03 setembro 2020

GALERIA DE VILÕES: BRAINIAC


  Vidas orgânicas nada significam para o Colecionador de Mundos de mente computorizada e alma digital. Mais próximo da transcendência a cada metamorfose, almeja o conhecimento absoluto e a destruição do Último Filho de Krypton. 

Denominação original: Brainiac
Editora: DC
Criadores: Otto Binder (história) e Al Plastino (arte conceptual)
Estreia: Action Comics Vol.1 #242 (julho de 1958)
Identidade civil: Vril Dox
Espécie: Androide Coluano
Local de nascimento: Planeta Colu
Parentes conhecidos: Computadores Tiranos de Colu (criadores); Vril Dox 2 / Brainiac 2 (filho adotivo); Lyril Dox / Brainiac 3 (neto); Kajz Dox / Brainiac 4 (descendente); Querl Dox / Brainiac 5 (descendente do século XXX).
Ocupação: Cientista, conquistador galáctico e colecionador de mundos.
Base operacional: Itinerante. A demanda por novas relíquias antropológicas para a sua coleção compele-o a andar em permanente digressão pelo Universo a bordo da sua Nave Caveira.
Afiliações: Apesar da sua natureza solipsista e de preferir rodear-se de tecnologia e servos robóticos, é aliado recorrente de Lex Luthor. Em tempos integrou também contingentes vilanescos sediados no nosso planeta, como a Legião do Mal e a Anti-Liga da Justiça.
Némesis: Super-Homem
Poderes e parafernália: Apetrechado com uma inteligência de nível 12 (duas vezes superior à humana), Brainiac é comummente considerado um dos maiores expoentes de sapiência universal. A sua mente computorizada permite-lhe, entre muitas outras coisas, armazenar e processar quantidades quase infinitas de informação nos seus bancos de dados.
Brainiac possui também conhecimentos avançados em Engenharia Mecânica, Bioengenharia, Física e numa panóplia de outras ciências teóricas e aplicadas. Competências que possibilitaram a invenção de campos de força virtualmente impenetráveis, mísseis que convertem estrelas em supernovas e, claro, o seu infame raio de encolhimento capaz de reduzir metrópoles (ou até planetas) a maquetas vivas.
Graças aos seus formidáveis poderes mentais (reforçados no pós-Crise com telepatia e telecinésia), Brainiac consegue transferir a sua consciência digital para outras máquinas ou recetáculos orgânicos; criar e manipular sistemas informáticos; produzir réplicas de si mesmo e até viajar no tempo.
Apesar do vastíssimo arsenal que tem ao seu dispor, é na sua Nave Caveira que o Colecionador de Mundos tem a sua arma mais intimidante e mortífera. Projetado para viajar através do hiperespaço, o gigantesco veículo encontra-se equipado com escudos defletores, poderosos tentáculos metálicos e um sistema de mísseis fotónicos inteligentes com elevado potencial destrutivo.

Brainiac's Skull Ship by Gary Frank | Comic villains, Darkseid justice  league, Superman lois
Um dos modelos mais recentes da Nave Caveira.
Devido à relação simbiótica com o seu criador, a nave já por diversas vezes reconstruiu o corpo danificado de Brainiac. A bordo dela, o último dos coluanos adquire capacidades físicas que lhe permitem bater-se de igual para igual com o Homem de Aço - ou até com o poder combinado da Liga da Justiça. Apesar de proficiente em todas as artes marciais conhecidas no Universo, Brainiac considera o combate corpo a corpo uma expressão de mentes primitivas, pelo que só muito raramente recorre a ele para subjugar os seus adversários. Sobretudo porque tem às suas ordens um exército de milhares de sondas robóticas que usa como força avançada nas suas incursões planetárias.
Originalmente, porém, Brainiac era um simples cientista sem superpoderes que, tal como Lex Luthor, dependia do seu intelecto e da sua tecnologia para cumprir os seus perversos desígnios. Fruto das suas sucessivas metamorfoses, evoluiu para uma máquina desapiedada que extinguiu e assimilou milhares de civilizações, tornando-se assim o maior genocida galáctico e um dos seres mais temidos no Universo conhecido.

Infinite Danger Room #17: Superman's villains
Mano a mano sem vencedor anunciado.
Fraquezas: A despeito dos inúmeros incrementos cibernéticos e da sua mente computorizada, Brainiac possui um conjunto de vulnerabilidades transversais a todas as suas versões. A principal decorre do seu vínculo telepático com a Nave Caveira. Da interrupção abrupta dessa interface decorre, quase sempre, a desabilitação do sistema operativo do vilão. De igual modo, a prolongada separação física de ambos tem como efeito tangível a acelerada deterioração do corpo robótico do último dos coluanos.
Devido à sua personalidade obsessiva (ver Psicopata Robótico), Brainiac tem uma necessidade pungente de controlo e poder em qualquer contexto. Quando isso não se verifica, torna-se extremamente volátil, circunstância que o compele a cometer erros que muitas vezes comprometem irremediavelmente os seus planos.

The DC Dunce — Brainiac
O vínculo telepático de Brainiac com a sua nave
 é um dos pontos fracos do Colecionador de Mundos.
Nas raras ocasiões em que Brainiac colabora com outros seres que não se encontram sob seu controlo mental, ele domina-os pelo medo e, à primeira oportunidade, atraiçoá-los-á sem hesitações ou remorsos. Esta ausência de empatia acaba sempre por voltar-se contra ele. Especialmente quando isso provoca represálias por parte de ex-aliados poderosos como Lex Luthor.
No passado, a misofobia (aversão patológica a germes e outros agentes contaminantes) era outro dos calcanhares de Aquiles de Brainiac. Num dos seus primeiros recontros com o Homem de Aço, o vilão teve os seus sentidos sobrecarregados quando foi forçado a penetrar na atmosfera terrestre. Essa suscetibilidade ao nosso meio ambiente foi, contudo, suprimida por uma das suas cíclicas reconfigurações sistémicas.

Deus Ex Machina

Apesar de a sua autoria ter sido creditada a Otto Binder e Al Plastino, Brainiac foi decalcado de um conceito preexistente. A sua aparência e motivações são em tudo idênticas às de Romado, criminoso alienígena introduzido poucos meses antes nas tiras diárias do Super-Homem. Os dois tinham até um macaco branco chamado Koko como mascote comum.
Originário de um planeta não identificado, Romado - invocando uma versão extraterrestre de Lex Luthor - era um cientista calvo e de pele esverdeada que viajava pelo Cosmos à procura de novas aquisições para a sua coleção de cidades engarrafadas. Coleção que tinha como maior tesouro Dur-El-Va, uma magnífica metrópole kryptoniana abduzida pouco tempo antes da implosão do mundo natal do Homem de Aço.
À época editor dos títulos do Super-Homem, Mort Weisinger tinha como prática consagrada usar as tiras do herói para testar protótipos de personagens e conceitos que tencionava inserir na mitologia oficial. Antes de Brainiac, também Bizarro, por exemplo, fora sujeito ao mesmo tirocínio. Dur-El-Va, por seu turno, seria renomeada Kandor ao ser transplantada para o cânone.
Embora se desconheçam as razões para o rebatismo de Romado, Brainiac resultou da junção das palavras inglesas "brain" (cérebro) e "maniac" (maníaco). Ao que parece, ninguém na DC sabia porém que o nome já existia.
Escassos meses antes da estreia de Brainiac em Action Comics #242 (julho de 1958), Edmund Berkeley, pioneiro da Computação, havia patenteado o seu segundo "computador doméstico". Herdeiro direto do Geniac (lançado em 1955), Brainiac era descrito pelo seu criador como um "cérebro eletrónico". Designação sofisticada para um aparato rudimentar apetrechado com botões reconfiguráveis que lhe permitiam executar operações simples como jogar ao Jogo do Galo. Não obstante, esse tosco antepassado dos computadores modernos - cujo preço unitário rondava os 20 dólares - fez furor entre o público infantil.

BERKELEY, Edmund C. Brainiac electric brain kit. Collection of ''Brainiac''  components and printed materials, in cardboard box bearing the label of  Dumatic Industries, Inc, addressed to Berkeley. Newtonville, Mass, 1966. |  Christie's

O Brainiac de Edmund Berkeley ( em cima) precedeu a estreia
 do Colecionador de Mundos em Action Comics #242 (1958).
Em resposta às reclamações de Berkeley, a DC cuidou de arranjar uma solução airosa para o problema: em Superman #167 (fevereiro de 1964), Brainiac teve a sua origem revista, sendo transformado num computador vivo. Nessa mesma edição, a DC emitiu uma nota esclarecendo que o nome do vilão era uma homenagem à invenção de Berkeley. Que, seguramente grato pelo reconhecimento e pela publicidade gratuita, deu o assunto por encerrado.
Apesar de, com o tempo, ter granjeado o estatuto de arqui-inimigo do Super-Homem, inicialmente Brainiac funcionava mais como recurso narrativo, espécie de Deus Ex Machina nas mirabolantes tramas da Idade de Prata. Agindo quase sempre nos bastidores, o vilão impunha sucessivas provações ao herói, entrando em cena apenas ao cair do pano.
Numa dessas histórias clássicas, o Homem de Aço logrou resgatar Kandor da nave de Brainiac e guardá-la em segurança na sua Fortaleza da Solidão. Façanha que lhe renderia o ódio perpétuo do Colecionador de Mundos, cujas reais motivações seriam conhecidas apenas em Superboy #106 (julho de 1963).
Na história em questão, Brainiac revelava ser nativo do planeta Bryak, cuja população fora dizimada por uma misteriosa pandemia. O seu plano consistia, desse modo, em abduzir habitantes de outros mundos, com recurso ao seu raio encolhedor, objetivando o repovoamento de Bryak. Resultando óbvia a sua aspiração a tornar-se governante absoluto da nova sociedade.

Pura maldad: Brainiac - Es la hora de las tortas!!!
Sob o olhar atento de Koko, Brainiac encolhe Paris
 durante a sua primeira de muitas visitas à Terra
.
Na sequência da já citada revisão da sua origem, Brainiac seria apresentado como uma inteligência artificial alojada num corpo robótico fabricado pelos Computadores Tiranos de Colu (a nova designação do seu mundo natal) e investido da missão de espiar outros mundos passíveis de serem invadidos. De caminho foi também explicado que o conjunto de diodos que lhe adornavam o crânio eram, afinal, terminais elétricos dos seus circuitos internos.
Para justificar a existência de Brainiac 5, o seu descendente do século XXX admitido nas fileiras da Legião dos Super-Heróis, a história acrescentava que os Computadores Tiranos haviam providenciado um assistente a Brainiac. Tratava-se de um adolescente coluano chamado Vril Dox - vulgo Brainiac 2 - que se faria passar por filho adotivo do vilão. A ideia era disfarçar a sua natureza robótica, projetando a imagem de um simples cientista e pai de família como forma de conquistar a confiança dos seus alvos.

