17 junho 2021

ETERNOS: JERRY ROBINSON

  Ele próprio um menino-prodígio, cresceu na sombra do seu mentor apesar de ter criado várias figuras fundamentais da mitologia do Cavaleiro das Trevas. Artista por acaso, cartoonista por vocação e ativista por paixão, foi incansável como embaixador dos comics e na defesa dos direitos dos seus pares. 


Imagine-se um artista cuja carreira ímpar remonta à Idade de Ouro dos comics, criador de um dos mais carismáticos e infames vilões da banda desenhada. Imagine-se que esse mesmo autor, pioneiro da Era Heroica, foi um dos mais prestigiados cartoonistas do mundo, cumulando honrarias e reconhecido internacionalmente como um dos mais influentes do último século. Acrescente-se a tudo isso uma campanha sem fronteiras em prol dos direitos autorais e da liberdade de expressão dos seus colegas de ofício, e ter-se-á uma ligeira noção da importância de Jerry Robinson para a Arte Sequencial. No ano em que se cumpre uma década sobre o seu desaparecimento, evoquemos o essencial da vida e obra do mais novo dos três mosqueteiros que arvoraram o Batman a ícone global.
Batizado Sherrill David Robinson, Jerry Robinson nasceu no primeiro dia do ano da graça de 1922. Astrólogos e outros especialistas na leitura das linhas tortas dos bons e maus augúrios porventura lobrigariam nesse facto um sinal de que veio ao mundo predestinado a grandes feitos. Quinto filho de um casal pequeno-burguês - o pai um empresário com raízes judaicas, a mãe uma contabilista nova-iorquina - Robinson teve como berço Trenton, a melancólica capital da Nova Jérsia, banhada pelas águas turvas do rio Delaware. Influentes na comunidade, os seus pais haviam sido, no ano anterior, os responsáveis pela abertura do primeiro cinema na cidade. 
Ainda pessoa de palmo e meio, Robinson foi apresentado à pobreza, que se infiltrou no quotidiano familiar quando os desvarios de Wall Street reduziram a economia americana - e os negócios paternos - a um cemitério de sonhos destruídos. Para manter vivo o seu de ser jornalista, Robinson vendia gelados e alguns desenhos que fazia. Seriam aliás estes a mudar-lhe as agulhas do destino.
Então com 17 anos e prestes a ingressar na Universidade de Columbia no curso dos seus sonhos, em 1939 Robinson encontrava-se de férias numa modesta pousada nas montanhas Pocono (Pensilvânia). Durante um passeio matinal, os desenhos estampados no casaco que vestia atraíram a atenção de um desconhecido, que indagou sobre a autoria dos mesmos. Quando Robinson anunciou ser ele o artista, o desconhecido apresentou-se: Bob Kane.
Sete anos mais velho do que Robinson, Kane mostrou-lhe a primeira história do Batman - acabada de dar à estampa em Detective Comics #27 - e ofereceu-lhe um emprego como seu assistente. Sem particular apreço pelos quadradinhos, tampouco impressionado com o traço de Kane, Robinson aceitou contudo de bom grado o emprego. Desse encontro fortuito nasceria uma das mais brilhantes parcerias criativas da 9ª Arte, mas também uma das mais duradouras disputas por direitos autorais da sua história. 

Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson: três homens e um destino.

Robinson viajou de imediato para Nova Iorque, levando na bagagem a missão de assistir Bob Kane e Bill Finger na produção da série mensal do Batman. O fenomenal sucesso desta apanhara desprevenidos os próprios autores que, atolados em trabalho, sentiam crescente dificuldade em cumprir os prazos estipulados pela National Comics (futura DC). 
Robinson assumiu inicialmente a arte-final e a legendagem das histórias, levando pouco tempo a perceber o enorme potencial narrativo e comercial dos comics. No entanto, o seu primeiro trabalho só apareceu no quarto número da revista.
Dono de um traço marcante - muito superior ao do próprio Kane - Robinson desenvolveu o seu estilo ao longo do ano seguinte. Graças a ele, o desenho quadrado e estático de Kane cedeu lugar a um visual mais dinâmico e refinado.
Mesmo após a contratação de George Roussos para preencher os cenários das histórias do Batman, Jerry Robinson - que Kane considerava seu protegido - continuou a ser o principal arte-finalista da equipa. Com a chegada de mais um elemento, esta mudou-se do estúdio improvisado no apartamento de Kane para um espaço alugado nas Times Towers, um dos mais icónicos edifícios da Grande Maçã. Robinson, por seu lado, permaneceu aboletado na casa de uma família do Bronx, da privança de Kane.
Descrito como dorminhoco por Roussos, Robinson odiava levantar-se cedo, preferindo trabalhar madrugada adentro. Conjugada com o seu perfecionismo, a indisciplina horária de Robinson originava constantes atrasos na entrega dos trabalhos que tinha em mãos, o que deixava os seus colegas - particularmente Bob Kane - à beira de um ataque de nervos.

Jerry Robinson fotografado
 nos estúdios da National Comics, por volta de 1942.

No início de 1940, Bob Kane e Bill Finger discutiram a introdução de um parceiro que adjuvasse o Homem-Morcego na sua cruzada contra o crime em Gotham City. Apesar de a ideia não ter partido dele, foi Robinson quem sugeriu o nome Robin (em homenagem a Robin Hood, seu ídolo de infância) e concebeu o  colorido visual ( inspirado nas ilustrações de um livro de Newell Convers Wyeth) do jovem escudeiro do Cavaleiro das Trevas.
O Menino-Prodígio debutou em abril desse mesmo ano, nas páginas de Detective Comics #38, sendo considerado o protótipo do sidekick. Robin prenunciou, com efeito, um figurino que se tornaria moda nos anos imediatos. O seu sucesso junto dos leitores mais novos aplanou caminho para uma multidão de epígonos. Muitos dos heróis seniores passaram, assim, a não dispensar a ajuda dos seus imberbes companheiros.
Se a referência a Bob Kane e Bill Finger na criação do Menino-Prodígio é uma mera formalidade, a discussão em redor da autoria do tétrico némesis do Batman ainda hoje faz correr rios de prosa.
Segundo rezam as crónicas oficiais, Finger, à beira do esgotamento, terá pedido ajuda a Robinson para conceber um novo vilão capaz de testar as capacidades do Homem-Morcego, habituado a lidar apenas com bandidos comuns. Robinson passou a noite a matutar na ideia, voltando no dia seguinte com uma carta de baralho representando o Joker. Em entrevistas concedidas ao longo dos anos, Robinson explicou que o bridge sempre preenchera os seus serões familiares, tendo sido essa a fonte de inspiração para o Palhaço do Crime. 

A carta original desenhada por Jerry Robinson
 é hoje uma peça de museu.

