07 abril 2020

HERÓIS EM AÇÃO: ARQUEIRO VERDE



  Inspirado pelo seu herói de infância - o lendário Robin Hood -, um caçador urbano de pontaria infalível distribui justiça na ponta de cada flecha. Os seus alvos: o crime organizado, a corrupção política e um sistema forte com os fracos e fraco com os fortes.

Denominação original: Green Arrow 
Editora: Detective Comics (DC)
Criadores: Mort Weisinger (história) e George Papp (arte conceptual)
Estreia: More Fun Comics nº73 (novembro de 1941)
Identidade civil: Oliver Jonas "Ollie" Queen
Espécie: Humano
Local de nascimento: Star City, Califórnia
Parentes conhecidos: Robert e Moira Queen (pais, falecidos); Dinah Lance / Canário Negro (ex-cônjuge); Connor Hawke/ Arqueiro Verde II (filho); Robert (filho); Roy Harper / Ricardito (filho adotivo); 
Ocupação: Empresário, filantropo, aventureiro, vigilante, ativista ambiental e ex-mayor de Star City.
Base operacional: Star City (anteriormente, Seattle)
Afiliações: Ex-parceiro de Ricardito/Arsenal; ex-parceiro da Canário Negro; ex-parceiro do Lanterna Verde Hal Jordan; ex-membro da Liga da Justiça e dos Renegados, lidera atualmente a Equipa Flecha e as Indústrias Queen.
Némesis: Malcom Merlyn 
Poderes e parafernália: Oliver Queen é um mestre arqueiro de gabarito mundial; muito provavelmente, o melhor da história da modalidade. Além da sua pontaria virtualmente infalível, há registo de outras proezas extraordinárias. Disparar flechas à razão de 29 por segundo ou atingir com precisão cirúrgica alvos tão minúsculos como uma gota de água a sair da torneira encabeçam a lista. Outra das suas especialidades consiste em neutralizar armas de fogo atirando flechas para o interior dos respetivos canos.
Impressionados por essas e outras façanhas, os seus colegas da Liga da Justiça começaram a suspeitar que Ollie seria na verdade um meta-humano. Também o Departamento de Operações Extranormais, a agência federal americana responsável pela monitorização de atividades meta-humanas, coligiu um ficheiro confidencial acerca do Arqueiro Esmeralda. As conclusões da investigação permanecem, todavia, no segredo dos deuses.
Até prova em contrário, as habilidades inatas de Ollie no manejo do arco e flecha foram sublimadas graças ao treino intenso e à rigorosa disciplina. Não resultando, portanto, de qualquer vantagem biológica ou superpoder latente.
Se o arco funciona quase como uma extensão natural do corpo de Ollie, a sua proficiência com outro tipo de armas não é menos notável. Quando dispara uma metralhadora, por exemplo, a precisão do seu tiro é irrepreensível ao ponto de rivalizar com a do próprio Pistoleiro (conhecido por nunca falhar o alvo).

O Arqueiro Verde é capaz de proezas sobre-humanas.
Mas será ele um superser?
Da tradicional parafernália do Arqueiro Verde fazem parte arcos simples ou compostos (que lhe possibilitam disparar múltiplas setas em simultâneo) e uma aljava onde transporta flechas padrão e/ou especiais. De entre estas, a mais icónica é, sem dúvida, a flecha luva de boxe, usada para esmurrar adversários à distância. A gama com funções especiais inclui ainda, entre muitos outros itens, flechas-boleadeiras, flechas-rede, flechas-gancho, flechas com ponta explosiva e até uma flecha de kryptonita especificamente concebida para derrubar kryptonianos. A fim de contrariar a sua dependência relativamente às flechas especiais, com o tempo Ollie foi privilegiando cada vez mais a utilização das flechas simples.
Revestida com uma fina cota metálica, a túnica do Arqueiro Verde garante-lhe proteção eficaz contra esfaqueamentos e disparos de armas de pequeno calibre, evitando a perfuração de órgãos vitais. Em versões mais recentes do seu uniforme, a discreta mascarilha foi substituída por um sofisticado par de óculos com lentes infravermelhas para visão noturna.

Flechas especiais para alvos especiais.
No período pré-Crise, o Arqueiro Verde, à semelhança do Batman, dispunha de uma frota de veículos temáticos. Nela pontificava o lendário Flechamóvel (Arrowcar, no original), um carro com várias modificações, como assentos reclináveis capazes de catapultar os seus ocupantes. À medida que as histórias do Arqueiro Esmeralda iam adquirindo contornos menos pueris, esse envoltório espampanante foi desaparecendo. Por estes dias, o defensor de Star City e seus aliados da Equipa Flecha preferem deslocar-se em potentes motociclos.
Com vastos recursos financeiros ao dispor, quando decidiu abraçar uma carreira como vigilante urbano Oliver Queen contratou os melhores mestres de artes marciais que o dinheiro podia comprar, sendo por isso exímio no combate corpo a corpo. Anos de treino físico intenso fizeram dele um atleta de nível olímpico e um acrobata fora de série. É comum ver o Arqueiro Verde, epítome da sincronia, disparar flechas ao mesmo tempo que executa saltos impossíveis sem nunca falhar o alvo.
O Arqueiro Verde é, ademais, um talentoso e obstinado caçador. Na floresta ou na selva de betão, consegue facilmente seguir o rasto das suas presas por mais esquivas que estas sejam. E não se deterá perante nada, pois extrai grande prazer da caçada.

A Equipa Flecha catapultada para nova aventura.
Fraquezas: Carismático, sedutor e com o porte garboso de um cavaleiro andante, Oliver Queen é um colecionador de aventuras galantes. Mulheres bonitas são, comprovadamente, um dos seus pontos fracos. Vicissitude que o torna permeável aos ardis de qualquer femme fatale. Shado, assassina da Yakuza e ex-aliada do Arqueiro Verde, violou-o quando ele se encontrava delirante, concebendo assim um filho dele, Robert.
A atávica promiscuidade de Ollie já lhe valeu numerosos dissabores tanto no plano profissional como  no pessoal. Recorde-se, a este propósito, que foi por causa dela que o seu casamento com Dinah Lance chegou ao fim. Certos comportamentos de Ollie sugerem mesmo que poderá ser viciado em sexo.
Se a luxúria é o pecado capital de Oliver Queen, o álcool parece ser a sua serpente tentadora. Quando deprimido, Ollie tende a consumi-lo como se de alento líquido se tratasse. Um mau hábito que remonta aos seus tempos de juventude, quando, para fugir ao tédio da sua vida de playboy, se embriagava e se entregava a todo o tipo de excessos.
Conhecido por ferver em pouca água, Ollie age frequentemente por impulso. Com preocupante frequência coloca-se em situações perigosas em nome de uma boa causa. O caso mais extremo foi quando, indiferente aos apelos do Super-Homem, se martirizou para salvar Metrópolis de um ataque biológico planeado por ecoterroristas.

A morte (temporária) do Arqueiro Verde foi
 um dos momentos mais marcantes da década de 90.

De Batman genérico...

Receando a erosão dos seus campeões de vendas, em finais de 1941 a DC começou a procurar alternativas a Batman e Super-Homem. Se a este último a Mulher-Maravilha, apresentada em outubro desse ano, serviu de contraparte feminina, no caso do Cavaleiro das Trevas houve necessidade de desenvolver um conceito genérico com os atributos do original. À época editor dos títulos do Homem de Aço, Mort Weisinger chamou a si essa tarefa, na qual seria assistido por George Papp, cocriador de Congo Bill.
Sugestivamente crismado de Arqueiro Verde, o néofito fez a sua primeira aparição em More Fun Comics nº73, volume datado de novembro de 1941. Segundo consta - a par da óbvia influência de Robin Hood -, Green Archer, adaptação cinematográfica do romance homónimo de Edgar Wallace, terá sido a principal fonte de inspiração de Weisinger.


Mort Weisinger (cima) e George Papp ,
os criadores do Arqueiro Verde.