Hero History: Brainiac 5 — Major Spoilers — Comic Book Reviews, News,  Previews, and Podcasts
Por contraponto ao seu antepassado,
Brainiac 5 é uma força do Bem.
Após a assunção da natureza robótica de Brainiac, era frequente as histórias que o tinham como interveniente culminarem com a sua aparente destruição. Apenas para ressurgir ao fim de algum tempo com o seu corpo reconstruído e ainda mais obstinado. Por ser, em última análise, um programa informático senciente que poderia ser facilmente instalado noutras máquinas, Brainiac era por vezes anunciado como "o vilão imortal".
Imortal ou não, ao longo dos anos Brainiac provou ser um dos mais formidáveis adversários do Super-Homem. Especialmente quando agia em conluio com Lex Luthor, o único intelecto terrestre que considera à altura do seu e cujo ódio pelo Super-Homem é igualmente profundo.
Lex Luthor - Brainiac | Comic books art, Dc comics characters, Comic book  heroes
Luthor e Brainiac, génios do Mal.
Em 1983, Brainiac sofreria uma das suas mais radicais transformações. Numa fase assinada por Marv Wolfman e Gil Kane, a tradicional forma humanoide do vilão seria substituída por um tétrico esqueleto metálico. Mais implacável do que nunca, essa encarnação do Colecionador de Mundos fez a sua derradeira aparição em O que aconteceu ao Homem de Aço? e continua a ser a preferida de muitos fãs da velha guarda.
No rescaldo da Crise nas Infinitas Terras, a origem de Brainiac seria totalmente reescrita por John Byrne. Vril Dox era agora um cientista radical coluano disposto a tudo para libertar o seu mundo do jugo dos Computadores Tiranos. Sentenciado à morte, conseguiu no último instante transferir a sua consciência para um excêntrico mentalista terráqueo chamado Milton Moses Fine, o Sensacional Brainiac.
Dada a necessidade de fluido cranial para manter a possessão de Fine, Dox cometeu numerosos homicídios em Metrópolis, atraindo a indesejada atenção do Homem de Aço. Pouco apreciada pelos fãs, essa versão - dotada de genuínos talentos psíquicos -  depressa seria substituída por um figurino mais próximo do original.

Renascimento robótico pré-Crise.

No pós-Crise, Milton Fine serviu de avatar a Brainiac.

No contexto dos Novos 52, Brainiac teve novamente a sua origem revisitada. Na sua versão moderna, Vril Dox é um dos maiores cientistas de Yod-Colu, notabilizado pela sua avançada tecnologia no campo da miniaturização. Incapaz de impedir o destino fatídico do seu mundo, distribuiu a sua consciência por um vasto exército de sondas robóticas que percorre o Universo em busca de civilizações dignas de serem eternamente preservadas na nave do Colecionador de Mundos.
Por mais metamorfoses que Brainiac sofra, a sua natureza maligna e o seu ressentimento em relação ao Último Filho de Krypton seguem imutáveis. Ser biológico, androide ou uma mistura de ambos, não se lhe aplicam as leis do tempo e o seu legado nominal perdurará para todo o sempre.

Hidra cibernética de mil cabeças e um só cérebro.


Psicopata Robótico

Psicanalisar uma inteligência artificial poderá, a priori, afigurar-se um exercício paradoxal. A verdade, porém, é que, apesar da absoluta ausência de veleidades humanitárias, Brainiac nem sempre agiu como a máquina fria e calculista que é. Sobrevém essa singularidade do facto de a sua "personalidade" ter sido transplantada de um cientista coluano não-identificado que lhe serviu de arquétipo biológico.
Ao ter incorporados na sua programação original os engramas cerebrais do indivíduo em questão, Brainiac assimilou no processo alguns dos seus traços de caráter. A saber: complexo de Deus, megalomania e narcisismo maligno. Ao mesmo tempo que possibilitava o desenvolvimento de uma identidade individual por parte de Brainiac, o somatório dessas características fez dele um psicopata robótico.
Embora muito do comportamento inicial de Brainiac possa ser atribuído à sua programação pelos Computadores Tiranos de Colu, os constantes desvios à sua diretiva primária e o estabelecimento de novos desideratos comprovam que o cérebro eletrónico do vilão era suficientemente complexo para permitir o surgimento de processos de pensamento espontâneos e flexíveis como aqueles que fundamentam o livre-arbítrio. Por outras palavras, Brainiac era um autómato dotado de vontade própria.

A mente mais perigosa do Universo.
Ao visceral ódio de Brainiac pelo Super-Homem justapõe-se a sua obsessão pela aquisição de poder e conhecimento a todo o custo, com o objetivo último de se tornar um ser supremo. Evidências desse seu desejo de transcendência são os esforços por ele envidados no sentido de ampliar a sua coleção de civilizações encapsuladas e para recriar o Universo à sua imagem. A criatura aspira a ser o Criador.
Devido à aparente incapacidade dos seus criadores em reproduzir as nuances mais subtis da psicologia coluana, a personalidade artificial de Brainiac apresentava inicialmente algumas deficiências. Consequentemente, os seu traços de caráter eram, as mais das vezes, superficiais, óbvios e imutáveis nas suas manifestações, resultando num défice acentuado de empatia emocional.
Brainiac não consegue compreender, por exemplo, o que o Super-Homem vê na Terra, cujos avanços científicos e tecnológicos são irrisórios por comparação com os de Krypton. Ele nunca considera aspetos menos quantificáveis, como amor, amizade ou família. Por maior que seja a sua curiosidade antropológica, a natureza humana continua a afigurar-se-lhe um enigma indecifrável.
Essa incapacidade de Brainiac em processar emoções positivas e conceitos abstratos cristaliza-se igualmente na sua enorme dificuldade em interpretar linguagem figurada. Quando recorre a ela para comunicar com outros seres sencientes, os resultados variam entre o risível e o desastroso.
Quando, em vésperas da Crise nas Infinitas Terras, Brainiac teve a sua consciência digital transferida para um novo corpo robótico, todos os vestígios da sua personalidade coluana foram eliminados para sempre. Em virtude disso, o vilão tornou-se ainda mais friamente lógico e calculista, percecionando as emoções latentes como meros defeitos sistémicos da sua encarnação pregressa.
Paradoxalmente,  após esse expurgo emocional, Brainiac desenvolveu um medo irracional de uma suposta entidade divina - o Programador-Mestre - empenhada na sua destruição. Apesar de esse temor ter por base um conjunto de bizarras visões do Colecionador de Mundos durante o período em que a sua consciência habitou um supercomputador alienígena enquanto o seu corpo se reconstruía, é ele que vem pautando todas as suas ações desde então, designadamente as suas incessante tentativas de neutralização do Último Filho de Krypton.

Homem versus Máquina.

Miscelânea

*Conquistador Galáctico, Terror de Kandor, Psicopata Robótico, Pneumenoide e Dragão Mental são outros dos epítetos tradicionalmente conotados com Brainiac. Na fase dos Novos 52 foi, porém, inicialmente designado apenas como Colecionador de Mundos. Só mais tarde passaria a atender por Brainiac, ficando desse modo implícito que essa seria apenas outra das suas alcunhas, e não o seu nome verdadeiro;
*No vernáculo coloquial estadunidense, "brainiac" é um termo depreciativo para "intelectual" (equivalente ao nosso "marrão"). No entanto, contrariamente à crença generalizada, foi a personagem a inspirar a palavra, e não o inverso;
*Na sua primeira aparição, como forma de prevenir o envelhecimento do seu corpo, Brainiac entrou em animação suspensa durante a sua longa viagem de regresso a casa. Apesar de a Terra distar, aproximadamente, uma centena de anos-luz do planeta natal do vilão, era uma medida desnecessária, porquanto Brainiac era uma máquina e não um ser orgânico;
*Na capa de Action Comics #242, Brainiac surgia retratado com diodos incrustados no crânio. Porém, não há sinal desses adereços no interior da revista, que só ressurgiriam três anos depois, em Action Comics #275;

Comic Coverage: Which Came First? Brainiac or BRAINIAC?
Brainiac sem diodos a adornar-lhe a calva.
*Apesar do seu intelecto superior, durante a Idade de Prata Brainiac sofreu algumas derrotas embaraçosas perante  adversários improváveis, como Lois Lane, Jimmy Olsen e até um gorila(!);
*Antes de ser abduzida e miniaturizada pelo Colecionador de Mundos, Kandor era a resplandecente capital de Krypton. Em consequência do seu desaparecimento, Kryptonopolis, a cidade natal de Kal-El, seria elevada a capital planetária;
*O Super-Homem suspeita que Brainiac esteve diretamente envolvido na destruição de Krypton. Várias adaptações audiovisuais, como Superman: The Animated Series ou Smallville, têm, com efeito, imputado ao vilão a responsabilidade pela catástrofe que dizimou o planeta natal do Homem de Aço. Também uma história da Idade de Prata, publicada em Superman Vol.1 #141, mostrava como, ao sequestrar Kandor, Brainiac selara o fatídico destino dos kryptonianos;

Kandor - A Cidade Engarrafada | Guia dos Quadrinhos
Mapa dos principais monumentos de Kandor.
*Foi Brainiac quem, na continuidade dos Novos 52, criou o Supercyborg e revelou a Kal-El a sua origem kryptoniana;
*Em determinado momento, Brainiac viajou até ao século XXX, onde desenvolveu a habilidade de absorver e manipular enormes quantidades de energia estelar. Assumindo a persona de Pulsar Stargrave, antagonizou a Legião dos Super-Heróis e convenceu Brainiac 5 de que era o seu pai biológico;
*Embora efémero, o figurino esquelético de Brainiac seria imortalizado no imaginário coletivo por via da sua participação nas duas últimas temporadas de Super Friends e pela sua inclusão na coleção de bonecos Super Powers;
*Durante a Crise nas Infinitas Terras, Brainiac e Luthor, planeando conquistar os mundos remanescentes, resgataram dezenas de supervilões de diferentes pontos do Multiverso em desagregação;
*Galactiac foi o nome dado à combinação de Galactus e Brainiac no Universo Amálgama povoado por conceitos híbridos Marvel/DC;

Galactiac (Character) - Comic Vine
Galactiac era a síntese perfeita entre mente e máquina.
*Brainiac ocupa a 17ª posição na lista dos cem melhores vilões dos comics divulgada pela plataforma IGN. De entre os arqui-inimigos do Super-Homem, só Lex Luthor (4º lugar) conseguiu melhor classificação;
*Ainda sem contraparte cinematográfica, Brainiac esteve, no entanto, várias vezes perto de ser transposto ao grande ecrã. Um primeiro rascunho do argumento de Superman III (1983), da autoria do produtor Ilya Salkind, apresentava-o como antagonista principal. Na versão final do enredo, produzida a meias pelo casal David e Leslie Newman, Brainiac cedeu, porém, lugar ao supercomputador senciente construído por Gus Gorman. Por seu turno, o realizador Bryan Singer anunciou, em 2007, a sua intenção de incluir o vilão coluano em Superman: The Man of Steel, a sequência cancelada de Superman Returns (2006);
*O impressionante lastro mediático de Brainiac, que ao longo das últimas décadas tem marcado presença numa miríade de animações, jogos de vídeo e séries televisivas, teve início em 1966. Ano em que extravasou, pela primeira vez, os quadradinhos para participar em The New Adventures of Superman. Nessa lendária série animada produzida pela Filmation, o vilão era um androide criado pelo Professor Hecla, único sobrevivente do planeta Mega, devastado por um holocausto nuclear. Enviado para a Terra com a missão de construir uma Arca de Noé cósmica que permitiria repovoar Mega, Brainiac seria repetidamente derrotado pelo Super-Homem. Já a sua estreia em ação real ocorreu na quinta temporada de Smallville (2005-06), tendo sido interpretado por diferentes atores. Nesta versão, Brainiac era um computador vivo com forma humanoide e origem kryptoniana que, de algum modo, fora responsável pela desestabilização do núcleo de Krypton, que culminaria na implosão do planeta. Mais recentemente, o Colecionador de Mundos, agora encarnado por Blake Ritson e com um visual incrivelmente fiel aos comics, esteve em grande plano na temporada inaugural de Krypton (2018-19), série que revisita o passado do planeta e a genealogia de Kal-El.

