Canadiano naturalizado, o seu nome ficará para sempre associado a alguns dos marcos mais importantes na história da Marvel e da DC, ao serviço das quais erigiu o grosso da sua fulgurante - porém, não isenta de controvérsia - carreira. Dono de um traço inconfundível, gosta de explorar a sensualidade das personagens que desenha e detém créditos firmados como argumentista.
Biografia e carreira: A 6 de junho de 1950, John Lindley Byrne nascia na pequena cidade britânica de West Bromwich. Lá viveu, com os pais e avó materna, até aos 8 anos de idade, quando a sua família tomou a decisão de emigrar para o Canadá. Antes, porém, teve ainda tempo para um primeiro contacto com os comics. Este deu-se por via de Adventures of Superman, série televisiva dos anos 50 do século passado, estrelada por George Reeves e que, segundo recordou o próprio Byrne numa entrevista concedida em 2005, era exibida no Reino Unido pela BBC, quando ele tinha cerca de 6 anos.
Em discurso direto Byrne evocou assim esse episódio da sua infância: "Pouco tempo depois de começar a acompanhar Adventures of Superman na TV, comprei um almanaque australiano chamado Super Comics que incluía histórias de Superboy, Johnny Quick e Batman. Esta última deixou-me positivamente fascinado. Nunca mais a esqueci. Quando, um par de anos depois, a minha família se mudou de armas e bagagens para o Canadá, tive oportunidade de descobrir o enorme repertório de títulos estadunidenses que lá eram distribuídos."
Em 1962, Byrne teve o seu primeiro contacto com as publicações da Marvel através de Fanstastic Four #5 - título à data ainda produzido pela dupla-maravilha Stan Lee e Jack Kirby. Byrne diria mais tarde a propósito desta sua experiência que a revista tinha um charme muito próprio, totalmente diferente daquilo que ele estava habituado a ler na DC. O traço de Kirby influenciaria, de resto, a sua arte. Tendo, enquanto profissional da 9ª arte, trabalhado com diversas criações e cocriações do Rei. Outra das suas referências futuras seria o estilo naturalista de Neal Adams.
Corria o ano de 1970 quando Byrne se matriculou pela primeira vez no Alberta College of Art and Design, em Calgary. Durante a sua passagem pela instituição, criou Gay Guy para o jornal universitário. Num registo cómico que Byrne transplantaria para trabalhos vindouros (como She-Hulk), o objetivo era parodiar os esterótipos homossexuais enraizados em muitos dos seus colegas. A personagem serviria igualmente de protótipo para Estrela Polar, um dos membros fundadores da Tropa Alfa (ver texto anterior). Ainda durante este período, Byrne publicou a sua primeira banda desenhada, ACA Comix #1.
Três anos volvidos, Byrne abandonaria a escola de arte e design sem terminar o curso. No início de 1974 debutaria no circuito profissional dos comics através de uma pequena participação numa edição promocional da Marvel intitulada Foom. No verão desse ano assumiria a arte de uma estória de duas páginas publicada no nº 20 da revista de terror a preto e branco Nightmare, editada pela Skywald Publications. Passando de seguida a trabalhar como freelancer para a Charlton Comics. Foi ao serviço dessa editora que se estreou a desenhar um título colorido, E-Man. Para o qual criaria Rog-2000, um herói robótico cujas aventuras chegaram a ser escritas por Roger Stern e Bob Layton, e que se tornaria uma personagem emblemática da Charlton.
Algum tempo depois, o trabalho desenvolvido por Byrne na Charlton chamou a atenção do escritor Chris Claremont, que o aliciou a desenhar uma das suas histórias. A oportunidade propiciar-se-ia quando, num inesperado golpe de asa do destino, o ilustrador encarregue da arte de Iron Fist falhou o seu prazo de entrega e a vaga foi oferecida a Byrne. Agradados pela qualidade do seu trabalho, os mandachuvas da Marvel oferecer-lhe-iam um lugar a tempo inteiro como desenhador. Em consequência disso, viu-se obrigado a deixar a Charlton por forma a poder concentrar-se exclusivamente nas empreitadas que lhe eram adjudicadas pelos seus novos empregadores.
Demorou pouco para que Byrne começasse a desenhar títulos regulares, como The Champions e Marvel Team-Up. Neste último assumiria pela primeira vez a arte de uma história dos X-Men. Em vários números subsequentes da série fez dupla com Chris Claremont. O mesmo sucedendo no título a preto e branco Marvel Preview, onde pontificava Star-Lord (futuro líder dos Guardiões da Galáxia).