Da amálgama desses dois conceitos resultou um vigilante mascarado que, descontando o aspeto visual, foi totalmente decalcado do Batman. Senão vejamos: ambos tinham playboys milionários como alter egos (Bruce Wayne e Oliver Queen); ambos eram acolitados por adolescentes (Robin e Ricardito); ambos se faziam transportar em veículos temáticos (Batmóvel e Flechamóvel); ambos eram convocados através de sinais luminosos projetados no céu noturno (Bat-sinal e Sinal-flecha); ambos usavam cavernas secretas localizadas no subsolo das respetivas mansões (Batcaverna e Caverna da Flecha) e, como se tudo isso não bastasse, ambos tinham palhaços assassinos como arqui-inimigos (Joker e Bull's Eye).
Usados inicialmente para preencher o alinhamento de More Fun Comics, Arqueiro Verde e Ricardito precisaram apenas de quatro meses para destronar Espectro e Senhor Destino como astros principais dessa mítica série mensal da Idade de Ouro. Contudo, alguns historiadores da 9ª Arte atribuem mais essa proeza a Ricardito do que propriamente ao seu mentor.
Sidekicks juvenis eram, por aqueles dias, extremamente apelativos para o público do mesmo segmento etário, facto que ajuda a sustentar essa tese. Se levarmos em consideração que o grosso da audiência das historietas de super-heróis era composto por crianças e adolescentes, facilmente se percebe que Ricardito, tal como Robin antes dele, terá sido um engodo eficaz para atrair os leitores mais jovens.

De convidados, Arqueiro Verde e Ricardito
 rapidamente fizeram de More Fun Comics a sua casa.
Os fãs da Equipa Flecha (outra analogia com a Dupla Dinâmica) tiveram, porém, de esperar quase dois anos para ficarem a conhecer a origem dos seus ídolos. Em março de 1943, More Fun Comics nº89 levantou finalmente o véu que cobria o passado de Arqueiro Verde e Ricardito.
Na história em questão, saída da pena de Joseph Samachson (curiosamente, um ex-escriba de Batman), Oliver Queen era apresentado como um antropólogo fascinado pela cultura nativa americana a viver tranquilamente numa reserva indígena. Um belo dia, quando realizava uma exploração arqueológica, descobrira acidentalmente uma mina de ouro abandonada.
Após ter sobrevivido a um sequestro motivado por essa descoberta, Oliver adotou um pequeno órfão chamado Roy Harper, que se tornaria seu fiel escudeiro numa cruzada contra o crime financiada pela sua recém-adquirida fortuna. Movia-os no entanto mais a adrenalina do que o sentimento de dever.

Green Arrow - More Fun Comics #89
More Fun Comics nº89 revelou a origem do Arqueiro Esmeralda,
muito diferente daquela que hoje conhecemos.
Sem embargo para a sua longevidade nos quadradinhos, o Arqueiro Verde nunca deixou de ser um simples vigilante urbano. Enquanto Batman enfrentava supervilões com cada vez maior frequência, o Robin Hood de Star City continuava a limpar as ruas da sua cidade de bandidos comuns, distribuindo justiça na ponta de cada flecha disparada.
Apesar de nunca ter alcançado os níveis de notoriedade de alguns dos seus contemporâneos, o Arqueiro Verde logrou a proeza de sobreviver-lhes. Foi, de resto, uma das raras personagens da Idade de Ouro a escapar incólume à sangria editorial motivada pelo declínio dos comics no pós-guerra, bem como às subsequentes releituras a que, anos depois, seriam sujeitos outros heróis clássicos, como Flash, Lanterna Verde ou Átomo.
Mais uma vez, essa circunstância não ficou a dever-se ao mérito da personagem, mas sim à influência do seu criador. Mort Weisinger manteve o Arqueiro Verde no alinhamento de More Fun Comics, primeiro, e no de Adventure Comics, depois. Ambos os títulos eram agora estrelados por Superboy, que funcionava como uma espécie de seguro de vida para qualquer personagem a ele associada. Associação que seria reforçada quando, em 1959, uma história dada à estampa em Adventure Comics nº 259 revisitava o encontro entre o jovem Oliver Queen e o Rapaz de Aço, assim transformados em velhos amigos.
A viragem da década de 1960 traria, porém, profundas transformações na vida do Arqueiro Verde. Após tantos anos a viver à sombra do Batman, Oliver Queen, agora impelido pelo ativismo social, pôde finalmente rasgar novos caminhos, assumindo uma trajetória divergente em relação ao Cavaleiro das Trevas.

...a justiceiro social.

Esse ponto de viragem aconteceria em 1969, quando Neal Adams vestiu o Arqueiro Verde com um uniforme da sua autoria acrescentando-lhe um cavanhaque que se tornaria outra das suas imagens de marca. Porém, nem sempre o hábito faz o monge. Mais importante do que essa transformação visual foi, sem dúvida, a radical alteração da personalidade do herói.
Sob a batuta de Dennis O'Neil, escritor engajado com as causas de esquerda, Oliver Queen, nascido em berço de ouro, assumiria o papel de porta-voz dos mais desfavorecidos. O vigilante urbano evoluía assim para um justiceiro social, e o Arqueiro Verde demarcava-se finalmente do Batman.

O novo visual do Arqueiro Verde (aqui recriado por García-López)
foi apresentado em The Brave and the Bold nº85 (setembro de 1969).
Nessa sua nova encarnação, Oliver Queen era o herdeiro de um poderoso conglomerado empresarial, as Indústrias Queen, que tinha Robin Hood como ídolo de infância. Antes do acidente que lhe mudaria a vida para sempre, Ollie vivia insulado numa bolha de privilégio, tendo como único propósito divertir-se.
Tudo mudaria quando, em mais uma noite de farra a bordo do seu iate, Oliver caiu ao mar acabando por dar à costa numa ilha deserta ao largo da Califórnia onde permaneceria vários anos. Essa temporada longe da civilização aguçou-lhe o engenho na sobrevivência e a destreza inata no manejo do arco e da flecha. Mas fê-lo sobretudo colocar as coisas em perspetiva. Apesar da sua existência solitária, Ollie sentia-se mais feliz do que nunca.
Quando, por fim, conseguiu sair da ilha e regressar a Star City, Oliver Queen tinha abraçado uma missão sagrada: combater a corrupção e a injustiça que enquistavam a sua cidade. E decidiu fazê-lo à imagem e semelhança de Robin Hood, embora sem a parte de roubar aos ricos para dar aos pobres. Classe social da qual ele próprio viria a fazer parte quando as manigâncias de um sócio inescrupuloso o espoliaram da sua fortuna. Em consequência desse revés, Oliver desenvolveu uma aguda consciência social que lhe afinaria ainda mais a pontaria.
Entretanto, o Arqueiro Verde ganhara um novo némesis: Malcom Merlyn (vulgo Arqueiro Negro) provou ser um desafio à altura dos talentos de Oliver Queen. A renhida disputa entre ambos pelo título de mestre arqueiro supremo prossegue até hoje.
Malcolm Merlyn (Prime Earth) | DC Database | Fandom
Um rival de pontaria implacável.
Emparelhado com o Lanterna Verde Hal Jordan numa fracassada tentativa de suster o declínio de vendas da série mensal do Gladiador Esmeralda, em 1970 o Arqueiro Verde coprotagonizou uma breve, porém aclamada, fase pautada pelas preocupações sociais.
Em digressão pela América profunda, os dois heróis de personalidades assimétricas testemunhavam de perto alguns dos maiores problemas que, tal como no mundo real, os EUA enfrentavam por aqueles dias: racismo, corrupção, poluição ambiental e um crescente sentimento antiguerra motivado pelo eternizar do conflito no Vietname.
Embora acusasse o seu compagnon de route de alheamento em relação a essas questões mundanas, seria o Arqueiro Verde a ser surpreendido pela toxicodependência de Roy Harper. De tão absorvido pela sua cruzada quixotesca, Oliver Queen não vira o que se passava bem debaixo do seu nariz.
Publicada nos números 85 e 86 de Green Lantern, a história, ainda com assinatura da dupla Adams/ O'Neil, marcou o fim da inocência dos super-heróis e alertou os leitores para o flagelo social representado pelo consumo de drogas. Em reconhecimento pelo serviço público prestado, o mayor de Nova Iorque louvou os autores numa carta aberta.

Green Lantern Vol 2 85 | DC Database | Fandom
A chocante revelação que abalou as convicções do Arqueiro Verde.
Anos mais tarde, seria o próprio Oliver Queen a fazer-se eleger mayor de Star City, duplicando dessa forma o serviço prestado à comunidade. Enquanto o Arqueiro Verde ajudava a reduzir os índices de criminalidade na cidade, Ollie empenhava-se em varrer a corrupção dos corredores do poder. Conquanto fugaz e de viés demagógico, a sua carreira política permitiu-lhe testar os anticorpos do status quo dominando pelos ricos e poderosos.
Na continuidade emanada de Crise nas Infinitas Terras, Oliver Queen trocou a sua ensolarada Star City natal pela chuvosa e distante Seattle. Fê-lo na companhia da Canário Negro, aliada e amante de longa de data, com quem sonhava constituir família. No entanto, o destino brindaria o casal com núpcias trágicas, abrindo caminho à sua separação.
Nesse trepidante fase assinada por Mike Grell, as histórias do Arqueiro Esmeralda ganharam uma atmosfera mais sombria e violenta. Refletindo essa mudança de registo, o herói sofreu nova transformação visual: o tradicional chapéu à Robin Hood foi substituído por um capuz que lhe cobria parcialmente as feições e as cores do seu traje foram ligeiramente escurecidas. O justiceiro social idealista cedia assim lugar ao implacável caçador urbano.