Ao examinar os esboços do vilão, Finger, cinéfilo apreciador de filmes europeus, notou as semelhanças com a sinistra personagem interpretada por Conrad Veidt em O Homem Que Ri (1928). Robinson explicou aos seus companheiros que Joker seria o Professor Moriarty do Batman: um arqui-inimigo capaz de pôr à prova os talentos dedutivos do maior detetive do mundo. Outra peculiaridade da personagem radicava no seu retorcido sentido de humor, por contraponto à circunspeção do Cavaleiro das Trevas. 
Kane e Finger avalizaram a proposta de Robinson, e o Joker foi apresentado aos leitores em Batman #1 (abril de 1940). Robinson não foi, contudo, creditado pela criação daquele que viria a ser um dos maiores ícones da cultura popular. Estatuto que só foi alcançado graças à intervenção providencial de um editor que, percebendo o enorme potencial do vilão, evitou que este morresse no final da sua primeira aparição.
Até ao dia da sua morte, em 1998, Bob Kane, conhecido pela sua renitência em dividir os louros pelo sucesso do Batman, foi sempre perentório em afirmar que Robinson nada tivera que ver com o processo criativo do Joker. Atribuindo, ao invés, a "paternidade" do vilão a si próprio e a Bill Finger, resumindo o contributo de Robinson à carta de baralho que serviu de cartão de visita ao Palhaço do Crime nas suas primeiras aparições. Salvo algumas vozes dissonantes, a generalidade dos historiadores apontam, porém, Robinson como o único e verdadeiro autor do Joker.
A partir de 1941, com Kane focado exclusivamente na tira do Batman, Robinson e Finger passaram a trabalhar diretamente com a National Comics. Num claro sinal de reconhecimento do seu talento, Robinson teve os seus serviços requisitados por várias editoras concorrentes. Na Harvey Comics e na Nedor Comics - citando apenas dois exemplos - assumiu, respetivamente, a arte de Green Hornet e Black Terror. Ao passo que a Spark Publications lhe apadrinhou a sua primeira criação a solo: Atoman.

Atoman foi a primeira criação a solo de Jerry Robinson.

Foi também nessa sua fase seminal que Robinson, percebendo o valor estético e comercial da arte original, começou a requerer a devolução dos seus desenhos junto das editoras. Passando, em seguida, a recolher também os desenhos dos seus colegas que, depois de impressos, teriam como destino o lixo. Ao longo das décadas seguintes reuniu apreciável quantidade desse material, algum do qual avaliado em milhões de dólares. Seja em museus ou em exposições itinerantes, esse valioso acervo serve a preservação da memória dos comics e dos seus autores.
Antes de trocar os quadradinhos pelo ensino, Jerry Robinson participou na conceção visual do Pinguim e criou Alfred Pennyworth, o fiel mordomo de Bruce Wayne. Em meados da década 50, reforçou o corpo docente da School of Visual Arts, acrescentando dessa forma ao seu currículo a formação de novas gerações de artistas. Em Steve Ditko, cocriador do Homem-Aranha, teve o seu aluno mais ilustre.
Nessa sua nova senda, Jerry Robinson explorou uma amplitude de registos. Ao mesmo tempo que ilustrava as capas da revista Playbill (dedicada aos espectadores de teatro) e livros infantis, assinava diariamente Jet Scott, uma bem-sucedida tira de ficção científica distribuída nacionalmente pelo Herald Tribune Syndicate.
Sem embargo para o seu importantíssimo contributo para a elevação dos comics a arte respeitável, foi nos cartoons que Jerry Robinson encontrou a sua verdadeira vocação. Dois dos seus maiores sucessos nessa área foram Flubbs and Fluffs e Still Life. A primeira reproduzia algumas das mais hilariantes gafes cometidas pelos alunos americanos; a segunda, protagonizada apenas por objetos inanimados, analisava com humor as notícias que marcavam a atualidade.
A sátira política e a crítica de costumes eram, com efeito, as pedras angulares do seu trabalho. Em plena Guerra Fria, Robinson foi diretor artístico e coargumentista de Stereotypes, filme de animação que mostrava a forma como russos e americanos se percecionavam mutuamente.

Still Life rendeu vários prémios ao seu autor.

Às inquestionáveis capacidade técnicas Jerry Robinson somava igualmente inquestionáveis qualidades humanas. Entre 1967 e 1969, presidiu à Sociedade Nacional de Cartoonistas, precedendo o seu mandato de dois anos (1973-75) à frente da Associação de Cartoonistas Editorais Americanos. Ambas as organizações forneceram uma plataforma poderosa para Robinson contactar artistas de todo o mundo, lançando assim as bases de um sindicato global. Sob a égide do qual foi conseguida a libertação de cartoonistas presos pelas suas opções políticas, em países como a ex-União Soviética ou o Chile.
Mais ou menos pela mesma altura, Jerry Robinson - assistido por Neal Adams - foi crucial na resolução do contencioso que opunha Jerry Siegel e Joe Shuster à DC Comics. Graças à sua campanha solidária para com os desafortunados criadores do Super-Homem, a Editora das Lendas concordou em pagar-lhes uma pensão vitalícia e creditá-los em todas as vindouras publicações e adaptações do Homem de Aço aos diferentes meios de comunicação.

Jerry Robinson (dir.) com Neal Adams, Jerry Siegel e Joe Shuster.

Autor de vasta bibliografia acerca da história dos comics, Jerry Robinson, o homem que nunca se viu apenas como um artista dos quadradinhos, foi seu embaixador incansável. A sua devoção à causa beneficiou as carreiras de centenas de oficiais do mesmo ofício. Estes retribuíram cobrindo-o de prémios e honrarias, algumas das quais pecaram apenas por tardias. Foi o caso, por exemplo, da inclusão do seu nome, em 2004, no Comic Book Hall of Fame, que, na era do efémero, eterniza os demiurgos da 9ª Arte. Robinson, por sua vez, instituiu no ano seguinte o Prémio Bill Finger, atribuído postumamente a escritores a quem foi negado o devido reconhecimento em vida. Jerry Siegel foi o primeiro contemplado.
A 7 de dezembro de 2011 (Dia de Pearl Harbor, data tão simbólica como a do seu nascimento), Jerry Robinson, prestes a completar 90 anos, partiu tranquilamente durante o sono. O sonho de qualquer dorminhoco. Sobreviveram-lhe a esposa, dois filhos, dois netos e um riquíssimo legado cultural, sem precedentes nem paralelo. 
Se a grandeza de um homem é mensurável pela nobreza das causas que abraçou ao longo da vida, Jerry Robinson foi, sem sombra de dúvida, um gigante. Cujas pegadas no imaginário coletivo jamais serão apagadas.


O dia em que o Palhaço chorou a morte do seu criador.





*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à variante europeia da Língua Portuguesa.
*Textos sobre Bob Kane, Bill Finger, Joker e Robin disponíveis para leitura complementar.
 














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20 maio 2021

HERÓIS EM AÇÃO: JUIZ DREDD


  Num futuro distópico sob o signo do autoritarismo, polícias urbanos são juízes, júris e executores. Mas nenhum é tão temido como aquele que representa a face empedernida da Lei. No implacável tribunal das ruas, o seu nome ecoa como uma sentença de morte.