A sinergia de Chris Claremont e John Byrne que revolucionaria os heróis mutantes mais famosos do planeta principiou em dezembro de 1977, em X-Men #108. Arcos de histórias como Saga da Fénix Negra ou Dias de um Futuro Esquecido valeram-lhes o reconhecimento dos fãs e da crítica, guindando-os ao Olimpo da 9ª arte. Por insistência de Byrne, o seu patrício Wolverine continuou a marcar presença nas aventuras dos Filhos do Átomo. Facto que contribuiria inapelavelmente para a estratosférica popularidade daquela que é, ainda hoje, uma das figuras de proa do Universo Marvel.
A partir de X-Men #114, Byrne passaria a acumular as funções de coargumentista com as de ilustrador. Foi, aliás, nessa dupla condição que deu o seu contributo na produção daquela que é quase unanimemente considerada uma das melhores histórias aos quadradinhos de todos os tempos: a Saga da Fénix Negra (The Dark Phoenix Saga no original). Chegando ao ponto de haver quem a compare com a Galactus Trilogy, da autoria de Stan Lee e Jack Kirby.
Durante a sua passagem por X-Men, Byrne criou a nova benjamim da equipa, Kitty Pryde (vulgo Ninfa, posteriormente rebatizada de Lince Negra), o vilão Proteus (notabilizado também como Mutante X) e, claro, o grupo de superseres seus conterrâneos: a Tropa Alfa. Quando, em março de 1981, Byrne abandonou a série regular dos Filhos do Átomo, a periodicidade desta deixara de ser bimestral para passar a mensal devido ao pico de vendas, que se manteve por muito tempo após a saída do ilustrador canadiano.
Do portefólio de John Byrne ao serviço da Casa das Ideias, no período pós-X-Men, destaca-se o quinquénio (1981-86) em que tomou em mãos Fantastic Four. Sob a sua batuta, o título viveu uma segunda idade do ouro, com Byrne a introduzir alterações importantes naquela que é uma das mais antigas e emblemáticas equipas de super-heróis na história da banda desenhada. Além da substituição do Coisa pela Mulher-Hulk (personagem cujas aventuras a solo Byrne também escreveria), os leitores puderam testemunhar a transformação da Mulher Invisível no elemento mais poderoso do grupo e o controverso romance entre o Tocha Humana e Alicia Masters (namorada de longa data do seu colega de equipa Ben Grimm).
Pelo meio Byrne teve ainda tempo para criar a Tropa Alfa. Malgrado o bom desempenho comercial do novo título (meio milhão de exemplares vendidos da primeira edição), Byrne considerava-o pouco divertido e as personagens insípidas. Isto apesar de um dos integrantes da Tropa Alfa, Estrela Polar, se ter tornado o primeiro herói assumidamente gay da Marvel. A sua homossexualidade só seria, contudo, abordada abertamente enquanto Byrne esteve à frente dos destinos da série.
Invocando cansaço criativo e questões de política interna, Byrne deixou Fantastic Four no verão de 1986. Depois de uma fugaz passagem por The Incredible Hulk (do qual escreveria e desenharia apenas 5 números), transferiu-se para a DC.
Esta não foi, todavia, a sua primeira experiência na Editora das Lendas. No início da década de 1980, aproveitando um ínterim de três meses durante os quais esteve desvinculado contratualmente da Marvel, Byrne concretizou o seu velho sonho de desenhar o Cavaleiro das Trevas, assumindo a arte do primeiro capítulo da minissérie The Untold Legend of the Batman.
Naquela que foi, portanto, a sua segunda passagem pela DC, Byrne foi incumbido de revitalizar a mitologia do Super-Homem pós-Crise nas Infinitas Terras. Pela mão do desenhador canadiano, o Homem de Aço foi humanizado, vendo significativamente reduzido o seu nível de poder. Trabalho que teve eco fora da indústria dos comics, sendo inclusivamente objeto de reportagem em dois dos mais circunspetos tabloides nova-iorquinos, o Times e o The New York Times.
A origem e os primórdios da carreira heroica da versão de Byrne do Último Filho de Krypton (epíteto a que Kal-El fazia agora jus devido à eliminação de outros sobreviventes do seu mundo natal) foram apresentados na minissérie The Man of Steel (julho a setembro de 1986). Com a particularidade de Byrne ter produzido duas capas diferentes para o primeiro número da dita. Inaugurando assim a moda das capas variantes, tão voga ainda nos dias que correm.
Entre as várias alterações introduzidas na mitologia e na personalidade do Homem de Aço, avulta o facto de, nesta nova versão, os seus poderes só se terem começado a manifestar na adolescência e de ele só se ter revelado ao mundo já adulto. Inviabilizando desse modo a existência de um Superboy. Outros elementos clássicos, como a Fortaleza da Solidão e Krypto (o supercão que servia de mascote à versão juvenil do Super-Homem) foram igualmente suprimidos. Em contrapartida, os pais adotivos do herói foram mantidos vivos. Também o seu alter-ego, o acanhado repórter Clark Kent, viu a sua personalidade retocada, convertendo-se num indivíduo mais confiante e extrovertido.