Brainiac (Filmation Adventures) | DC Database | Fandom
Brainiac na sua estreia audiovisual e, em baixo, interpretado por
 Blake Ritson na 1ª temporada de Krypton.



*Este  blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Artigos sobre Otto Binder, Super-Homem e "O que aconteceu ao Homem do Amanhã" disponíveis para leitura complementar.

03 agosto 2020

ETERNAS: TARPÉ MILLS (1918-1988)


  Celebrou a feminilidade e implodiu estereótipos quando os comics eram ainda um restrito clube de cavalheiros. Espírito livre à frente do seu tempo, foi a primeira mulher a criar uma super-heroína e escandalizou o patriarcado com a sua ousadia.

Prestes a tornar-se octogenária, a Mulher-Maravilha continua a ser um ícone feminista e o arquétipo da super-heroína. Contrariamente, porém, à crença instalada, a Princesa Amazona idealizada por William Moulton Marston não foi a primeira justiceira fantasiada da Banda Desenhada.
Com efeito, o seu debute, em outubro de 1941, foi precedido por, pelo menos, uma vintena de congéneres apadrinhadas por diferentes editoras. Uma, em particular, sobressaiu pelo seu carisma e disputou à campeã das Amazonas a coroa da popularidade ao longo de toda a Idade de Ouro. Miss Fury, assim se chamava a rival, era uma personagem sui generis, desde logo por ter saído da imaginação de uma mulher. Facto por si só assinalável numa época em que os comics eram ainda um restrito clube de cavalheiros.
Também ela, à sua maneira, uma heroína de carne e osso, Tarpé Mills tornar-se-ia figura lendária da 9ª Arte. E, como é comum nestes casos, quase nada se sabe acerca da sua filiação, da sua infância ou da sua primeira juventude. Acrescentando um segmento ao labirinto do seu passado, nem a data de nascimento da autora é consensual.
Dependendo da fonte consultada, June Tarpey Mills terá vindo ao mundo a 25 de fevereiro de 1912 ou, mais provavelmente, nesse mesmo dia no ano da graça de 1918. Em contrapartida, não subsistem dúvidas no que concerne ao seu local de nascimento. Nova-iorquina de gema,  o Brooklyn serviu-lhe de berço e de base de operações.
June Mills cresceu num modesto lar desprovido de referências masculinas e onde todos os dias se provava que sexo fraco era um conceito machista que não se aplicava às mulheres que o habitavam. A essa espécie de república matriarcal presidia a sua mãe, jovem viúva que garantia o sustento das duas filhas com o seu emprego num salão de beleza.
Senhora de invulgar formosura e silhueta esbelta, ainda adolescente June Mills começou a trabalhar como modelo. Expediente que, a um só tempo, lhe permitia ajudar a família - à qual se haviam juntado os dois filhos da sua irmã recém-enviuvada - e custear os seus estudos no Pratt Institute, a mais prestigiada das escolas de arte nova-iorquinas.
Antes de tentar a sua sorte na florescente indústria dos comics, June Mills trabalhou como ilustradora de moda. Cortes e tecidos eram a sua verdadeira paixão e sonhava com uma carreira na alta costura. Com o tempo, June aprenderia a conciliar o melhor dos dois mundos, conferindo glamour às histórias de Miss Fury.
Algures entre 1938 e 1939, June Mills criou Daredevil Barry Finn para a Centaur Publications. Assim batizado por apreço ao seu sobrinho favorito, tratava-se de um garboso e destemido explorador que, qual antepassado de Indiana Jones, calcorreava o mundo em busca de tesouros e aventuras.

Daredevil Barry Finn | Tarpe Mills
Daredevil Barry Finn (1938) foi a primeira criação de Tarpé Mills.
Ainda ao serviço da Centaur, escassos meses mais tarde June Mills conceberia The Cat Man. Barton Stone, homem endurecido pela estada na prisão por um crime que não cometera, partilhava com a sua criadora uma afinidade quase sobrenatural com gatos. Tinha também por hábito disfarçar-se de velhinha indefesa para combater o crime. Bizarria que chocou alguns espíritos conservadores e que, com elevada quota de probabilidade, fez dele o primeiro travesti dos comics.


The Cat Man, um travesti justiceiro.
Nenhuma destas criações iniciais de June Mills se enquadrava, porém, nos preceitos do género super-heroico. O primeiro ensaio da autora nesse sentido aconteceu com The Purple Zombie.
Criado para a Eastern Color Printing em 1940, The Purple Zombie era um morto-vivo de cor púrpura e dotado de superpoderes que usava para proteger a sociedade que o temia e odiava. Como sempre, as suas histórias eram assinadas por Tarpé Mills. Sem que o público suspeitasse, por detrás desse pseudónimo andrógino escondia-se uma mulher de rara beleza e pluma virtuosa.
Coloquialismo francês para cigarro de enrolar, Tarpé derivava de Tarpey, apelido de solteira da avó irlandesa de June Mills. Levando em conta que June era uma fumadora inveterada - vício que, de resto, lhe prejudicaria gravemente a saúde no decurso dos anos - esse era um nom de plume que lhe assentava como um vestido feito por medida.
Seguindo as pisadas de outras pioneiras da indústria dos comics, foi essa a forma que June Mills encontrou para singrar num mundo de homens, e para evitar dececionar os seus jovens leitores. Numa das primeiras entrevistas cedidas após a saída do anonimato, a autora reconheceu que seria um enorme desapontamento para os rapazes que liam Daredevil Barry Finn ou The Purple Zombie se viessem a descobrir que as aventuras de heróis tão viris eram afinal escritas por uma mulher.

O primeiro protótipo de um super-herói com assinatura de Tarpé Mills.
1941 trouxe a consagração definitiva e o fim do segredo de Tarpé Mills. Desde abril desse ano - seis meses antes do surgimento da Mulher-Maravilha - que a tira Black Fury - como era inicialmente conhecida Miss Fury - vinha sendo publicada em vários jornais de âmbito nacional.
Se, à época, os comics eram um fenómeno de massas em franco crescimento, as tiras publicadas nos tabloides, mormente as inclusas nos respetivos suplementos dominicais, continuavam a ser o formato mais prestigioso. A ele tinham acesso apenas os autores mais talentosos. Tarpé Mills conseguiu fazer a transição e o estrondoso sucesso de Miss Fury colocou-a na berlinda.

Miss Fury foi uma das mais bem-sucedidas
 super-heroínas da Idade de Ouro.
Utilizando um estilo artístico que combinava harmoniosamente alta costura com aventureirismo no feminino, Tarpé Mills apresentou aos seus leitores Marla Drake. Uma bonita socialite - fac-símile da autora - que, depois de descobrir que uma rival usaria uma fantasia idêntica à sua num baile de máscaras, decidiu caprichosamente enfiar-se na pele de uma pantera negra.
Na verdade uma veste cerimonial africana herdada de um tio aventureiro, a pele estava imbuída de misteriosos poderes místicos. Fruto de uma suposta maldição, os poderes do traje causavam sempre algum tipo de infortúnio ao seu usuário. Recomendava, por isso, a prudência que fossem usados somente em casos de vida ou morte.
Assim, por contraponto à Mulher-Maravilha, semideusa com habilidades formidáveis, Miss Fury dependia essencialmente da sua astúcia e capacidades atléticas para triunfar sobre os seus adversários. As contra-indicações do traje constituíram, ademais, o álibi para Tarpé Mills privilegiar a identidade civil da heroína, a quem dotou de um exuberante guarda-roupa. Era, pois, comum ver Marla Drake a correr de saltos altos ou a saltar de paraquedas dentro de um elegante vestido de cetim. E, mesmo quando se apresentava com os seus paramentos felinos, destoava da generalidade das super-heroínas que combatiam o crime em trajes sumários. À tradicional objetificação sexual das mulheres na cultura popular, respondeu Tarpé Mills com a celebração da feminilidade e o culto do glamour.
Por outro lado, a origem de Miss Fury ridicularizava algumas convenções masculinas que permeavam o género super-heroico. A caminho do supramencionado baile de máscaras, Marla encontra dois malfeitores que prontamente subjuga com uma hilariante combinação de golpes de Karaté, pisadelas com os seus saltos agulha e uma baforada de pó de arroz nos olhos. No subversivo universo de Miss Fury, os presumíveis instrumentos do patriarcado - maquilhagem, sapatos de salto alto, vestidos vaporosos, etc. - eram usados contra o sistema.

Nas mãos de Miss Fury, até pó de arroz virava arma.
Alternando entre a sua identidade civil e a sua persona heroica, ao longo de uma década Marla Drake enfrentou, com inesgotável energia, desde reles bandidos a espiões, passando pelos inevitáveis cientistas insanos. Seria, no entanto, a condessa Erica Von Kampf - femme fatale nazi com uma suástica tatuada na testa - a ser erigida a sua arqui-inimiga. Sem que, no campo da sensualidade e da inteligência, alguma se assumisse como vencedora inequívoca, tal era o equilíbrio da disputa.
Sempre empenhada em implodir estereótipos sexistas e em desafiar o status quo, Tarpé Mills fez de Marla Drake uma mãe solteira depois de adotar o filho perdido da sua némesis. Isto numa época em que as famílias monoparentais eram olhadas de soslaio por uma sociedade americana cada vez mais influenciada por valores conservadores.
Malgrado a personalidade independente da protagonista, nas histórias de Miss Fury havia também espaço para o romance. Como em quase tudo o que dizia respeito à heroína, este assumia, porém, contornos pouco ortodoxos.
Denunciando a irreverência da autora, Marla Drake era o vértice de um triângulo amoroso com o seu ex-noivo, Gary Hale, e com o detetive Dan Carey. Este último investigava as operações de Miss Fury sem suspeitar que a heroína era o alter ego da sua namorada. Nessa frágil cadeia de afetos, os homens eram, inquestionavelmente, os elos mais fracos.
Numa radical inversão dos papéis tradicionais, no universo de Miss Fury eram os homens quem, invariavelmente, precisavam ser salvos - não raro, deles próprios. Durante a Segunda Guerra Mundial, a ausência dos homens abriu caminho ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho e para representações menos convencionais delas na cultura popular. Em sintonia com o ar do tempo, Tarpé Mills criou um símbolo do crescente poder feminino.
Foi também durante esse período histórico que Miss Fury atingiu o zénite da sua popularidade. As suas tiras eram então publicadas numa centena de jornais e, em 1942, foram vendidos mais de um milhão de exemplares de cada um dos oito volumes antológicos editados pela Timely Comics.
Inquéritos realizados na altura concluíram que as façanhas de Miss Fury cativavam em igual medida leitores de ambos os géneros. A pensar na sua crescente audiência feminina, Tarpé Mills passou a incluir nas suas tiras bonecas de papel recortáveis de Marla Drake e da condessa Von Kampf que permitiam às leitoras escolher as toilletes de cada personagem. Era tal o apelo de Miss Fury que a sua imagem chegou a adornar a fuselagem de bombardeiros americanos envolvidos no esforço de guerra aliado.

As bonecas de papel recortáveis permitiam escolher
 as indumentárias de Marla Drake e da condessa Von Kampf (baixo).



