A Justiça ganhou vigor juvenil quando os eternos sidekicks saíram da sombra dos seus mentores para, juntos, alisarem as rugas do mundo e darem voz à nova geração. Já sem o idealismo adolescente, mas sempre com uma nobreza acima da idade, na década de 80 foram a vanguarda da revolução que salvou a DC da irrelevância.
Denominação original: Teen Titans
Editora: DC
Criadores: Bob Haney e Bruno Premiani
Estreia: Com data de capa de julho de 1964, Brave and the Bold #54 é comummente apontada como a edição de estreia da Turma Titã (como a equipa original ficou conhecida no Brasil). No entanto, isso é apenas parcialmente verdade.
Na história em apreço, Robin, Kid Flash e Aqualad agem em conjunto, mas de forma casual, sem qualquer referência aos Titãs. Foi preciso esperar mais um ano para, em Brave and the Bold #60, o grupo - entretanto convertido em quarteto com a entrada da Moça-Maravilha - ganhar estatuto e designação oficial. Tecnicamente, foi nesta edição que a Turma Titã foi fundada.
Local de formação: Hatton Corners
Membros fundadores: Robin, Kid Flash, Aqualad, Moça-Maravilha e Ricardito. Este último, apesar de só se ter juntado ao grupo em Teen Titans #4 (1966), obteve a posteriori o estatuto de membro fundador, quando, em finais de 1967, substituiu o Menino Prodígio - cujos direitos estavam alocados à série televisiva do Duo Dinâmico - no segmento reservado à Turma Titã em The Superman / Aquaman Hour of Adventure, uma animação de baixo orçamento produzida naquele ano pela Filmation.
Base operacional: Apesar de ser o quartel-general mais icónico do grupo, a Torre Titã só foi introduzida nos anos 80. Uma imponente estrutura de vidro e aço instalada numa ilhota ao largo de Nova Iorque, a torre original foi projetada por Silas Stone, o pai de Cyborg.
Inicialmente, Robin e companhia usavam como base secreta o Covil dos Titãs, um silo abandonado das Empresas Wayne localizado sob um penhasco adjacente ao rio Gotham, cedido por Bruce Wayne a Dick Grayson.
Némesis: Trigon, Exterminador e Irmão Sangue compõem a profana trindade de arqui-inimigos dos Titãs. De entre eles, o terceiro, devido ao tipo de mal que representa, será porventura o mais perigoso. Líder supremo da Igreja do Sangue, o Irmão Sangue personifica o fanatismo religioso em nome do qual são cometidas atrocidades inomináveis. Nessa medida, o vilão, sempre à cabeça de um exército de seguidores devotos, protagonizou algumas das histórias mais perturbadoras do grupo.
Trindade profana: Trigon, Exterminador e Irmão Sangue. |
Ídolos da juventude
Sidekick é uma daqueles anglicismos com que qualquer apreciador da cultura popular está sobejamente familiarizado, mas cuja origem poucos conhecem. Crê-se que o termo terá sido cunhado, em finais do século XIX, por carteiristas ingleses. Na gíria dos amigos do alheio, "kick" era o nome dado ao bolso frontal de umas calças, considerado o mais seguro contra furtos. Assim, por analogia, "sidekick" (bolso lateral) passou a designar o companheiro mais próximo de alguém, aquele que a pessoa traz sempre à ilharga.
Como recurso narrativo, os sidekicks são quase tão antigos quanto a própria Literatura. Um dos primeiros exemplos documentados remonta mesmo à Antiguidade. No poema épico Epopeia de Gilgamés, os deuses criam Enquidu, um homem selvagem que, após um confronto inicial, se torna amigo do protagonista e passa a acompanhá-lo na sua jornada heroica.
O companheiro do herói é, com efeito, um elemento comum da ficção literária, popularizado por figuras como Sancho Pança (D. Quixote) ou o Dr. Watson (Sherlock Holmes), e que funciona normalmente como contraponto da personagem principal. Nesse sentido, tanto pode servir de alívio cómico, elo com a audiência ou consciência moral do protagonista.