Ao mesmo tempo que escrevia e desenhava dois títulos mensais do Super-Homem (Superman e Action Comics), Byrne ilustrou os seis números da minissérie Legends. Em 1988, ano em que se assinalou o cinquentenário da criação do herói kryptoniano, Byrne colaborou em mais um punhado de projetos alusivos a essa efeméride: The World of Krypton, The World of Metropolis e The World of Smallville (respetivamente, O Mundo de Krypton, O Mundo de Metrópolis e O Mundo de Smallville, todos editados no Brasil pela Abril).
Apesar do sucesso do renovado Homem de Aço, Byrne acabaria por abandonar os seus títulos ao cabo de dois anos, descontente com uma alegada falta de apoio por parte dos responsáveis da DC. Saber-se-ia posteriormente que, na base do diferendo entre o desenhador e a editora, esteve o facto de a versão do Super-Homem licenciada para merchandising ser contrária àquela que fora burilada por Byrne na banda desenhada. Não obstante, muitos dos elementos introduzidos por Byrne na mitologia do herói kryptoniano não só continuam a ser usados no atual Universo DC, como influenciaram adaptações suas ao pequeno e grande ecrãs. Exemplos disso são as duas últimas incursões cinematográficas do Último Filho de Krypton: Superman Returns (2006) e Man of Steel (2013). No primeiro, a cena em que o Super-Homem resgata Lois Lane e demais passageiros de um avião prestes a despenhar-se é decalcada do desastroso voo inaugural de um vaivém espacial retratado na já referida minissérie Man of Steel. Sendo, por outro lado, óbvia a referência à mesma no título escolhido para a mais recente longa-metragem estrelada pela personagem criada por Jerry Siegel e Joe Shuster em 1938.
Qual filho pródigo que a casa torna, Byrne regressou de seguida à Marvel. Desde meados de 1986 que, num projeto apadrinhado pelo à época seu editor-chefe Jim Shooter, a Casa das Ideias vinha publicando uma nova linha de títulos ambientados fora da continuidade oficial da editora, o chamado Novo Universo. No ano seguinte, já com Tom DeFalco no lugar de Shooter, Byrne foi convidado a assumir os argumentos e a arte de Star Brand (conhecido entre os leitores lusófonos que acompanharam as sua aventuras publicadas em Força Psi da Abril, como Estigma, a Marca da Estrela). Após o cancelamento da série, Byrne transitou para Avengers West Coast (Vingadores da Costa Oeste), onde reformulou a origem para o Visão.
A pedido de Mark Gruenwald (antigo argumentista da Mulher-Hulk), em 1989 John Byrne assumiu The Sensational She-Hulk, o segundo título a solo da Amazona de Jade. Com um refrescante registo humorístico, as aventuras da prima do Hulk fizeram as delícias dos leitores. Byrne seria, todavia, afastado da série depois de apenas oito edições publicadas. Na génese desse afastamento estiveram presumíveis divergências com a sua editora, Bobbie Chase. Byrne reassumiria ainda assim o título, a partir do seu 31º número, já com Renée Witterstaetter como sua editora.
Em abril de 1990, Byrne inaugurou Namor, The Sub-Mariner, a nova série mensal do Príncipe Submarino. Tendo as 25 primeiras edições sido escritas e desenhadas pelo canadiano, altura em que a arte ficou a cargo de Jae Lee. Meses depois, Byrne começaria a escrever as histórias do Homem de Ferro. Deixando também aí a sua marca ao ser o primeiro argumentista a retocar a origem da personagem concebida em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby. De caminho ainda restituiu ao Mandarim o estatuto de principal némesis do herói blindado.
Em meados da década de 1990, em linha com a tendência inaugurada pela ascensão de licenciadoras independentes como a Image Comics, Byrne criou material original próprio a ser editado pela Dark Horse Comics. Next Men deu a conhecer aos leitores a história de cinco jovens meta-humanos que eram o resultado de uma experimento militar ultrassecreto. Byrne incutiu na série um registo mais realístico e sombrio do que em qualquer um dos seus anteriores trabalhos. Tendo sido o seu projeto com maior visibilidade, não foi, porém, o único a ser criado nesse âmbito. A par de Next Men, Byrne deu também a conhecer Babe e Danger Unlimited, títulos vocacionados para um público adulto.