Por essa altura, já Tarpé Mills se tornara tão famosa quanto a sua criação. Rendida à sua beleza e talento, a imprensa transformou-a numa pop star, explorando trivialidades como o facto de a mascote de Miss Fury ter sido inspirada em Perri-Purr, o exuberante gato persa da autora. Esses dias resplandecentes de glória começariam, contudo, a embaciar-se no pós-guerra.

Bombardeiro americano com uma imagem de Miss Fury desenhada na fuselagem.
June Tarpé Mills era inseparável do seu gato persa de estimação.
Ironicamente, foi o glamoroso guarda-roupa de Marla Drake - que fazia as delícias das fãs - a estar na origem de um controverso episódio de censura. Em 1947, 37 jornais recusaram publicar um painel onde uma sensual coadjuvante dançava num clube noturno fantasiada de Eva, vestindo apenas um biquíni feito de folhas.
Essa não foi, todavia, a primeira vez que Miss Fury foi visada pela brigada dos costumes. Alguns anos antes, outro painel mostrando a condessa Von Kampf fazendo as suas abluções numa banheira fora igualmente vetado. Num aparente contrassenso, inúmeras outras imagens de mulheres em lingerie ou no duche haviam passado no crivo dos censores. Mas os tempos eram agora de mudança.

Um dos painéis censurados de Miss Fury.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o consequente regresso massivo dos homens ao mercado de trabalho, as mulheres voltaram a ser relegadas para as suas funções tradicionais de esposas e mães. Refletindo esse retrocesso social, a cultura popular deixou de promover personagens femininas com caráter forte e independente. Ademais, um significativo número de políticos e de psicólogos alinhados com o conservadorismo atribuíam o aumento da delinquência juvenil a essas representações heterodoxas das mulheres. Consequentemente, no início da década de 1950 as histórias de super-heroínas cederam lugar às historietas românticas nas quais se plasmavam toda a sorte de estereótipos sexistas.
Após o cancelamento de Miss Fury em 1951, Tarpé Mills trocou os quadradinhos pela publicidade comercial, rapidamente regressando ao anonimato. De onde emergiria apenas em 1971 para, ironicamente, produzir um conto romântico para Our Love Story, série mensal da Marvel Comics destinada ao público feminino. Antes de dobrar a esquina da década, Tarpé Mills começou a trabalhar numa graphic novel de Albino Joe, coadjuvante brasileiro de Miss Fury. A deterioração da saúde da autora impediu-a, no entanto, de finalizar a obra.
Tarpé Mills sofria de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica e os seus últimos anos de vida passou-os confinada no seu apartamento no Brooklyn devido à sua dependência de oxigénio. Apesar desse ocaso penoso, nunca deixou de fumar cigarro atrás de cigarro. Solteira e sem filhos, faleceu a 12 de dezembro de 1988, tendo sido sepultada num cemitério de Nova Jérsia sob uma singela lápide onde surge apenas identificada como criadora de Miss Fury. Epitáfio deveras redutor para uma mulher extraordinária cujo exemplo pioneiro na 9ª Arte continua a inspirar muitas congéneres a contrariarem a hegemonia masculina nesse segmento cultural.
Em 2019, num imperativo de memória e de justiça, Tarpé Mills seria finalmente resgatada da obscuridade, ao ser postumamente distinguida com um Eisner Award. Figurando agora o seu nome no Comics Hall of Fame (equivalente do Passeio da Fama de Hollywood) ao lado de outros demiurgos da Arte Sequencial,  como Jack Kirby, Lee Falk ou Bill Finger.
Quanto à sua criação suprema, após mais de meio século no domínio público, Miss Fury é desde 2012 propriedade da Dynamite Entertainment. Enquanto passeia a sua insolência felina por diferentes títulos da editora, Marla Drake vai seduzindo toda uma nova geração de leitores e mantendo vivo o legado daquela que foi a prima donna da era dourada dos comics.

Agora sob a égide da Dynamite Entertainment,
Miss Fury parte à conquista do século XXI.

*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à norma europeia da Língua Portuguesa.
*Artigo sobre a Timely Comics disponível para leitura suplementar.
*Conheçam aqui as 20 super-heroínas que antecederam a Mulher-Maravilha: https://www.syfy.com/syfywire/20-superheroines-who-were-saving-world-wonder-woman
*Agradecimento muito especial ao meu bom amigo Sebastião Nicolau, autor da belíssima montagem que abre este artigo. 





































































06 julho 2020

HERÓIS EM AÇÃO: JUSTICEIRO


  Olho por olho, dente por dente. Se Deus perdoa e a Lei é branda, ele não deixará crime algum sem castigo. Exército de um homem só, o seu Diário de Guerra é escrito a sangue e pontuado com caveiras. Porque a sua justiça extrema é uma sentença de morte para os culpados.

Denominação original: The Punisher
Editora: Marvel Comics
Criadores: Gerry Conway, John Romita Sr. e Ross Andru
Estreia: Amazing Spider-Man #129 (fevereiro de 1974)
Identidade civil: Francis Castiglione (nome de batismo legalmente alterado para Frank Castle)
Espécie: Humano
Local de nascimento: Queens, Nova Iorque
Parentes conhecidos: Mario e Louisa Castiglione (pais, falecidos); Maria Elizabeth Castle (esposa, falecida); Lisa Castle (filha, falecida); Frank Castle Jr. (filho, falecido); 
Ocupação: Vigilante; ex-oficial do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA
Base operacional: Embora tradicionalmente sediado na área metropolitana de Nova Iorque, a sua atividade requer grande mobilidade geográfica, inclusive missões no estrangeiro.
Afiliações: Ex-Marine; ex-parceiro de Microchip; ex-membro dos Marvel Knights, dos Defensores Secretos e dos Heróis de Aluguer. A personalidade insular e os métodos brutais de Frank Castle fazem dele um lobo solitário, pelo que as suas colaborações com outros vigilantes são sempre esporádicas.
Némesis: Retalho (Jigsaw, no original)
Poderes e parafernália: Frank Castle é exército de um homem só. O treino intensivo recebido ao serviço dos Fuzileiros Navais e de outras Forças Especiais, aliado à sua experiência de combate em diferentes teatros de operações, fizeram dele um especialista mundial em táticas de guerrilha. Adicionalmente, desde que passou a operar como Justiceiro, Frank tem vindo a expandir as suas competências em áreas essenciais para a sua guerra contra o crime: disfarce, técnicas de tortura, pirataria informática, recolha de informação, etc.
Metódico e altamente disciplinado, o Justiceiro prepara sempre de forma meticulosa as suas missões, consciente de que um simples detalhe poderá revelar-se fatal. Graças à sua resiliência e instinto assassino, consegue adaptar-se a praticamente qualquer situação e obter vantagem mesmo nos cenários mais adversos. Quanto maior o desespero, maior a sua perigosidade.
Dinheiro e outros bens apreendidos a narcotraficantes servem de fonte de financiamento às operações paramilitares do Justiceiro, a quem não se conhece outra atividade profissional.
Frank é também um atirador exímio, possuindo a rara capacidade de disparar com ambos os olhos abertos. Mesmo quando o alvo se move a velocidade sobre-humana, ele raramente falha. Certa vez, inutilizou os lançadores de teias do Homem-Aranha com dois tiros certeiros.
De metralhadoras a bazucas, passando por bestas e lança-chamas, o arsenal do Justiceiro - que é também perito em explosivos - é extremamente diversificado. Apesar da sua preferência por armamento convencional, é comum fazer engenharia reversa no equipamento confiscado a supervilões. Já foi visto a manobrar na perfeição o chicote elétrico do Chicote Negro e o planador do Duende Verde.

A última imagem vista por muitos criminosos.
No pináculo da forma física, o Justiceiro é igualmente letal no combate corpo a corpo. De entre o sortido de artes marciais e técnicas de autodefesa em que é proficiente, destacam-se o Krav Maga, o Muay Thai e o Nash Ryu Jujutsu. Quase sobre-humanos, os seus reflexos tornam-no um alvo difícil de atingir, ao ponto de já ter conseguido desviar-se do escudo do Capitão América e dos bastões do Demolidor.
Frank possui igualmente uma elevadíssima tolerância à dor. É comum suturar feridas sem recurso a analgésicos ou continuar a lutar mesmo após ter sido baleado à queima-roupa. O seu colete de Kevlar é a única proteção no campo de batalha.
Apesar de um furgão blindado lhe servir habitualmente de meio de transporte e base de operações móvel, o Justiceiro dispõe igualmente de uma rede de esconderijos secretos. É neles que guarda o seu arsenal e acrescenta novas entradas ao seu Diário de Guerra, misto de testemunho e manifesto antecipando uma morte prematura.
Lobo solitário por natureza e opção, o Justiceiro teve em Microchip, um génio da Informática, o seu mais duradouro associado. Era ele quem lhe providenciava tecnologia e o que de mais próximo Frank tinha de uma amizade.

Fraquezas: Dada a sua a condição de simples humano, Frank Castle é tão suscetível a maleitas, ferimentos e lesões incapacitantes como qualquer outra pessoa. Dependendo, por isso, mais das suas competências táticas e estratégicas do que das suas capacidades físicas nos ocasionais confrontos com superseres. Ainda assim, com o devido preparo, consegue bater-se em paridade de armas com adversários meta-humanos.
O seu draconiano código de honra impede-o, ademais, de ferir agentes policiais no cumprimento do dever, ou de colocar em perigo a vida de civis, designadamente de crianças. Condicionalismos morais que o levam por vezes a baixar a guarda e a ceder vantagem aos seus adversários. Durante a Guerra Civil, por exemplo, foi sumariamente derrotado pelo Capitão América porque a sua idolatria por aquele que considera um monumento vivo aos ideais fundadores dos EUA o inibiu de revidar.
Menos conhecida é a sua fobia pelo mar aberto, consequência de um trauma de infância não especificado. Certa vez, quando perseguia um grupo de narcotraficantes no Hawai, o Justiceiro, tolhido pelo medo, foi salvo de morrer afogado por um golfinho.

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Frank tenta justificar as suas ações ao ídolo de infância.

Justiça extrema

Saído da imaginação de Gerry Conway, à época escriba das histórias do Homem-Aranha, o Justiceiro (The Punisher, em inglês), surgiu numa altura em que os vingadores urbanos ditavam a Lei na cultura popular dos EUA.
Depois de, na década transata, ter vivido no esplendor de uma espécie de nova Camelot, nos anos 1970 a sociedade norte-americana foi brutalmente despertada para uma realidade sombria. Ao mesmo tempo que os índices de criminalidade disparavam para níveis inauditos, a nação perdia inexoravelmente a sua inocência.
Outrora seguras, as ruas das principais cidades americanas eram agora invadidas pelas drogas e pelos gangs. Face à corrupção institucionalizada e à perceção generalizada de impunidade, o homem comum deixava de confiar na polícia - tantas vezes de mãos atadas ou untadas - para proteger a sua vida e os seus bens.
A este novo contexto marcado pela violência e por uma autoridade em crise, respondeu a cultura popular introduzindo um novo tipo de justiceiro: o vigilante das ruas. Herdeiro direto dos pistoleiros solitários que, ao arrepio da Lei, vingavam os abusos e os crimes no Velho Oeste, no cinema teve em Dirty Harry (magistralmente interpretado por Clint Eastwood) o seu expoente máximo. Já na literatura, foi o Executor a impor esse viés justicialista ao melhor estilo americano.
Criação de Don Pendleton em 1969, o Executor era o alter ego de Mack Bolan, um ex-combatente da Guerra do Vietname que, após o brutal assassinato da sua família às mãos de mafiosos, se lançara numa implacável cruzada contra o crime. Seria ele a confessa fonte de inspiração de Gerry Conway para a criação de um novo vilão para as histórias do Escalador de Paredes.

