.
*Meticuloso, Michael Keaton transmitiu a Tim Burton a sua preocupação relativamente à facilidade com que a identidade secreta do Batman poderia ser descoberta. Além de sugerir o uso de lentes de contacto, partiu dele a ideia de conferir uma entoação mais cava à voz do herói ao mesmo tempo que mantinha o seu timbre habitual nas cenas como Bruce Wayne. Ideia que faria escola nos vindouros filmes do Homem-Morcego - inclusive na trilogia dirigida por Christopher Nolan, com Christian Bale a empregar a mesma técnica;
*Na opinião de Michael Keaton, a sua experiência em comédias favoreceu a caracterização de Bruce Wayne. A título exemplificativo, o ator cita a cena (por ele sugerida) em que, depois de fazer amor com Vicky Vale, Bruce é visto, qual morcego, a baloiçar-se pendurado de cabeça para baixo numa barra metálica. Segundo Keaton, esse pormenor realçou a personalidade perturbada de Bruce Wayne;
*Com seis metros de comprimento e pesando quase uma tonelada e meia, o Batmobile do filme foi construído a partir do chassis de um Chevy Impala e equipado com um motor do mesmo modelo. Considerado por muitos fãs o mais elegante Batmobile cinematográfico, as suas linhas invocam o Thrust 2, bólide de fabrico britânico propelido a jato que, entre 1983 e 1997, deteve o recorde de velocidade em terra. As chamas expelidas pelo tubo de escape do veículo (do qual foram fabricados dois protótipos) eram reais, tendo sido produzidas com recurso a parafina;
*Por considerar que um uniforme de licra em tons de azul e cinza (cores tradicionalmente conotadas com o Batman) seria pouco intimidante, Tim Burton propôs a sua substituição por um traje totalmente negro. Apesar da reação adversa de alguns fãs, a ideia recebeu o pronto aval de Bob Kane. Tremendamente desconfortável, o traje ajudou no entanto o claustrofóbico Michael Keaton a  melhor interiorizar a natureza sorumbática da sua personagem;
*Michelle Pfeiffer, que à época mantinha uma relação amorosa com Michael Keaton, foi considerada para o papel de Vicky Vale. Por considerar que isso seria constrangedor para ambos, Keaton vetou a ideia. O casal acabaria no entanto por contracenar em Batman Returns, a sequela lançada em 1992;
*A ideia de Bruce Wayne visitar o Beco do Crime todos os anos por ocasião do aniversário da morte dos pais foi inspirada em No Hope in Crime Alley, história da autoria de Denny O'Neil (perfil disponível neste blogue) dada à estampa em Detective Comics nº457 (março de 1976). No filme, Bruce deposita duas rosas no exato local onde os seus pais foram mortalmente alvejados durante um assalto. Pormenor que se tornaria canónico em julho de 2003 numa história do Cavaleiro das Trevas incluída em Detective Comics nº782;
*Apesar de previsto, o cameo de Bob Kane no filme acabaria por não se concretizar. Um súbito problema de saúde do cocriador do Batman impediu-o de gravar a cena  em questão. Era, porém, da sua autoria o esboço do "homem-morcego" usado pelos outros repórteres do Gotham Globe para fazer troça de Alexander Knox (personagem, por sinal, inexistente na banda desenhada);

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Criador e criatura.
*Jack Napier, o alter ego do Joker, foi criado propositadamente para o filme, uma vez que na banda desenhada o nome verdadeiro do vilão permanece um enigma indecifrável. O apelido Napier não foi uma escolha aleatória, sendo de facto uma referência a Alan Napier, o ator britânico que, na série televisiva dos anos 1960, deu vida ao mordomo Alfred Pennyworth;
*No clímax original, Vicky Vale era assassinada pelo Joker, lançando Batman numa espiral de vingança. A versão apresentada no filme, com o trio no cimo de uma catedral, remete para o final de O Corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo. A cena foi redefinida à revelia de Tim Burton;
*A revelação de que o Joker tinha sido o assassino dos pais de Bruce Wayne foi sugerida por Tim Burton. Embora conflituante com o cânone, o twist mereceu a aprovação de Bob Kane. No decurso dos anos, popularizou-se entre os fãs uma teoria preconizando que o Joker não seria o verdadeiro assassino de Thomas e Martha Wayne, mas que Batman projetaria essa ideia em todos os seus inimigos;
*Batman foi o único filme do Cavaleiro das Trevas a revelar a origem do Joker (fortemente influenciada pela Piada Mortal, de Alan Moore) e o único em que o herói enfrenta apenas um vilão;
*Com argumento de Denny O'Neil e ilustrações de Jerry Ordway, a adaptação oficial de Batman aos quadradinhos foi lançada em maio de 1989, precedendo em um mês a estreia da película. No Brasil, seria publicada em outubro desse mesmo ano pela editora Abril.

O filme aos quadradinhos.

Veredito: 90%


Sujeito ao gradual processo de oxidação decorrente da passagem dos anos, constata-se que o enredo de Batman não envelheceu bem em alguns aspetos. Facto compensado por outros elementos como o visual de Gotham (misturando diferentes estilos arquitetónicos, a cidade acabar por ser outra personagem), a elegância do Batmobile e, claro, a magistral representação de Jack Nicholson. Tão magistral que a, espaços, chega a ofuscar o herói, relegado para um plano secundário no próprio filme.
Evidentemente que, neste ponto, Tim Burton tem culpa no cartório ao não explorar como devia a alma torturada de Bruce Wayne. Resumindo a história a um duelo de freaks, Burton tomou claramente partido do Palhaço do Crime em detrimento do Homem-Morcego. 
Mesmo sem aprofundar-se na psicologia de Batman, o filme é eficaz a apresentar as suas motivações. Mas não anula outro efeito negativo dessa abordagem menos centralizada: o facto de se saber muito pouco sobre as origens do herói. Se esse elemento pode soar supérfluo para alguns fãs da personagem, não o é seguramente para o espectador comum.
O verdadeiro ponto fraco de Burton foram, todavia, as cenas de ação. Denunciando a inexperiência do cineasta nesse campo, as lutas e perseguições nem sempre são bem coreografadas, levando a alguma confusão nos momentos de maior adrenalina.
Em contrapartida, Michael Keaton foi uma agradabilíssima surpresa. Mesmo não possuindo os requisitos físicos necessários para o papel, cumpriu exemplarmente a nível psicológico. Nenhum dos atores que o antecederam ou sucederam incorporaram tão primorosamente a melancolia e obstinação que definem aquela que é uma das mais fascinantes personagens dos quadradinhos e um ícone da cultura pop
Batman tem ainda o condão de adaptar certos elementos retirados da banda desenhada que, mesmo afigurando-se demasiado burlescos, nunca deixam de ser divertidos. Infelizmente, o argumento não é um primor; algumas situações são forçadas e algumas personagens importantes (com o Comissário Gordon à cabeça) são desperdiçadas.
Analisando porém a obra com a perspetiva concedida por 30 anos, conclui-se que Batman continua a ser um excelente filme. Desde logo pela sua fidelidade ao conceito adaptado, mas também pela eficiência estética da direção inspirada de Tim Burton. Sem mencionar a importância que teve na evolução do género super-heroico, ao comprovar que era possível imprimir um registo sério a filmes com justiceiros fantasiados.
Que me perdoem, pois, os indefetíveis da trilogia do Cavaleiro das Trevas e as viúvas de Christian Bale, mas Batman continua a ser o meu filme favorito do Homem-Morcego, e Michael Keaton o ator que melhor o interpretou.

Um clássico memorável.




Nota: Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.