Arqueiro Verde e Canário Negro
 tiveram um amargo recomeço em Seattle.
A década de 1990 ficou marcada pela conversão de Oliver Queen ao ativismo ambiental. Cada vez mais radicalizado na defesa dessa causa, o Arqueiro Verde deixou-se seduzir pela perversa líder de um grupo ecoterrorista que planeava a destruição de Metrópolis. Ao tomar consciência das reais intenções dos seus aliados, Ollie sacrificou a própria vida para salvar a Cidade do Amanhã.
Após a morte de Ollie, coube ao seu filho, Connor Hawke (fruto de uma relação extraconjugal), assumir o legado do Arqueiro Verde. Ollie seria no entanto ressuscitado pelo seu velho amigo Hal Jordan, à época avatar do todo-poderoso Espectro.
Tal como o restante panteão da Editora das Lendas, o Arqueiro Verde teve a sua origem revisitada no contexto dos Novos 52. Naquele que foi o penúltimo reboot do Universo DC, Oliver Queen descobriu que a sua passagem pela ilha fizera parte de um rebuscado plano do seu pai que objetivava prepará-lo para lhe suceder na liderança do Clã da Flecha - um dos ramos dos Renegados, organização ancestral à qual pertencia também a sua meia-irmã Emiko Queen (outra novidade introduzida nessa fase).
Ao longo da sua vetusta carreira heroica, o Arqueiro Verde assumir-se-ia também como a bússola moral da Liga da Justiça. Sempre que os seus companheiros se focavam em demasia nas ameaças cósmicas ou extradimensionais, ele lá estava para lhes lembrar que a defesa do cidadão comum era a sua missão mais importante. Sendo por esse princípio cardeal que o Arqueiro Esmeralda rege até hoje a sua conduta.  Sem nunca deixar de contestar um sistema forte com os fracos mas fraco com os fortes. Ou não fosse ele o último dos heróis românticos que matizam o mundo com as cores garridas do seu idealismo mais ou menos inconsequente.

Jose Luis Garcia Lopez
O Arqueiro Verde foi o primeiro membro não-fundador a ser admitido na Liga da Justiça,
e a sua espessura moral fez dele a consciência da equipa.

Miscelânea

*Durante a Idade de Ouro, o Arqueiro Verde não usava o seu icónico cavanhaque e surgia ocasionalmente com cabelo castanho, em vez da tradicional trunfa loira. Quando, no início dos anos 1980, Roy Thomas reviveu a lendária série All-Star Comics, recuperou essa característica para diferenciar o herói da Terra-2 do seu homólogo da Terra-1. No entanto, aquando da sua morte em Crise nas Infinitas Terras, o Arqueiro Verde clássico exibia novamente o seu visual loiro;
*Num dos muitos paralelismos com a Dupla Dinâmica, nos primórdios das suas carreiras como vigilantes de Star City Arqueiro Verde e Ricardito colecionavam troféus das suas aventuras. Armas, artefactos místicos e uma variedade de outras relíquias compunham a memorabilia que ornamentava a caverna secreta que lhes servia de quartel-general;
*Speedy no original, o imberbe protegido do Arqueiro Esmeralda foi insolitamente batizado de Ricardito no Brasil, pela EBAL. Essa nomenclatura seria preservada pela Abril levando assim à sua consagração editorial em Terras de Vera Cruz. Speedy é, no entanto, a palavra inglesa para "rápido", "veloz" ou, numa tradução mais livre, "ligeirinho". Roy Harper ganhou essa alcunha logo na sua primeira aparição, quando a rapidez com que se esquivava dos golpes levou um dos malfeitores que enfrentava a apelidá-lo dessa forma;
1209 Best Legion images | Legion of superheroes, Superhero, Hero
O eterno Ricardito. 
*Arqueiro Esmeralda, Ás do Arco e Arqueiro de Batalha são os cognomes associados à persona heroica de Oliver Queen;
*O Arqueiro Verde mantém uma relação crispada com o Gavião Negro, seu antigo colega de equipa na Liga da Justiça. Na origem dessa animosidade mútua estão as suas inconciliáveis mundivisões (o primeiro alinha com a esquerda panfletária, o segundo com a direita mais radical), mas também a circunstância de o Gavião Negro ter sugerido a execução sumária do Doutor Luz em Crise de Identidade;
*A morte do Arqueiro Verde na explosão de um avião referencia a realidade alternativa de Batman - O Regresso do Cavaleiro das Trevas. Na saga de Frank Miller, uma versão amarga e envelhecida de Oliver Queen alimenta um ódio de estimação pelo Super-Homem, devido a um incidente não especificado que lhe custou um braço;
*Canário Negro foi consagrada como interesse romântico do Arqueiro Verde em resposta às insinuações maliciosas sobre uma pretensa relação homossexual entre Oliver Queen e Roy Harper. Tal como a Dupla Dinâmica, a Equipa Flecha foi vítima da campanha difamatória de Fredric Wertham, o psiquiatra germânico que odiava super-heróis, e que na sua obra Sedução dos Inocentes  (1954) os acusava de promoverem a delinquência juvenil, a pederastia e toda a sorte de comportamentos desviantes;

Nem tudo foram rosas na relação entre o Arqueiro Verde e Canário Negro.
*Apesar da sua relutância no que concerne ao uso de força letal, o Arqueiro Verde contabiliza oficialmente 17 mortes no seu currículo. Prometeus, o vilão responsável pela morte da filha bebé de Roy Harper, foi uma das suas vítimas mortais. Ficando, porém, implícito que essa estatística pecará por defeito;
*As indesmentíveis semelhanças físicas entre o Arqueiro Verde e Guerreiro (Warlord, criação de Mike Grell) já motivaram todo o tipo de paródias e equívocos. Certa vez, durante a sua passagem por Seattle, o Guerreiro foi alvo de vários ataques ao ser confundido com o Arqueiro Verde pelos criminosos locais;

O gémeo perdido de Oliver Queen?
*Oliver Queen partilha com Dinah Lance o mesmo tipo de sangue raro. Quando a Canário Negro foi severamente ferida numa emboscada em Seattle, uma transfusão do seu parceiro salvou-lhe a vida;
*Desde 2011 que o Arqueiro Verde ocupa um honroso 30º lugar no Top dos 100 Melhores Super-heróis dos Quadradinhos organizado pelo site IGN - 14 posições acima do seu émulo da Casa das Ideias, o Gavião Arqueiro;
*Conhecido pelos seus apurados dotes culinários, Oliver Queen confeciona o chili mais picante do mundo. Consta que, de tão condimentado, até o próprio Super-Homem tem dificuldade em comê-lo;
*Antes da sua participação em Justice League Unlimited (2004-06), o Arqueiro Verde era pouco conhecido do grande público. A sua transição para o segmento audiovisual remonta no entanto a 1973, quando marcou presença num único episódio da série animada Super Friends. No ar entre 2006 e 2007, a sexta temporada de Smallville assinalou a estreia de Oliver Queen em ação real e foi o seu passaporte para a ribalta. Justin Hartley emprestou corpo ao Arqueiro Esmeralda, que se tornaria personagem recorrente nas restantes temporadas da série. De tão meritório, o desempenho de Hartley levou os produtores a cogitarem um spin-off. Projeto que só em 2012 se tornaria realidade, embora num formato diferente. Com Stephen Amell como protagonista, Arrow provou-se um fenómeno de longevidade televisiva ao mesmo tempo que lançava as bases para o chamado Arrowverse, espécie de tubo de ensaio para o universo compartilhado da DC.

Green Arrow V.S. Green Arrow | DC Entertainment Amino
Justin Hartley (esq.) precedeu Stephen Amell no papel
de Arqueiro Esmeralda.


* Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
** Artigos sobre Dennis O'Neil, Neal Adams e Crise de Identidade disponíveis para leitura complementar.










06 março 2020

ETERNOS: STEVE DITKO (1927-2018)


   Foi um dos virtuosos arquitetos da Casa das Ideias, mas bateu com a porta quando esta se provou acanhada para as suas convicções. Esquivo como uma sombra de vidro, esculpia totens da cultura popular com o implacável cinzel do Objetivismo. 