Denominação original: Judge Dredd
Editoras: Fleetway/ IPC Media (1977-2000); Rebellion Developments (desde 2000)
Criadores: Pat Mills (nome), John Wagner (conceito) e Carlos Ezquerra (arte conceptual)
Estreia: 2000 A.D. #2 (março de 1977)
Identidade civil: Joseph Dredd
Espécie: Humano
Local de nascimento: Mega City 1
Parentes conhecidos: Eustace Fargo ("pai"); Rico Dredd (irmão gémeo, falecido); Vienna Dredd (sobrinha); Jessica Paris (clone); Dolman (clone)
Ocupação: Juiz de Rua
Base operacional: Mega City 1
Afiliações: Departamento de Justiça de Mega City 1
Némesis: Juiz Morte
Poderes e parafernália: Dredd é o Juiz supremo, um agente veterano e altamente treinado da melhor força policial alguma vez criada. Especialista em técnicas de autodefesa, é exímio no combate corpo a corpo. O seu físico imponente torna a sua presença intimidante em qualquer contexto. Também já provou possuir força superior à de um homem da sua idade e tamanho. É frequente derrubar adversários mais corpulentos com um único golpe.
Por razões nunca explicitadas, Dredd é imune a sondagens telepáticas e ataques psíquicos. Nem a Juíza Anderson, sua ocasional parceira precognitiva, lhe consegue perscrutar a mente. Este talento reveste-se de grande utilidade, considerando a profusão de mutantes telepatas recenseados em Mega City 1.
Do equipamento-padrão dos Juízes de Rua fazem parte uma espingarda compacta com munição de alto calibre, um bastão extensível com preenchimento de titânio e uma faca balística. Originalmente, Dredd dispunha também de um detetor de mentiras portátil. Apesar de virtualmente infalível, o aparelho depressa seria descartado pelos argumentistas, a fim de evitar óbvios constrangimentos narrativos.
O uniforme de Dredd é isotérmico e  reforçado por uma liga especial de plástico e aço, assegurando-lhe proteção eficaz contra esfaqueamentos ou ataques com outro tipo de objetos contundentes. Depois de ter tido as suas córneas danificadas em combate, Dredd recebeu implantes biónicos que lhe proporcionam visão noturna de elevadíssima resolução. 
Fabricado com o mesmo material ultrarresistente do seu uniforme, o capacete de Dredd possui um comunicador e um respirador embutidos, além de uma viseira polarizada.
No entanto, a verdadeira coqueluche do arsenal ambulante de qualquer Juiz de Rua é a Lawgiver. Trata-se de uma sofisticada pistola programada para reagir apenas à impressão palmar do respetivo usuário, autodestruindo-se se manuseada por outrem. A Lawgiver usa seis tipos de munição diferentes: balas comuns, de borracha, de rastreamento, perfurantes, incendiárias e explosivas. Pode ainda efetuar disparos paralisantes, embora careça, para esse efeito, de munição especial.

A munição incendiária da Lawgiver
 incinera instantaneamente os seus alvos.

Nas suas ações diárias de patrulhamento urbano, Dredd faz-se habitualmente transportar na sua Lawmaster. Um motociclo de alta cilindrada, com blindagem antibala, dois pequenos canhões montados nas laterais e um feixe laser de alta precisão embutido centralmente. Equipada com inteligência artificial, esta autêntica máquina de guerra de duas rodas responde aos comandos vocais do seu usuário, pode operar autonomamente e dispõe de um sistema de videocomunicação integrado. A interface do veículo com o Departamento de Justiça permite, adicionalmente, receber e transmitir informação em tempo real. Apesar da Lawmaster ser o meio de transporte favorito de Dredd, ele já foi visto a montar um alazão negro chamado Henry Ford (em homenagem ao visionário da indústria automóvel americana) e até um alce(!).
Ao cabo de décadas a policiar as violentas ruas de Mega City 1, tendo sobrevivido a incontáveis atentados contra a sua vida, Dredd desenvolveu sentidos aguçados quase ao nível de um felino. Graças a eles e ao seu instinto apurado, raramente é apanhado de surpresa. Tanto mais que é também um perito em contraguerrilha urbana.
Apesar de enfrentar ameaças tão diversificadas como mutantes, canibais ou juízes exterminadores de outra dimensão, Dredd confia plenamente nas suas capacidades. Porque ele é o braço forte da Lei, a Justiça com nervos de aço que não vacila perante nada nem ninguém.

Lawmaster, máquina de guerra de duas rodas.
 
Fraquezas: Em virtude da sua condição humana, Dredd é tão suscetível a maleitas, ferimentos e lesões incapacitantes como qualquer outra pessoa. Anos atrás, foi-lhe diagnosticado um tumor benigno no duodeno que, apesar de operável, representou um memento mori. Também os seus olhos biónicos podem ser permanentemente inutilizados por um pulso eletromagnético, deixando-o cego e indefeso em plena batalha. 
O principal ponto fraco de Dredd radica, porém, no seu fanatismo. O zelo apostólico com que aplica a Lei afeta-lhe o discernimento e isenta-o de empatia. Desse desacoplamento moral resulta a sua incapacidade para julgar de forma diferenciada delitos graves e infrações menores (como atirar lixo para o chão ou atravessar a rua fora da passadeira) cometidas pelos cidadãos que deveria proteger. Para ele, mais importante do que salvar inocentes é castigar os culpados. Dredd personifica, em última análise, a Justiça desumanizada que atua de forma arbitrária e sem autocrítica.

Fascismo chic

Quando, no final de 1976, o veterano editor da Fleetway, Pat Mills, preparava o lançamento de um novo magazine de ficção científica, convidou o escritor John Wagner a assessorá-lo no desenvolvimento de personagens para o número inaugural. Pouco tempo antes, Wagner idealizara um polícia austero ao estilo de Dirty Harry e sugeriu-o como mote. Mills, por seu turno, escrevera uma tira de terror chamada Judge Dread (Juiz Pavor, em tradução livre), tomando emprestado o pseudónimo artístico de Alexander Minto Hughes, um cantor britânico de reggae. Apesar de a ideia ter sido descartada, o nome, com a grafia alterada para "Dredd" por sugestão do subeditor Kelvin Gosnell, acabaria por ser aproveitado para o novo projeto.
A conceção visual do Juiz Dredd ficou a cargo de Carlos Ezquerra, artista espanhol (já falecido) que colaborara anteriormente com Mills em Battle Picture Weekly, uma antologia de contos de guerra ilustrados também editada com a chancela da Fleetway. 
Como sugestão de aparência, Wagner forneceu a Ezquerra um poster promocional do filme Death Race 2000  em que pontuava uma burlesca figura vestida de couro preto ao volante de um potente bólide. Tratava-se de Frankenstein, anti-herói de um futuro distópico interpretado por David Carradine.

A  inspiração para o visual de Dredd.