Quando o género super-heroico surgiu, nos anos terminais da década de 1930, os sidekicks foram incorporados de forma peculiar nas histórias dos justiceiros fantasiados. Quase sempre em pleno fervor da puberdade, esses coadjuvantes tinham como função primordial gerar identificação com o público infantojuvenil, que nem sempre apreciava a sisudez dos heróis adultos.
Pioneira na variante do ajudante adolescente, a DC apresentou aquele que foi o protótipo de todos os sidekicks da Arte Sequencial: Robin, o fiel escudeiro do Batman, foi apresentado logo em 1940. O sucesso do binómio Cavaleiro das Trevas/Menino-Prodígio fez escola na Idade de Ouro, mas foi somente na Idade de Prata que outros heróis proeminentes da Editora das Lendas - como Aquaman, Arqueiro Verde, Flash e Mulher-Maravilha - adquiriram os seus próprios adjuntos imberbes. Graças ao seu charme pueril, Aqualad, Ricardito, Kid Flash e Moça-Maravilha tornaram-se ídolos da juventude, em alguns casos chegando mesmo a ombrear em popularidade com os seus mentores.
Apesar de ter sido o primeiro dos sidekicks nas histórias de super-heróis, Robin também viveu aventuras a solo. A primeira foi apresentada em Star Spangled Comics #65 (1947) |
Na senda desse precedente, era uma questão de tempo até os heróis juniores se aventurarem juntos. Tanto mais que, com a eclosão do Baby Boom, logo após o fim da II Guerra Mundial, tinha surgido e alastrado pelo mundo uma cultura focada nos adolescentes e jovens adultos que encontrou no Rock and Roll a sua banda sonora de eleição.
Também nos meandros dos quadradinhos americanos essa mudança radical nos hábitos e preferências das camadas mais jovens da população não passou despercebida. À boleia do inesperado sucesso da recém-criada Patrulha do Destino (Doom Patrol), o editor da DC George Kashdan solicitou a Bob Haney, escritor veterano e coautor do conceito, uma proposta para a criação de um novo supergrupo.
Sem pensar muito, Haney sugeriu que os principais sidekicks da DC fossem agrupados. Ideia que, em abono da verdade, não era propriamente inovadora. Em 1941, Joe Simon e Jack Kirby, então ao serviço da Timely Comics (antepassada da Marvel), haviam desenvolvido um conceito similar. Os Jovens Aliados (Young Allies) eram um grupo de aventureiros adolescentes encabeçado pelos valetes do Capitão América (Bucky Barnes) e do Tocha Humana (Centelha). Ademais, a própria DC lançara, em 1958, a Legião dos Super-Heróis, um grupo de adolescentes futuristas criados como coadjuvantes das histórias do Superboy.
Capitaneados por Bucky, os Jovens Aliados foram o primeiro grupo de heróis adolescentes (e os primeiros a terem título próprio). |
Inédito ou nem tanto, o conceito elaborado por Haney precisaria ser devidamente testado. Convertido, desde 1959, em tubo de ensaio para o lançamento de futuros títulos - e tendo-lhe cabido a honra de apadrinhar a exitosa estreia da Liga da Justiça da América - , The Brave and The Bold perfilou-se como escolha óbvia. O 54º número da revista, saído do prelo em abril de 1964, incluía no seu alinhamento uma história, escrita por Bob Haney e ilustrada por Bruno Premiani (seu parceiro criativo na Patrulha do Destino), em que Robin, Aqualad e Kid Flash eram chamados a mediar o conflito intergeracional que opunha os adolescentes aos adultos de Hatton Corners.
A tarefa dos jovens titãs da justiça, já de si desafiante, complicou-se ainda mais com a entrada em cena do Senhor Ciclone (Mister Twister), um supervilão capaz de controlar o clima e que havia sequestrado todos os adolescentes da cidade. Renovando a validade do velho aforismo "A união faz a força.", o trio de heróis juniores derrotou o Senhor Ciclone e reconciliou as gerações desavindas de Hatton Corners. No final da história os três seguiram caminhos separados, mas com a promessa de voltarem a encontrar-se.