Death Has a Name (Mack Bolan the Executioner, #96) by Mike McQuay
Mack Bolan, o Executor.

No esboço apresentado por Conway ao então diretor artístico da Casa das Ideias, John Romita Sr., a nova personagem tinha como símbolo uma pequena caveira estampada num dos lados do peito. Romita gostou do conceito, mas entendeu por bem aumentar o tamanho da caveira, que passaria, assim, a ocupar toda a zona peitoral.
Na hora de crismar a sua nova criação, Conway sugeriu Assassin (Assassino), mas Stan Lee, já inteirado da intenção do escritor de converter a personagem num anti-herói, considerou a designação inapropriada. Propondo, em alternativa, The Punisher - nome repescado de um obscuro servo robótico de Galactus.

Gerry Conway inspirou-se no Executor
 para criar o Justiceiro.
Na sua primeira aparição, em The Amazing Spider-Man #129 (fevereiro de 1974), o Justiceiro - sob o competente lápis de Ross Andru, o seu primeiro artista - foi apresentado como um vigilante sanguinário sem escrúpulos em matar criminosos. Paradoxalmente, havia sido recrutado por um para liquidar o Homem-Aranha.
De algum modo, o Chacal convencera-o que o Cabeça de Teia assassinara Norman Osborn (vulgo Duende Verde) sem razão aparente. Quando percebeu o logro, o Justiceiro não só poupou a vida do herói como o ajudou a derrotar um outro assassino de aluguer contratado para matá-lo.
Se nessa história inicial quase nada - exceto o facto de ser um ex-Marine - foi revelado acerca do passado do Justiceiro, as suas aparições subsequentes - sempre como coadjuvante e cada vez mais impactantes - revelariam a sua trágica origem (vide texto seguinte), consolidando a sua reputação de anti-herói psicologicamente perturbado.
Apesar de, pela sua estética e pela radicalidade dos seus métodos, destoar dos super-heróis convencionais, o Justiceiro depressa caiu nas boas graças dos leitores, rendidos ao recorte realista das suas histórias. A Marvel relutava, porém, em conceder-lhe mais do que aparições pontuais nos títulos do Homem-Aranha e do Demolidor. De tão crua, a filosofia do Justiceiro parecia não ter lugar na Casa das Ideias.

The Amazing Spider-Man (1963) #129
O Homem-Aranha na mira do Justiceiro
 em The Amazing Spider-Man #129 (1974).

Por fim, em 1986, mais de uma década volvida sobre o seu nascimento, o Justiceiro protagonizou a sua primeira minissérie. Escrita por Steve Grant e ilustrada por Mike Zeck, The Punisher teve o condão de consagrar definitivamente Frank Castle como um fenómeno de popularidade.
Na esteira do apreciável sucesso dessa primeira aventura a solo do Justiceiro, no ano seguinte seria lançada a sua primeira série mensal em nome próprio (também titulada The Punisher).
Foi, com efeito, na segunda metade da década de 1980 que o Justiceiro viveu os seus maiores momentos de estima pública, consubstanciados em três séries mensais: The Punisher War Journal, The Punisher War Zone e The Punisher Armory. Abrindo,dessa forma, caminho para o advento, no início dos anos 90, de toda uma nova geração de anti-heróis publicados sob as chancelas de diferentes editoras. Sem que, contudo, nenhum deles rivalizasse em carisma ou ombreasse em letalidade com o Justiceiro, a cura definitiva para o vírus do crime. Sem fantasias, sem superpoderes, sem arrependimentos.

Diário de Guerra

Francis "Frank" Castiglione nasceu no Queens (o maior dos cinco bairros que compõem Nova Iorque) a um humilde casal de imigrantes italianos de primeira geração. Na sua Sicília natal, o clã Castiglione gerava tradicionalmente homens fortes e profundamente católicos, contando inclusive com alguns padres.
Da interiorização desses valores familiares resultou a estruturação do caráter honesto, trabalhador e religioso do jovem Frank. Que, no final da puberdade, chegou mesmo a ingressar no seminário.
Devido à sua dificuldade em compreender porque consentia Deus tanto ódio e sofrimento no mundo, Frank depressa desistiu do sacerdócio. Também questionava os indulgentes ensinamentos do Catolicismo, que exaltavam a virtude do perdão. Para ele, este só poderia ser concedido após a punição dos pecados. E nem todos os pecados eram merecedores de perdão.
Determinado a fazer a diferença, Frank abraçou então uma carreira militar. Nos Marines encontrou uma segunda família e um propósito de vida. Treinado para ser uma máquina de matar, sobressaiu pela sua elevada letalidade tanto no combate armado como no desarmado. Extremamente disciplinado, corajoso e eficiente, teve ascensão meteórica na hierarquia da corporação, obtendo a patente de capitão.
De regresso a casa após a sua primeira comissão no Vietname, Frank desposou Maria Elizabeth, o amor da sua vida. Da união do casal resultaram dois filhos: Lisa e Frank Castle Jr.
Várias vezes condecorado pelo seu heroísmo em combate, Frank absorvia a admiração dos seus camaradas na exata proporção em que era temido pelos seus inimigos. Durante as batalhas, porém, uma vozinha maviosa instigava-o à violência irracional, levando-o a questionar a sua sanidade mental.

Frank Castle by Goran Parlov | Punisher comics, Punisher comic ...
Nascido para matar, marcado para morrer.
Frank atingiu o seu limiar crítico após assistir, impotente, ao massacre da sua unidade durante uma ofensiva fracassada contra posições vietcongs. Concluída a sua quarta e última comissão, solicitou transferência para os EUA, ansioso por se dedicar à vida familiar. Cansado da guerra, o soldado impiedoso daria lugar ao marido atencioso e ao pai extremoso.
Aquartelado nos arredores de Nova Iorque, nos anos imediatos Frank foi instrutor das Forças Especiais. Todo o seu tempo livre era passado na companhia da mulher e dos filhos. Foram tempos felizes para a família Castle, mas a tragédia não tardaria a bater-lhes à porta.
Em vésperas de viajar para Washington a fim de receber das mãos do Presidente mais uma comenda pelos serviços prestados à Pátria, Frank organizou um piquenique familiar no Central Park. O que deveria ter sido um dia de sonho para mais tarde recordar ganhou contornos de pesadelo tão-logo soaram os primeiros disparos.
No lugar errado à hora errada, os Castles presenciaram uma matança levada a cabo por mafiosos. Ao dar fé da presença de testemunhas, o líder do grupo ordenou aos seus homens que matassem todos a sangue-frio. Com Maria a implorar, em vão, para que os filhos fossem poupados.
Foi esse o cenário macabro apresentado a Mike McTeer, um jornalista de reputação duvidosa que vinha investigando os crimes da Máfia. Mas nem todos estavam afinal mortos. Embora gravemente ferido, como que por milagre Frank sobrevivera e foi transportado para o hospital.

Frank Castle (Earth-81223) | Marvel Database | Fandom
Poderá um homem realmente sobreviver á morte dos seus entes queridos?
Quando recobrou a consciência, Frank identificou os carrascos da sua família e foi informado do seu vínculo ao Clã Costa. Com recurso a subornos e álibis forjados, os mafiosos conseguiram, contudo, sabotar a investigação policial e saíram impunes do tribunal.
Inconformado com a inépcia do sistema judicial, Frank decidiu fazer justiça pelas próprias mãos. Um a um, os responsáveis pela morte da sua família foram sumariamente executados. Com Frank a demonstrar a mesma ausência de compaixão que eles tinham mostrado para com os seus filhos.
Sem que a sociedade o soubesse, Frank Castle morrera no Central Park juntamente com as pessoas que mais amava no mundo. No seu lugar nasceu o Justiceiro, um soldado urbano numa guerra pessoal contra o crime. Uma guerra sem fim e impossível de ser vencida, mas que ele está disposto a travar até à última bala (ou até ao último suspiro; o que acontecer primeiro).
Traficantes, violadores, assassinos, pedófilos; todos os que os zombam da Lei estão marcados para morrer. Porque o Justiceiro não faz prisioneiros!

O Justiceiro é sinónimo de pena capital.

A marca da caveira

A adornar os paramentos do Justiceiro desde a sua aparição inicial, com o rolar dos anos a caveira branca estilizada passou a ser sinónimo de terror no submundo do crime e elemento reconhecível do imaginário coletivo. Poucos conhecerão, porém, a origem desse símbolo de justiça extrema.
Contrariamente ao que se possa imaginar, Frank Castle começou a usar a caveira muito antes de empreender a sua cruzada pessoal contra todos aqueles que zombam da Lei. Na verdade, tudo começou do outro lado do mundo, numa guerra de tipo diferente.
Durante uma das suas comissões no Vietname, Frank moveu caça a um sniper inimigo cuja pontaria rivalizava com a sua, tendo, por isso, infligido dezenas de baixas entre os soldados americanos. Alcunhado de Macaco, o homem - a quem alguns atribuíam dons sobrenaturais -  trazia pendurado ao pescoço um pequeno medalhão com a forma de uma caveira.
Embrenhando-se sozinho nas profundezas da selva, Frank acabou capturado pelos vietcongs. Quando logrou escapar do cativeiro, decidiu deixar uma mensagem para o Macaco, sob a forma de uma rudimentar caveira branca pintada no peito de um dos guardas do campo e no seu próprio. Como tantos outros depois dele, essa espécie de pintura de guerra seria a última imagem que o Macaco veria em vida.

Macaco tinha uma caveira como talismã.
Numa versão alternativa da história apresentada em Punisher Max (um dos títulos da linha adulta lançada pela Marvel no início deste século), Frank Castle adotou a caveira como símbolo depois de esta lhe ter surgido num sonho. Independentemente da sua origem, a caveira é elemento essencial da iconografia do Justiceiro servindo o duplo propósito de intimidar os criminosos e de atrair os seus disparos, evitando dessa forma que eles mirem na sua cabeça.
De alguns anos a esta parte, a caveira do Justiceiro, pese embora com algumas cambiantes, tem vindo a ser adotada como emblema de forças militares e policiais estadunidenses, mas também de algumas milícias de extrema-direita conotadas com agendas antigovernamentais. A primeira vez que isso se verificou foi durante a Guerra do Iraque (2003-2011). Em sinal de admiração pela bravura e eficácia de Frank Castle enquanto membro das Forças Especiais, um regimento de Navy Seals incorporou-a no seu equipamento aquando da Segunda Batalha de Fallujah, nos anos terminais de 2004.
Em terras do Tio Sam, a icónica insígnia do Justiceiro popularizou-se no seio do Blue Lives Matter (Vidas Azuis Importam), um contra-movimento cívico surgido no ano de 2014, em resposta aos protestos do famigerado Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Constituído essencialmente por polícias e respetivas famílias, o Blue Lives Matter defende que os assassínios de agentes da Lei sejam tipificados como crimes de ódio.