A esse já de si bizarro figurino, Ezquerra adicionou um sortido de adereços retirados da memorabilia punk: ombreiras, joelheiras, fechos e correntes. O resultado final desagradou, contudo, a Wagner, que comparou a personagem a um pirata espanhol. Ademais, a tecnologia e as paisagens urbanas imaginadas por Ezquerra eram demasiado futuristas para o primeiro quartel do século XXI que fora escolhido como enquadramento. A solução passou, então, por transplantar a história para o século XXII, cabendo a Mills fazer os ajustes necessários à narrativa original.
Mills baseou a caracterização do Juiz Dredd num dos seus antigos professores do colégio católico onde estudara na infância. Tal como essa figura do mundo real, Dredd seria um excelente profissional, mas também um disciplinador excessivamente rígido e, a espaços, abusivo. 
Por essa altura, Wagner, desiludido com o fracasso de uma proposta de compra do seu conceito por outra empresa, tinha já desistido de participar no projeto. Relutante em abrir mão do seu conceito, Wagner incumbiu vários escritores freelance de aprimorá-lo. Em consequência desse constrangimento de última hora, a história não ficaria pronta a tempo do lançamento do primeiro número de 2000 AD.
Por fim, a história escolhida para apresentar o Juiz Dredd aos leitores saiu da pena de Pete Harris. Por considerá-la demasiado violenta, o conselho de administração da Fleetway vetou-a sem apelo nem agravo. Uma vez mais, a solução passou por Mills reescrever a história, alterando-lhe inclusivamente o final.
Contrariamente ao previsto, não foi Ezquerra a assumir a respetiva arte, mas o recém-chegado Mike McMahon. Decisão que originou alguns atritos no seio da equipa criativa, com Ezquerra a não esconder o seu desagrado por ter sido preterido. 

Carlos Ezquerra (esq.) e John Wagner.

Dredd fez a sua mise-en-scène no segundo número de 2000 AD (março de 1977) e não deixou ninguém indiferente. Desde logo porque o seu rosto inteiro nunca era mostrado, conferindo-lhe uma aura de mistério e desumanidade. De facto, o que começou por ser uma diretriz não oficial, rapidamente se transformou num sacramento. A ideia era que Dredd simbolizasse a Justiça anónima e sem alma. Aquela que não poupava ninguém e que infundia temor. Mais do que um homem, Dredd era, pois, um instrumento repressivo do sistema.
Nos esboços iniciais de Ezquerra, Dredd possuía lábios grossos, tornando ambígua a sua origem racial. Nem todos os artistas que passaram pela tira levaram, porém, esse pormenor em conta. Ao passo que McMahon desenhou Dredd como um afro-americano, outros, como Brian Bolland, atribuíram-lhe traços caucasianos. Diferenças que passaram despercebidas aos leitores, porquanto a tira era impressa a preto e branco. De todo o modo, com o tempo essa ideia seria abandonada prevalecendo o biótipo branco do herói. 
Nas suas primícias, a tira de Dredd era uma sátira mordaz à burocracia e à violência policial. Caricatura da autoridade, Dredd interpretava literalmente as leis, sem atenuantes e sem compreender o espírito das mesmas.

Nos esboços iniciais de Dredd,
os lábios carnudos sugeriam uma origem não-caucasiana.

O envoltório espampanante de Dredd combinava de forma pouco harmoniosa elementos retirados da iconografia fascista (capacete e águia como insígnia) com os já citados elementos da estética punk. Uma associação contranatura explicada pelo facto de Ezquerra ter crescido sob o regime franquista na sua Espanha natal e de ter presenciado de perto o nascimento da contracultura punk em terras de Sua Majestade. 
Essa ênfase no fascismo chic empurrou a personagem para um inusitado território narrativo. Em algumas histórias, Dredd era o herói, noutras o vilão, e, muitas vezes, sequer era o protagonista. Consequentemente, a sua tira semanal transitou por diferentes géneros: ficção científica, terror, comédia, etc. Sempre pautada por um humor coriscante, fez particular furor durante o consulado conservador de Margaret Thatcher. 
Inicialmente, as histórias de Dredd eram ambientadas no ano 2099. No entanto, contrariamente ao que é habitual na banda desenhada, aplicam-se-lhe as leis do tempo. Cada ano na tira corresponde a um ano na vida real. Por conseguinte, Dredd, que contava 33 anos em 1977, é hoje um octogenário e o decano dos Juízes de Rua. Após muita controvérsia e especulação, em 2016 foi finalmente revelado o segredo da sua jovialidade: tratamentos de rejuvenescimento. Dredd submete-se ciclicamente a eles, tendo a sua epiderme, tecido muscular e sistema vascular reconstruídos ao nível celular. É assim que se mantém eternamente jovem e vigoroso.
Às suas histórias serve de cenário um futuro distópico em que sucessivos conflitos em grande escala transformaram grande parte do planeta num imenso deserto radioativo chamado Terra Amaldiçoada. Quais oásis de civilização, gigantescos aglomerados urbanos acomodam milhões de pessoas. Mega City 1 é a maior dessas megalópoles. No seu interior, a automatização extensiva deixou a maioria da população desempregada, pelo que a criminalidade atinge níveis estratosféricos. Embora existam outras megacidades, grande parte da geografia mundial é vaga.
Além de ser um caso raro de longevidade editorial no Reino Unido (marcando presença em mais de mil edições de 2000 AD e dos seus próprios títulos), Dredd afirmou-se também na outra margem do Atlântico. Em 1983, a IPC (proprietária da Fleetway) lançou uma subsidiária nos EUA - a Eagle Comics -,  a qual distribuía, essencialmente, reimpressões das tiras originais.
À parte algumas minisséries lançadas pontualmente pela IDW Publishing, Dredd não tem sido visto com muita frequência em terras do Tio Sam. Por contraponto, na Velha Albion continua a ser a figura de proa do magazine 2000 AD, agora publicado pela Rebellion, uma produtora de jogos de vídeo convertida em editora de quadradinhos.
Semana após semana, Dredd continua a arrastar uma legião de fãs de diferentes gerações e parece ter ganho novo fôlego com o totalitarismo sanitário que vai fazendo o seu caminho à boleia da pandemia de Covid-19. Com a indústria britânica de quadradinhos a fazer ponto de honra que o seu maior ícone seja também o mais subversivo.

2000 AD continua a ter Dredd como astro principal.


Juiz Supremo

O Sistema de Juízes foi idealizado por Eustace Fargo, Procurador Especial nomeado pelo Governo entre 2027 e 2031, em resposta à onda de criminalidade violenta que empurrava a sociedade americana para a anarquia. Ultrapassada a resistência do Congresso, que contestava a suspensão do Estado de Direito, o plano de Fargo foi aprovado com o inequívoco apoio do povo e do próprio Presidente.
Investidos de autoridade para agirem como juízes, júris e executores, os membros da nova força policial de elite conseguiram suster o crime e a desordem que campeavam um pouco por todo o país. Enquanto os Juízes de Rua assumiam o patrulhamento urbano, os Juízes Administrativos encarregavam-se dos procedimentos burocráticos. A incorruptibilidade de uns e outros era, aparentemente, preservada pelo Conselho Superior da Magistratura - ainda que alguns dos seus membros tenham, também, infringido a Lei. 
No rescaldo da III Guerra Mundial (2070) e da descoberta de que o Presidente em funções adulterara o processo eleitoral, os Juízes invocaram a "mãe de todas as leis" (a  Constituição dos EUA) para derrubarem o Governo federal e legitimarem a sua consequente tomada do poder. 
Sempre estribados no forte apoio dos seus concidadãos, os Juízes extinguiram o cargo presidencial e indigitaram o Juiz-Chefe como novo líder da nação. Com o passar dos anos, o Sistema de Juízes disseminou-se por quase todo o globo, tornando-se o modelo mais comum de governação na viragem do século XXI.
Pouco anos antes, em 2066, Joseph e Rico Dredd haviam sido clonados a partir do ADN do Juiz-Chefe Fargo, dado como morto no cumprimento do dever. A ideia era criar uma estirpe superior de Juízes, que serviria de modelo aos restantes. Nesse sentido, o crescimento dos gémeos foi artificialmente acelerado durante a gestação. 
Em resultado desse processo de bioengenharia, eles nasceram com o desenvolvimento fisiológico e mental de uma criança de 5 anos, com conhecimento e treino adequados às futuras funções já implantados nos seus cérebros. Ufano do seu trabalho, o  cientista que os criou escolheu o apelido Dredd  para instilar medo na população. 