Página de abertura de The Brave and The Bold #54, na qual os protagonistas surgem identificados individualmente, sem qualquer referência aos Titãs. |
Com efeito, a aliança dos protegidos de Batman, Aquaman e Flash voltaria a ser colocada à prova no verão de 1965. Em The Brave and The Bold #60, publicado em julho desse ano, a Robin, Aqualad e Kid Flash juntou-se a Moça-Maravilha, e os quatro constituíram-se no grupo por ela batizado de Turma Titã (Teen Titans).
Sucede que, diferente dos seus colegas de equipa, a Moça-Maravilha não havia sido criada para ser parceira da Mulher-Maravilha, mas sim a versão jovial da própria. Sem maiores explicações, Bob Haney apresentou Donna Troy como a irmã mais nova de Diana e o resto é história.
No final de 1965, a Turma Titã foi novamente reunida, mas desta feita em Showcase #8, e já sob o lápis de Nick Cardy. Principiava, assim, a longeva ligação do artista ao grupo. Esta foi, de resto, a última vez que a pandilha de Robin usou uma casa emprestada.
No início do ano seguinte, a Turma Titã ganhou a sua própria revista. De periodicidade bimestral, Teen Titans - produzida por Haney e Cardy - tinha como premissa a assistência prestada pelos heróis a adolescentes em apuros enquanto percorriam eles próprios o agreste caminho até à idade adulta. Bob Haney permaneceu como argumentista e com ele a série adquiriu uma identidade muito própria através do uso (e abuso) do calão juvenil da época e de múltiplas referências à cultura popular.
Partindo do pressuposto que o público-alvo dos comics eram catraios de doze anos residentes nos estados rurais, Haney privilegiava a coloquialidade dos diálogos, nos quais abundavam expressões idiomáticas como "os adultos são uns quadrados" ou "é uma brasa". Muitas vezes o resultado soava tolo ou exagerado e, para forçar ainda mais a identificação com a juventude, a Turma Titã era frequentemente apelidada de Fab Four (Os Quatro Fabulosos, em referência aos Beatles).
Ainda sem Ricardito, a Turma Titã ganhou a sua própria revista em 1966. |
Recém-contratado à Charlton Comics, em 1968 Dick Giordano substituiu George Kashdan como editor de Teen Titans, e aos poucos foi modificando o tom das histórias. Com o lado psicadélico e fantasioso das primícias a ser moderado pelo olhar mais realista e social que a época impunha.
Para o 20º número de Teen Titans foi preparada uma história cujo título - Titans Fit the Battle of Jericho (Titãs na Batalha de Jericó) - foi inspirado em Joshua Fit the Battle of Jericho, uma canção gospel muito apreciada pela comunidade afro-americana. Nela, a Turma Titã (com Ricardito a ocupar a vaga de Aqualad) iria para um gueto situado numa grande cidade americana, onde seria confrontada com a revolta violenta dos adolescentes negros contra o racismo estrutural dos EUA. Os heróis receberiam então a inesperada ajuda de um misterioso aventureiro mascarado chamado Jericó, que os ajudaria a apaziguar os ânimos. A grande surpresa estaria reservada para o final: a revelação de que Jericó era ele próprio um adolescente negro - circunstância que faria dele o primeiro super-herói afro-americano do Universo DC.
Embora aprovada sem ressalvas por Giordano e integralmente desenhada por Nick Cardy, a trama foi vetada por Carmine Infantino. O editor-chefe da DC receava uma possível repercussão negativa no Sul dos EUA e também lhe desagradava o teor excessivamente político da história - saída da pena de um tal de Marv Wolfman.
Chamado a redesenhar a história em tempo recorde, Neal Adams transformou, a contragosto, Jericó num jovem caucasiano e a revolta no gueto numa invasão extradimensional. Tudo isto enquanto metade do país chorava ainda a morte de Martin Luther King e a luta dos negros pelos direitos civis estava ao rubro.
Independentemente da polémica, Titans Fit the Battle of Jericho sinalizou um momento de profundas e irreversíveis mudanças na Turma Titã. Mudanças essas que, entre outras coisas, envolveram a admissão de novos membros (Rapina e Columba) e a abertura de uma filial californiana (Titãs do Oeste).