Nos anos mais recentes, Byrne tem escrito e ilustrado uma panóplia de títulos da Marvel, DC e de outras editoras. Dentre os seus trabalhos mais ovacionados ressaltam Wonder Woman (com Byrne a elevar a Princesa Amazona ao estatuto de divindade), Spider-Man: Chapter One (série especial em que revisitou algumas das primeiras aventuras do Escalador de Paredes) e várias minisséries baseadas no universo de Star Trek publicadas com a chancela da IDW.
Durante 15 anos, John Byrne foi casado com a fotógrafa e atriz Andrea Braun, que tinha um filho de uma anterior relação. O rapaz, de quem Byrne se tornou padastro quando ele tinha 13 anos de idade, era ninguém menos do que Kieron Dwyer, um dos mais versáteis e requisitados profissionais atualmente no ativo na indústria dos quadradinhos. Embora tenham vivido juntos apenas por um curto período de tempo, Byrne sempre encorajou o enteado a procurar cumprir as suas aspirações como cartunista. Foi, aliás, graças aos seus contactos que Dwyer conseguiu o seu primeiro trabalho, ilustrando Batman #413, em novembro de 1987.
Prémios e controvérsias: Mercê da sua vetusta e prolixa carreira de iconoclasta, Jonh Byrne foi em múltiplas ocasiões agraciado com prémios e distinções. No seu impressionante currículo sobressaem, por exemplo, dois Eagle Awards para Melhor Artista de Banda Desenhada (conquistados em 1978 e 1979), um Inkpot Award (1980) e um Squiddy Award Para Melhor Ilustrador (1993). Em 2008, Byrne foi nomeado para o Joe Shuster Canadian Comic Book Creator Award (prémio anual criado em homenagem ao cocriador do Super-Homem e que serve para distinguir os maiores talentos em diversas categorias).
Em paralelo com os prémios e distinções, John Byrne colecionou igualmente controvérsias. A mais antiga e célebre das quais remonta a 1981. Ano em que Jack Kirby começou a falar publicamente sobre a sua crença de que teria sido espoliado dos créditos e lucros decorrentes das inúmeras personagens que concebeu ao longo dos anos para a Marvel. Em resposta a estas denúncias, Byrne escreveu um polémico editorial, no qual se afirmava orgulhoso da sua condição de mero obreiro na indústria dos comics. Argumentando de permeio que todos os criadores deveriam seguir as regras das companhias para as quais trabalhavam. Tomada de posição que lhe valeu ser satirizado por Kirby e Steve Gerber, numa paródia intitulada Destroyer Duck. Nela pontificava uma personagem a que deram o nome de Booster Cogburn, que pretendia retratar Byrne. Sendo a mesma descrita como uma criatura invertebrada que vivia apenas para servir a gigantesca corporação da qual era, literalmente, pertença.
No ano seguinte, quando participava num painel de discussão na Dallas Fantasy Fair, Byrne voltou a melindrar suscetibilidades ao tecer considerações pouco simpáticas relativamente a Roy Thomas, veterano escritor de banda desenhada e em tempos editor-chefe da Marvel. Em consequência deste episódio, Thomas ameaçou processar Byrne a menos que este se retratasse publicamente. O que o artista canadiano faria através de uma carta publicada num jornal especializado em assuntos da 9ª arte.
Quase uma década depois, em 1990, foi a vez de Erik Larsen criar um vilão, Johnny Readbeard (Joãozinho Barba Ruiva, numa clara alusão à tonalidade capilar de Byrne), com o intuito de parodiar o seu colega canadiano. Figurando em algumas histórias de Savage Dragon e Freak Force (títulos produzidos por Larsen para a Image Comics), Johnny Redbeard exibia um crânio enorme carregado por uns membros atrofiados e podia conceder superpoderes a quem lhe desse na real gana.
Além dos já citados, outros nomes sonantes do meio com quem em algum momento Byrne se incompatibilizou foram: Peter David, Marv Wolfman, Jim Shooter e Joe Quesada.
Gail Simone, que trabalhou em 2006 com Byrne em The All New Atom, descreve o colega nos seguintes termos: "John é muito opinativo. Essa é uma característica comum a muitos artistas e eu não tenho problemas com ela. Honestamente, considero que ele é brilhante e que a sua personalidade vincada contribui para esse brilhantismo". Análise que parece ser corroborada pelo próprio Byrne que se autodefine como alguém "sem paciência para aturar idiotas".
Polémicas e traços de personalidade à parte, John Byrne há muito conquistou o direito a figurar no panteão da 9ª arte, a bem da qual se espera que continue a presentear-nos com o seu extraordinário talento por muito e bom tempo.
