19 novembro 2015

CLÁSSICOS DA 9ª ARTE: « A MORTE DE JEAN DEWOLFF»




   Na peugada do assassino da sua mais valorosa aliada, um transtornado Homem-Aranha enreda-se numa teia de mistérios e segredos desconcertantes. Logo descobrindo, porém, que esse foi apenas o prelúdio de uma macabra história escrita com o sangue de inocentes. 
  Obra de estreia de Peter David como profissional dos quadradinhos, esta saga ocupa um lugar de destaque na memorabilia do herói aracnídeo.


Título original da saga:  The Death of Jean DeWolff
Data de publicação: Outubro de 1985 a janeiro de 1986
Licenciadora: Marvel Comics
Autores: Peter David (enredo) e Rich Buckler (arte)
Títulos abrangidos: Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº 107-110
Personagens principais: Homem-Aranha, Devorador de Pecados, Jean DeWolff, Demolidor, J. Jonah Jameson, Betty Brant, Emil Gregg, Tia May e Ernie Popchik

Edição brasileira


A primeira metade da saga foi publicada em Homem-Aranha nº87.

Editora: Abril*
Publicado em: Homem-Aranha (1ª série) nº87 e 88 (setembro-outubro de 1990)
Formato: Formatinho (13,5 x 19cm), colorido e com lombada agrafada
Na minha coleção desde: 1991

*Sob os auspícios da Panini Comics, em março de 2013, foi lançada a compilação da saga num volume com 172 páginas e em formato americano.

Edição encadernada da Panini (2013).

Conceção e desenvolvimento: Recém-chegado à indústria dos comics, Peter David foi incumbido pelo então editor da linha de títulos do Homem-Aranha, Jim Owsley (pseudónimo de Christopher Priest), de escrever uma saga que desse um safanão ao herói e aos fãs. Owsley pretendia uma história que incluísse o assassinato da Capitã Jean DeWolff e uma série de acobertamentos feitos no interior do departamento policial nova-iorquino. Ficando desse modo patente que partiu de Owsley, e não de David, a ideia de matar aquela que era uma habitué das aventuras do Escalador de Paredes desde meados dos anos 70.
  Sem pudores, Jim Owsley assumiu a autoria moral do "crime" numa entrevista concedida a uma publicação especializada em quadradinhos: "O tom caprichoso de Spectacular Spider-Man há muito que deixara de agradar-me. Foi por isso que não hesitei em enxotar Al Milgrom, trazendo para o seu lugar o brilhante Peter David. Embora ele fosse um novato no meio, desde o primeiro momento reconheci as suas potencialidades enquanto escritor. Sabia, no entanto, que a minha aposta só seria bem-sucedida se ele fosse adjuvado por um artista de qualidade. Quando pensei num nome, o de Rich Buckler foi o que mais me entusiasmou. Com ele e David à frente de Spectacular Spider-Man, a série adquiriu um registo mais adulto, passando a abordar temas mais complexos.
  À premissa proposta por Owsley, David juntou elementos da sua autoria. O escritor pretendia produzir uma história na qual o Homem-Aranha seria levado ao limite enquanto enfrentava um vilão capaz de cometer atos hediondos. Outro aspeto que ele pretendia explorar eram as diferenças filosóficas entre o herói aracnídeo e o Demolidor.
  Esses e outros pormenores foram incorporados na trama durante uma reunião de Owsley e David em casa deste último, a qual se prolongou até de madrugada. Ficando igualmente estipulado que a história seria composta por quatro capítulos.


Jim Owsley (em cima)  e Peter David: parceiros no crime.

  Jim Owsley recorda assim o final impactante do terceiro capítulo da saga: "Uma sequência tão intensa que chegámos a considerar a sua exclusão. Eu próprio fiquei assustado com ela. Imaginam a reação das mamãs suburbanas que haviam comprado aquela edição para os seus rapazinhos? Qual seria a cara delas ao perceberem que o Devorador de Pecados fazia explodir as entranhas de Betty Brant com um disparo da sua arma?"
  Afirmando ter-se inspirado numa antiga tradição inglesa para conceber a personagem (ver prontuário infra), Peter David explica que não foi aleatória a escolha da persona civil do Devorador de Pecados. Segundo ele, "Stan (diminutivo de Stanley) é um nome simpático para os leitores depois de décadas de associação com Stan Lee. Além disso, retratei Stanley Carter como judeu. Isaac Asimov disse certa vez que se queremos introduzir um vilão cujas intenções maliciosas devem ser dissimuladas, nada como fazê-lo judeu e pô-lo a falar com frases invertidas. Isso fará lembrar o Mestre Yoda (da saga cinemática Guerra das Estrelas), levando a que os leitores o percecionem como uma personagem amistosa".
  David lauda também o trabalho de Rich Buckler, cujo traço denso e dinâmico fez a história pulsar de vida: "Buckler conseguiu imprimir a dose ideal de realismo na trama. Foi quase como se o Homem-Aranha estivesse a participar num episódio de Hill Street Blues (série policial dos anos 80 que, em Portugal, foi traduzida como Balada de Hill Street).