A década de 70 trouxe a Idade de Bronze e com ela uma audiência mais madura que passou a exigir histórias menos inconsequentes. Por conta do novo perfil dos leitores, o entusiasmo em relação aos heróis adolescentes começou a arrefecer. O primeiro sinal desse arrefecimento foi quando Denny O'Neil e Neal Adams reaproximaram Batman das suas origens sombrias e solipsistas, deixando pouco espaço para Robin nas histórias do Cavaleiro das Trevas. O mesmo aconteceria, nos anos imediatos, a Kid Flash, Aqualad e Ricardito, cada vez menos presentes na vida dos seus mentores. Em contraciclo, a Moça-Maravilha ia ganhando maior destaque na revista da irmã, culminando com a sua participação na série televisiva da Princesa Amazona com Lynda Carter.
Apesar de, oficialmente, a Turma Titã se manter unida, o seu vigor juvenil revelou-se insuficiente para suster a própria revista. Com um percurso editorial errático, bordejado por suspensões e relançamentos, Teen Titans acabaria por ser definitivamente cancelada em 1978. À medida que o brilho colorido dos néones da adolescência ia perdendo intensidade, os heróis, agora praticamente jovens adultos, descartaram gradualmente o conceito a que tinham dado corpo.
O número final de Teen Titans anunciava a nunca revelada origem do grupo. |
Adivinhava-se o fim de uma era. Afinal de contas, nem o Menino-Prodígio nem a Moça-Maravilha eram já crianças. Era, pois, natural que, tal como na vida real, deixassem para trás os dilemas e desvarios pubescentes, seguindo para a próxima etapa do seu desenvolvimento pessoal. Num contexto em que eram cada vez mais os heróis soturnos, amargurados e maduros os verdadeiros ídolos da juventude, aos eternos sidekicks restava continuar a crescer nas sombras dos seus celebérrimos mentores.
Tudo indicava, portanto, que a Turma Titã viraria uma nota de rodapé no cânone da DC e que os seus integrantes se veriam relegados à condição de coadjuvantes bissextos nas histórias de terceiros. Contudo, para surpresa geral, a notícia da morte dos sidekicks foi manifestamente exagerada.
Idade Maior
À entrada da década de 80, a preferência dos leitores de super-heróis, sempre oscilante entre as duas maiores editoras a operar nesse mercado, parecia afastar-se da DC. Mesmo que Super-Homem e Batman continuassem a ser líderes de vendas - mais pela força do mito que encarnavam do que pela qualidade intrínseca das histórias que protagonizavam - as restantes produções da DC estavam longe da irreverência, sofisticação e sintonia com o público que era então apanágio da sua principal concorrente.
Após uma longa temporada ao serviço da Marvel, Marv Wolfman, agora um escritor com tarimba, retornou à Editora das Lendas e, perante a crise instalada, propôs o lançamento de uma nova série da Turma Titã. A maior parte dos seus colegas torceu o nariz à ideia, mas Len Wein - recém-promovido a editor - resolveu arriscar.
Na altura uma estrela em ascensão na indústria dos quadradinhos, George Pérez aceitou participar no projeto, à guisa de favor pessoal a Wolfman. Fê-lo, todavia, no pressuposto de que ilustrar as histórias da Turma Titã seria apenas uma curta etapa que o levaria ao Olimpo da DC: a Liga da Justiça.
Numa espécie de jogo de espelhos geracional, os Novos Titãs incluíam membros da equipa original, o benjamim da Patrulha do Destino e criações de Wolfman e Pérez. Aos fundadores Robin, Kid Flash e Moça-Maravilha juntou-se um trio de figuras novas, com personalidades diferenciadas e contrastantes: o angustiado Cyborg, cujo corpo mutilado foi substituído por componentes cibernéticos; a extrovertida Estelar, uma princesa alienígena com um passado de escravidão e intriga familiar; e a misteriosa Ravena, empata e filha de um demónio extradimensional. O inusitado elenco ficou completo com o divertido Mutano (anteriormente conhecido como Rapaz-Fera), um adolescente esverdeado capaz de transformar-se em qualquer animal.