Os gémeos Joseph e Rico Dredd
 nos teus tempos de cadetes na Academia de Direito.

Chamados, uma vez mais, a restaurar a ordem e o primado da Lei, os Juízes tiveram os seus poderes ainda mais reforçados no pós-guerra. Sob a supervisão de um Juiz sénior, os irmãos Dredd, cadetes recém-admitidos na Academia de Direito, foram nomeados Juízes temporários. Apesar de serem apenas crianças, eles cumpriram exemplarmente a sua missão, exibindo sangue-frio quando foram obrigados a tirar a vida a criminosos.
Num feliz acaso, Joseph e Rico descobriram que o seu "pai", o Juiz-Chefe Fargo, estava afinal vivo e de boa saúde. Agora um crítico acerbo do sistema que ajudou a fundar, Fargo partilhou com os "filhos" as suas dúvidas acerca das virtudes do Departamento de Justiça. E, sobretudo, em relação à forma como este sonegara liberdades e direitos para erigir um estado policial sobre as ruínas da democracia. Contudo, nenhum dos irmãos questionou o papel que o sistema lhes atribuíra e Fargo, por conta das suas diatribes, foi colocado em animação suspensa.
De regresso à Academia de Direito, os irmãos Dredd destacaram-se dos restantes cadetes pela sua disciplina e eficiência. Rico formou-se em primeiro lugar na classe de 79, logo seguido por Joseph. A rivalidade corria-lhes no sangue, com Rico a superar invariavelmente o irmão. Apesar disso, mantiveram-se inseparáveis até o destino intervir. 
Anos mais tarde, ao tomar conhecimento de um esquema de extorsão montado por Rico, Joseph não hesitou em prender o irmão. Finalmente livre da sombra de Rico, ele logo conquistou a reputação de Juiz supremo de Mega City 1, a caótica e sobrepovoada megalópole que ocupa o território correspondente à antiga Costa Leste dos EUA.
No implacável tribunal das ruas da sua cidade, Dredd é a Lei e o seu nome ecoa como uma sentença de morte.

Justiça sem rosto.


Miscelânea

*Numa alusão à expressão granítica de Dredd é à rigidez da sua conduta, os seus tutores da Academia de Direito deram-lhe a alcunha de Velho Cara de Pedra. Nas ruas de Mega City 1, o mais famoso dos Juízes é também conhecido por Homem Morto e Rei Queixo (devido à mandíbula proeminente que é sua imagem de marca);
*Em mais de quatro décadas de publicação, Dredd quase nunca removeu o capacete. Numa das raríssimas ocasiões em que o fez (2000 AD #7), a imagem foi sombreada e o diálogo que a acompanhava sugeria que o seu rosto seria horrivelmente desfigurado. Numa outra ocasião, quando assaltantes surpreenderam Dredd no seu apartamento durante a madrugada, ficou implícito que ele dormiria de capacete. Houve ainda uns quantos flashbacks mostrando o rosto de Dredd na puberdade mas, fora isso, a sua verdadeira aparência permanece uma incógnita;
*Dredd é o autor de A Conduta do Juiz, compêndio usado para doutrinar subliminarmente os candidatos a Juízes com recurso às máquinas de sono;
*Num raro momento de lazer, mostrado em 2000 AD #33, Dredd foi visto a ler Crime e Castigo, a obra-prima de Dostoievski, que se presume ser o seu livro favorito;
*Embora vigente no ordenamento jurídico de Mega City 1, a pena capital raramente é aplicada. Em contrapartida, as execuções sumárias motivadas por resistência à autoridade são corriqueiras;
*Dredd está legalmente habilitado a unir duas ou mais pessoas pelos laços do matrimónio, assim como a oficializar divórcios;
*A Classe de 79 da Academia de Direito incluiu um número excecionalmente alto de juízes moralmente enviesados. Rico Dredd, Gibson e Raider traíram o seu juramento solene e foram sumariamente executados por Dredd. Após ser encontrado na posse de imagens indecorosas, o Juiz Nestor foi destacado para administrar uma colónia penal na Terra Amaldiçoada, acabando por suicidar-se no seu posto. Já o Juiz Kimble foi preso devido a um esquema de peculato. Por fim, a conduta do próprio Dredd, apesar de completamente legal, causou a morte a 500 milhões de pessoas durante a Guerra do Apocalipse, naquele que foi considerado o maior genocídio da História;
*Dredd tem como arqui-inimigo o Juiz Morte, líder dos Juízes Negros originários de uma dimensão paralela onde a vida foi criminalizada. No fundo, o Juiz Morte é um reflexo distorcido do próprio Dredd;

Para o Juiz Morte, a vida é o crime supremo.

*Em 2012, o Juiz Dredd foi uma das dez personagens dos quadradinhos britânicos homenageadas numa série especial de selos emitidos pelo Royal Mail. Isto depois de, no ano anterior, ter sido escolhido para figurar na capa da edição europeia da antologia 1001 Comics You Must Read Before You Die;
*Espremido entre Spawn (Image Comics) e Preacher (DC), o Juiz Dredd surge em 35º lugar entre os 100 melhores super-heróis de todos os tempos selecionados em 2011 pelo IGN;
*I Am the Law, um dos temas mais conhecidos da banda americana de trash metal Anthrax, foi inspirado no Juiz Dredd. O grupo lançou também um single com a imagem do herói estampada na capa;
*Dredd é frequentemente invocado no âmbito de debates sobres estados policiais, autoritarismo e direitos humanos organizados em fóruns britânicos. Aos olhos de muitos políticos e académicos, ele representa uma das melhores sátiras do justicialismo fascizante arreigado na cultura anglo-saxónica;
*À semelhança de tantas outras obras de ficção científica, as histórias de Dredd anteciparam, com estranha precisão, diversas tendências e acontecimentos futuros. Foram os casos, por exemplo, da obesidade epidémica, do advento dos reality shows televisivos, da ascensão dos políticos populistas, da vigilância em massa e da arte urbana como instrumento subversivo. Por realizar estão ainda as competições de taxidermia humana e o túnel submarino entre as ilhas britânicas e a Costa Leste dos EUA;

Dredd imortalizado na capa do single mais famoso dos Anthrax.