Rich Buckler, o terceiro atirador.


Curiosidades:

* No terceiro capítulo da saga, existe uma cena em que o Rei do Crime dita uma carta na qual responde ao contacto efetuado por uma assassina profissional, identificada como "Senhorita C.B. Kalish". Trata-se de uma private joke envolvendo Carol B. Kalish, à época Diretora Comercial da Marvel Comics e velha amiga de Peter David. Foi, com efeito, pela mão dela que o escritor deu os primeiros passos nos meandros da 9ª arte;
* Na primeira página do quarto (e último) capítulo da trama, os flashbacks em que o Homem-Aranha rememora o fugaz romance que teve na juventude com Betty Brant são, na verdade, reproduções de painéis incluídos em algumas das primeiras histórias do herói, publicadas no início dos anos 60 em Amazing Spider-Man.

O lado lunar do Escalador de Paredes vem à tona na saga.


Quem era Jean DeWolff?


   
   Personagem idealizada por Bill Mantlo e Sal Buscema, a Capitã Jean DeWolff fez a sua primeira aparição em agosto de 1976, nas páginas de Marvel Team-Up nº48. Nos anos que precederam a sua morte, foi coadjuvante no portfólio de títulos estrelados pelo Escalador de Paredes.
  Filha de Phillip DeWolff, um antigo inspetor da Polícia nova-iorquina, Jean resolveu seguir as pisadas do pai, apesar das objeções deste. Após muito trabalho árduo, alcançou a patente de capitã no Departamento de Polícia de Nova Iorque (DPNI). Inteligente e obstinada, destacou-se também pelo seu gosto por visuais retro inspirados nos anos 30.
  Quando investigava uma série de atentados à bomba, a capitã DeWolff conheceu o Homem-Aranha, de quem se tornaria admiradora e aliada. Tornando-se, assim, uma exceção no seio de um  DPNI tradicionalmente hostil ao Escalador de Paredes, muito por conta dos virulentos editoriais do Clarim Diário.
  Na sequência da morte da capitã DeWolff às mãos do próprio namorado (Stanley Carter, vulgo Devorador de Pecados), o Homem-Aranha descobriu que ela colecionara fotos e recortes de jornais onde ele aparecia. Levando o herói a concluir que os sentimentos que ela nutria em relação à sua pessoa eram mais calorosos do que ele imaginava. Descoberta que deixou ainda mais abalado o Escalador de Paredes.


Quem era o Devorador de Pecados?



  O vilão responsável pela morte de Jean DeWolff (Sin-Eater,no original) debutou em outubro de 1985, nas páginas de Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº107. De seu nome verdadeiro Stanley Carter, trata-se de um conceito desenvolvido conjuntamente por Peter David e Rich Buckler, com base no folclore inglês.
  Em certas regiões do Reino Unido (e também nas montanhas Ozark, nos EUA), sempre que alguém morre, os seus entes queridos depositam frutos e outros alimentos no peito do cadáver. De acordo com esta tradição pagã, o ritual servirá para absorver os pecados do defunto. Cabendo, assim, ao Devorador de Pecados (geralmente um mendigo) comer as oferendas, assegurando dessa forma a absolvição dos pecados cometidos em vida pelo malogrado.
  Antes de se voluntariar como cobaia para uma droga experimental, o agente da SHIELD Stanley Carter já estava familiarizado com esta tradição. Inoculada no organismo humano, a substância em causa dotava os seus usuários de capacidades físicas sobre-humanas, designadamente força, resistência e reflexos amplificados. Considerado demasiado perigoso pelo Governo norte-americano (um dos efeitos colaterais da droga era a demência das cobaias), o programa recebeu ordem de encerramento. Decisão que Carter interiorizou como um abuso de autoridade, motivando a sua renúncia.
  Carter foi submetido a testes antes de regressar à vida civil, não tendo sido detetados vestígios da droga no seu organismo. Alguns comportamentos seus indiciavam, porém, uma sanidade mental precária e uma crescente propensão para a violência.
 Pouco tempo depois, Carter ingressou no Departamento de Polícia de Nova Iorque, passando a desempenhar funções como detetive. Quando o seu parceiro foi abatido num tiroteio com um bando de delinquentes juvenis, Carter tornou-se obcecado com a ideia de liquidar indivíduos que abusavam da sua autoridade para deixar impunes os criminosos.
  Decidido a "absorver" os pecados do mundo, Carter tencionava executar juízes que aplicavam sentenças irrisórias a malfeitores, advogados que os defendiam em tribunal mesmo conscientes da sua culpabilidade e até mesmo os padres que escutavam as suas confissões e mantinham sigilo delas. Com esse objetivo em vista, ele adquiriu uma espingarda e improvisou um disfarce para ocultar a sua verdadeira identidade. Nascia assim o Devorador de Pecados, cuja primeira vítima foi a Capitã Jean DeWolff, namorada de Stanley Carter. Ironicamente, seria ele o detetive designado para investigar o homicídio. Circunstância que o levou a trabalhar em conjunto com o Homem-Aranha.