Quando, em 2007, o popular apresentador televisivo britânico Jonathan Ross se propôs realizar um documentário sobre Steve Ditko para a BBC Four, sabia que teria de perseguir um fantasma arisco. Avesso a entrevistas (a última remontava a 1968) e aparições públicas, o lendário cocriador do Homem-Aranha e do Doutor Estranho vivia há anos em reclusão voluntária. Qualquer jornalista, fã ou simples curioso que pisasse a soleira da sua porta era, ademais, prontamente enxotado. Nada disso desencorajou, porém, Ross de tentar a sua sorte, confiante que esta tende a bafejar os audazes.
Ao cabo de meses de aturada investigação, Ross localizou finalmente o seu alvo num anónimo edifício de escritórios nova-iorquino. Escoltado pelo seu compatriota Neil Gaiman (outro assumido admirador da obra de Ditko), conseguiu um breve, porém cordial, tête-à-tête com o velho mestre da Arte Sequencial, no seu modesto estúdio.
O que nesse encontro foi discutido permanece até hoje no segredo dos deuses. Fiel aos seus rígidos princípios, Ditko não autorizou a gravação do mesmo e tudo indica que terá exigido máxima discrição aos seus visitantes. Mas nem por isso Ross voltou para casa de mãos vazias. Do ex-parceiro criativo de Stan Lee e Jack Kirby recebeu uma seleção de histórias da sua autoria. Resumindo-se a essa inesperada oferenda o contributo de Ditko para um projeto que, à semelhança de tantos outros, o teria como protagonista omisso.
Uma vez mais, era por meio da sua exuberante obra que Steve Ditko, o eremita, comunicava com o mundo. O homem por trás do artista genial e do filósofo espontâneo, esse, permaneceria um enigma.
Apontado como uma referência no género, o documentário de Ross - apropriadamente intitulado In Search of Steve Ditko (À procura de Steve Ditko) - falhou, previsivelmente, em decifrar o biografado.

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Jonathan Ross, autor do documentário À Procura de Steve Ditko.
A despeito de ter colocado um pouco de si em todas as suas criações - mesmo aquelas alcandoradas a ícones globais - Ditko será para sempre um livro proibido trancado a sete chaves numa biblioteca secreta a que quase ninguém teve acesso. Passagens avulsas, quase sempre encriptadas, foi tudo o que ele alguma vez nos permitiu ler.
Aqui ficam algumas delas, na certeza de que, tal como o próprio Ditko, personagem desconcertante,  suscitarão numerosas interpretações.
Stephen John Ditko Jr. nasceu a 2 de novembro de 1927 em Johnstown, pequena cidade industrial no estado da Pensilvânia martirizada ao longo da sua história por violentas cheias. Segundo filho de uma ninhada de quatro de um humilde casal de imigrantes originários da antiga Checoslováquia - ele mestre carpinteiro numa fábrica de aço local, ela dona de casa - do pai herdou o nome e a paixão pelas histórias aos quadradinhos. Às quais foi apresentado através das tiras do Príncipe Valente à época publicadas nos jornais. Batman e The Spirit seriam, no entanto, os verdadeiros catalisadores do fascínio do pequeno Steve Ditko em relação à 9ª Arte.
A passagem de Ditko pelo liceu coincidiu com a entrada dos EUA na II Guerra Mundial. No auge do conflito, participava no Clube de Ciências e num outro que fabricava modelos em madeira de aviões alemães para serem utilizados nos treinos de observadores aéreos.
Concluído o secundário, em 1945 Ditko alistou-se no Exército, sendo destacado no ano seguinte para a Alemanha sob ocupação aliada, onde o seu talento artístico lhe rendeu o posto de ilustrador num jornal castrense. Durante essa temporada longe de casa, produziu também uma banda desenhada que enviava todos os meses para um dos seus irmãos.

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Postal ilustrado da cidade natal de Steve Ditko e o mestre nos seus tempos de juventude.
De regresso à vida civil e aos EUA, em 1950 Steve Ditko matriculou-se na Cartoonists and Illustrators School (atualmente conhecida como School of Visual Arts), em Nova Iorque. Jerry Robinson, pupilo de Bob Kane e cocriador do Menino-Prodígio, foi o professor que mais influenciou o seu estilo e a sua vontade de abraçar uma carreira como desenhador profissional.
Com Eric Stanton, seu colega de turma e futuro artista e fotógrafo fetichista, Ditko cunharia amizade para a vida. Entre 1958 e 1968, os dois partilharam um estúdio em Manhattan e, ao que consta, ter-se-ão assistido mutuamente nos seus trabalhos (algo que ambos sempre negaram). Stanton terá sido, de resto, uma das raras pessoas que terão conhecido o homem por trás da lenda. Mas também ele levou esse segredo para o túmulo.
Em finais de 1953, então com 26 anos, Steve Ditko conseguiu o seu primeiro trabalho profissional ao ser contratado pela Key Publications para ilustrar um conto de terror intitulado Stretching Things. A história em questão seria, contudo, vendida à Ajax-Farrell, que a publicou em Fantastic Fears nº5.´

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Fantastic Fears nº5  (1954) apadrinhou
 a estreia profissional de Steve Ditko.
Ansioso por fazer parte da indústria dos comics, poucos meses depois Ditko reforçaria o staff do estúdio Crestwood dirigido por Joe Simon e Jack Kirby, a ex-dupla maravilha da Timely. A principal função de Ditko consistia em arte-finalizar os esboços de Mort Meskin, um dos mais talentosos e respeitados artistas da Idade de Ouro.
Quase sem tempo para aquecer o lugar, no trimestre seguinte Ditko migrou para a Charlton Comics. O ano de 1954 marcou, assim, o início da sua longa, porém intermitente, ligação à editora sediada no Connecticut. Que compensava as modestas remunerações com as amplas liberdades criativas concedidas aos seus colaboradores. Prerrogativa que contribuiu sobremodo para o florescimento artístico de Ditko, que por lá viveu uma das suas fases mais prolíficas.
Em menos de um ano, Ditko desenhou 170 páginas e 19 capas para a Charlton. Feito ainda mais notável se levarmos em conta que essa produção frenética coincidiu com um diagnóstico de tuberculose.
Sob os cuidados da mãe, Ditko restabeleceu-se em tempo recorde e, logo no início de 1955, estava pronto para voltar à liça. Contudo, durante a sua convalescença um furacão arrasara as instalações da Charlton. Novamente saudável mas sem emprego, no ano seguinte Ditko bateu à porta da Atlas Comics (sucessora da Timely e antecessora da Marvel), para a qual começou então a desenhar contos de terror publicados em títulos emblemáticos da editora, como Journey into Mystery ou World of Suspense. Dada a sua experiência prévia em histórias desse género, Ditko sentiu-se como peixe na água e depressa se tornou um dos artistas mais requisitados da companhia.
Em 1957, com a crise instalada na indústria dos comics, a Atlas foi forçada a dispensar a maior parte dos seus colaboradores. Ditko não escapou à razia mas teve a ventura de encontrar abrigo na rediviva Charlton. Nessa sua segunda passagem por uma casa que tão bem conhecia, dividiu com o escritor Joe Gill os créditos da criação do Capitão Átomo, herói espacial apresentado ao mundo em março de 1960, no 33º número de Space Adventures.
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Capitão Átomo, o primeiro super-herói criado por Steve Ditko.
Durante essa fase, Ditko desdobrava-se incansavelmente entre a Charlton e a Marvel, à qual aceitara regressar logo em 1958 e onde tinha agora como parceiro criativo Stan Lee. As sofisticadas histórias de suspense da autoria de ambos eram extremamente apreciadas pelos leitores e tinham dado novo elã a títulos clássicos como Strange Tales, Tales to Astonish ou Amazing Fantasy. Incidindo sobre este último a escolha do presidente executivo da Casa das Ideias, Martin Goodman, para acolher um novo super-herói.
Assistia-se, desde meados da década de 50, ao renascimento do género super-heroico e a Marvel teria uma palavra a dizer.  Com Stan Lee e Jack Kirby, Steve Ditko seria o terceiro vértice do triângulo de visionários que reinventaram os super-heróis. Revolução posta em marcha com o Quarteto Fantástico, em 1961, e que prosseguiria agora com a irreverência de um certo Escalador de Paredes.
O Sensacional Homem-Aranha fez a sua vibrante estreia em agosto de 1962, nas páginas de Amazing Fantasy nº15, e logo prendeu os leitores na sua teia. A ideia de apresentar o primeiro super-herói adolescente emancipado da tutela de um adulto partiu de Stan Lee. Tanto a conceção visual da personagem como boa parte da sua caracterização psicológica ficaram, todavia, por conta de Steve Ditko. Que projetou vários traços da sua personalidade no alter ego do herói.
Da aparência franzina ao isolamento social decorrente de uma timidez superlativa, Peter Parker era praticamente um autorretrato de Ditko. A identificação do público nerd com o Homem-Aranha foi instantânea fazendo-o atingir níveis estratosféricos de popularidade apenas comparáveis aos do Super-Homem e Batman.
Diversos dos elementos que compõem o imaginário do Escalador de Paredes, como os lançadores de teias ou o sentido de aranha, tiveram igualmente assinatura de Ditko. O mesmo se podendo dizer acerca dos principais antagonistas do herói, com o Duende Verde à cabeça.
Tudo isto só foi possível graças à aplicação extrema do famoso Método Marvel. A partir de uma sinopse de Stan Lee, Ditko narrava as histórias visualmente cabendo depois ao seu parceiro escrever os respetivos diálogos. Donde a dificuldade em atribuir a cada um deles uma quota-parte na criação do Homem-Aranha.