Em discurso direto Byrne evocou assim esse episódio da sua infância: "Pouco tempo depois de começar a acompanhar Adventures of Superman na TV, comprei um almanaque australiano chamado Super Comics que incluía histórias de Superboy, Johnny Quick e Batman. Esta última deixou-me positivamente fascinado. Nunca mais a esqueci. Quando, um par de anos depois, a minha família se mudou de armas e bagagens para o Canadá, tive oportunidade de descobrir o enorme repertório de títulos estadunidenses que lá eram distribuídos."
Em 1962, Byrne teve o seu primeiro contacto com as publicações da Marvel através de Fanstastic Four #5 - título à data ainda produzido pela dupla-maravilha Stan Lee e Jack Kirby. Byrne diria mais tarde a propósito desta sua experiência que a revista tinha um charme muito próprio, totalmente diferente daquilo que ele estava habituado a ler na DC. O traço de Kirby influenciaria, de resto, a sua arte. Tendo, enquanto profissional da 9ª arte, trabalhado com diversas criações e cocriações do Rei. Outra das suas referências futuras seria o estilo naturalista de Neal Adams.
Corria o ano de 1970 quando Byrne se matriculou pela primeira vez no Alberta College of Art and Design, em Calgary. Durante a sua passagem pela instituição, criou Gay Guy para o jornal universitário. Num registo cómico que Byrne transplantaria para trabalhos vindouros (como She-Hulk), o objetivo era parodiar os esterótipos homossexuais enraizados em muitos dos seus colegas. A personagem serviria igualmente de protótipo para Estrela Polar, um dos membros fundadores da Tropa Alfa (ver texto anterior). Ainda durante este período, Byrne publicou a sua primeira banda desenhada, ACA Comix #1.
Três anos volvidos, Byrne abandonaria a escola de arte e design sem terminar o curso. No início de 1974 debutaria no circuito profissional dos comics através de uma pequena participação numa edição promocional da Marvel intitulada Foom. No verão desse ano assumiria a arte de uma estória de duas páginas publicada no nº 20 da revista de terror a preto e branco Nightmare, editada pela Skywald Publications. Passando de seguida a trabalhar como freelancer para a Charlton Comics. Foi ao serviço dessa editora que se estreou a desenhar um título colorido, E-Man. Para o qual criaria Rog-2000, um herói robótico cujas aventuras chegaram a ser escritas por Roger Stern e Bob Layton, e que se tornaria uma personagem emblemática da Charlton.
Algum tempo depois, o trabalho desenvolvido por Byrne na Charlton chamou a atenção do escritor Chris Claremont, que o aliciou a desenhar uma das suas histórias. A oportunidade propiciar-se-ia quando, num inesperado golpe de asa do destino, o ilustrador encarregue da arte de Iron Fist falhou o seu prazo de entrega e a vaga foi oferecida a Byrne. Agradados pela qualidade do seu trabalho, os mandachuvas da Marvel oferecer-lhe-iam um lugar a tempo inteiro como desenhador. Em consequência disso, viu-se obrigado a deixar a Charlton por forma a poder concentrar-se exclusivamente nas empreitadas que lhe eram adjudicadas pelos seus novos empregadores.
John Byrne numa foto tirada em finais dos anos 1980. |
A sinergia de Chris Claremont e John Byrne que revolucionaria os heróis mutantes mais famosos do planeta principiou em dezembro de 1977, em X-Men #108. Arcos de histórias como Saga da Fénix Negra ou Dias de um Futuro Esquecido valeram-lhes o reconhecimento dos fãs e da crítica, guindando-os ao Olimpo da 9ª arte. Por insistência de Byrne, o seu patrício Wolverine continuou a marcar presença nas aventuras dos Filhos do Átomo. Facto que contribuiria inapelavelmente para a estratosférica popularidade daquela que é, ainda hoje, uma das figuras de proa do Universo Marvel.
A partir de X-Men #114, Byrne passaria a acumular as funções de coargumentista com as de ilustrador. Foi, aliás, nessa dupla condição que deu o seu contributo na produção daquela que é quase unanimemente considerada uma das melhores histórias aos quadradinhos de todos os tempos: a Saga da Fénix Negra (The Dark Phoenix Saga no original). Chegando ao ponto de haver quem a compare com a Galactus Trilogy, da autoria de Stan Lee e Jack Kirby.
Capa de The Uncanny X-Men #135 (1980) pelo traço de John Byrne. |
Durante a sua passagem por X-Men, Byrne criou a nova benjamim da equipa, Kitty Pryde (vulgo Ninfa, posteriormente rebatizada de Lince Negra), o vilão Proteus (notabilizado também como Mutante X) e, claro, o grupo de superseres seus conterrâneos: a Tropa Alfa. Quando, em março de 1981, Byrne abandonou a série regular dos Filhos do Átomo, a periodicidade desta deixara de ser bimestral para passar a mensal devido ao pico de vendas, que se manteve por muito tempo após a saída do ilustrador canadiano.