*No Brasil, as histórias do Juiz Dredd foram inicialmente publicadas pela EBAL que, em 1979, as incluiu no alinhamento do seu magazine Ano 2000 (versão traduzida de 2000 AD). A partir da década de 1990, da Abril à Mythos, passando pela Pandora Books, foram várias as editoras a assumirem a publicação desse material em terras de Vera Cruz. Ao passo que, em Portugal, o ineditismo de Dredd foi apenas interrompido em 1995, quando a Meribérica, numa tentativa de capitalizar a estreia cinematográfica do herói nesse mesmo ano, lançou o crossover Batman / Juiz Dredd: Julgamento em Gotham;
*Já adaptado a diferentes media, foram até ao momento produzidos dois filmes do Juiz Dredd: A Lei de Dredd (1995), com Sylvester Stallone como protagonista, e Dredd (2012), com Karl Urban como cabeça de cartaz. Apesar do pífio desempenho comercial de ambos, serviram para reforçar o  estatuto de totem da cultura popular de uma personagem que Hollywood descaracterizou grosseiramente. 

Dois juízes, o mesmo veredito: fiasco!




*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Resenha do filme Dredd disponível para leitura complementar.




23 abril 2021

CLÁSSICOS DA 9ªARTE: «BATMAN - ASILO ARKHAM»


  Ao transpor os altos portões do Palácio da Loucura, assombrado por males e segredos indizíveis, o Homem-Morcego sente-se como o filho pródigo de volta a casa. Preso nos infernos pessoais dos seus inimigos e à mercê dos seus demónios interiores, ele sabe que a derradeira batalha será travada dentro da própria mente.

Título original: Arkham Asylum: A Serious House on Serious Earth 
Editora: DC
País: Estados Unidos da América
Data de lançamento: Outubro de 1989
Autores: Grant Morrison (argumento) e Dave McKean (ilustrações)
Personagens: Batman, Joker, Duas-Caras, Dr. Charles Cavendish, Maxie Zeus, Espantalho, Máscara Negra, Chapeleiro Louco, Cara-de-Barro, Drª Ruth Adams, Amadeus Arkham, Comissário James Gordon
Cenários: Departamento de Polícia de Gotham City, Asilo Arkham
Edições em português: A primeira edição em língua portuguesa desta obra foi lançada em dezembro de 1990 pela Abril brasileira. Só em 2005, sob os auspícios da Devir, ganharia finalmente uma versão em português europeu. Uma década mais tarde, em 2015, seria reeditada em terras lusas pela Levoir, no quarto volume da coleção 75 Anos do Batman. Todas as edições dadas à estampa nas duas margens do Atlântico adotaram o formato americano, alternando, porém, entre as capas duras e as capas moles. 

A mais recente reedição da obra em Portugal,
lançada pela Levoir em 2020.


Prisão sem grades

"Nos manicómios faltam ainda celas para homens honestos."  
           - Emanuel Wertheimer (filósofo húngaro) - 

Qualquer super-herói que se preze possui uma galeria privada de supervilões, sobrevindo daí a necessidade de um lugar onde possa trancafiá-los longe dos inocentes que jurou proteger. Para o Batman, esse lugar é o Asilo Arkham. Trata-se do mais infame hospital psiquiátrico da banda desenhada - ainda que, durante a maior parte do tempo, mal se diferencie de uma prisão convencional.
Pedra angular do burlesco imaginário do Homem-Morcego, o Asilo Arkham já marcou presença em diferentes segmentos culturais além dos comics. Do cinema à animação, passando pelos jogos de vídeo, o Palácio da Loucura granjeou um estatuto mediático quase tão importante como a própria Gotham City.
A despeito dessa sua proeminência, o Asilo Arkham encerra ainda muitos (e sórdidos) segredos no interior das suas paredes. Segredos sobre os quais vários escritores - com Grant Morrison à cabeça - têm tentado verter alguma luz. Sempre que o fazem, emerge da obscuridade outro capítulo aterrador da história de um lugar que muitos, a começar pelo próprio fundador, acreditam estar amaldiçoado. Passemos, então, em revista alguns deles.
Localizado nos arrabaldes de Gotham City, o Asilo Elizabeth Arkham para Criminosos Insanos - é essa a sua designação oficial, em homenagem à demencial matriarca do clã Arkham - fez a sua primeira aparição em Batman #258 (outubro de 1974). Pese embora um sanatório não identificado tivesse sido previamente referenciado, designadamente em algumas aventuras do Homem-Morcego na Idade de Ouro, foi nessa história, assinada por Dennis O'Neil e Irv Novick, que o Arkham adquiriu canonicidade. 
Da sua lista inicial de residentes VIP fazia parte o Duas-Caras, cuja evasão foi premonitória do embaraçoso historial de fugas, escândalos e motins que manchariam de forma indelével a reputação da instituição. Com efeito, apesar do contínuo influxo de novos pacientes, ficou claro desde o início que praticamente qualquer pessoa poderia escapar dessa espécie de prisão sem grades. Em vez de reclusos, o Arkham parece ter hóspedes que lá permanecem apenas enquanto assim o desejarem.

Duas-Caras foi o primeiro inimigo do Batman a evadir-se do Arkham.

Originalmente, as celas do Arkham eram idênticas às de qualquer prisão. Com o tempo, porém, os internos foram autorizados a personalizá-las. Joker, Duas-Caras e Maxie Zeus foram os primeiros a beneficiar desta prerrogativa, com o Príncipe Palhaço do Crime a optar por decorar a sua com uma gigantesca carta do Coringa e um manequim do Batman.
Boa parte da inspiração por trás do Asilo Arkham derivou de uma cidade homónima do Massachusetts que serve de cenário a numerosas passagens de Mitos de Cthulu, de H.P. Lovecraft. Os pacientes do Arkham espelham, de facto, a filosofia dessa obra literária, na qual a existência de males antigos e poderosos é usada como metáfora para a insignificância da condição humana aos olhos dessas divindades. Um conceito, como se percebe, análogo à eterna luta do Batman contra as forças maléficas que incessantemente flagelam a sua cidade natal; aquelas que ele procura desesperadamente trancar no Asilo Arkham.
Oficialmente inaugurado em 1921, o Asilo Arkham teve como fundador e primeiro administrador Amadeus Arkham. O tenebroso hospital que tantos calafrios causa aos gothamitas começou por ser uma mansão vitoriana, ex-propriedade de Jason Blood. Mestre do Ocultismo, Blood terá aprisionado vários demónios e espíritos malignos nas catacumbas do palácio, antes de vendê-lo. Especula-se que será essa a verdadeira origem da maldição que impende sobre o lugar, desde sempre assombrado pelo caos e pela depravação.
Mesmo após a reconstrução do edifício original - parcialmente destruído durante a fuga em massa instigada por Bane em A Queda do Morcego -, permanecem resquícios da sua arquitetura gótica. Destacando-se as sinistras gárgulas que lhe adornam a fachada e o imponente portão principal que franqueia o acesso à propriedade. 

Asilo Arkham, o Palácio da Loucura.