Capa de Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº109 (1985).

Enredo: Após capturar os meliantes que haviam agredido Ernie Popchik, um dos residentes no lar de idosos gerido pela Tia May, o Homem-Aranha fica mortificado ao descobrir que a Capitã Jean DeWolff, sua amiga e aliada de longa data, fora morta durante o sono. Transtornado, o herói interpela o detetive encarregue da investigação do caso, o Sargento Stanley "Stan" Carter. Este revela-lhe alguns pormenores sobre o crime: DeWolff terá sido baleada à queima-roupa por uma espingarda de canos sobrepostos e o seu distintivo terá sido roubado pelo assassino.
 Entretanto, Matthew Murdock (vulgo, Demolidor) é designado como advogado oficioso dos agressores de Ernie Popchik, conseguindo que os jovens sejam libertados sem caução. Desagradado com a conduta desordeira dos seus clientes, Matt confidencia ao juiz Horace Rosenthal (seu antigo mentor) os seus receios em relação ao serviço pro bono que vem prestando. Durante a conversa entre ambos, Matt pressente a presença de um intruso armado nos aposentos do juiz. Quando este sai da sala, o Devorador de Pecados assoma e abre fogo sobre Matt. Ao ouvir o estrépito dos disparos, Rosenthal regressa à sala e é executado a sangue-frio pelo Devorador de Pecados, que de imediato se põe em fuga.

O momento da descoberta do cadáver da Capitã DeWolff.