HUGE BLUE LIVES MATTER POLICE DECAL PUNISHER SKULL PROTECT AND ...
A controversa caveira do movimento Blue Lives Matter.
Essas e outras apropriações indevidas motivaram condenações públicas por parte de Gerry Conway (cocriador do Justiceiro) e processos judiciais interpostos pela Marvel contra os prevaricadores.
Conway viria mesmo a terreiro expressar o seu repúdio pela associação da iconografia do Justiceiro às forças da Lei, sublinhando que a sua personagem representa, per si, uma crítica às falhas do sistema judicial. Ao adotarem o seu símbolo, os agentes da Lei estão, no fundo, a tomar partido dos que contestam a autoridade que corporizam. Carregando nas tintas, Conway comparou esse ato ao hasteamento de uma bandeira confederada no Capitólio. Não havendo, porém, registo de idêntica tomada de posição por parte do escritor relativamente ao elevado número de mortes de agentes policiais americanos às mãos de delinquentes de todas as cores.
Na ficção ou no mundo real, o significado e alcance das ações extremas do Justiceiro - estribadas na convicção que o sistema de impunidade é também promotor dos crimes - dividem opiniões, não deixando ninguém indiferente.

Miscelânea 

*Durante muito tempo retratado como um veterano da Guerra do Vietname (1955-1975), as incongruências cronológicas decorrentes desse elemento definidor da história do Justiceiro (a ter participado no conflito, Frank seria hoje um septuagenário) impuseram sucessivas atualizações da sua origem. Assim, das selvas do sudeste asiático ele foi transplantado para os campos de batalha da Guerra do Golfo (1990-91) antes de ser mostrado a travar a Guerra ao Terror (em curso desde o 11 de Setembro de 2001). Com o mais recente retcon a revisitar a sua participação na Guerra de Siancong, conflito fictício vagamente inspirado na Guerra do Vietname;
*Frank teve em tempos um cão de guarda chamado Max. O animal fora regatado a caçadores furtivos que o usavam nas suas atividades clandestinas. Quando Max foi baleado por um dos lugares-tenentes do Rei do Crime, Frank usou uma faca para pôr fim à agonia do seu fiel amigo de quatro patas. Outros animais de estimação do Justiceiro incluíram um Rottweiller - batizado de Max em homenagem ao seu malogrado antecessor - e um coiote que era a mascote de um gangue;
*Em algumas das suas primeiras história, a filha de Frank Castle era referenciada  pelo seu nome do meio (Barbara ou Barb);
*Durante a temporada que passou atrás das grades, o número de prisioneiro de Frank - 616 - era uma referência à antiga designação numérica do Universo Primordial Marvel, a Terra-616;

Random Rockin' Blog: January 2019
Frank Castle, prisioneiro nº616.
*À semelhança de tantas outras personagens dos comics, o Justiceiro já teve direito a umas quantas viagens ao Além, todas elas com bilhete de ida e volta. Numa delas, após ser induzido por demónios a suicidar-se, Frank foi escolhido pelo Céu para ser o seu Anjo Vingador. Durante essa fase (execrada pela generalidade dos fãs), o Justiceiro detinha o poder de retirar qualquer tipo de arma do interior da gabardina que lhe fora ofertada por um armeiro celestial;
*Por não sentir qualquer vestígio de remorsos pelo que faz, o Justiceiro é imune ao Olhar de Penitência do Motoqueiro Fantasma;
*Já por duas vezes os caminhos do Justiceiro e do Batman se cruzaram. Na primeira, encontrou em Jean-Paul Valley uma alma gémea; na segunda, foi impedido pelo verdadeiro Cavaleiro das Trevas de executar o Joker a sangue-frio;
*No Universo Amálgama, o Justiceiro era a persona vindicativa de Trevor Castle - mescla de Frank Castle com Steve Trevor (DC) - e a sua origem era em tudo idêntica à história clássica;
*Foi sob a égide da Abril brasileira que, em novembro de 1991, o Justiceiro teve o seu primeiro título solo em língua portuguesa. De periodicidade mensal, foram publicados 8 números, a preto e branco e em formato magazine;
*Na sua estreia em terras lusitanas, em Aventuras do Homem-Aranha nº10 (Agência Portuguesa de Revistas, julho de 1979), o Justiceiro - numa tradução literal do seu nome original - atendia por Castigador;

Os dois crossovers do Justiceiro com o Batman datam de 1994.
*A prestigiada revista de cinema Empire atribuiu ao Justiceiro o 19º lugar na sua lista de melhores personagens de banda desenhada de todos os tempos. Já no Top 200 da Wizard a criação de Gerry Conway e John Romita Sr. surge na 39ª posição;
*Em 1989, o sueco Dolph Lundgren foi o primeiro ator a vestir a pele do Justiceiro em The Punisher. Insolitamente traduzido em Portugal como Fúria Silenciosa, o filme assinalou a transição da personagem para o segmento audiovisual. No entanto, o Justiceiro só chegaria ao grande ecrã em 2004 (o primeiro filme foi lançado diretamente em vídeo), ano em que foi produzido um reboot homónimo com Thomas Jane no papel principal. Em 2008, Ray Stevenson rendeu Jane em Punisher: War Zone, conceito a meio caminho entre sequela e novo reboot. Apesar de ter perdido o papel, em 2012 Jane protagonizaria Punisher: Dirty Laundry, curta-metragem exibida pela primeira vez na edição desse ano da Comic Con de San Diego, e que deu a conhecer o novo logotipo do Justiceiro assinado por Tim Bradstreet;
*Apesar das suas ações violentas e da sua natureza sombria, o Justiceiro fez várias aparições em séries animadas da Marvel, nas quais a sua ferocidade tem sido invariavelmente amenizada para se adequar ao público-alvo desses projetos. Preocupação ausente em The Punisher, a primeira série em ação real do Justiceiro, com Jon Bernthal a dar corpo àquela que é, provavelmente, a versão mais sanguinária da personagem fora dos quadradinhos.

Os senhores da caveira.


*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à variante europeia da Língua Portuguesa;
*Artigos sobre Gerry Conway e os filmes Justiceiro e Justiceiro: Zona de Guerra disponíveis para leitura complementar.








05 junho 2020

RETROSPETIVA: "HOMEM-ARANHA"


   Enredado nas teias do Destino, um jovem inadaptado aprende uma dolorosa lição de vida: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades e perigosas inimizades. Conseguirá ele ser o herói que uma Nova Iorque ferida no seu orgulho tanto precisa?

Título original: Spider-Man
Ano: 2002
País: Estados Unidos da América
Duração: 121 minutos
Género: Ação / Fantasia / Super-heróis
Produção: Columbia Pictures, Marvel Enterprises e Laura Ziskin Productions
Realização: Sam Raimi
Argumento: David Koepp
Distribuição: Sony Pictures Releasing
Elenco: Tobey Maguire (Peter Parker / Homem-Aranha); Willem Dafoe (Norman Osborn / Duende Verde); Kirsten Dunst (Mary Jane Watson);  James Franco (Harry Osborn); Cliff Robertson (Ben Parker), Rosemary Harris (May Parker); J.K. Simmons (J. Jonah Jameson) e Joe Manganiello (Flash Thompson)
Orçamento: 139 milhões de dólares
Receitas globais: 825 milhões de dólares

Anatomia de um clássico

Na ressaca do fracasso comercial de Super-Homem III (1983), os filmes de super-heróis tornaram-se apostas de altíssimo risco que os grandes estúdios de Hollywood não se podiam dar ao luxo de fazer. Ainda assim, em 1985, a Cannon Films adquiriu à Marvel Comics os direitos de adaptação daquele que era, à época, o maior ativo da empresa capitaneada por Stan Lee: o Homem-Aranha. Além dos 225 mil dólares pagos à cabeça, o negócio previa ainda uma percentagem sobre as receitas de bilheteira. Ficando, no entanto, salvaguardado que, caso o filme não fosse lançado num prazo de cinco anos, os direitos reverteriam novamente para a Casa das Ideias.
Tobe Hooper, que à data finalizava Massacre no Texas 2, foi o primeiro realizador cooptado para o projeto. Menahem Golan e Yoram Globus, proprietários da Cannon e futuros produtores de Super-Homem IV: Em Busca da Paz (1987), interpretaram erradamente o conceito do Homem-Aranha, tomando-o por uma espécie de versão delirante do Lobisomem. Refletindo esse equívoco, Leslie Stevens, criador da série de ficção científica No Limiar da Realidade, escreveu um argumento no qual Peter Parker, um jovem fotógrafo freelance, servia de cobaia a um experimento científico envolvendo radiação. A metamorfose daí resultante transformaria Peter numa espécie de tarântula humana com oito braços, corpo coberto por uma espessa pelagem e fortes inclinações suicidas.
Naturalmente desagradado com esta abordagem, Stan Lee exigiu que fosse escrito um novo argumento mais fiel ao conceito original. Com assinatura de Ted Newsom e John Brancato, a nova versão do enredo tinha o Doutor Octopus como antagonista, embora o apresentasse como mentor de Peter Parker, um promissor estudante de ciências. Joseph Zito, que dirigira o bem sucedido Invasão EUA (1985), sucedeu a Tobe Hooper na cadeira de realizador.
Nova revisão do argumento solicitada por Zito resultou na inclusão de um inédito sidekick para o Doutor Octopus. Entretanto, a Cannon alocara 20 milhões de dólares para o projeto - orçamento digno de uma super-produção à luz dos padrões da época.

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Doutor Octopus foi o primeiro vilão escolhido
 para o filme do Escalador de Paredes.
Apesar de nenhum casting ter sido concluído, Zito sugeriu Scott Leva para o papel principal. Com uma carreira construída, essencialmente, como duplo (conquanto possuísse alguma experiência de representação), Leva posara em tempos como Homem-Aranha para fotos promocionais da Marvel. Outro nome equacionado para cabeça de cartaz foi o de Tom Cruise, ao mesmo tempo que o próprio Stan Lee sinalizou o seu interesse em interpretar J. Jonah Jameson. 
A braços com grandes dificuldades de tesouraria após os dispendiosos Super-Homem IV e Mestres do Universo, a Cannon cortou para metade o orçamento inicialmente previsto para o projeto, levando Zito a bater com a porta. Logo seguido por Menahem Golan que, após dissolver a sociedade com o primo, assumiu os destinos da 21st Century Film Corporation., levando consigo os direitos de adaptação do Escalador de Paredes.
Tendo ainda como ponto de partida o argumento com o Doutor Octopus, Golan contactou a empresa canadiana de efeitos especiais Light and Motion Corporation. Depois de, numa prática consagrada na indústria cinematográfica, ter vendido à Viacom os direitos televisivos do filme não produzido.
Em meados de 1994, logo após o lançamento de A Verdade da Mentira, o realizador James Cameron, autor de clássicos como Aliens e Exterminador Implacável,  submeteu um novo argumento da sua autoria à apreciação dos produtores. Além da origem clássica do Homem-Aranha, esta nova versão da história tinha Homem-Areia e Electro como vilões, culminando com uma batalha épica no cimo do World Trade Center. Com muitas licenças poéticas relativamente ao cânone, o argumento de Cameron incluía ainda uma controversa cena de sexo de Peter Parker (retratado como um adolescente libidinoso) e Mary Jane na Ponte do Brooklyn.