À crónica incapacidade do Arkham de manter psicopatas presos, acresce a sua desastrosa política de Recursos Humanos. De administradores a terapeutas, foram vários os seus ex-funcionários a regredir para a condição de alienados inimputáveis. 
De tão elevada, a prevalência de inimigos do Batman que integraram outrora a equipa médica do Arkham parece evidenciar que o asilo está a funcionar ao contrário. Em vez de os psiquiatras trabalharem para estabilizar os pacientes, são estes que os empurram para o abismo da insanidade. Casos paradigmáticos desta inversão de papéis são a Drª Harleen Quinzel e o Dr. Jonathan Crane. Ambos promissores profissionais de saúde mental contagiados pela loucura dos seus pacientes, transformaram-se, respetivamente, na Arlequina e no Espantalho.
Perante este quadro perturbador, escusado será dizer que o Arkham falha miseravelmente naquela que deveria ser a sua função primordial: reabilitar criminosos antissociais. À falta de melhor alternativa, é lá, porém, que o Batman continua a depositar os freaks cujo propósito de vida se resume a fazer de Gotham um gigantesco circo de horrores.

Joker, loucura elevada ao seu expoente máximo.


Arquitetos do surreal

"A alma humana é um manicómio de caricaturas."
       - Fernando Pessoa (poeta português) -

Na segunda metade da década de 1980, a indústria dos comics passava por uma profunda transformação. O mote realista dado por O Regresso do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, fora novamente glosado por Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, acrescentando-lhe dose generosa de cinismo. Duas sagas iconoclásticas da DC que, ao mesmo tempo que desconstruíam convenções do género super-heroico, expunham fórmulas narrativas inovadoras e apelativas a audiências mais maduras.
À boleia dessa revolução conceptual, um jovem escriba britânico de pluma incisiva chegou à contracultura, determinado em deixar a sua marca. O seu nome era Grant Morrison e o que propunha era uma espécie de terceira via. Uma que ficaria a meio caminho entre os lugares-comuns das histórias com justiceiros fantasiados e o realismo incensado por Miller e Moore nas respetivas obras.
Arkham Asylum - A Serious House on Serious Earth (subtítulo retirado da última estrofe do poema Church Going, de Philip Larkin) foi a primeira história do Homem-Morcego assinada por Morrison antes de ele se tornar um dos mais prolixos autores da personagem.

Grant Morrison & Dave McKean, a Dupla Dinâmica da Velha Albion.

Após uma longa reflexão acerca da melhor abordagem, Morrison decidiu estabelecer um paralelismo entre a construção da narrativa e a arquitetura de uma casa. Nesse sentido, o passado de Amadeus Arkham seria uma alegoria para as fundações do edifício, ao passo que os símbolos e metáforas invocariam os pisos superiores. De permeio, passagens secretas e corredores labirínticos ligariam segmentos da trama e levariam o leitor a percorrer os recantos do Palácio da Loucura, ele próprio reflexo da psique distorcida dos seus moradores.
Qual arquiteto do surreal, Morrison elegeu como matérias-primas bastas referências a Alice no País das Maravilhas, aos arquétipos Junguianos, ao Tarô e até à Física Quântica. Nessa complexa empreitada teve como sócio outro súbdito de Sua Majestade, o escocês Dave McKean, cuja arte imprimiu um toque abstrato à história. 
O resultado final foi uma obra ímpar na história da 9ª Arte e um dos maiores best-sellers (mais de 600 mil exemplares vendidos) da Editora das Lendas. Ao Batman realista sucedia, assim, o Batman onírico.

Do outro lado do espelho

"Alice: Como sabes que sou louca?
Gato: Só podes ser. Se não fosses, não terias vindo aqui."
            - in  Alice no País das Maravilhas -

Na viragem da década de 1920, o jovem Amadeus Arkham testemunhou, impotente, o declínio mental da sua mãe; estuário de loucura que desaguaria no suicídio. Já adulto, Amadeus fundou o Asilo Arkham, uma instituição psiquiátrica orientada para a reabilitação de criminosos insanos, mantendo-os afastados do sistema penal. 
No presente, é Dia das Mentiras e o Comissário Gordon informa Batman que o Asilo Arkham foi tomado pelos lunáticos, que ameaçam matar todo o pessoal, a menos que o Cavaleiro das Trevas concorde em ir ao encontro deles. Entre os reféns encontram-se Pearl, uma jovem copeira; a Drª Ruth Adams, a nova terapeuta; e o Dr. Cavendish, o atual administrador da instituição. Os amotinados são liderados pelo Joker que, para estimular o Batman a obedecer às suas exigências, mata um dos guardas a sangue-frio. 

Batman não tem como escapar ao jogo mortal do  Joker.

Por sua vez, o Duas-Caras soçobrou ainda mais na sua demência como resultado da bem-intencionada, porém desadequada, terapia ministrada pela Drª Adams. Desde que ela lhe confiscou a sua moeda riscada, substituindo-a por um dado de seis faces e, depois, por um baralho de Tarô, Harvey Dent ficou incapaz de tomar mesmo as decisões mais simples, como ir à casa de banho. 
Chegado ao Arkham, Batman é coagido a jogar às escondidas com os seus inimigos. O Joker concede-lhe uma hora para percorrer os corredores labirínticos e encontrar uma saída antes que ele e os restantes pacientes vão no seu encalço. Previsivelmente, o Palhaço do Crime faz batota, encurtando o tempo para apenas dez minutos. 
À medida que penetra nas lúgubre entranhas do Arkham, Batman luta contra o seu subconsciente, onde a loucura se insinua. Enredado em delírios, o herói encontra, por fim, um compartimento secreto no alto de uma das torres do asilo; uma divisão intocada desde a época em que a propriedade serviu como residência familiar do clã Arkham. 

Sem a sua moeda, Duas-Caras é um destroço humano.

Lá dentro, Batman encontra o Dr. Cavendish trajando um vestido de noiva e com uma elegante navalha com cabo de madrepérola encostada à garganta da Drª Adams. Perante a perplexidade do Homem-Morcego, Cavendish revela ter sido a ele orquestrar o motim e ordena-lhe que leia uma entrada assinalada no diário secreto de Amadeus Arkham. 
Ao lê-la, Batman descobre que aquela divisão secreta fora o quarto de Elizabeth Arkham. Durante muitos anos, a mãe de Amadeus Arkham acreditou ser atormentada por uma criatura sobrenatural, chamando constantemente o filho para protegê-la. No dia em que Amadeus teve, finalmente, um vislumbre da criatura - um grande morcego adejando, qual espectro da morte - ele usou uma navalha com cabo de madrepérola para degolar a mãe, libertando-a, assim, do seu sofrimento. No entanto, Amadeus bloqueou essa memória, atribuindo a morte da progenitora ao suicídio. 
A memória suprimida reemergiria, porém, dos recessos do subconsciente de Amadeus quando, anos mais tarde, a sua esposa e filha foram brutalmente assassinadas por um dos seus ex-pacientes. Profundamente traumatizado, Amadeus enfiou o vestido de noiva da mãe e, ajoelhado sobre o sangue da sua família morta, jurou esconjurar o espírito maligno que ele acreditava assombrar a casa. 
Mesmo depois de ter sido encarcerado no próprio manicómio, Amadeus continuou a sua desvairada missão, riscando com as próprias unhas - e até ao dia da sua morte - as palavras de um feitiço no chão e nas paredes da sua cela.