  Alertado pelo rebuliço causado pelo atentado, o Homem-Aranha acorre ao local, deparando-se com o Devorador de Pecados. Sem hesitar, o vilão dispara sobre o Escalador de Paredes, que facilmente se esquiva das balas. Pior sorte têm, contudo, alguns transeuntes que circulavam no exterior do tribunal, feridos pelas balas perdidas.
  Enquanto luta com o seu atacante, o Homem-Aranha apercebe-se que este tem na sua posse o distintivo policial da falecida Capitã DeWolff. Deduzindo de imediato que está em presença do assassino da sua amiga. Contudo, ao ver a Tia May desfalecida na calçada, o herói aracnídeo permite a fuga do Devorador de Pecados.
  Depois de obter autorização do Sargento Carter para revistar o apartamento de DeWolff, o Homem-Aranha não descobre quaisquer pistas ou indícios. Encontra, no entanto, fotos e recortes de jornais onde ele aparece. Ficando dessa forma claro que DeWolff tinha um interesse romântico no herói. Facto que o deixa ainda mais consternado.
  Pela boca do próprio Carter, o Escalador de Paredes fica a par do seu passado como agente da SHIELD e do folclore associado ao Devorador de Pecados.
  No dia seguinte, durante o funeral do juiz Rosenthal, Matt Murdock consegue identificar, algures entres os presentes, a batida cardíaca do Devorador de Pecados. É, porém, incapaz de reconhecê-lo.
   Nessa mesma noite, o Devorador de Pecados executa a tiro o padre que havia conduzido as exéquias da Capitã DeWolff.
   Devido à vaga de mortes atribuída ao Devorador de Pecados, é montado um circo mediático, aproveitado pelo Reverendo Jackson Tulliver para acicatar a opinião pública. Paralelamente, o Homem-Aranha e o Demolidor procuram no submundo do crime nova-iorquino pistas sobre a verdadeira identidade do assassino da Capitã DeWolff. As suas investigações são, todavia, infrutíferas.
   Dias depois, o Devorador de Pecados irrompe na redação do Clarim Diário, exigindo falar com J. Jonah Jameson. Este encontrava-se, no entanto, ausente em férias. Momentaneamente distraído por Joe Robertson (editor-chefe do jornal), o vilão é alvejado por uma máquina de escrever arremessada por Peter Parker.
  Inanimado, o Devorador de Pecados é desmascarado, sendo identificado como Emil Gregg. Este não tem, no entanto, qualquer lembrança de ser o autor dos homicídios que lhe são imputados. Alega, ainda assim, que vozes lhe haviam ordenado que os cometesse.
   Chegado entretanto ao local, o Demolidor assiste à confissão de Gregg, não reconhecendo, contudo, o seu ritmo cardíaco. Assumindo, portanto, tratar-se de um impostor. Perante o ceticismo do Homem-Aranha, o Diabo da Guarda convida-o a acompanhá-lo numa busca ao apartamento de Gregg.
  No apartamento supostamente propriedade de Gregg, os dois heróis encontram a arma e o traje usados pelos Devorador de Pecados, bem como um gravador contendo registos áudio do vilão. Rapidamente concluem ser aquela a origem das vozes que, presumivelmente, atormentariam Gregg. No entanto, a revelação mais chocante surge sob a forma de correspondência destinada ao verdadeiro proprietário do imóvel: Stanley Carter.
   Ao darem pela falta de uma segunda arma no armário onde o Devorador de Pecados guardava o seu arsenal, o Homem-Aranha e o Demolidor concluem que ele terá usado Gregg como engodo, enquanto se dirigia a casa de JJ. Jameson para o matar. Dada a grande distância que os separava da morada e o avanço levado pelo Devorador de Pecados, seria impossível os heróis chegarem a tempo de impedir o crime.
  Em desespero, o Homem-Aranha telefona para o Clarim Diário e consegue obter o número de telefone de JJJ. Sem perder tempo, o Cabeça de Teia efetua a chamada, atendida por Betty Brant (secretária pessoal de Jameson e primeira namorada de Peter). No entanto, antes que o Homem-Aranha possa avisá-la, ouve-se o som de um disparo em fundo.

Uma das sequências mais dramáticas da saga: a pretensa execução sumária de Betty Brant.


  Convencido de que Betty estaria morta, o herói aracnídeo ruma rapidamente à morada de Jameson. Embora aterrorizada, a rapariga está, no entanto, viva e ilesa. Facto, ainda assim, insuficiente para aplacar a fúria homérica do Escalador de Paredes, que espanca violentamente o Devorador de Pecados, mesmo depois de ele ter perdido os sentidos.
  Chegado ao local, o Demolidor evita a custo que o Homem-Aranha faça justiça pelas próprias mãos.
  Stan Carter é preso e a notícia de que o Devorador de Pecados era um agente policial deixa a comunidade em choque. Enquanto isso, Ernie Popchik, armado com o seu velho revólver, atira sobre três meliantes que o ameaçam no interior de uma carruagem de metro.
 A Polícia é informada pela SHIELD de que Carter fora submetido a tratamentos com uma droga experimental. Circunstância que explica tanto as suas capacidades sobre-humanas como as suas atividades como Devorador de Pecados.
 Dias depois, os planos das autoridades para transferirem em segredo o Devorador de Pecados para a Ilha Riker chegam ao conhecimento dos media. Uma turba enfurecida concentra-se diante da esquadra onde ele se encontra detido e tenta linchá-lo. O Demolidor intervém, mas acaba ele próprio agredido pela multidão.Tanto ele como o Devorador de Pecados são salvos, in extremis, pelo Homem-Aranha.
  Depois de Stan Carter ter sido finalmente transportado para a penitenciária, o Demolidor repreende o Escalador de Paredes pelo seu desrespeito pelo sistema judicial. Oferecendo de seguida os seus serviços de advogado para, em regime pro bono, defender Popchik em tribunal.

O Demolidor impede o Homem-Aranha de sujar as mãos de sangue.