The Movie That Almost Was: James Cameron's Spider-Man!
James Cameron queria Leonardo DiCaprio como Homem-Aranha.
Para frustração de boa parte dos fãs, Cameron acabaria no entanto por se desvincular do projeto para dirigir o oscarizado Titanic. E, como um mal nunca vem só, a MGM, a nova dona da 21st Century, processou a Marvel Comics por alegada fraude no negócio com a Cannon. No corolário de uma longa e penosa disputa judicial, os tribunais determinaram que o contrato originalmente celebrado com Golan expirara, pelo que os direitos do Homem-Aranha reverteram para a Marvel, que, por esses dias, lutava desesperadamente pela sua sobrevivência financeira.
Em 1999, a Marvel licenciou os direitos do Homem-Aranha à Columbia, uma subsidiária da Sony Pictures Entertainment. Ao cabo de mais de uma década de tentativas frustradas, o filme do Homem-Aranha recebeu finalmente luz verde para ser produzido.
Da mudança de estúdio decorreu nova mudança de direção. David Fincher (Clube de Combate) encabeçava a lista de potenciais realizadores, mas seria descartado devido à sua recusa em filmar a origem do Homem-Aranha.
Sam Raimi foi o senhor que se seguiu, em janeiro de 2000. A sua confessa paixão por super-heróis e pelo Escalador de Paredes, em particular, foi determinante para sua escolha.
Chamado a reescrever o argumento de James Cameron, David Koepp despromoveu o Doutor Octopus a vilão secundário, em favor do Duende Verde. Raimi considerou no entanto que as duas personagens se ofuscariam mutuamente, e ordenou a supressão do primeiro. Em contrapartida, manteve um dos elementos mais controversos do argumento de Cameron: as teias orgânicas. Recorde-se que, na banda desenhada, Peter Parker inventou o fluido de teias sintéticas para municiar os seus lançadores manuais. Raimi considerava esse conceito implausível para um jovem estudante do secundário.

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Sam Raimi trocando impressões com Tobey Maguire e Kirsten Dunst
 durante a rodagem do filme que o consagraria.
Com o elenco definido, após muitas especulações sobretudo em volta do papel principal, as filmagens de Homem-Aranha arrancaram oficialmente a 8 de janeiro de 2001,com Nova Iorque e Los Angeles como panos de fundo. 
A produção ficou marcada por alguns incidentes. Um ex-segurança da Sony furtou vários uniformes do Homem-Aranha, cada um avaliado em 50 mil dólares.  Seguindo uma pista fornecida pela ex-mulher do larápio, as autoridades encontraram ainda na sua morada um Bat-traje propriedade da Warner Bros, misteriosamente desaparecido durante a rodagem de Batman & Robin (1997). Mais trágico foi o episódio que envolveu um dos operários que participava na construção dos sets. Quando uma empilhadora convertida em grua improvisada tombou, o homem morreu esmagado. 
A 29 de abril de 2002, o Mann Village Theater, um dos mais mais antigos e emblemáticos cinemas de Los Angeles, engalanou-se para receber a antestreia de Homem-Aranha. Quatro dias mais tarde, a 3 de maio, teve lugar a estreia nacional de um filme que entrou para os anais da 7ª Arte ao ser o primeiro a arrecadar 100 milhões de dólares no primeiro fim de semana em exibição. Com receitas globais que ultrapassaram os 820 milhões de dólares, tornou-se a adaptação de super-heróis mais rentável até àquele momento.

Enredo


Durante uma visita de estudo, Peter Parker e a sua turma do liceu visitam um laboratório de bioengenharia onde se encontra patente uma exposição de aranhas. Nem Harry Osborn, o seu melhor amigo, nem Mary Jane Watson, a sua paixoneta secreta, se apercebem da picada desferida na mão de Peter por uma aranha geneticamente modificada.
De regresso a casa dos tios, com quem mora desde a morte dos pais, Peter sente-se febril e cai num sono pesado povoado por sonhos bizarros.
Enquanto isso, Norman Osborn, pai de Harry e presidente executivo da Oscorp, tenta garantir um contrato militar de vital importância para a sua empresa. Após uma demonstração fracassada, Norman, ignorando os avisos do seu assistente, testa em si mesmo um soro experimental. A fórmula incrementa-lhe as capacidades físicas mas, como efeito colateral, deixa Norman mentalmente instável.
Na manhã seguinte, um atónito Peter descobre que a sua miopia foi, literalmente, curada da noite para o dia. Também o seu corpo, habitualmente franzino, desenvolveu massa muscular, conferindo-lhe um porte atlético.

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A picada de uma aranha mudará para sempre a vida de Peter Parker.
Na escola, Peter faz outra descoberta surpreendente: o seu organismo é agora capaz de produzir teias altamente resistentes. Ao tentar livrar-se delas, atinge acidentalmente com um tabuleiro de comida Flash Thompson, o valentão que há anos o arrelia.Peter evita no entanto ser espancado por Flash, graças a uma espécie de sexto sentido que o alerta para o perigo. A sua força e agilidade sobre-humanas deixam rapidamente o brutamontes fora de combate, perante o olhar incrédulo de Mary Jane.
Fazendo tábua rasa do conselho do seu tio Ben ("Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades."), Peter inscreve-se num torneio de luta-livre. O plano consiste em usar os seus novos poderes para ganhar o dinheiro de que precisa para comprar um carro, com o qual tenciona impressionar Mary Jane. Apesar de se apresentar disfarçado de Aranha Humana, o locutor anuncia-o como Homem-Aranha.
Peter sai vitorioso do combate mas é enganado pelo promotor do mesmo, recebendo uma quantia muito inferior àquela que lhe havia sido prometida. Consequentemente, quando um ladrão armado irrompe pelo escritório do promotor, Peter nada faz para impedir a sua fuga.
Mais tarde, porém, Peter encontra o seu tio moribundo na rua, depois de ter resistido a uma tentativa de carjacking. Peter parte no encalço do assassino, apenas para descobrir que se trata do mesmo ladrão que deixara escapar minutos atrás. Encurralado num armazém abandonado, o criminoso cai por uma janela e morre.

Why does Uncle Ben die in the Spider-Man movies? | Don't Tell Harry
A morte do tio Ben ensina uma dolorosa lição a Peter.
Longe dali, Norman Osborn, envergando o protótipo de um exoesqueleto roubado à Oscorp, interrompe um ensaio de tecnologia militar desenvolvida pela Quest Aeroespacial. Do ataque resultam vários mortos e feridos.
Logo após a sua cerimónia de graduação, Peter começa a usar as suas habilidades aracnídeas para combater o crime e a injustiça. Criando, para esse efeito, a identidade de Homem-Aranha e uma fantasia alusiva.
À medida que as aparições do Homem-Aranha aumentam de frequência, J. Jonah Jameson, o irascível editor do jornal Daily Bugle, contrata Peter como fotógrafo freelance, uma vez que ele é o único a conseguir imagens nítidas do novo vigilante mascarado.
Ao tomar conhecimento dos planos do Conselho de Administração da Oscorp de forçá-lo a vender a sua empresa à Quest, Norman decide cortar o mal pela raiz. Novamente disfarçado de Duende Verde, assassina todos os membros do Conselho durante o Festival da Unidade Mundial.
Quando o Homem-Aranha intervém, o Duende Verde, impressionado com as habilidades do seu adversário, oferece-lhe um lugar a seu lado. Peter recusa e os dois envolvem-se numa violenta escaramuça, com o Escalador de Paredes a receber um profundo corte no antebraço antes de o Duende Verde desaparecer por entre uma revoada de risadas maníacas.

Spider-Man OST 25. Parade Attack - YouTube
A aranha não será presa fácil do duende.
No jantar de Ação de Graças em casa de May Parker, Norman deteta o ferimento no antebraço de Peter, deduzindo ser ele o Homem-Aranha. Nessa mesma noite, o Duende Verde ataca e aterroriza a tia May. Os ferimentos da idosa obrigam à sua hospitalização, deixando Peter transtornado e temendo pela segurança dos seus entes queridos.
No dia seguinte, Mary Jane confidencia a Peter a sua paixoneta pelo Homem-Aranha, que a salvou em numerosas ocasiões. Harry chega no exato instante em que o casal dá as mãos, presumindo que era a Peter que a namorada acabara de confessar os seus sentimentos.
Consumido pelo ciúme, Harry conta ao pai que Peter e Mary Jane estão enamorados, revelando inadvertidamente a maior fraqueza do Homem-Aranha.
Nessa noite, o Duende Verde sequestra Mary Jane e um teleférico apinhado de crianças. Enquanto segura ambos no alto de uma ponte, o vilão obriga o Homem-Aranha a escolher qual deles salvará.
No entanto, embora a muito custo, o Homem-Aranha consegue salvar Mary Jane e os passageiros do teleférico. Simultaneamente, o Duende Verde vê-se bombardeado por civis que, ao presenciarem a dramática cena, tomam o partido do herói.

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Mary Jane salva pelo seu herói.
Furioso, o Duende Verde arrasta o Homem-Aranha para um edifício devoluto, espancando-o brutalmente. Quando o vilão, prestes a levar a melhor, anuncia a sua intenção de matar Mary Jane, Peter recupera o alento e derrota-o.
O Duende Verde revela então a sua verdadeira face, e Peter nem quer acreditar que se trata do pai do seu melhor amigo. Ao mesmo tempo que implora por perdão, Norman aciona o controlo remoto do seu planador, para direcioná-lo contra Peter. Alertado pelo seu sentido de aranha, Peter desvia-se do ataque e Norman acaba empalado pelo próprio aparato.
Antes de exalar o seu último suspiro, Norman pede a Peter que não conte a Harry acerca do Duende Verde. Peter aquiesce e transporta o corpo inerte de Norman até à sua mansão. É no entanto surpreendido pela chegada de Harry que, perante aquele quadro, toma o Homem-Aranha como assassino do seu pai.
No funeral de Norman, Harry jura vingança contra o Homem-Aranha e diz a Peter que, agora que também ficou órfão, ele é a única família que lhe resta.
Mary Jane, por sua vez, declara o seu amor por Peter. Mas ele, sentindo-se na obrigação de protegê-la dos inimigos do seu alter ego, esconde os seus verdadeiros sentimentos, respondendo-lhe que apenas poderão ser amigos. Os dois trocam um beijo fugaz e, enquanto Peter se afasta, à memória de Mary Jane acode a lembrança da noite em que os seus lábios tocaram os do Homem-Aranha.
Enquanto abandona o cemitério, de semblante carregado e sob um céu carrancudo, Peter rememora as palavras do seu tio Ben sobre responsabilidade, e aceita a sua missão de vida como Homem-Aranha.

Trailer:



Prémios e nomeações


Nomeado para dois Óscares (Melhores Efeitos Especiais e Melhor Som), Homem-Aranha perderia a corrida em ambas as categorias para dois adversários de peso - respetivamente, O Senhor dos Anéis: As Duas Torres e o musical Chicago. Conquistou, no entanto, o People's Choice Award de Melhor Filme e, graças à partitura composta por Danny Elfman, o Saturn Award para Melhor Banda Sonora.
A título individual, Kirsten Dunst viu a sua interpretação (considerada demasiado apagada por alguns críticos) ser distinguida com o MTV Movie Award para Melhor Atriz.