Os Novos Titãs de Wolfman e Pérez fizeram a síntese entre o passado e a modernidade. |
Os Novos Titãs foram apresentados aos leitores americanos em DC Comics Presents #26, de outubro de 1980, e imediatamente ficou claro que a equipa não era constituída por adolescentes desorientados, mas sim jovens adultos que formavam uma família disfuncional unida por fortes laços de amizade.
O que aconteceu em seguida dificilmente poderia ter sido previsto, pois, numa curiosa inversão dos eventos da mitologia grega, estes titãs de tinta destronaram os olímpios da Liga da Justiça nas vendas e na aclamação da crítica.
Com dinamismo para dar e vender, os Novos Titãs trouxeram um zéfiro de positividade ao Universo DC. As suas histórias tinham a capacidade rara de casar de forma harmoniosa o lado da aventura épica cheia de peripécias com a vertente de novela pontuada por personagens cheias de alegrias e dramas, discussões e empatias, sucessos e tragédias. Tudo amplificado pelo soberbo traço de Pérez, que, assim como Wolfman, se afeiçoara genuinamente às personagens. Esse avultado investimento emocional da dupla criativa dos Novos Titãs foi, de resto, um dos ingredientes da fórmula de sucesso.
Ao tornarem-se coeditores de The New Teen Titans, Wolfman e Pérez, dois dos maiores dínamos criativos da Arte Sequencial, conquistaram ampla liberdade para contarem a história intemporal de um grupo de jovens com nobreza acima da idade, que lutavam para afirmarem as suas próprias individualidades. E ninguém o fez com mais afinco do que Dick Grayson. Ainda que Robin continuasse a ser um excelente líder para os Novos Titãs, não conseguia enxaguar o lastro de, por tanto tempo, ter sido o pajem do Cavaleiro das Trevas. Mas isso estava prestes a mudar.
Entre a rica galeria de coadjuvantes dos Novos Titãs pontificava aquele que viria a ser um dos vilões mais carismáticos e versáteis de todo o Universo DC: o Exterminador (Deathstroke, The Terminator).
Slade Wilson, o implacável mercenário zarolho, foi pedra basilar do enredo mais controverso de toda a série. Em The Judas Contract (O Contrato de Judas), os Novos Titãs dão as boas vindas a Terra, uma jovem com poderes elementais e personalidade volátil.
Ao longo de mais de um ano, primeiro em pano de fundo e depois à boca de cena, Dana Markov vai-se revelando uma espia plantada na equipa, com a missão de descobrir os pontos fracos de cada um dos seus elementos. Ainda por cima, aquela adolescente franzina de apenas 16 anos, que até fuma e bebe, é também sexualmente ativa e amante do Exterminador. Como se tudo isso não fosse suficientemente impactante, foi também nessa saga que Dick Grayson deixou finalmente de ser o Menino-Prodígio passando a responder por Asa Noturna. Uma expressão de individualidade e empoderamento que mereceu o aplauso da generalidade dos leitores e que deixou claro que nada voltaria a ser como antes.
Tudo isto serviu para fazer de New Teen Titans um best-seller, gerando-se uma atmosfera de expectativa quase telenovelesca antes do lançamento de cada novo número. A juventude dos protagonistas não impedia que os enredos abordassem temas adultos. Exemplo disso foi o arco narrativo que lidou com flagelo das drogas e que, de tão eficaz na mensagem que pretendia passar, teve seguimento num anúncio animado de prevenção da toxicodependência. Curiosidade: a história em causa foi patrocinada pela Keebler, uma marca de bolachas que estava associada à campanha de combate às drogas amadrinhada pela então Primeira-dama dos EUA Nancy Reagan.
Mesmo as histórias com matizes mais fantasiosas destacavam-se dentro de um género tão codificado como o dos super-heróis. Tão logo surgiram em The New Teen Titans, a C.O.L.M.E.I.A. e a Igreja do Sangue tornaram-se partes integrantes do folclore da DC. Ao mesmo tempo que lidavam com ameaças à escala planetária (e por vezes galáctica), os Novos Titãs exploravam a condição humana através, por exemplo, da relação conturbada entre Cyborg e o pai, ou da angústia da Moça-Maravilha por causa do seu obscuro passado.