Do portefólio de John Byrne ao serviço da Casa das Ideias, no período pós-X-Men, destaca-se o quinquénio (1981-86) em que tomou em mãos Fantastic Four. Sob a sua batuta, o título viveu uma segunda idade do ouro, com Byrne a introduzir alterações importantes naquela que é uma das mais antigas e emblemáticas equipas de super-heróis na história da banda desenhada. Além da substituição do Coisa pela Mulher-Hulk (personagem cujas aventuras a solo Byrne também escreveria), os leitores puderam testemunhar a transformação da Mulher Invisível no elemento mais poderoso do grupo e o controverso romance entre o Tocha Humana e Alicia Masters (namorada de longa data do seu colega de equipa Ben Grimm).
Com Byrne à frente da série, Fantastic Four viveu novo período áureo. |
A Tropa Alfa foi a principal criação de Byrne para a Marvel. |
Invocando cansaço criativo e questões de política interna, Byrne deixou Fantastic Four no verão de 1986. Depois de uma fugaz passagem por The Incredible Hulk (do qual escreveria e desenharia apenas 5 números), transferiu-se para a DC.
Esta não foi, todavia, a sua primeira experiência na Editora das Lendas. No início da década de 1980, aproveitando um ínterim de três meses durante os quais esteve desvinculado contratualmente da Marvel, Byrne concretizou o seu velho sonho de desenhar o Cavaleiro das Trevas, assumindo a arte do primeiro capítulo da minissérie The Untold Legend of the Batman.
Naquela que foi, portanto, a sua segunda passagem pela DC, Byrne foi incumbido de revitalizar a mitologia do Super-Homem pós-Crise nas Infinitas Terras. Pela mão do desenhador canadiano, o Homem de Aço foi humanizado, vendo significativamente reduzido o seu nível de poder. Trabalho que teve eco fora da indústria dos comics, sendo inclusivamente objeto de reportagem em dois dos mais circunspetos tabloides nova-iorquinos, o Times e o The New York Times.
A origem e os primórdios da carreira heroica da versão de Byrne do Último Filho de Krypton (epíteto a que Kal-El fazia agora jus devido à eliminação de outros sobreviventes do seu mundo natal) foram apresentados na minissérie The Man of Steel (julho a setembro de 1986). Com a particularidade de Byrne ter produzido duas capas diferentes para o primeiro número da dita. Inaugurando assim a moda das capas variantes, tão voga ainda nos dias que correm.
Man of Steel #1 (1986) lançou a moda das capas variantes. |
Entre as várias alterações introduzidas na mitologia e na personalidade do Homem de Aço, avulta o facto de, nesta nova versão, os seus poderes só se terem começado a manifestar na adolescência e de ele só se ter revelado ao mundo já adulto. Inviabilizando desse modo a existência de um Superboy. Outros elementos clássicos, como a Fortaleza da Solidão e Krypto (o supercão que servia de mascote à versão juvenil do Super-Homem) foram igualmente suprimidos. Em contrapartida, os pais adotivos do herói foram mantidos vivos. Também o seu alter-ego, o acanhado repórter Clark Kent, viu a sua personalidade retocada, convertendo-se num indivíduo mais confiante e extrovertido.
Ao mesmo tempo que escrevia e desenhava dois títulos mensais do Super-Homem (Superman e Action Comics), Byrne ilustrou os seis números da minissérie Legends. Em 1988, ano em que se assinalou o cinquentenário da criação do herói kryptoniano, Byrne colaborou em mais um punhado de projetos alusivos a essa efeméride: The World of Krypton, The World of Metropolis e The World of Smallville (respetivamente, O Mundo de Krypton, O Mundo de Metrópolis e O Mundo de Smallville, todos editados no Brasil pela Abril).
Apesar do sucesso do renovado Homem de Aço, Byrne acabaria por abandonar os seus títulos ao cabo de dois anos, descontente com uma alegada falta de apoio por parte dos responsáveis da DC. Saber-se-ia posteriormente que, na base do diferendo entre o desenhador e a editora, esteve o facto de a versão do Super-Homem licenciada para merchandising ser contrária àquela que fora burilada por Byrne na banda desenhada. Não obstante, muitos dos elementos introduzidos por Byrne na mitologia do herói kryptoniano não só continuam a ser usados no atual Universo DC, como influenciaram adaptações suas ao pequeno e grande ecrãs. Exemplos disso são as duas últimas incursões cinematográficas do Último Filho de Krypton: Superman Returns (2006) e Man of Steel (2013). No primeiro, a cena em que o Super-Homem resgata Lois Lane e demais passageiros de um avião prestes a despenhar-se é decalcada do desastroso voo inaugural de um vaivém espacial retratado na já referida minissérie Man of Steel. Sendo, por outro lado, óbvia a referência à mesma no título escolhido para a mais recente longa-metragem estrelada pela personagem criada por Jerry Siegel e Joe Shuster em 1938.