A partir de uma ideia de Stan Lee,
Ditko criou um dos mais icónicos super-heróis de todos os tempos.
Mesmo depois de ter visto reconhecido o seu estatuto de coautor do Escalador de Paredes, Ditko nunca escondeu o seu desconforto com o facto de, durante demasiado tempo, Stan Lee ter reclamado sozinho os louros pela criação daquele que se tornaria o maior símbolo da Marvel e um totem da cultura popular. Vicissitudes que não se repetiriam aquando da criação do Doutor Estranho, conceito totalmente desenvolvido por Ditko para a Casa das Ideias.
Em julho de 1963, o Mago Supremo debutou em Tales of Suspense nº110 e desde logo ficou claro que as suas histórias transbordantes de visões abstratas e espirais de ectoplasma seriam um desafio à imaginação dos leitores. Outrora um brilhante cirurgião com ego obeso, Stephen Strange tivera as suas mãos incapacitadas após um violento acidente rodoviário. Na demanda por uma cura milagrosa, viajou para o Tibete onde encontrou o misterioso Ancião. Sob os auspícios deste, foi iniciado nas artes arcanas e, de regresso a Nova Iorque, assumiu a missão de defender a Terra de ameaças místicas e extradimensionais.
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As aventuras psicadélicas do Doutor Estranho.
O psicadelismo das histórias do Doutor Estranho atraiu a atenção de muitos estudantes universitários e da comunidade hippie que, por aqueles dias, formavam a vanguarda da revolução cultural em curso. Instalando-se entre esses grupos sociais a crença de que as viagens extradimensionais do herói eram uma alegoria para os efeitos do LSD ou de qualquer outro potente alucinogénio. Ditko foi, assim, tomado por um expoente da contracultura que procurava implantar-se. Ledo engano.
Steve Ditko não só não era consumidor de substâncias psicoativas como desprezava profundamente qualquer movimento de massas. Enformado pelos austeros preceitos do Objetivismo - corrente de pensamento que teve a filósofa russa Ayn Rand (1905-1982) como principal impulsionadora - Ditko acreditava que cada indivíduo deve travar apenas a sua própria guerra; uma guerra contra o relativismo moral e outros venenos das sociedade modernas.
À luz dos ensinamentos objetivistas, Ditko via o mundo a preto e branco, sem espaço para áreas cinzentas. Perante o seu olhar, era nítida a fronteira entre Bem e Mal. E poderá muito bem ter sido essa ortodoxia moral a precipitar a sua saída da Casa das Ideias, que assim ficou desfalcada de um dos seus virtuosos arquitetos.
Donos de personalidades contrastantes, Steve Ditko e Stan Lee concordavam apenas em discordar uma do outro. Se "conservador" era um termo lisonjeiro para descrever o primeiro, "liberal" era um adjetivo que assentava ao segundo como um fato feito por medida.
Ditko passara a imbuir os seus valores morais nas histórias do Homem-Aranha e do Doutor Estranho, e as diferenças criativas e ideológicas com Lee aprofundaram-se ao ponto dos dois deixarem de se falar.  Finalmente, em 1966, Ditko abandonou, sem motivo aparente, a Casa das Ideias.
Alguns oficiais do mesmo ofício da privança de ambos apontam, no entanto, uma razão mais prosaica para a zanga. Segundo eles, as divergências de Lee e Ditko acerca da identidade secreta do Duende Verde (revelada após longos meses de suspense) teria sido o verdadeiro pomo da discórdia. Lee escolheu Norman Osborn - pai do melhor amigo de Peter Parker - ao passo que Ditko preferia que o vilão fosse uma personagem aleatória. A visão de Lee acabaria por prevalecer e, em resposta, Ditko terá batido com a porta. Versão nunca confirmada ou desmentida por nenhum dos intervenientes.

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Terá sido a identidade secreta do Duende Verde
 a ditar a saída de Ditko da Casa das Ideias?
Certo é que os anos passados na Marvel corresponderam ao auge da carreira de Steve Ditko, como bem atestam os oito Alley Awards conquistados entre 1962 e 1965. Mas o mestre da Arte Sequencial tinha ainda muito para oferecer a uma panóplia de editoras. As décadas seguintes seriam, com efeito, pautadas pelo seu nomadismo ao mesmo tempo que reforçaria a sua reputação de libertário.
Novamente ao serviço da Charlton, Ditko reencontrou o "seu" Capitão Átomo e reabilitou o Besouro Azul (originalmente detido pela Fox Comics) antes de criar um avatar do Objetivismo. Introduzido em Blue Beetle nº1 (julho de 1967), o Questão era um anti-herói que servia de alter ego a Vic Sage, um obstinado jornalista especializado em expor casos de corrupção. Tal como seu criador, o Questão obedecia a um rígido código moral e era implacável para com os transgressores. Assumindo com frequência o papel de juiz, júri e executor para impor a sua justiça sem rosto.

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Justiça ou vingança?
Eis a Questão.
Malgrado o radicalismo dos seus métodos, o Questão provou ser uma versão amenizada do impiedoso Mr. A. Assim crismado em referência a um dos axiomas de Ayn Rand - "Um A é só um A." - era um cruel vigilante que aterrorizava criminosos nas páginas (a preto e branco, como o mundo em que se movia) do fanzine Witzend, com o qual Ditko aceitara colaborar.
Em comum com a sua contraparte da Charlton, o facto de Mr. A levar a cabo a sua cruzada no duplo papel de jornalista e campeão mascarado da Justiça. Ao mesmo tempo que expressava sem filtros as convicções filosóficas de Ditko, visto que as suas histórias semiclandestinas escapavam ao escrutínio prévio da Comic Code Authority. Da fusão das duas personagens nasceria, duas décadas mais tarde, o insano Rorschach, de Watchmen.

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O crime é uma doença, Mr. A a cura.
Em concomitância com o trabalho desenvolvido sob a égide da Charlton, Ditko colaborava à época com várias editoras menores, transitando por uma multitude de géneros. Warren Publishing, Dell Comics e Tower Comics foram algumas das beneficiárias do seu génio antes da sua surpreendente mudança para a DC, em 1968.
A meteórica passagem de Ditko pela arquirrival da Marvel ficou marcada pela criação de um dos mais bizarros super-heróis de sempre.  Ao visual garrido, o Rastejante (Creeper, no original) somava um insólito poder: uma risada capaz de infligir dor física. Tal como o questão e Mr. A, tinha como identidade civil um destemido repórter chamado Jack Ryder. Destoava, contudo, das anteriores criações de Ditko pela sua personalidade irracional com laivos psicóticos. Alguns historiadores da 9ª Arte identificam a influência do Joker na conceção do Rastejante. Que, apesar do apelo inicial, veria a sua série mensal cancelada ao fim de apenas meia dúzia de números.
Coincidindo com o pico da contestação social à guerra no Vietname, Steve Ditko criou pouco depois uma parelha de heróis com posições assimétricas relativamente ao conflito. Rapina e Columba (Hawk and Dove, em inglês) tinham ainda a particularidade de serem irmãos. Mas enquanto o primeiro se caracterizava pela belicosidade, o segundo era assumidamente pacifista. Dicotomia que refletia na perfeição as profundas divisões que a intervenção militar dos EUA naquele longínquo país asiático suscitavam na sociedade americana. Sendo, ademais, facilmente reconhecíveis as influências objetivistas de Rapina, com cujas posições Ditko claramente se identificava.
Ditko seria no entanto obrigado a abandonar Rapina e Columba ao fim de apenas dois números, por motivos de saúde. A tuberculose que, na década anterior, lhe refreara o ímpeto criativo voltava a tolher-lhe o corpo e o espírito.