Ramificações:

* O enredo de A Morte de Jean DeWolff incluía uma intriga secundária envolvendo um ladrão vestido de Pai Natal. Esta narrativa paralela seria posteriormente retomada em Peter Parker, The Spectacular Spider-Man nº112 (março de 1986). Edição em que é igualmente revelado que Ernie Popchik fora libertado da prisão após ter sido absolvido por um júri. Na edição seguinte, Popchik, acossado pelos jornalistas, regressa ao lar de terceira idade gerido pela Tia May. No entanto, ele e os restantes residentes são feitos reféns pelos delinquentes que ele alvejara numa carruagem de metro. O Homem-Aranha intervém e consegue subjugar três dos quatro meliantes, sendo o quarto abatido pela Polícia. Sentindo-se culpado pelo sucedido, Popchik parte para local incerto;
*Peter David trouxe de volta o Devorador de Pecados num arco de histórias publicado, entre janeiro e março de 1988, nos números 134,135 e 136 de Peter Parker, The Spectacular Spider-Man. Ambientada cerca de um ano depois dos eventos narrados em A Morte de Jean DeWolff, esta espécie de sequela informal  explorava a origem do vilão e a sua tentativa de reabilitação.Sob custódia da SHIELD, Stan Carter é sujeito a psicoterapia e a um programa de desintoxicação para purgar a droga do seu organismo. Após a sua libertação, Stan sente grandes dificuldades de reinserção social, pois continua a ser assombrado por visões dos crimes que perpetrou como Devorador de Pecados. Sucumbindo por fim à sua demência, Carter volta a vestir o seu velho disfarce e, brandindo uma arma descarregada, irrompe numa esquadra de polícia, acabando abatido pelos agentes no local. Peter David descreveu este trágico epílogo como um ato de misericórdia para com Stanley Carter;
*Em The Amazing Spider-Man nº300 (maio de 1988), os leitores ficaram a saber que o repórter do Daily Globe, Eddie Brock, escrevera um artigo no qual expunha Emil Gregg como o suposto alter ego do Devorador de Pecados. A revelação de que Stan Carter era a verdadeira identidade do vilão motivou a demissão de Brock e o seu subsequente divórcio. O rancor que Brock passou a nutrir relativamente ao Homem-Aranha (que culpava pelos seus reveses), serviria de catalisador para a sua transformação em Venom.


Eddie Brock sucedeu a Peter Parker como hospedeiro do simbionte alienígena.



Vale a pena a ler?

   Há 30 anos, o panorama dos quadradinhos com super-heróis e a forma como estes eram perspetivados pelos leitores eram substancialmente diferentes dos atuais. Se nos dias que correm a ocorrência de mortes nas páginas deste tipo de publicações se tornou comezinha, à época era uma raridade. Facto que, em larga medida, explica o profundo impacto produzido por esta saga.
 Conforme observou Peter David, a história torneava as convenções instituídas na indústria dos comics. Um dos aspetos em que mais notoriamente o faz reside no fim indigno da Capitã DeWolff. Em vez da tradicional morte gloriosa no clímax de uma batalha épica, a personagem é cobardemente assassinada durante o sono.
  Outra singularidade que destoa dos padrões da época consiste em termos um antagonista que não se insere no paradigma clássico do supervilão dotado de capacidades sobre-humanas. No seu lugar, temos um vigilante mentalmente perturbado que não olha a meios para cumprir a missão crucial de que se julga investido. 
  Este é, aliás, um dos pontos mais fortes da  saga. Através das ações tresloucadas do Devorador de Pecados, o leitor é convidado a questionar-se sobre os perigos do vigilantismo. Conceito que, convém lembrar, alberga qualquer um que, substituindo-se ao sistema judicial, resolve fazer justiça pelas próprias mãos. Ainda que com outros matizes, é precisamente isso que os chamados super-heróis fazem. Levando, assim, a um questionamento das suas ações. Potenciado na trama pelo descontrolo emocional do Homem-Aranha, que quase o leva a tirar a vida ao assassino da sua amiga. Se isso tivesse acontecido, o que o distinguiria, afinal, do vilão?
  De assinalar também que, à data de publicação desta saga, os dilemas morais costumavam andar arredados das páginas dos títulos Marvel e DC. Salvos raras exceções, as historietas neles apresentadas não abordavam temas complexos (na verdade, os seus autores fugiam deles como do tifo); tão-pouco se caracterizavam pelo realismo (por contraponto ao culto que dele se faz presentemente). 
  Tudo motivos, portanto, para que A Morte de Jean DeWolff tenha sido uma pedrada no charco, cujos círculos concêntricos chegaram até ao presente. Tanto assim que, transcorridas três décadas, ela continua a ser considerada uma das melhores histórias de sempre do Escalador de Paredes. Estatuto corroborado, com efeito, pelas críticas assaz favoráveis que recebeu por parte de reputadas publicações, como a Wizard e o Comics Bulletin. E tudo graças à genialidade de um debutante na nona arte...
     
Amizade interrompida.