Qual filho pródigo que a casa torna, Byrne regressou de seguida à Marvel. Desde meados de 1986 que, num projeto apadrinhado pelo à época seu editor-chefe Jim Shooter, a Casa das Ideias vinha publicando uma nova linha de títulos ambientados fora da continuidade oficial da editora, o chamado Novo Universo. No ano seguinte, já com Tom DeFalco no lugar de Shooter, Byrne foi convidado a assumir os argumentos e a arte de Star Brand (conhecido entre os leitores lusófonos que acompanharam as sua aventuras publicadas em Força Psi da Abril, como Estigma, a Marca da Estrela). Após o cancelamento da série, Byrne transitou para Avengers West Coast (Vingadores da Costa Oeste), onde reformulou a origem para o Visão.
A pedido de Mark Gruenwald (antigo argumentista da Mulher-Hulk), em 1989 John Byrne assumiu The Sensational She-Hulk, o segundo título a solo da Amazona de Jade. Com um refrescante registo humorístico, as aventuras da prima do Hulk fizeram as delícias dos leitores. Byrne seria, todavia, afastado da série depois de apenas oito edições publicadas. Na génese desse afastamento estiveram presumíveis divergências com a sua editora, Bobbie Chase. Byrne reassumiria ainda assim o título, a partir do seu 31º número, já com Renée Witterstaetter como sua editora.
Byrne carregado em ombros pela Mulher-Hulk em The Sensational She-Hulk #131. |
Em abril de 1990, Byrne inaugurou Namor, The Sub-Mariner, a nova série mensal do Príncipe Submarino. Tendo as 25 primeiras edições sido escritas e desenhadas pelo canadiano, altura em que a arte ficou a cargo de Jae Lee. Meses depois, Byrne começaria a escrever as histórias do Homem de Ferro. Deixando também aí a sua marca ao ser o primeiro argumentista a retocar a origem da personagem concebida em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby. De caminho ainda restituiu ao Mandarim o estatuto de principal némesis do herói blindado.
Em meados da década de 1990, em linha com a tendência inaugurada pela ascensão de licenciadoras independentes como a Image Comics, Byrne criou material original próprio a ser editado pela Dark Horse Comics. Next Men deu a conhecer aos leitores a história de cinco jovens meta-humanos que eram o resultado de uma experimento militar ultrassecreto. Byrne incutiu na série um registo mais realístico e sombrio do que em qualquer um dos seus anteriores trabalhos. Tendo sido o seu projeto com maior visibilidade, não foi, porém, o único a ser criado nesse âmbito. A par de Next Men, Byrne deu também a conhecer Babe e Danger Unlimited, títulos vocacionados para um público adulto.
Next Men, o mais bem sucedido projeto independente de Byrne. |
Durante 15 anos, John Byrne foi casado com a fotógrafa e atriz Andrea Braun, que tinha um filho de uma anterior relação. O rapaz, de quem Byrne se tornou padastro quando ele tinha 13 anos de idade, era ninguém menos do que Kieron Dwyer, um dos mais versáteis e requisitados profissionais atualmente no ativo na indústria dos quadradinhos. Embora tenham vivido juntos apenas por um curto período de tempo, Byrne sempre encorajou o enteado a procurar cumprir as suas aspirações como cartunista. Foi, aliás, graças aos seus contactos que Dwyer conseguiu o seu primeiro trabalho, ilustrando Batman #413, em novembro de 1987.
Paródia de Byrne a uma das mais icónicas capas de Fantastic Four. |
Prémios e controvérsias: Mercê da sua vetusta e prolixa carreira de iconoclasta, Jonh Byrne foi em múltiplas ocasiões agraciado com prémios e distinções. No seu impressionante currículo sobressaem, por exemplo, dois Eagle Awards para Melhor Artista de Banda Desenhada (conquistados em 1978 e 1979), um Inkpot Award (1980) e um Squiddy Award Para Melhor Ilustrador (1993). Em 2008, Byrne foi nomeado para o Joe Shuster Canadian Comic Book Creator Award (prémio anual criado em homenagem ao cocriador do Super-Homem e que serve para distinguir os maiores talentos em diversas categorias).