The Creeper by Steve Ditko

Duas séries da DC com a assinatura de Steve Ditko
 tiveram existência efémera.
Ditko recuperaria a saúde mas não o fulgor profissional de outrora. Ao longo das décadas seguintes, à medida que principiava a sua quarentena social autoimposta, deambularia por dezenas de editoras abraçando quase sempre projetos experimentais e de curta duração.
Ao serviço da DC, por exemplo, criou, em 1977 (ano do seu regresso), o Homem Mutável (Shade, The Changing Man), um herói alienígena com uma veste especial que lhe distorcia a aparência em função das emoções circundantes. Ditko tinha grandes planos para o néofito mas as dificuldades financeiras que a Editora das Lendas enfrentou a partir de 1978 obrigou ao cancelamento precoce da respetiva série.
Seria, porém, aquando da sua passagem pela defunta Pacific Comics que Ditko conceberia uma das suas mais desconcertantes e obscuras personagens. Com o improvável poder de desaparecer em pleno ar deixando para trás esboços cartunescos de si próprio, Missing Man é geralmente percecionado como uma representação caricatural do próprio Ditko. Cuja obra nimbada pela cintilante luz da genialidade encerra os únicos vestígios da sua passagem pelo mundo.

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Shade, o Homem Mutável.

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Missing Man. Uma caricatura de Ditko?
Solteiro inveterado e sem descendência biológica conhecida, não existe qualquer indício de uma ligação íntima de Ditko a qualquer outro ser humano. Will Eisner, seu velho compincha, declarou certa vez ter conhecido o filho de Ditko mas é quase certo que o terá confundido com um sobrinho.
De permeio, Ditko ensaiou repetidos regressos à Marvel. A cada um deles sentindo-se mais um fantasma que assombrava a Casa das Ideias que ajudara a pôr de pé e onde vivera alguns dos seus dias mais felizes.
Cada vez mais entrincheirado no seu fundamentalismo objetivista, sepultou velhas amizades (como aquela que o unia a Dick Giordano, que levara consigo para a DC) e recusou todo e qualquer projeto que colidisse com as suas ideias.
Cidadão mental de uma época distante, o presente afigurava-se a Ditko como uma distopia futurista. E por isso rejeitava o mundo moderno e tudo aquilo que ele tinha para oferecer. Nas suas histórias abundavam ainda personagens de chapéu e gabardina que pareciam saídas diretamente dos anos 1950.
Mesmo quando os trabalhos começaram a rarear e a subsistência era uma luta diária, Ditko recusou vender a arte original que lhe teria rendido boa maquia. Do mesmo modo que nunca reclamou um cêntimo dos lucros astronómicos gerados pelas adaptações do Homem-Aranha e do Doutor Estranho ao cinema. Fama e fortuna nada significavam para ele. A prová-lo, o facto de, em 1987, ter recusado o Comic-Con Inkpot Award com o qual fora distinguido à revelia.
No fatídico dia 29 de junho de 2018, em vésperas de cumprir o seu 91º aniversário, Steve Ditko foi encontrado sem vida pela Polícia no interior do seu modesto apartamento, em Nova Iorque. Curiosamente, poucos meses antes de também Stan Lee se despedir do mundo terreno.
No entanto, por contraste com a celeuma mediática em torno do óbito de Lee, a morte de Ditko pouco mais foi do que uma nota de rodapé na generalidade da imprensa.
Para a posteridade ficam as palavras pronunciadas numa das suas últimas entrevistas, concedida algures na década de 1960: "Steve Ditko é uma marca comercial. O meu trabalho é tudo o precisam conhecer sobre mim. É por ele que quero ser lembrado." O mundo fez-lhe a vontade.

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A criatura chora a morte do criador.

Agradecimento muito especial ao meu bom amigo Emerson Andrade, autor da montagem que abre este artigo, que espero estar à altura do seu talento e expectativas.

Nota 1: Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
Nota 2: Artigos sobre a Timely Comics, Charlton Comics e Homem-Aranha disponíveis para leitura complementar.































31 janeiro 2020

GALERIA DE VILÕES: MAGNETO


  Sem concessões. Sem misericórdia. É assim que o Mestre do Magnetismo faz avançar a sua revolução mutante, mesmo se pela frente tem os pupilos de um velho amigo. Terrorista racial ou libertador de uma minoria oprimida, será sempre um dos homens mais perigosos à face da Terra.

Denominação original: Magneto 
Editora: Marvel Comics
Criadores: Stan Lee (história) e Jack Kirby (arte conceptual)
Estreia: X-Men nº1 (setembro de 1963)
Identidade civil: Max Eisenhardt (vulgo Erik Magnus Lehnsherr) 
Espécie: Homo superior
Local de nascimento: Nuremberga, Alemanha
Parentes conhecidos: Jakob e Edie Eisenhardt (pais, falecidos); Ruth Eisenhardt (irmã, falecida); Magda Eisenhardt (esposa, presumivelmente falecida); Anya Eisenhardt (filha, falecida); Lorna Dane / Polaris (filha); Joseph (clone, falecido)
Ocupação: Ex-carpinteiro, ex-caçador de Nazis, ex-terrorista internacional e ex-docente do Instituto Xavier, continua a ser um obstinado ativista dos direitos cívicos da população mutante.
Base operacional: A ilha senciente de Krakoa, localizada algures no Pacífico Sul, serve presentemente de quartel-general a Magneto que, no passado, esteve sediado em diferentes geografias. Do Asteroide M a Genosha, passando pela Terra Selvagem e pela Mansão X, foram muitas as infraestruturas e territórios a acolherem as suas atividades subversivas. Consta que disporá ainda de várias bases secretas espalhadas pelo globo, inclusive na Antártida. 
Afiliações: Ex-agente da Mossad; ex-líder e fundador da Irmandade de Mutantes; ex-líder dos Acólitos; ex-professor dos Novos Mutantes; ex-membro do Clube do Inferno;  ex-líder do Conselho Regente de Genosha e ex-membro do Quinteto Fénix, Magneto copreside atualmente com o seu velho amigo Charles Xavier ao Governo de Krakoa.
Némesis: X-Men e qualquer inimigo declarado dos mutantes.
Poderes e parafernália: O incrível poder mutante de Magneto confere-lhe controlo absoluto sobre todas as formas de magnetismo. Graças ao qual consegue manipular, a seu bel-prazer, qualquer metal, mesmo os virtualmente indestrutíveis. Como ficou, de resto, demonstrado quando o Mestre do Magnetismo extraiu o adamantium que revestia o esqueleto de Wolverine, quase matando o X-Man no processo.
Embora se desconheça a quantidade máxima de massa que Magneto consegue manipular de uma só vez, ele já ergueu sem esforço no ar submarinos nucleares de centenas de toneladas. Também já foi visto a usar os seus poderes para mover montanhas, desviar o curso de rios, desencadear terramotos e travar divisões blindadas de exércitos. O Mestre do Magnetismo está igualmente capacitado a manipular campos gravitacionais, o que lhe possibilita voar a distâncias e velocidades consideráveis.
O seu impressionante catálogo de habilidades inclui ainda a criação de poderosos campos de força magnéticos para sua proteção ou de terceiros; a projeção de rajadas elétricas e a geração de gigantescos pulsos eletromagnéticos suscetíveis de causarem devastação à escala planetária. Montar ou desmontar armas e maquinarias em questão de segundos é outra das suas especialidades.
Apesar da habilidade primária de Magneto radicar no seu controlo sobre o magnetismo, ele consegue igualmente manipular qualquer forma de energia do espectro eletromagnético. A saber: ondas de rádio, luz ultravioleta, raios gama, etc.