Amadeus Arkham devotou a vida
 a caçar o demónio que enlouqueceu a sua mãe.

Ao descobrir por acaso os diários de Amadeus Arkham, a navalha e o vestido, Cavendish convenceu-se que estaria destinado a terminar o trabalho do seu antecessor. No 1º de abril, data em que a família de Amadeus foi assassinada, ele orquestrou um motim no Arkham para atrair Batman a uma cilada mortal. 
Convicto de que o Homem-Morcego é o espírito que levara Elizabeth Arkham à loucura, Cavendish acusa-o de, ao trazer mais almas insanas, alimentar o mal que habita o asilo. Na refrega que se segue, Batman é ferido e Cavendish deixa cair a navalha, que acaba nas mãos da Drª Adams. Reagindo instintivamente, ela corta a garganta de Cavendish, que sangra até morrer.
No seu caminho de volta, Batman derrota o monstruoso Crocodilo num violento mano a mano. De machado em riste, o Homem-Morcego despedaça, em seguida,  a porta da frente do hospício, proclamando que os pacientes estão livres. 
Enquanto o Joker se oferece para lhe abreviar o sofrimento, Batman devolve a moeda ao Duas-Caras, afirmando que lhe cabe decidir o seu destino. O vilão aquiesce antes de anunciar que, se a moeda cair com a face riscada para cima, o Morcego será morto. Caso contrário, ele poderá ir em paz.

Batman coloca o seu destino nas mãos do Duas-Caras.

Duas-Caras lança a moeda ao ar e declara o Batman livre. Em tom chocarreiro, Joker despede-se do seu inimigo de estimação, dizendo-lhe que, se a vida se tornar insuportável lá fora, haverá sempre uma cela confortável à sua espera no Arkham.
Ao mesmo tempo que Batman desaparece na noite, os prisioneiros regressam calmamente às suas celas. Todos, exceto Duas-Caras. O vilão fita a Lua antes de revelar a moeda com a face riscada para cima na palma da sua mão. Pela primeira vez, ele ignorou a sorte ditada pela sua moeda, aplicando dessa forma uma sentença de vida ao seu velho inimigo. 
Depois de derrubar uma pilha de cartas de Tarô, Duas-Caras recita uma passagem de Alice no País das Maravilhas: "Quem se importa contigo? Não és nada além de um baralho de cartas."

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Apontamentos

*Em 2004, uma edição especial lançada para assinalar o 15º aniversário de Batman - Asilo Arkham continha extensas anotações de Grant Morrison, explicando as influências, o simbolismo e as referências culturais da obra. Na última dessas anotações, o autor considera a história um rebuscado pesadelo simbólico fabricado pelo subconsciente do Batman, sugerindo desse modo o caráter apócrifo dos eventos nela narrados;
*No supramencionado volume, Morrison evoca também um episódio pouco edificante. Sem o seu consentimento, o primeiro rascunho da história foi revisto por vários dos seus pares. A apreciação foi unânime: simbolismo pesado, conceito pretensioso e elementos de terror psicológico risíveis. À laia de dedicatória, Morrison escreveu: "Quem é que se está a rir agora, parvalhões?";
*Morrison criticou a escolha de Dave McKean para ilustrar a sua história. Grande admirador do trabalho de Brian Bolland em A Piada Mortal, teria preferido que tivesse sido ele o seu parceiro criativo;
*Batman - Asilo Arkham é amplamente celebrado pelo trabalho de lettering executado por Gaspar Saladino, atribuindo a cada personagem uma fonte personalizada nos seus diálogos. A prática de tratamentos personalizados de letras generalizou-se pouco tempo depois, especialmente na linha Vertigo, da DC;


As letras respingadas a vermelho simbolizam
 o fluxo caótico emanado do Palhaço do Crime.

*Durante a sua preparação para o papel de Joker em O Cavaleiro das Trevas (2008), Heath Ledger recebeu uma cópia de Batman - Asilo Arkham como referência para a sua interpretação. Segundo consta, Ledger terá ficado fascinado com a história, ao ponto de relê-la repetidas vezes;
*O aclamado jogo de vídeo Arkham Asylum (2009) é vagamente baseado na obra de Grant Morrison e Dave McKean. Embora considerada inadaptável pelo seu diretor criativo, a atmosfera do conto foi a principal influência do jogo;
*Na lista das 25 melhores sagas de sempre do Batman divulgada pelo IGN, Batman - Asilo Arkham, surge classificada em 4º lugar, atrás de Piada Mortal, O Regresso do Cavaleiro das Trevas e Ano Um (todas já aqui esmiuçadas).

Vale a pena ler?

Estamos em presença de uma história menos objetiva e muito mais densa do que é apanágio da DC. Em momento algum isso significa, porém, decréscimo de qualidade. Apesar do simbolismo que a permeia, a trama é coerente, abordando uma problemática deveras fascinante: não sendo vitalício, o contrato que nos vincula à racionalidade poderá ser inopinadamente revogado por meio do acionamento da cláusula de insanidade. Mesmo o homem mais sensato poderá, por isso, despencar no negro abismo da sua mente. Bastará que ceda ao peso avassalador da realidade ou à dor de uma tragédia na periferia da vida.
O vulto difuso - quase um borrão em forma de morcego saído de um teste de Rorschach - escolhido pelos autores para representar o Batman é uma metáfora para essa fragilidade da psique humana. Bruce Wayne, Harvey Dent, Amadeus Arkham ou o próprio Joker são pessoas como outras quaisquer. A única coisa que os aparta da "normalidade" é o lado para o qual a sombra de cada um deles aponta. A passagem em que Batman confessa ter medo de entrar no Arkham e sentir-se em casa é fortíssima, e estabelece claramente a ideia de Morrison de manter o protagonista em perpétuo conflito - desta vez, consigo próprio. 
Nem sempre de fácil interpretação, a simbologia de Morrison é um espetáculo à parte. Referências a Jung, Freud, Lewis Carroll e outros autores e conceitos notáveis ajudam a percecionar o Asilo Arkham como um organismo vivo, espécie de monstro arquitetónico que se alimenta do caos e depravação dos seus residentes. Qualquer um que transponha os seus altos portões, incorre numa viagem sem retorno.
Em complemento a tudo isso, a arte de Dave McKean, impressionista e complexa, quase torna palpável o aluvião de delírios nonsense que fomentam a claustrofobia do leitor, arrastado para dentro de um pesadelo sufocante. Dada a importância da estética, esta é uma daquelas histórias que carecem ser lidas a um ritmo mais vagaroso, porquanto só assim se pode apreciar devidamente os quadros surrealistas que preenchem cada página.
A ler de mente aberta, mas não em demasia porque nunca se sabe o que poderá entrar...

Serão Batman e Joker as duas faces da mesma moeda?




*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Prontuários do Joker, Duas-Caras e Espantalho disponíveis para leitura complementar.