Em questão de meses, os Novos Titãs cativaram os leitores e assumiram-se como força charneira de uma inesperada revolução que resgatou a DC do abismo da irrelevância. Wolfman e Pérez assinaram juntos as aventuras do grupo durante 5 anos e 50 números de The New Teen Titans, com o argumentista a permanecer no título (entretanto renomeado Tales of the Teen Titans) após a saída do artista.
Em 1982, no auge da popularidade das duas equipas, X-Men e Novos Titãs protagonizaram um dos mais épicos crossovers Marvel/DC. |
A partida de Pérez foi, aliás, um das causas para a "titãmania" perder gás no final dos anos 80, altura em que a chama criativa já diminuíra claramente de intensidade. Apesar de um último surto de popularidade no início do decénio seguinte, os Novos Titãs acabaram mesmo por sair de cena.
Até que, em 2003, Geoff Johns decidiu juntar Superboy e os novos Robin (Tim Drake), Kid Flash (Bart Allen) e Moça-Maravilha (Cassandra Sandsmark) aos agora veteranos Estelar, Cyborg, Ravena e Mutano. Numa quase poética inversão de papéis, os velhos Novos Titãs viram-se no papel de mentores de uma nova geração de campeões do Bem, à semelhança do que os primeiros Robin, Kid Flash e Moça-Maravilha com eles haviam feito.
A grande proeza dos Novos Titãs do século XXI foi devolver o grupo aos tops de vendas pela primeira vez em mais de uma década. Os louros têm, no entanto, de ser divididos com Teen Titans, a série animada de grande sucesso que foi para o ar nesse período.
Mas nem tudo foram rosas. Em 2011, o reboot dos Novos 52 acabou com o profundo sentido de legado do Universo DC, truncando eventos e apagando a história das personagens. Os mais afetados por esse fluxo caótico foram justamente os Novos Titãs.
Na nova continuidade, a formação atual do grupo não foi precedida por nenhuma outra. Significando isto, na prática, que nem a Turma Titã nem os Novos Titãs alguma vez existiram. Quando, por fim, se cansou de navegar a polémica, a DC aproveitou o reboot Renascimento para restaurar parte do cânone dos Novos Titãs. Sem contudo desfazer outros movimentos questionáveis como a inclusão de Cyborg na Liga da Justiça.
Independentemente das trapalhadas recentes e do enorme sucesso que os Novos Titãs alcançaram nos idos de 80, estes jovens heróis terão sempre um importante papel a desempenhar. Mais que não seja, satisfazendo as fantasias vicárias dos fãs, por incorporarem o truísmo de que o novo acaba sempre por substituir o velho. Num meio cíclico como o dos comics, isso levá-los-á inevitavelmente a serem os agentes da mudança que sacodem o marasmo e renovam o statu quo. Provando, dessa forma, que, quando a execução é competente, até os conceitos menos promissores podem funcionar às mil maravilhas.
Os Titãs do terceiro milénio não são despidos de passado, mas têm os olhos postos no futuro. |
*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da língua portuguesa.
*Artigos sobre Estelar, Nick Cardy e Marv Wolfman disponíveis para leitura complementar.
BRAVO! Sempre é muito bom e instrutivo ler um texto seu, ainda que o tema não me seja conhecido ou atraente. Fico fascinado pelas informações, que também agregam cultura (o porquê do termo sidekick). Senti apenas falta da menção de Escudo e Bob, outra dupla de super-heróis com um mocinho e seu jovem ajudante, hoje relegada ao esquecimento.
ResponderEliminarE é uma pena que a DC, a cada 20 ou 30 anos, cisme de dar reboot em seu universo, em vez de tentar localizar ideias e roteiristas melhores.
Parabéns e grande abraço!
Como sempre, instrutivo e informativo! Leitura fluida e prazerosa! Nada melhor que recordar os bons tempos de uma criação da DC que, como tantas outras (todas?), perdeu o rumo e o prumo e hoje em dia raramente agracia os fãs com algo que preste.
ResponderEliminar