Magneto ripping the adamantium from Wolverine's bones
O adamantium no corpo de Wolverine
 tornou-o presa fácil para o Mestre do Magnetismo.
Mesmo para telepatas tão poderosos como o Professor X ou Emma Frost, a mente de Magneto é uma fortaleza semi-inexpugnável. Várias explicações para esta sua invulgar resistência a investidas psíquicas foram já aventadas. Sendo a mais plausível aquela que teoriza que isso se deverá a algum tipo de interferência causada na telepatia pelos seus poderes eletromagnéticos. Muito mais do que um simples adereço, o seu capacete especial confere-lhe proteção eficaz contra ataques e sondagens mentais. Há quem, por outro lado, especule que Magneto possa possuir habilidades telepáticas latentes.
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Magneto resiste a uma potente investida telepática do Professor X.
Com reconhecidas competências em áreas tão diversificadas como a Robótica, a Física de Partículas ou a Bioengenharia, Magneto é senhor de um dos maiores intelectos da Terra. No seu currículo tem a construção de estações orbitais, a criação de formas de vida inteligentes e o desenvolvimento de sofisticados aparatos para efeitos diversos. Uma das suas mais brilhantes invenções nesse campo permitia-lhe anular os poderes de qualquer mutante - exceto, obviamente, os seus.
Poliglota, Magneto é fluente em alemão, hebraico, polaco e em vários outros idiomas. Certa vez, logrou mesmo decifrar a língua de uma antiga civilização há muito extinta.
À sua vasta experiência em combate, Magneto alia a sua mestria estratégica. A combinação dessas duas valências já lhe permitiu sair vitorioso de combates travados com os X-Men e os Vingadores.
Apesar de ser um adolescente durante o Holocausto, Magneto conserva a aparência de um homem de meia-idade no auge da forma física. Cortesia do processo de rejuvenescimento que em tempos lhe foi aplicado pelo Alto Evolucionário.
Devido ao seu treino militar, o Mestre do Magnetismo possui medianas aptidões no combate corpo a corpo. Quando em presença de um adversário mais forte, recorre aos seus poderes mutantes para incrementar as suas capacidades físicas.
O traje envergado por Magneto é na verdade uma espécie de armadura confecionada a partir de uma amálgama de ligas metálicas ultraleves e ultrarresistentes. Serve para protegê-lo, por exemplo, das balas de borracha que os seus campos de força magnéticos são incapazes de suster.
Por tudo o acima descrito, Magneto concorre a vários superlativos, designadamente o de mutante mais poderoso do mundo e inimigo nº1 da Humanidade.

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Nem o poder combinado dos X-Men intimida o Mestre do Magnetismo.
Fraquezas: A extensão e eficácia dos poderes de Magneto dependem diretamente da sua condição física. Quando ferido ou debilitado, o corpo do vilão é incapaz de resistir ao enorme esforço requerido pela manipulação da energia magnética.
Outro constrangimento ao potencial do Mestre do Magnetismo sobrevém da sua propensão para a depressão e outras patologias do foro psíquico, especificamente bipolaridade. Dada a prevalência destas condições no seu historial clínico, presume-se que serão efeitos colaterais de uma utilização desregrada das suas habilidades mutantes.
Magneto kneels before Cyclops on Utopia
Por vezes Magneto cede ao peso dos seus ideais.

Messias mutante

Magneto, o mais icónico dos supervilões mutantes, foi criado por Stan Lee e Jack Kirby para apadrinhar o batismo de fogo dos pupilos do Professor X, em X-Men nº1 (setembro de 1963). No entanto, Stan Lee nunca considerou o Mestre do Magnetismo um genuíno expoente de malignidade.
Para o saudoso arquiteto da Casa das Ideias, Magneto, vítima de preconceito e violência desde tenra idade, tornara-se ele próprio preconceituoso e violento. Com a diferença de não ser indefeso, uma vez que possui o poder para revidar contra os seus algozes.
«Eu nunca vi Magneto como um vilão», explicava Lee quando questionado sobre a moralidade da sua criação, acrescentando: «Ele limitava-se a retribuir a intolerância e o ódio dos humanos normais em relação aos mutantes. Ele tentava proteger os seus semelhantes e, como a sociedade não os respeitava, Magneto decidiu dar uma lição à sociedade. Claro que ele era uma ameaça, mas havia alguma nobreza na sua causa.»

Magneto apresentou-se ao mundo em X-Men nº1 (1963).
Com a luta pelos direitos cívicos dos negros como pano de fundo, as histórias dos X-Men pretendiam ser alegorias para as tensões raciais que, à época, fraturavam a sociedade americana. Nesse sentido, Martin Luther King Jr. e Malcom X serviram, respetivamente, de modelos à caracterização de Charles Xavier e Magneto.
Enquanto o primeiro - replicando a doutrina inclusiva de Luther King - acalentava o ideal de uma coexistência harmoniosa entre humanos e mutantes, o segundo - alinhado com as políticas separatistas de Malcom X - pugnava pela plena emancipação da sua raça. No fundo, malgrado as suas visões antagónicas de uma causa comum, os dois homens - na ficção como no mundo real - representavam as duas faces da mesma moeda.
Com efeito, a turbulenta amizade entre Charles Xavier e Magneto é uma pedra angular na vida dos dois homens. Sabe-se, no entanto, que Stan Lee ponderou inicialmente apresentá-los como irmãos, de molde a conferir maior dramatismo à relação entre ambos.

As filosofias opostas de Martin Luther King e Malcom X
 inspiraram Stan Lee a criar o Professor X e Magneto.
Nas suas aparições iniciais Magneto era retratado como um aspirante a tiranete, impelido pelo seu desejo de punir a Humanidade pelas suas atrocidades. Com o tempo, porém, ser-lhe-ia aplicado o mesmo processo de humanização de que foram alvo tantos outros vilões do Universo Marvel. No âmbito desse protocolo modificativo, foi-lhe atribuído o estatuto de sobrevivente do Holocausto empenhado em garantir que os mutantes, apenas por terem nascido diferentes, não sofreriam as mesmas sevícias que os judeus e outras minorias.
A face mais radical da revolução mutante, Magneto acredita que o Homo superior está predestinado a herdar o planeta, percecionando dessa forma o Homo sapiens como um estorvo nocivo à evolução da espécie humana.
Como qualquer messias, Magneto dispõe de apóstolos e julga-se investido de uma missão sagrada. No caso, a de assegurar, por todos os meios necessários, a sobrevivência e supremacia da sua raça num mundo que lhe é hostil.
Por cada mutante - amigo ou inimigo - morto às mãos de humanos, crescem a culpa e a raiva do Mestre do Magnetismo. A mesma raiva que reserva para os mutantes colaboracionistas e para todo e qualquer inimigo da sua causa. Como qualquer fanático que se preze, Magneto rege-se pelo velho mantra "Quem não está comigo, está contra mim." E tem sido assim, sem concessões nem misericórdia, que tem liderado os seus seguidores rumo ao alvorecer de uma nova era.

Complexo de messias.

Sobrevivente do Holocausto

Max Eisenhardt, o homem que o mundo aprenderia a temer como Magneto, nasceu nos anos terminais da década de 1920, no seio de uma família de judeus alemães de classe média. O seu pai, Jakob Eisenhardt, era um veterano condecorado da I Guerra Mundial e um orgulhoso patriota.
Após a ascensão de Hitler ao poder, o clã Eisenhardt sobreviveu às políticas discriminatórias emanadas das Leis de Nuremberga, bem como à fatídica Noite de Cristal. Quando o ar na Alemanha se tornou irrespirável para os judeus e outras minorias, Jakob fugiu com a família para a Polónia. Acabariam no entanto capturados pelas tropas germânicas durante a invasão e subsequente ocupação do país.
Enviada para o gueto de Varsóvia, a família Eisenhardt lograria escapar pouco tempo depois. Apenas para voltar a ser capturada pelas forças nazis, que resolveram fazer dela um exemplo para os restantes judeus. Os pais e a irmã de Max foram sumariamente executados e enterrados numa vala comum. A provável manifestação precoce dos seus dons mutantes salvou o rapaz de idêntico destino.
Sozinho no mundo, Max foi transferido para o campo de concentração de Auschwitz, onde foi nomeado Sonderkommando. Entre outras funções, competia-lhe a macabra tarefa de sepultar as vítimas das câmaras de gás. Essas sinistras memórias definiriam para sempre o seu caráter.
Foi também durante a sua passagem por Auschwitz que Max reencontrou Magda, a rapariga cigana por quem se enamorara na infância. Tal como os demais sobreviventes do campo, o casal seria libertado pelo Exército Vermelho, nos primeiros meses de 1945.

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Os poderes de Max Eisenhardt garantiram-lhe
 a sobrevivência num campo da morte nazi.
Finda a II Guerra Mundial, Max e Magda instalaram-se na cidade ucraniana de Vinnytsia. Max adotou o nome Magnus e Magda deu à luz a filha de ambos, Anya. ´
Para garantir o sustento da família, Magnus trabalhava como carpinteiro e, apesar da vida humilde que levavam, todos eram felizes. Tudo mudaria na noite em que Magnus, ao regressar da cidade, foi atacado por desconhecidos. Numa reação instintiva de autopreservação, os seus latentes poderes magnéticos liquidaram os agressores.
Mais tarde nessa noite, a casa de Magnus foi incendiada por uma turba enfurecida e a pequena Anya pereceu no incêndio. Tomado pela raiva e pela dor, Magnus usou os seus recém-descobertos poderes para chacinar os atacantes perante a sua horrorizada cara-metade.  Em pânico, Magda fugiu para a floresta para nunca mais ser vista.