Curiosidades


*Criação conjunta de Stan Lee e Steve Ditko, a estreia do Homem-Aranha ocorreu em agosto de 1962, nas páginas de Amazing Fantasy #15. Menos de um par de anos volvidos, em julho de 1964, os mesmos autores introduziriam o Duende Verde (Green Goblin, no original), em Amazing Spider-Man #14. Apesar de, desde então, ter reclamado para si o estatuto de némesis do Escalador de Paredes, o Duende Verde não foi o primeiro supervilão a participar nas histórias do herói aracnídeo. Essa honra coube ao Camaleão, outro antagonista clássico do Homem-Aranha que, conforme o nome sugere, possui a habilidade de mimetizar a fisionomia de outrem. O Duende Verde foi, contudo, o primeiro inimigo do Homem-Aranha a descobrir a identidade secreta do herói;

A primeira aparição do Duende Verde em Amazing Spider-Man #4 (1964).
*O filme apresentou o primeiro confronto entre o Homem-Aranha e o Duende Verde em ação real. Até então, os dois apenas haviam medido forças na banda desenhada e em séries de animação;
*Homem-Aranha marcou igualmente a estreia em ação real de vários dos coadjuvantes clássicos do Escalador de Paredes, designadamente Mary Jane Watson, Flash Thompson, Norman Osborn ou o próprio Tio Ben. Em 1977, The Amazing Spider-Man, série televisiva protagonizada por Nicholas Hammond (que faz um cameo no filme), preterira essas e outras personagens em favor de outras criadas propositadamente para o pequeno ecrã;
*Na versão canónica, Mary Jane é sobrinha de Anna Watson, vizinha e melhor amiga de May Parker. Apesar das visitas frequentes a casa da tia, MJ só travaria amizade com Peter Parker no campus da Universidade Empire State, onde ambos estudavam. Contudo, no reboot Ultimate Marvel MJ, à semelhança do que é mostrado no filme, é apresentada como a rapariga da porta ao lado por quem Peter nutre uma paixão platónica desde o início da puberdade;

Pin em amazing spiderman comic s mary jane
Peter e MJ trocam o primeiro beijo.
O início de uma bonita história de amor que acabaria em casamento.
*No filme, a fonte dos poderes de Peter Parker é uma aranha geneticamente modificada para combinar as melhores habilidades de várias espécies. Nos quadradinhos, a responsável pela metamorfose de Peter foi uma aranha radioativa. Se na vida real o animal morreria tão-logo fosse irradiado, a sobrevivência da sua prima geneticamente aprimorada seria altamente provável. Do mesmo modo, a transmissão das suas habilidades a um ser humano por via de um picada seria teoricamente possível;
*Contrariamente a Tobey Maguire - que admitiu nunca ter lido uma história do Homem-Aranha na vida - Sam Raimi é um ávido colecionador de comics, estimando-se que possua mais de 25 mil itens dessa natureza no seu acervo pessoal. Foi esse o motivo que tornou a sua escolha para dirigir o filme tão popular entre os fãs do Escalador de Paredes;
*26 milhões de dólares foi o cachê recebido por Tobey Maguire (escolha pessoal de Sam Raimi) ao assinar o contrato que previa a sua participação numa hipotética sequela;
*Antes de, por sugestão da esposa de Sam Raimi, lhe ser atribuído o papel de Harry Osborn, James Franco chegou a fazer testes para Homem-Aranha. Despeitado, Franco troçaria depois da prestação de Tobey Maguire, comparando-o com um "homem-rã". Maguire acusou o toque e a tensão entre os dois atores - que contracenaram em toda a trilogia - foi uma constante no decurso das filmagens. Em entrevistas concedidas a posteriori, Maguire reconheceu que a rivalidade entre ambos ainda subsiste;
*A primeira cena gravada foi aquela que mostra Peter a regressar febril a casa após a visita de estudo durante a qual foi picado por uma "super-aranha";
*O figurino inicialmente concebido para o Duende Verde era mais parecido com o da banda desenhada. Além de orelhas e dentes pontiagudos, a máscara teria embutidas lentes de contacto amarelas. Por ter sido considerado demasiado sinistro para um filme que se queria para toda a família, o visual foi descartado pela produção. Os testes de ecrã realizados com ele podem, porém, ser encontrados no YouTube;

Green Goblin Costume From Spider Man 1
O visual original do Duende Verde (esq.) foi considerado demasiado assustador
 para um filme que se queira para toda a família.
*Depois de Willem Dafoe ter dispensado duplos para as cenas mais arriscadas, o traje do Duende Verde entretanto aprovado foi sujeito a diversas modificações. O objetivo era torná-lo mais ágil e elegante do que o robusto modelo original. Compostos por 5800 peças, os novos paramentos demoravam uma hora a ser vestidos por Dafoe;
*Em vez das tradicionais teias negras da BD, o figurino cinematográfico do Homem-Aranha foi debruado com teias prateadas, de modo a criar profundidade. Sem elas, a equipa de efeitos visuais não conseguia imprimir realismo às cenas em que o herói usavas as suas teias para se balançar pela cidade;
*Além de desconfortável, o modelo original do uniforme do Homem-Aranha - confecionado como uma peça única, - obrigava Tobey Maguire a despir-se por completo de cada vez que tinha de satisfazer alguma necessidade fisiológica. A solução encontrada consistiu em criar uma discreta abertura nas calças que permitia ao ator aliviar-se sem ter de ficar em pelota;
*A principal dificuldade sentida por Tobey Maguire durante a gravação da icónica cena do beijo de cabeça para baixo trocado com Mary Jane sob chuva intensa foi ter as fossas nasais constantemente inundadas de água;

Pegadinha imita beijo do Homem-Aranha
Um dos beijos mais icónicos e difíceis de executar na história do cinema.
*A sequência em que o Homem-Aranha se esquiva das lâminas voadoras do Duende Verde num prédio em chamas foi filmada com recurso à mesma técnica fotográfica de Matrix (1999);
*Na primeira versão do seu tradicional cameo, Stan Lee surgia como um vendedor ambulante que procurava convencer Peter a comprar um par de óculos iguais aos que Ciclope usara em X-Men. Também Bruce Campbell (Evil Dead), Lucy Lawless (Xena, a Princesa Guerreira), dois velhos amigos de Sam Raimi, e Ted Raimi (irmão do realizador) tiveram direito a pequenas participações no filme;
*O clímax do filme é baseado em A Morte de Gwen Stacy, originalmente publicada em The Amazing Spider-Man #121 (junho de 1973). Nessa história clássica do Homem-Aranha com assinatura de Gerry Conway e Gil Kane, o Duende Verde rapta Gwen Stacy, o primeiro grande amor de Peter Parker, deixando-a suspensa no cimo de uma ponte. Ao tentar salvá-la de uma queda fatal, o herói acaba acidentalmente por matá-la. No filme, Mary Jane faz as vezes da sua malograda antecessora, com a diferença de que sobrevive para participar nas sequelas. Já a morte do Duende Verde, empalado pelo próprio planador, é extremamente fiel à história original;
*Durante a cena do funeral de Norman Osborn, é possível ver um túmulo adjacente com o apelido "Stacy" inscrito na lápide. Trata-se de uma possível alusão à morte do Capitão George Stacy, pai de Gwen e que, na BD, perdeu a vida durante um recontro entre o Homem-Aranha e o Doutor Octopus. Embora ausente do filme, Gwen Stacy marcaria presença em Homem-Aranha 3 (2007);
*O primeiro teaser trailer do filme mostrava um grupo de assaltantes a fugirem de helicóptero depois de terem roubado um banco. O voo da aeronave era então subitamente travado por uma gigantesca teia de aranha, que a deixava presa no espaço entre as duas torres do World Trade Center. Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 ditaram, porém, a retirada do trailer original e a subsequente produção de um novo. Idêntico destino tiveram os primeiros cartazes promocionais do filme, que mostravam o reflexo das Torras Gémeas nas lentes polarizadas da máscara do Homem-Aranha. A maior parte deles não foi, todavia, recuperada, tratando-se de artigos muito cobiçados por colecionadores;
*Da banda sonora oficial do filme faz parte um cover dos Aerosmith do tema musical que acompanhava o genérico de abertura de Spider-Man, série animada cujas três temporadas foram originalmente emitidas pelo canal ABC, entre 1967 e 1970;
*Escrita pelo próprio Stan Lee e ilustrada pelo britânico Alan Davis, a adaptação oficial de Homem-Aranha aos quadradinhos foi lançada pela Marvel Comics em junho de 2002 com duas capas variantes: uma com assinatura de John Romita Jr., outra com uma imagem do filme. Esta última serviria de frontispício à versão colocada à venda na cadeia de supermercados Wallmart, bem como à edição portuguesa publicada pela Devir nesse mesmo ano.

Spider-Man The Official Movie Adaptation
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As duas capas variantes da adaptação oficial do filme.

Veredito: 81%

A espera foi longa mas valeu a pena. No dealbar do novo milénio, o Homem-Aranha, o mais famoso dos inquilinos da Casa das Ideias, recebeu, por fim, uma valorosa adaptação cinematográfica que, a um só tempo, pulverizou recordes de bilheteira e elevou a fasquia de qualidade dos filmes de super-heróis ao extremo. Obrigando, dessa forma, produções análogas a avultados investimentos em efeitos especiais inovadores e elencos estelares.
Paradoxalmente, a razão do sucesso de Homem-Aranha reside no seu registo popular isento de floreados narrativos ou pretensiosismos metafísicos. O seu mérito principal consiste, portanto, em agradar quer aos fãs (a maioria, pelo menos) quer ao público casual que apenas conhece de raspão a mitologia do Escalador de Paredes.
O filme apresenta uma história simples e divertida mas que encerra uma importante lição de vida sobre a necessidade de assumirmos novas responsabilidades e aceitarmos as consequências das nossas decisões. Claro que essa mensagem é repassada de forma superficial, sendo facto consabido que complexidade existencial e super-produções hollywoodescas raramente casam bem.
Sem embargo para a sua espetacularidade e eficácia, as cenas de ação, tradicionalmente complicadas de gerir, ocupam uma pequena parte do filme; apenas o suficiente para entreter a audiência. No cômputo geral estão bem construídas, sendo completadas com efeitos especiais convincentes. Ficando, contudo, patente que a preocupação primordial do argumento assenta na evolução psicológica das personagens (com óbvio enfoque no protagonista) em detrimento de recitais de pancadaria e explosões.  Sam Raimi dá mostras do seu talento de cineasta ao evitar o exagero visual que perpassa por outras produções do género.
Outro ponto de interesse do filme é a banda sonora assinada pelo veterano Danny Elfman. Mesmo sem criar nenhum tema icónico, Elfman logrou compor belas melodias que enquadram na perfeição a história que se desenrola aos olhos dos espectadores.
De entre os elementos de destaque, o elenco, apesar de transpirar talento, é aquele que convence sem deslumbrar. Por contraponto à fraca atuação de Kirsten Dunst - que desempenha um papel frágil e pouco apelativo - a interpretação de Willem Dafoe é digna de vénia. Apesar de continuar a ser o meu intérprete favorito do herói aracnídeo, Tobey Maguire poderia - e deveria - ter incutido um pouco mais de carisma à sua personagem. Qualquer verdadeiro fã do Cabeça de Teia sentiu falta das suas piadinhas infames, que nos arrancam gargalhadas e deixam os criminosos à beira de um ataque de nervos.
Em suma, Homem-Aranha é uma película bastante divertida e de fácil entendimento que, graças a múltiplos elementos técnicos e narrativos de qualidade, garantiu lugar de destaque no imaginário coletivo e, em particular, na memória afetiva dos fãs que há muito ansiavam por ver o seu ídolo a balançar-se de teia em teia no grande ecrã.





.*Este blogue tem como Guia de Estilo o Acordo Ortográfico de 1990 aplicado à variante europeia da Língua Portuguesa;
**Artigos sobre Steve Ditko e A Morte de Gwen Stacy disponíveis para leitura complementar.