Em paralelo com os prémios e distinções, John Byrne colecionou igualmente controvérsias. A mais antiga e célebre das quais remonta a 1981. Ano em que Jack Kirby começou a falar publicamente sobre a sua crença de que teria sido espoliado dos créditos e lucros decorrentes das inúmeras personagens que concebeu ao longo dos anos para a Marvel. Em resposta a estas denúncias, Byrne escreveu um polémico editorial, no qual se afirmava orgulhoso da sua condição de mero obreiro na indústria dos comics. Argumentando de permeio que todos os criadores deveriam seguir as regras das companhias para as quais trabalhavam. Tomada de posição que lhe valeu ser satirizado por Kirby e Steve Gerber, numa paródia intitulada Destroyer Duck. Nela pontificava uma personagem a que deram o nome de Booster Cogburn, que pretendia retratar Byrne. Sendo a mesma descrita como uma criatura invertebrada que vivia apenas para servir a gigantesca corporação da qual era, literalmente, pertença.
No ano seguinte, quando participava num painel de discussão na Dallas Fantasy Fair, Byrne voltou a melindrar suscetibilidades ao tecer considerações pouco simpáticas relativamente a Roy Thomas, veterano escritor de banda desenhada e em tempos editor-chefe da Marvel. Em consequência deste episódio, Thomas ameaçou processar Byrne a menos que este se retratasse publicamente. O que o artista canadiano faria através de uma carta publicada num jornal especializado em assuntos da 9ª arte.
Quase uma década depois, em 1990, foi a vez de Erik Larsen criar um vilão, Johnny Readbeard (Joãozinho Barba Ruiva, numa clara alusão à tonalidade capilar de Byrne), com o intuito de parodiar o seu colega canadiano. Figurando em algumas histórias de Savage Dragon e Freak Force (títulos produzidos por Larsen para a Image Comics), Johnny Redbeard exibia um crânio enorme carregado por uns membros atrofiados e podia conceder superpoderes a quem lhe desse na real gana.
Caricatura de Byrne da autoria do próprio. |
Gail Simone, que trabalhou em 2006 com Byrne em The All New Atom, descreve o colega nos seguintes termos: "John é muito opinativo. Essa é uma característica comum a muitos artistas e eu não tenho problemas com ela. Honestamente, considero que ele é brilhante e que a sua personalidade vincada contribui para esse brilhantismo". Análise que parece ser corroborada pelo próprio Byrne que se autodefine como alguém "sem paciência para aturar idiotas".
Polémicas e traços de personalidade à parte, John Byrne há muito conquistou o direito a figurar no panteão da 9ª arte, a bem da qual se espera que continue a presentear-nos com o seu extraordinário talento por muito e bom tempo.
Obrigado pelo excelente artigo, foi muito instrutivo, incluindo algumas coisas que eu não sabia sobre a vida de John Byrne, como por exemplo, que ele já havia desenhado Batman em 1980.
ResponderEliminarAliás, neste mesmo ano, gostei de acompanhar as histórias do Capitão América que também foram desenhadas por Byrne com roteiros de Roger Stern, incluindo uma nova roupagem na origem do herói em Captain America #255.
Também gosto muito de seu trabalho com Mulher-Hulk e Namor, mas observo um certo padrão nos títulos que John Byrne assumiu. Em quase todos eles, não há um "encerramento" das histórias, porém, eles tem sua continuidade nas mãos do roteirista seguinte - por exemplo nas revistas do Quarteto Fantástico, Tropa Alfa, Namor, etc.
No mais, parabéns pelo post e continue com o bom trabalho!
Eu é que humildemente te agradeço os encómios tecidos à minha resenha da vida e obra daquele que é, goste-se ou não do seu trabalho, uma referência incontornável na história da nona arte, e especificamente na indústria dos "comics". Tive também o privilégio de acompanhar a fase do Capitão América da autoria de Byrne que referes. Se não me atraiçoa a memória, foi o artista canadiano que nos (re)apresentou a origem dos quatro Sentinelas da Liberdade, numa história que, por cá, foi publicada no velhinho "Almanaque do Capitão América" nº77 editado pela Abril brasileira. Omiti esse e outros seus trabalhos igualmente relevantes do meu texto por uma questão de gestão de espaço, tendo em conta a amplitude e ecletismo do repertório de Byrne. Do qual sempre fui um fã incondicional, apesar de nem sempre ter vibrado com alguns dos seus trabalhos. Cito, à laia de exemplo, a sua abordagem à Mulher-Maravilha. Não tanto pela divinização da Princesa Amazona mas porque não gostei de vê-la desenhada pelo traço de Byrne. Desde logo porque as feições da heroína pareciam decalcadas das do Homem de Aço...
EliminarUm génio! Excelente post, parabéns!
ResponderEliminarComo todos os génios, Byrne nem sempre foi compreendido. Razão pela qual,como fica patente no meu artigo, nem sempre os seus trabalhos ou pontos de vista foram consensuais. O que, convenhamos, está longe de ser um aspeto negativo.Obrigado por continuares a acompanhar o meu blogue.
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