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Memórias agridoces do Mestre do Magnetismo:
em cima, momentos felizes em família;
em baixo, Magnus chora a morte da filha.
Novamente sozinho no mundo e de coração entrevado, Magnus - agora respondendo pelo nome Erik Lehnsherr - viveu os anos seguintes incógnito entre a comunidade cigana local. Foi também sob essa identidade que viajou até Israel, onde trabalhou como voluntário num hospital psiquiátrico em Haifa.
Num obséquio do destino, foi lá que travou amizade com Charles Xavier, um jovem e idealista académico nascido em terras do Tio Sam. Noite após noite, os dois jogavam xadrez e debatiam o impacto das mutações genéticas no futuro da Humanidade. Apesar dessa afinidade, ambos guardavam sigilo da sua condição de mutantes.
Quando um comando da HIDRA tomou de assalto o hospital para raptar uma paciente, Erik e Charles viram-se forçados a fazer uso das suas habilidades magnéticas e telepáticas para repelirem o ataque. No rescaldo da batalha, com os seus segredos expostos, os dois amigos perceberam que defendiam pontos de vista inconciliáveis no que ao papel dos mutantes na sociedade dizia respeito, seguindo a partir desse momento caminhos separados.
Ironicamente, as mesmas ideias que os apartaram, voltariam a reuni-los anos mais tarde, ainda que em lados opostos da barricada.
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Charles Xavier e Magneto partilham a paixão pelo xadrez.
Mas apenas um deles quer fazer xeque-mate à Humanidade.
Durante esse ínterim, Erik, ao serviço da Mossad, caçou criminosos de guerra nazis. Colaboração que seria interrompida quando os serviços secretos israelitas assassinaram uma jovem por quem Erik se afeiçoara.
As traumáticas experiências vivenciadas por Erik durante o Holocausto moldaram a sua perceção da vulnerabilidade da comunidade mutante inserida em sociedades intolerantes e preconceituosas. Determinado em proteger os seus semelhantes do mesmo tipo de atrocidades que haviam sido impostas aos judeus, Erik abraçou métodos radicais e violentos.
Por acreditar que o Homo superior se tornaria, a breve trecho, a espécie dominante no planeta, Erik lutava pela criação de um etno-Estado onde todos os mutantes pudessem viver em paz e segurança. Consistindo a alternativa em conquistar o mundo e escravizar a Humanidade.
Na sua primeira aparição como Magneto, Erik atacou Cape Citadel, uma base militar instalada na Florida. Apesar de ter sido detido pelos X-Men (pupilos do seu velho amigo Charles Xavier), o Mestre do Magnetismo não mais concederia tréguas na sua guerra contra a Humanidade.
Terrorista racial aos olhos de uns, messias aos olhos de outros, depressa ganhou a reputação de homem mais perigoso à face da Terra, passando a planear as suas ações subversivas a partir do Asteroide M, uma sofisticada estação orbital que ele próprio construiu.
À criação dos X-Men e ao ideal de coexistência pacífica acalentado por Xavier, respondeu Magneto com a formação da Irmandade de Mutantes ao serviço da sua campanha supremacista. Sempre que a própria sobrevivência do Homo superior era posta em causa, as duas fações punham de lado as suas diferenças e uniam forças para enfrentarem a ameaça comum.
Magneto concretizou brevemente o seu sonho de liderar um etno-Estado quando, no início deste século, a ONU o reconheceu como soberano de Genosha. Para essa nação insular na costa oriental africana convergiram mutantes de todo mundo em busca de um lar. Apesar de hoje  restarem apenas escombros fumegantes dessa utopia que fez florescer as esperanças de toda uma raça, o Mestre do Magnetismo não chora o seu fim, orgulhando-se antes por ela existido.

The Mutant Brotherhood
Magneto e a sua Irmandade de Mutantes.

Miscelânea

*Rei Cinzento, Peregrino Branco, Erik, o Vermelho e Líder são outros dos cognomes tradicionalmente associados a Magneto;
*Homo superior foi o termo cunhado por Magneto para designar cientificamente os mutantes, a subespécie com poderes inatos que ele perceciona como o próximo estágio evolutivo da Humanidade;
*A cor encarnada dos paramentos do Mestre do Magnetismo pretende simbolizar o sangue derramado pelos mutantes às mãos daqueles que os temem e odeiam. Magneto faz-se habitualmente acompanhar de um arquivo holográfico contendo os nomes de numerosos representantes da sua espécie vítimas de mortes violentas e crimes de ódio;

O traje de Magneto invoca o de antigo um rei guerreiro
disposto a morrer pelo seu povo.
*Eisenhardt significa "coração de aço" em Alemão, apelido deveras apropriado para uma personagem com as idiossincrasias de Magneto;
*Conforme mostrado em X-Men nº161 (setembro de 1982), o número de identificação originalmente tatuado no antebraço de Magneto era 214782. Tratou-se, no entanto, de um erro por parte do artista da história que, ignorando o funcionamento do sistema de numeração implementado em Auschwitz, lhe atribuiu um número demasiado elevado, levando em conta que o clã Eisenhardt integrou a primeira leva de prisioneiros a serem admitidos no infame campo de extermínio Nazi. Em agosto de 2004, um retcon apresentado em Excalibur Vol.3 nº2 atribuiu a Max Eisenhardt o número 24005;
*Aquando da formação da Irmandade de Mutantes, Magneto fez notar aos seus apaniguados que os seus sentimentos pessoais eram insignificantes por comparação com a grandeza da causa por que se batiam. Apesar da sua retórica, era frequente o Mestre do Magnetismo deixar-se dominar pela raiva em relação aos algozes do seu povo;
*Num dos primeiros embates entre as duas fações rivais, a Irmandade de Mutantes capturou o Anjo e os X-Men fizeram o Sapo prisioneiro. Perante o dilema apresentado, Magneto mostrou-se prontamente disposto a sacrificar o seu subordinado porquanto considerava o seu refém mais valioso do que o "tolo saltitante" que o bajulava. Certa vez, o Mestre do Magnetismo ponderou também enviar Mercúrio num ataque suicida à Mansão X. Numa outra ocasião ainda, ameaçou matar a Feiticeira Escarlate se esta lhe desobedecesse. Demonstrações de insensibilidade e fanatismo que levaram o Mestre Mental a afirmar que Magneto é totalmente desprovido de emoções;
*Durante muito tempo, a paternidade dos gémeos Pietro e Wanda Maximoff (Mercúrio e Feiticeira Escarlate) foi atribuída a Magneto. Eventos recentes desmentiram, porém, essa relação familiar. Lorna Dane (a heroína mutante Polaris) é agora a única filha reconhecida do Mestre do Magnetismo, cujas habilidades herdou parcialmente;

Polaris, a herdeira de Magneto.
*Com o intuito de prevenir acusações de antissemitismo, a Marvel ponderou alterar a etnia de Magneto antes de voltar a apresentá-lo como um vilão sanguinário. A ideia do Mestre do Magnetismo ser cigano não colheu juntos do público e a sua origem clássica, embora retocada, acabaria por prevalecer;
*Doutor Polaris e Doutor Diabólico (Doctor Diehard, no original) são os dois supervilões da DC aos quais Magneto serviu de inspiração;

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Um dos pastiches de Magneto criados pela Distinta Concorrente.
*Desde 2011 que Magneto encabeça a lista dos cem melhores vilões da banda desenhada organizada pelo site IGN. Igualmente honroso é o nono lugar que ocupa no ranking das 200 melhores personagens de todos os tempos elaborado pela revista Wizard.
*Foi num episódio de Fantastic Four, série animada de 1978, que Magneto fez a sua transição para o segmento audiovisual. Apesar de possuir poderes idênticos aos da sua versão canónica, o vilão não era um mutante. No cinema, a estreia do Mestre do Magnetismo remonta a 2000, ano de lançamento da primeira longa-metragem dos X-Men (já aqui revisitada). Originalmente interpretado por Ian McKellen, o papel foi herdado por Michael Fassbender, em 2014. Personagem charneira na franquia dos Filhos do Átomo, o futuro de Magneto, bem como o dos próprios X-Men, permanece incerto no Universo Cinematográfico Marvel após a aquisição da Fox pela Disney.
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A primeira aparição de Magneto fora da banda desenhada.

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No cinema, o  britânico Ian McKellen e o germânico Michael Fassbender
 vêm-se revezando no papel de Magneto.

Nota: Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.